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Representações e usos de plantas medicinais por homens idosos

Resumos

Objetivou-se, neste estudo, conhecer e compreender as representações sobre o uso de plantas medicinais por homens idosos, assistidos em Estratégias de Saúde da Família de Dourados, MS. Participaram deste estudo 18 homens idosos com idade igual ou superior a 60 anos, fazendo uso de quatro ou mais medicamentos. Trata-se de pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória. Os resultados apontaram que ainda existe o consumo de plantas medicinais entre os idosos, principalmente no tratamento de morbidades menores. As representações sobre as plantas medicinais parecem ancoradas na concepção de segurança, ou seja, são naturais e apresentam poucos efeitos colaterais. Seu uso é feito concomitantemente com os medicamentos industrializados, sem atentar para os riscos das interações. Os homens idosos utilizam as plantas medicinais sem, no entanto, relatar aos profissionais de saúde. Logo, faz-se necessária a educação permanente da equipe de saúde e da enfermagem, voltada para a fitoterapia, visando contribuir para o uso seguro e eficaz das plantas medicinais.

Plantas Medicinais; Saúde do Homem; Saúde do Idoso


The aim of this study was to know and understand the representations and use of medicinal plants by elderly men assisted in the Family Health Strategies of Dourados, MS. Participated in this study, 18 elderly men aged over 60 years, using four or more medications. The research was conducted with qualitative approach. The results showed that there is still the consumption of medicinal plants among the elderly, especially in the treatment of minor harm. The representations about the plants seem anchored in the concept of safety; they are natural and few side effects. Its use is made concurrently with the manufactured medicines without regard to risk of interactions. Older men use medicinal plants, without however reporting to health professionals. Therefore, it is necessary continuing education focused on phytotherapy health team and nursing, contributing to safe and effective use of medicinal plants.

Medicinal Plants; Men's Health; Health of the Elderly


El objetivo de este estudio fue conocer y comprender las representaciones y el uso de plantas medicinales por los mayores asistidos en Estrategias de Salud de la Familia de Dourados/MS. Participaron de ese estudio 18 hombres de edad con edad igual o superior a 60 años, haciendo uso de cuatro o más medicamentos. Se trató de investigación cualitativa, descriptiva y exploratoria. Los resultados apuntaron que aun existe el consumo de plantas medicinales entre los mayores, principalmente en el tratamiento de mortalidades menores. Las representaciones sobre las plantas medicinales parecen ancladas en la concepción de seguridad, o sea, son naturales y pocos efectos colaterales. Su uso es hecho concomitantemente con los medicamentos industrializados, sin atentar los riesgos de las interacciones. Los mayores utilizan las plantas medicinales sin, sin embargo, relatar a los profesionales de salud. Luego, se hace necesario la educación permanente del equipo de salud y de la enfermería vuelta para la fitoterapia, aportando al uso seguro y eficaz de las plantas medicinales.

Plantas Medicinales; Salud del Hombre; Salud del Anciano


ARTIGO ORIGINAL

IEspecialista em Enfermagem de Urgência e Emergência

IIMestrando, Universidade Estadual de Maringá, Brasil

IIIPhD, Professor Adjunto, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Dourados, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

Objetivou-se, neste estudo, conhecer e compreender as representações sobre o uso de plantas medicinais por homens idosos, assistidos em Estratégias de Saúde da Família de Dourados, MS. Participaram deste estudo 18 homens idosos com idade igual ou superior a 60 anos, fazendo uso de quatro ou mais medicamentos. Trata-se de pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória. Os resultados apontaram que ainda existe o consumo de plantas medicinais entre os idosos, principalmente no tratamento de morbidades menores. As representações sobre as plantas medicinais parecem ancoradas na concepção de segurança, ou seja, são naturais e apresentam poucos efeitos colaterais. Seu uso é feito concomitantemente com os medicamentos industrializados, sem atentar para os riscos das interações. Os homens idosos utilizam as plantas medicinais sem, no entanto, relatar aos profissionais de saúde. Logo, faz-se necessária a educação permanente da equipe de saúde e da enfermagem, voltada para a fitoterapia, visando contribuir para o uso seguro e eficaz das plantas medicinais.

Descritores: Plantas Medicinais; Saúde do Homem; Saúde do Idoso.

Introdução

A utilização das plantas medicinais como recurso terapêutico é bastante difundida em todo o mundo, e 67% das espécies vegetais medicinais são provenientes de países em desenvolvimento(1). Elas são consideradas como terapia complementar ou alternativa em saúde e seu uso tem sido crescente(2). O emprego das plantas geralmente está fundamentado no conhecimento popular e, muitas vezes, os pacientes não relatam sua utilização aos profissionais de saúde(3).

O conhecimento das indicações terapêuticas das plantas medicinais geralmente é uma atribuição das pessoas idosas, que também são responsáveis pelo preparo das formulações à base de plantas(4). A terapêutica com plantas medicinais entre os idosos parece se sobressair, principalmente como prática de automedicação, mesmo quando existem disponibilidade e acesso aos medicamentos industrializados(4-5).

Estudo da Estratégia Saúde da Família sobre o uso de plantas medicinais em idosos brasileiros mostrou o emprego de plantas nativas obtidas nas proximidades de suas residências, como a hortelã-de-folha-miúda, o capim-santo e a erva-cidreira(6). Em outra pesquisa, realizada com idosos brasileiros assistidos em centro de saúde, verificou-se o uso de 14 plantas medicinais para a prevenção ou controle da hipertensão, e as mais utilizadas foram: colônia, erva-cidreira, chuchu, capim-santo e laranja(7).

Já pesquisa realizada na fronteira entre Estados Unidos e México constatou o emprego de duas ou mais plantas medicinais em 16,2% dos idosos entrevistados, o que foi denominado poliervas. O chá de camomila foi a planta medicinal mais utilizada, seguido do alho, semente de linhaça e chá de artemísia(2). O emprego de plantas medicinais também foi constatado em idosos canadenses, em que 17% da amostra fazia uso rotineiro, sendo verificadas onze interações medicamentosas potenciais em nove idosos(8).

Todavia, apesar da considerável carência de estudos clínicos a respeito das plantas medicinais comumente consumidas pela população, sabe-se que elas podem apresentar efeitos colaterais, não oferecendo, portanto, segurança no seu uso(9). Em relação às interações medicamento e planta, as investigações têm se direcionado às plantas de origem europeia e asiática, como a equinácea, o gingko, a erva-de-são-joão e o ginseng coreano. Ressalta-se que o ginseng pode reduzir o efeito diurético de medicamentos, como a furosemida. Quando administrado com a varfarina, essa planta pode diminuir a eficácia do anticoagulante(10).

As poucas publicações relacionadas às plantas nativas brasileiras e de amplo uso popular reafirmam o risco da associação com medicamentos, levando a alterações farmacológicas e toxicológicas como, por exemplo, modificações das taxas de glicemia e da pressão arterial(2-3).

Mais recentemente, tem-se observado o número crescente de pesquisas acerca da relação homem e cuidado em saúde(11), dentre elas, estudos sobre o uso de medicamentos em homens, abordando temas sobre tratamento da disfunção erétil(12). No entanto, abordagens qualitativas sobre o uso de plantas medicinais têm enfocado as percepções das mulheres(13), o que reforça a necessidade de pesquisas sobre essa temática na população masculina.

O presente estudo é parte de uma pesquisa cujo objetivo era investigar o uso de medicamentos em homens idosos, suas práticas e representações, no âmbito da atenção primária à saúde de Dourados, MS, Brasil. Neste recorte, o objetivo principal da investigação foi conhecer e compreender as representações sobre o uso de plantas medicinais por homens idosos, bem como verificar como se articulam os usos de medicamentos industrializados com os usos das plantas medicinais por esses sujeitos. Além disso, procurou-se conhecer os modos de preparo das plantas medicinais e onde adquirem esses objetos terapêuticos.

Metodologia

Trata-se de pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória. O local da pesquisa foi a cidade de Dourados, situada na região sul do Estado de Mato Grosso do Sul, Região Centro-Oeste, a segunda maior cidade do Estado em população. No momento da pesquisa, o município de Dourados apresentava, em sua rede de atenção primária, 26 equipes de Estratégias de Saúde da Família (ESF) em área urbana e nove na rural, além de quatro centros de saúde(14).

Os sujeitos deste estudo foram homens com idade igual ou superior a 60 anos, assistidos em Estratégia de Saúde da Família de Dourados. As ESFs foram selecionadas pela Secretaria Municipal de Saúde por terem mais idosos cadastrados e situavam-se nos bairros: Parque do Lago II, Cuiabazinho, Vila Hilda, Ouro Verde e Parque das Nações I.

Utilizou-se como critério de inclusão: fazer uso de quatro ou mais medicamentos, ter idade de 60 anos ou mais, pertencer ao sexo masculino, ser capaz de se comunicar e consentir em participar da pesquisa. A amostra foi de cunho qualitativo, sendo considerados elegíveis 32 homens idosos. No entanto, em decorrência da impossibilidade da entrevista, como ausência no domicílio e endereço errado, foram entrevistados 18 homens, no período de junho a outubro de 2010.

Como técnica de pesquisa foi empregada a entrevista-narrativa, cujas etapas se caracterizam pela fase de preparação, iniciação, narração central, fase de pergunta e a fala conclusiva(15). As questões norteadoras foram: conte suas experiências sobre o uso de plantas medicinais no seu dia a dia; relate como você prepara e usa essas plantas. Essa estratégia tem como finalidade obter acesso aos sentidos atribuídos pelos indivíduos à sua própria experiência, bem como aos seus esquemas interpretativos, no que concerne à realidade da vida cotidiana, com enfoque no fenômeno do uso das plantas medicinais(16).

Além das plantas medicinais utilizadas e indicações terapêuticas autorrelatadas, foram coletadas as seguintes variáveis para caracterizar os entrevistados: idade, estado civil, escolaridade, ocupação anterior, naturalidade e medicamentos. Os medicamentos utilizados foram obtidos do prontuário da Estratégia de Saúde da Família ou das prescrições médicas que os homens idosos possuíam em suas residências.

Após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos participantes, as entrevistas foram realizadas, gravadas e transcritas. Cada idoso recebeu um código como E1 e E2, a fim de garantir seu anonimato e sigilo. Para a análise das narrativas, os aportes teóricos foram as concepções de práticas de medicação e de representações, das quais emergiram categorias de análise.

O conceito práticas de medicação apresenta uma perspectiva que se centraliza no ser humano, e tem como proposta conhecer como o homem idoso maneja seus medicamentos, atentando para os seus significados e usos. Sob essa perspectiva, as práticas de medicação possibilitam explorar os tipos de ações que os pacientes criam, isto é, suas táticas e estratégias, e assim perceber nesses seres humanos sua autonomia e sua postura ativa frente a esses objetos terapêuticos. Porém, para essa pesquisa, ao invés de se focalizar os medicamentos, o olhar deslocou-se às práticas de uso relacionadas às plantas medicinais(17).

No conceito de representações, a linguagem é o espaço cultural partilhado em que se dá a produção de significados, ou seja, os significados culturais têm efeitos reais e regulam práticas sociais. O reconhecimento desses significados contribui para a constituição de identidades e nos interpelam a ocupar posições construídas em práticas discursivas(18).

O conhecimento produzido pelos discursos incide sobre as condutas, a formação ou a construção de identidades em determinadas épocas históricas.A representação só pode ser adequadamente analisada em relação às verdadeiras formas concretas assumidas pelo significado, no exercício concreto da leitura e interpretação; e essa representação requer análise dos sinais, símbolos, figuras, imagens, narrativas, palavras e sons - as formas materiais - onde circula o significado simbólico(18).

O presente projeto foi enviado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e teve a sua aprovação, de acordo com o Protocolo nº1625/2009.

Resultados e Discussão

Caracterização dos entrevistados

Foram entrevistados 18 idosos que atenderam os critérios estabelecidos. A idade média dos participantes foi de 66 anos. A maioria morava com a esposa e era de aposentados, mas, mesmo após a aposentadoria, esses idosos procuravam dedicar o seu tempo livre a alguma atividade remunerada para aumentar a renda familiar. A Figura 1 apresenta as principais características de identificação dos idosos entrevistados.


A presença de homens idosos com idade superior a 70 anos perfez 50% da amostra desta pesquisa, com apenas três analfabetos. As principais morbidades encontradas foram do sistema cardiovascular, metabólica e pulmonar. Já a maioria dos medicamentos utilizados pelos homens idosos está relacionada ao tratamento de hipertensão e diabetes, sendo eles em ordem decrescente: captopril (14), hidroclorotiazida (8), glibenclamida (8), propranolol (6), metformina (6), enalapril (6) e losartam (4). A maior prevalência de hipertensão e diabetes também foi relatada em pesquisa que envolvia idosos usuários de plantas medicinais, na fronteira México e Estados Unidos(2).

Na Figura 2 encontram-se as plantas mais utilizadas pelos homens idosos e as indicações relatadas por eles. No entanto, a coleta e posterior identificação botânica das espécies não se constituíram no objetivo deste estudo; o que se buscou, no presente trabalho, foi conhecer os significados dessas plantas para os homens idosos.


Das 34 plantas medicinais utilizadas pelos homens idosos, apenas a erva-cidreira e a hortelã tiveram seu uso relatado em outras duas pesquisas sobre idosos(6-7). A erva-cidreira foi a planta mais utilizada por moradores de municípios do interior de São Paulo, Região Sudeste do Brasil, e a hortelã ficou entre as dez mais empregadas nessa população(19). Já em relação ao uso, as indicações para morbidades dos sistemas respiratório e digestório foram as mais prevalentes, conforme verificado em outras pesquisas(6-7,9,19).

Representações das plantas medicinais em homens idosos

Ao serem questionados sobre desde quando utilizavam as plantas medicinais, foi possível compreender como a utilização desses artefatos terapêuticos está incorporada em seu cotidiano, trazendo significados de permanência e singularidade. Os significados que possuíam foram construídos através das relações familiares, pois todos afirmaram ter aprendido sobre as plantas medicinais com seus ascendentes, mães e avós principalmente. A aquisição desses saberes, na forma de transmissão entre gerações, foi relatada em outros estudos, reforçando a representação de que as pessoas mais idosas são guardiãs da fitoterapia(6,7,20-22). Desde que me entendo por gente utilizo os chás de plantas. Desde os 5 a 6 anos eu tomo. Lembro que minha tia fazia pra eu tomar. Foi passando de geração em geração (E.1). Olha, é difícil te dizer assim, porque minha mãe sempre gostava de chá caseiro. Ela usava muito a folha de laranja, capim-cidreira, romã e chá de erva-mate (E 11). A minha mãe cozinhava. Ela fazia chá para nós tomar, e nesse chá ela colocava banha de galinha, e dava um pouquinho para a gente tomar;, na época, inclusive, meu irmão quebrou a perna, caiu do cavalo, e meu pai, curou ele com remédio caseiro (E 9). A minha mãe fazia chá até de barba-de-bode; o nordestino, minha filha, todos eles, o nordestino é chá de cravo, chá de pimenta-do-reino, chá de eucalipto... todo nordestino tem isso (E.6).

Para eles, a utilização de plantas não é vista como consumo de medicamentos. As plantas são diferentes dos "remédios do posto", pois demoram mais para fazer efeito, e só servem como auxílio no tratamento prescrito pelo médico, como visto em suas falas. A planta vai tentando, às vezes ajuda alguma coisa [...] e se me falarem que faz bem, eu tomo; se falar que é bom, eu tomo (E.7). Do mato só ajuda. Pro tratamento sério mesmo só o remédio mesmo (E.8). Não uso só pra uma tosse, dor de barriga, essas coisas, o outro é diferente, o do posto (E.1). Esses demoram muito para fazer efeito, o do posto é mais rápido (E.2).

As plantas medicinais representam para os homens idosos recursos terapêuticos complementares, visto que o tratamento com os medicamentos industrializados parece não sofrer muitas interferências. Em alguns casos, o uso de plantas medicinais assume o protagonismo da terapêutica, como o tratamento de morbidades menores, e, dentre eles, chás para gripes. Em pesquisa realizada no Estado do Rio de Janeiro, não especificamente com pessoas idosas, a maioria dos entrevistados (52,4%) utilizou plantas medicinais para substituir os medicamentos industrializados, sendo mais evidente na faixa etária entre 50 e 69 anos(4).

Ao contrário dos medicamentos industrializados, cujos significados sobre seu uso apresentam caráter ambivalente, ora relacionados à sua eficácia, às suas qualidades curativas intrínsecas, ora relacionados às reações adversas, as representações sobre as plantas medicinais parecem ancoradas na concepção de baixo risco à saúde(4,13). São menos ofensivas. Do posto a gente toma, mas eu sei que são bem mais ofensivas que as plantas. Tomo remédio químico sabendo que é veneno, mas tem que tomar (E.16). Não. Não fazem não. A planta, se tomar conforme indicado, não faz mal (E.7). Muitas plantas a pessoa sabendo tomar faz bem (E.10).

As plantas medicinais são vistas como medicamentos não químicos, obtidos da natureza e que foram testados através de séculos pelos antepassados(4). A partir dessas percepções, as representações de relativa segurança sobre as plantas medicinais reforçam apenas seus aspectos positivos, em detrimento dos medicamentos industrializados, considerados detentores de reações adversas e capazes de provocar danos à saúde(21).

No entanto, estudo realizado no Rio Grande do Sul, sobre dez espécies mais utilizadas, revelou que em cinco delas foram encontrados relatos de efeitos adversos. Em outras cinco foram encontradas contraindicações. Já em relação ao uso durante a gravidez, seis das dez plantas estudadas tiveram seu uso desaconselhado durante esse período(9).

Assim, as reações adversas dos medicamentos industrializados parecem reforçar que as plantas medicinais são melhores por não possuírem efeitos colaterais como os outros medicamentos. São mais saudáveis do que os remédios feitos de química, porque para pessoa idosa é diferente. O estômago fica diferente. É ruim. Tudo química. Aí o estômago revolta. Aí dá cólica. Vai no médico e o médico diz: toma mais esse aqui (E.12).

Desse modo, as representações dos homens idosos sobre as plantas medicinais, construídas ao longo da vida, podem ser resumidas: fazem algum bem e apresentam pouco risco à saúde humana. Todavia, essa concepção de aparente segurança parece desconsiderar as reações adversas e os efeitos tóxicos decorrentes do uso de plantas medicinais.

Usos das plantas medicinais: obtenção e modos de preparo

Verificou-se que os homens idosos possuem o hábito de cultivar as plantas medicinais em seus quintais e jardins, como também as adquirem de vizinhos, amigos, e até em lugares como o "brejo" perto de onde moram. Em estudo realizado na cidade de Fortaleza, CE, foi observado que quase a metade dos entrevistados (40%) obtinha essas plantas de seus próprios quintais e jardins(7). Esse sabugueiro, esse dente-de-leão, tudo tenho em casa (E.3). Pego no brejo, na mata (E.5). Comprar eu não compro, porque essas plantas são mais nativas. São coisas que a gente pega no mato, acha e traz (E.7). No mato e no lago eu pego. Esse gervão é de horta (E.5). Essas que eu falei pra você tenho todas têm no quintal (E.16).

As práticas evidenciadas acima podem trazer riscos relacionados à qualidade e à segurança, já que no ato de obtenção pode ocorrer a identificação errônea da planta. Uma das estratégias para atenuar esse risco seria a adoção de hortos de plantas medicinais, cujas espécies seriam certificadas por botânicos, e sua indicação e uso ficariam sob a responsabilidade de equipe de saúde multiprofissional. Em levantamento realizado sobre os programas de fitoterapia do SUS, nos Estados e municípios, verificou-se que 52,6% dos hortos implantados utilizavam espécies vegetais oriundas de hortos de universidades, e 21% de outras instituições de pesquisa, possibilitando o acesso às plantas medicinais e o uso seguro e racional dessas plantas(1).

Em relação ao preparo, todos se referiram ao chá por decocção ou uso durante o consumo de chimarrão, também chamado mate ou tereré. O chimarrão ou mate é uma bebida típica do Sul do Brasil preparada com erva-mate, geralmente servido quente como infusão, que consiste em folhas e ramos, secos e triturados. Já o tereré é feito por meio da imersão da erva-mate, com água gelada(20). Depois de adulto eu também tomo, faço o chá e coloco na água do mate (E.17). Você queima a planta, raspa o que ficou dentro do copo e põe a água quente, tampa um pouquinho porque daí fica fervendo. Aprendi com meu pai e minha vó (E.1). A mama do reino é só pegar ela e colocar na vasilha, cobre ela e não põe nada de água. Aí ferve e toda a água que tem nela sai. Põe uma colher de açúcar queimado se quiser e toma ela. É remédio pra gripe e tosse (E.6). Ponho dentro de uma jarra, soco ela e deixo lá, depois coloco na água e tomo (E.4).

Plantas medicinais e medicamentos industrializados: como se articulam no cotidiano terapêutico dos homens idosos

Foram observadas práticas de medicação que envolvem o uso concomitante dos medicamentos industrializados e das plantas medicinais, como relatado por um dos entrevistados que, para aliviar sua "falta de ar", fazia uso tanto da inalação no posto de saúde, quanto do preparado de um complexo de plantas medicinais feito em sua casa. Meu filho me ensinou misturar eucalipto, feijão andu, hortelã e gengibre. Ferver e fazer o complexo. Coloca numa bacia e vai inalando até aguentar, antes de deitar. E depois que eu faço isso ai, eu faço inalação com Berotec® e soro e deito e durmo bem graças a Deus (E.14).

Essas práticas de medicação são técnicas de produção sociocultural. Talvez, para um profissional de saúde, a inalação do preparado caseiro de gengibre não seja adequada, visto que o broncodilatador inalado é o mais correto cientificamente, no entanto, essa associação em pé de igualdade tem significado para aquele que a realiza. Essas práticas de medicação ou esses arremates com as plantas medicinais ocorrem, na maioria, de modo silencioso. São táticas ou engenhosidades que podem assumir conotação pejorativa entre a equipe de saúde(23).

Estudo realizado com mulheres britânicas constatou que o uso de plantas medicinais ocorre geralmente sem o conhecimento dos profissionais de saúde. Seu emprego está vinculado à concepção de segurança e à falta de conhecimento sobre os efeitos colaterais e interferências na eficácia de outros medicamentos(13). Essas práticas silenciosas também encontram motivos nas percepções negativas da equipe de saúde sobre as plantas medicinais, formação acadêmica deficiente sobre fitoterapia e medo de relatar o uso(1,13).

Ao se atentar para as plantas utilizadas pelos homens idosos, é possível verificar que algumas delas apresentam precauções, contraindicações ou interações medicamentosas deletérias, relacionadas às suas morbidades e aos medicamentos utilizados(24). A carqueja, por exemplo, pode causar hipotensão e o uso concomitante com medicamentos para controle da hipertensão e do diabetes deve ser evitado, fato relevante para a amostra deste estudo. Já o boldo e o gengibre não devem ser usados em casos de hipertensão(24).

Assim, o emprego de plantas medicinais, apesar de constatado, parece ser ignorado pelos profissionais das equipes de saúde, visto que os homens idosos relataram não ter recebido orientações sobre possíveis riscos em relação ao uso conjunto com os medicamentos industrializados. Seus informantes geralmente foram amigos e parentes, paralelamente a consultas feitas a livros que possuíam em casa, sem, no entanto, atentar para questões relacionadas à dose da planta ou a complicações ou intoxicações decorrentes. Porque alguma outra pessoa foi contando pra mim, outras pessoas com mais experiência tomam e aí indicavam (E.5). O caboclo chegou e disse "o Sr conhece o pau-azul? Não, disse eu. E aí respondeu: ele é bom, pois ajuda no diabetes". Eu comprei, então! (E.7). No livro da medicina é antibiótico, e serve de curativo de sangue, combate contra o câncer. Está no livro (E.9).

O uso das plantas medicinais pelos homens idosos, em conjunto com os medicamentos industrializados, pode trazer complicações deletérias à saúde, afetando o tratamento das doenças crônicas evidenciadas, visto que ainda são necessários mais estudos para avaliar o impacto dessas interações que incluem espécies vegetais nativas.

Conclusão

Foi possível verificar que a utilização das plantas medicinais está incorporada no cotidiano dos homens idosos e representa uma forma de recurso terapêutico complementar no tratamento de morbidades menores. A transmissão dessas práticas ocorreu ao longo da vida dos idosos e através de seus ascendentes. Para eles, as plantas têm efeito mais demorado do que os medicamentos industrializados. As representações sobre as plantas medicinais estão ancoradas na concepção de segurança, visto que, por serem naturais, teriam menor probabilidade de desencadear reações adversas.

Verificou-se que os homens idosos possuem o hábito de cultivar as plantas medicinais em seus quintais e jardins, o que pode apresentar riscos, em se tratando de identificação errônea da planta. O uso conjunto dos medicamentos industrializados com as plantas medicinais foi verificado, porém a falta de conhecimento sobre interações medicamento e planta e as consequências dessas associações podem interferir na eficácia dos medicamentos utilizados, principalmente, para tratar doenças crônicas, como a hipertensão e o diabetes.

Evidenciou-se que, apesar do uso das plantas medicinais, os profissionais de saúde parecem desconhecer tais práticas, pois, na maioria das vezes, os homens idosos o fazem de modo silencioso. Desse modo, a contribuição desta pesquisa é atentar para a necessidade da educação permanente voltada para a fitoterapia da equipe de saúde e da enfermagem, contribuindo para o uso seguro e eficaz das plantas medicinais.

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  • Representações e usos de plantas medicinais por homens idosos

    Silvia Cristina da Silva LimaI; Guilherme Oliveira de ArrudaII; Rogério Dias RenovatoIII; Márcia Regina Martins AlvarengaIII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Dez 2011
    • Aceito
      03 Ago 2012
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