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Assistência pré-natal: dificuldades vivenciadas pelas enfermeiras

Resumos

Este estudo teve como objetivo identificar as dificuldades vivenciadas pelas enfermeiras, no início de sua vida profissional, nas atividades relacionadas à assistência pré-natal. Os dados foram coletados por meio de entrevistas com 25 enfermeiras que acompanhavam o pré-natal, na rede básica de saúde do município de Rio Branco-AC, e foram agrupados conforme a freqüência e o grau de dificuldade referido por elas. Constatamos que as enfermeiras não apresentaram dificuldades em uma série de atividades importantes na assistência pré-natal, no início do exercício profissional. No entanto, relataram que enfrentaram dificuldades em outras. Essas dificuldades eram de diferentes graus. Apontaram dificuldades em atividades que exigem conhecimentos (saber) como também em atividades que necessitam de habilidades (saber-fazer). O estudo apontou ainda falhas na formação da graduação com relação à atenção ao pré-natal, tanto para aspectos teóricos como para atividades exclusivamente práticas.

cuidado pré-natal; enfermagem obstétrica; educação em enfermagem


This study aimed to identify the difficulties nurses experience at the start of their professional life in prenatal care activities. Data were collected through interviews with 25 nurses who accompanied prenatal care in the basic health network of Rio Branco-AC, Brazil and were grouped according to the frequency and level of difficulty they mentioned. We observed that nurses did not demonstrate difficulties in a series of important prenatal care activities at the start of their professional life. However, they reported different levels of difficulties in other activities. Furthermore, the participants pointed out difficulties in activities that require knowledge (knowing) as well as abilities (know-how). This study also indicated flaws in undergraduate formation with respect to prenatal care, involving theoretical aspects as well as exclusively practical activities.

prenatal care; obstetrical nursing; education, nursing


La finalidad de este estudio fue identificar las dificultades vividas por las enfermeras en el inicio de su vida profesional, en las actividades relacionadas con la atención prenatal. Los datos fueron recopilados a través de entrevistas con 25 enfermeras que acompañaban el prenatal en la red básica de salud del municipio de Rio Branco-AC, Brasil, y fueron agrupados según la frecuencia y el grado de dificultad mencionado por ellas. Constatamos que las enfermeras no presentaron dificultades en una serie de actividades importantes en la atención prenatal, en el inicio de su vida profesional. Sin embargo, relataron que enfrentaron dificultades en otras. Estas dificultades se mostraron como siendo de diferentes grados. Señalaron dificultades en actividades que exigen conocimientos (saber), y también en actividades que necesitan de habilidades (saber-hacer). El estudio todavía indicó fallas en la formación de pregrado respecto a la atención al prenatal, tanto para aspectos teóricos como para actividades exclusivamente prácticas.

atención prenatal; enfermería obstétrica; educación en enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Assistência pré-natal: dificuldades vivenciadas pelas enfermeiras1 1 Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado

Leila Maria Geromel DottoI; Nelly de Mendonça MoulinII; Marli Villela MamedeIII

IEnfermeira Obstétrica, Mestre em Educação, Professor da Universidade Federal do Acre, e-mail:leiladotto@uol.com.br

IIProfessor Titular da Universidade Salgado de Oliveira

IIIEnfermeira Obstétrica, Professor Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, e-mail: mavima@eerp.usp.br

RESUMO

Este estudo teve como objetivo identificar as dificuldades vivenciadas pelas enfermeiras, no início de sua vida profissional, nas atividades relacionadas à assistência pré-natal. Os dados foram coletados por meio de entrevistas com 25 enfermeiras que acompanhavam o pré-natal, na rede básica de saúde do município de Rio Branco-AC, e foram agrupados conforme a freqüência e o grau de dificuldade referido por elas. Constatamos que as enfermeiras não apresentaram dificuldades em uma série de atividades importantes na assistência pré-natal, no início do exercício profissional. No entanto, relataram que enfrentaram dificuldades em outras. Essas dificuldades eram de diferentes graus. Apontaram dificuldades em atividades que exigem conhecimentos (saber) como também em atividades que necessitam de habilidades (saber-fazer). O estudo apontou ainda falhas na graduação, com relação à atenção ao pré-natal, tanto para aspectos teóricos como para atividades exclusivamente práticas.

Descritores: cuidado pré-natal; enfermagem obstétrica; educação em enfermagem

INTRODUÇÃO

Uma atenção pré-natal efetiva exerce um papel fundamental no desfecho do processo do parto e nascimento e nos índices de morbimortalidade materna e perinatal. Conseguir uma assistência pré-natal efetiva significa ter como um dos principais objetivos dessa assistência a identificação de fatores que possam colocar a saúde materna e fetal sob maior risco de resultados adversos e saber o momento certo para intervir, evitando ou reduzindo as conseqüências prejudiciais desses riscos(1).

Uma assistência pré-natal de qualidade envolve a capacitação técnica continuada das equipes de saúde na resolução de problemas mais prevalentes, além do seu comprometimento com as necessidades das parcelas mais vulneráveis da população(2).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que o risco de uma mulher morrer, na América Latina, de causas ligadas à gravidez ou nascimento durante o seu ciclo de vida é de 1/160 gestações. Na Europa, esse risco é de 1/2.400, e, na América do Norte, o risco é de 1/5.600 gestações(3).

Na busca pela maternidade segura, organismos internacionais têm mobilizado estratégias de ação na tentativa de se conseguir que as gestações e partos sejam mais seguros para as mulheres e seus recém-nascidos. Uma das estratégias é a presença de profissional qualificado no atendimento a todas as mulheres no ciclo gravídico puerperal(4).

Esse profissional é aquele que recebeu uma formação, treinou e atingiu proficiência nas habilidades necessárias, para manejar a gestação normal, e na identificação e referência de complicações, devendo exercê-las de forma competente(5).

Ser competente em uma determinada profissão não implica apenas possuir um vasto e numeroso conhecimento. É preciso saber utilizar, integrar ou mobilizar esses conhecimentos diante de uma situação real de ação(6).

Um profissional qualificado é alguém que é capaz de abranger um repertório de habilidades e conhecimentos, em diferentes formas e em diferentes contextos, para exercer a sua atividade profissional da maneira como é reconhecida como competente(7).

Competência também é definida como a capacidade do indivíduo de mobilizar todo ou parte de seus recursos cognitivos e afetivos para enfrentar um conjunto de situações complexas. Para isso, é necessária a identificação precisa desses recursos, das relações que devem ser estabelecidas entre eles e da natureza do "saber mobilizar"(6). Portanto, competências não são saberes, nem apenas um saber-fazer ou atitude, mas ser competente significa a capacidade de mobilizar, integrar e orquestrar esses recursos. As competências profissionais se constroem em formação e no caminhar de uma situação de trabalho a outra(8).

De acordo com a Lei do Exercício Profissional da Enfermagem no Brasil, a enfermeira pode acompanhar integralmente o pré-natal de uma gestante de baixo risco. Em muitas instituições de saúde, na rede básica de saúde e nos Programas de Saúde da Família que estão amplamente difundidos no país, é esperado que as enfermeiras se responsabilizem pela assistência pré-natal. Para tanto, a enfermeira, no seu processo de formação, deve receber treinamento das habilidades necessárias para atingir a proficiência e competência no atendimento à gestante durante o pré-natal.

As evidências epidemiológicas mostram que quanto maior for o número de profissionais qualificados, no atendimento à mulher no ciclo gravídico puerperal, menor será a razão da mortalidade materna(4).

A assistência pré-natal é o marco inicial do desfecho que o processo de parto terá, logo é fundamental que a atenção durante a gravidez seja de qualidade. Para isso, devemos ter um profissional que seja qualificado para desempenhar suas atividades, e esse provedor de saúde deve estar apto a desenvolver as competências essenciais que lhe competem. Há uma preocupação constante dos educadores em saúde e da enfermagem em particular, para que a formação do profissional esteja baseada não somente no desenvolvimento de habilidades mas também na aquisição de competências para o desempenho de padrões prescritos para a prática profissional. Nesse sentido, vimos questionando se a enfermeira recém-graduada está apta a realizar integralmente a assistência ao pré-natal de baixo risco. Será que a formação que vem sendo oferecida, nos programas de graduação, possibilita o treinamento de habilidades para que a proficiência no atendimento ao pré-natal seja atingida?

Diante desses questionamentos, este estudo teve como objetivo identificar o tipo de dificuldades que as enfermeiras que prestam assistência pré-natal vivenciaram, quando iniciaram o exercício profissional nessa área. Pretende, ainda, relacionar os motivos alegados pelas enfermeiras sobre as dificuldades vivenciadas.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem quantitativa. O local do estudo foi Rio Branco (Acre). A rede básica de saúde em Rio Branco, em 2002, era composta por 13 Unidades Básicas de Saúde (UBSs), distribuídas nos diversos bairros do município, e que apresentam uma equipe multiprofissional, variando em número de unidade para unidade, para atender a população. A rede é composta ainda por 23 Módulos de Saúde da Família.

Em toda a rede básica de saúde de Rio Branco, existem enfermeiras que acompanham integralmente, da primeira à última consulta, o pré-natal das gestantes. Quando é detectada alguma anormalidade, a grávida é encaminhada para o médico. Após a avaliação médica e estabelecimento do diagnóstico e tratamento adequados, grande maioria das vezes as grávidas são reencaminhadas para a continuidade do acompanhamento pré-natal com a enfermeira. Em 2002, a rede básica do município contava com 49 enfermeiras que realizavam pré-natal.

Fizeram parte deste estudo enfermeiras que realizavam assistência pré-natal em serviços públicos de saúde, no ano de 2002, em Rio Branco-AC. A amostra foi selecionada aleatoriamente, por sorteio, composta de 25 enfermeiras, sendo que 12 trabalham nos Módulos de Saúde da Família, e 13, nas Unidades Básicas de Saúde, de forma a contemplar pelo menos 50% da população do estudo.

A coleta de dados foi realizada utilizando-se um roteiro de entrevista, com perguntas abertas e fechadas. Pelas perguntas abertas, foi possível realizar a caracterização dos sujeitos e do atendimento pré-natal e relacionar as atividades vivenciadas com dificuldades pelas enfermeiras, quando elas começaram a trabalhar na assistência pré-natal. As perguntas abertas possibilitaram a descrição dos motivos alegados por elas sobre as dificuldades enfrentadas.

Foi construída uma lista de atividades e procedimentos que são realizados, durante a assistência pré-natal, no acompanhamento da gestante, desde a primeira até a última consulta. Para cada uma das atividades e procedimentos dessa lista, foi solicitado que a enfermeira indicasse o grau de dificuldades (Muita-M, Moderada-MO ou Nenhuma-N) para a sua realização, na época de seu início no exercício profissional, na assistência pré-natal.

Os dados coletados neste estudo foram analisados por meio de freqüências e percentuais. Os dados referentes aos motivos das dificuldades foram codificados, para facilitar o processo de análise.

Este estudo foi orientado pelos preceitos éticos da pesquisa, garantindo a autonomia, beneficência, a não-maleficência e a justiça social. Foram garantidos aos sujeitos da pesquisa, de acordo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a garantia de seu anonimato, o sigilo das informações prestadas e a segurança de que essas informações somente serão utilizadas para fins de pesquisa.

RESULTADOS

Caracterizando os sujeitos

As enfermeiras entrevistadas possuíam de um a 19 anos de experiência em pré-natal, apresentando em média 6,4 anos de experiência, sendo que 17 (68%) delas possuíam até seis anos de serviço na área (Tabela 1).

Quanto ao número de consultas de pré-natal realizadas por mês, as enfermeiras que trabalhavam nos Módulos de Saúde da Família desenvolviam uma média de 10 a 80 consultas/mês. Essas enfermeiras eram responsáveis por outras atividades além do pré-natal. Seis enfermeiras relataram que realizavam de 10 a 20 consultas de pré-natal, quatro disseram que realizavam de 30 a 40, e duas realizavam, em média, 80 por mês.

As enfermeiras das Unidades Básicas de Saúde trabalhavam quase que exclusivamente no atendimento pré-natal. O número de consultas realizadas era variável, de 50 a 250 consultas por mês, de acordo com a área de abrangência da unidade, sendo que duas informaram realizar 50, três, entre 60 e 80, duas, 100 consultas, quatro disseram realizar 160, e duas enfermeiras relataram que realizaram 250 consultas de pré-natal por mês.

Dificuldades encontradas pelas enfermeiras na assistência pré-natal

O conjunto de atividades a serem desenvolvidas durante o acompanhamento pré-natal varia em complexidade. Dentre as atividades e procedimentos enumerados, observa-se que a grande maioria das enfermeiras afirmou não ter tido dificuldades em "auscultar batimentos cardiofetais com Sonar Doppler (92%), realizar visita domiciliar (92%), mensurar a altura uterina (84%) e calcular a data provável do parto (84%)". A Tabela 2 mostra a distribuição das atividades relatadas por, pelo menos, 50% das enfermeiras, como de nenhuma dificuldade para a sua realização, no início do exercício profissional.

As atividades identificadas como aquelas que foram de moderada dificuldade por, pelo menos, 50% das enfermeiras estão relacionadas na Tabela 3. Observa-se que a "identificação de fatores de risco" foi relatada como dificuldade moderada, no início de sua prática profissional, por 72% das entrevistadas.

A Tabela 4 traz todas as atividades, referidas pelas enfermeiras, que foram classificadas como tendo muita dificuldade na sua realização, durante o início de seu exercício profissional. Dentre elas, destacam-se aquelas relacionadas à "solicitação e avaliação de exames laboratoriais - 7 (28%), realização de colpocitologia oncótica - 6 (24%), exame físico específico gineco-obstétrico - 5 (20%) e as medicações que a enfermeira pode prescrever - 5 (20%)".

Motivos das dificuldades enfrentadas pelas enfermeiras

Após a codificação dos motivos das dificuldades iniciais vivenciadas pelas enfermeiras, foi possível verificar que eles referem-se a: falhas na graduação, ausência de protocolo no serviço, inexperiência do recém-graduado e falta de interesse do aluno durante a graduação (Tabela 5). As "falhas na graduação" foram o motivo mais relatado pelas enfermeiras (80%).

As enfermeiras entrevistadas informaram, ainda, algumas estratégias que utilizaram para superação das dificuldades. Voltar a estudar foi relatado por 68% delas, justificando que sentiram necessidade de estudar e buscar, nos livros e nos manuais técnicos da área, a solução para as dificuldades vivenciadas.

Outra estratégia relatada foi procurar por ajuda de outro profissional com mais experiência, sendo que 48% das enfermeiras entrevistadas procuraram a ajuda de outra enfermeira, e 20%, ajuda do médico.

Outras enfermeiras (32%) informaram que acabaram por superar as dificuldades vivenciadas, no exercício das atividades realizadas no dia-a-dia.

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo reafirmam a convicção de que, embora a competência seja considerada um importante marco no desenvolvimento profissional, ela não é um ponto final. De acordo com estudiosos, ela vem com a proficiência, e o status de expert vem depois de muitos anos de experiência e crescimento profissional(9).

As enfermeiras entrevistadas revelaram que possuem uma grande experiência em pré-natal em razão do número de consultas que realizam, ressaltando, assim, a importância do desenvolvimento das habilidades por meio da repetição no exercício profissional. A esse respeito, chama-se a atenção de que, enquanto os conhecimentos sobre várias competências são adquiridos durante a formação educacional dos profissionais de saúde, as habilidades relacionadas às competências essenciais ou críticas para a qualidade do cuidado são aprimoradas e avançadas durante a prática profissional(9).

Na rede básica de saúde, as enfermeiras estudadas são responsáveis pela assistência pré-natal de toda a clientela que utiliza aquele serviço, o que significa a necessidade de uma formação em atenção pré-natal de qualidade.

A partir da implantação do Programa de Saúde da Família em Rio Branco, em 1995, ocorreu um aumento do número de enfermeiras responsáveis pela assistência pré-natal, esse fato pode explicar os 68% das enfermeiras com tempo de experiência na área em até seis anos. Nos Módulos de Saúde da Família, as enfermeiras realizavam um número menor de consultas, pois a área de abrangência é menor que a da Unidade Básica.

A identificação dos atributos desejáveis para uma assistência pré-natal de qualidade é uma forma de avaliação baseada na competência profissional. Tais atributos, que retratam o conhecimento apoiado nas habilidades e destrezas do profissional para resolver problemas, analisar situações e para comunicação, possibilitam o reconhecimento dos padrões de competência da prática profissional(10).

A grande maioria das enfermeiras indicou que não tinha dificuldades em "auscultar batimentos cardiofetais com Sonar Doppler, realizar visita domiciliar, mensurar a altura uterina e calcular data provável do parto", revelando que importantes atividades de acompanhamento pré-natal foram asseguradas no seu processo de formação. Isso porque, pela ausculta, verificam-se as condições dos batimentos cardiofetais, e, na mensuração, identifica-se o crescimento do feto, possibilitando a detecção de seus desvios.

As atividades de ausculta e de mensuração são habilidades (saber-fazer) que exigem treinamento para atingir a proficiência. As habilidades se constroem ao sabor de um treinamento, com experiências renovadas, quando o aluno tem oportunidade para exercitar essas atividades(11).

Em relação à visita domiciliar reforçada pelas enfermeiras como atividade em que não sentiram dificuldades, no início de sua prática profissional, esta deve ser realizada para reconduzir gestantes faltosas ao pré-natal, como também para completar o trabalho educativo com a gestante e seu grupo familiar(12). A concretização de uma visita domiciliar por uma enfermeira exige dela conhecimentos (saber), habilidades (saber-fazer) e atitudes (saber-ser). Quando 92% das enfermeiras informaram que não sentiram dificuldades em realizar essa atividade, no início do exercício profissional, esse fato pôde indicar que a formação está possibilitando esse aprendizado.

As atividades relacionadas às demandas de orientação e educação em saúde não se mostraram difíceis nos relatos das enfermeiras estudadas, visto que a maioria delas informou que as "práticas educativas, orientação sobre amamentação, sobre sexualidade, sobre cuidados com o recém-nascido, orientar as queixas da gestante, a higiene pré-natal e se comunicar com a grávida" foram realizadas de forma tranqüila por elas. Também relataram não sentir dificuldades em atividades de anotações, como "registrar as informações dadas pela gestante e anamnese, preencher a ficha perinatal e o cartão da gestante".

Tais resultados mostram que o desenvolvimento das habilidades do profissional para levar a gestante/família a cuidar de sua própria saúde foi incorporado, durante a graduação das enfermeiras estudadas, revelando que o órgão formador vem atendendo a uma das finalidades do pré-natal. Da mesma forma, a relevância do registro de todas as informações relacionadas à evolução da gestação foi aprendida pelas enfermeiras, durante a sua formação.

Entre as atividades que as enfermeiras relataram possuir moderada dificuldade em executar, no início de sua prática profissional, encontram-se a "identificação de fatores de risco e fazer referência, exame físico geral e específico gineco obstétrico".

A assistência pré-natal tem como um dos objetivos principais a identificação dos fatores de risco que possam impedir o curso normal da gravidez e, se necessário, encaminhar a gestante a um nível de referência de maior complexidade, assegurando, portanto, o tratamento precoce dessas condições anormais. Embora 18 (72%) das enfermeiras tenham relatado que tiveram moderada dificuldade em identificar fatores de risco, as conseqüências dessas dificuldades podem se tornar sérias, especialmente para aqueles casos em que o diagnóstico rápido e o tratamento adequado se fazem imprescindíveis para a saúde materna e fetal.

O exame físico geral e específico gineco obstétrico também é realizado para acompanhar o desenvolvimento da gravidez, identificar as modificações normais do organismo materno, para orientar as queixas, assim como diagnosticar possíveis intercorrências. O profissional que realiza a consulta pré-natal deve dominar esse conhecimento (saber), para poder orientar com segurança as queixas das gestantes e identificar as intercorrências.

Identificar e encaminhar, quando ocorrerem alterações durante o curso da gravidez, são algumas das habilidades essenciais exigidas do profissional que atende a gestante, de acordo com as competências essenciais para o exercício básico da obstetrícia, elaboradas pela Confederação Internacional das Parteiras(13).

A dificuldade, ainda que moderada, sobre a realização do exame físico como também a identificação de fatores de risco encontrada neste estudo vêm reforçar aos órgãos formadores a necessidade de revisão de estratégias de ensino para o desenvolvimento de habilidades essenciais para o exercício em obstetrícia.

A maioria das enfermeiras também relatou que possuía dificuldade moderada com relação às medicações que poderiam prescrever na assistência pré-natal. Segundo o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), a enfermeira pode prescrever as medicações que são instituídas pelos Programas de Saúde Pública e por rotinas que tenham sido aprovadas em instituições de saúde, públicas ou privadas, e os currículos dos Cursos de Graduação em Enfermagem devem preparar o acadêmico para essa realidade, já que essa ação é rotina na atualidade(14). Por outro lado, as instituições de saúde devem elaborar protocolos de assistência, em especial na prescrição de medicamentos relacionados a programas previamente definidos, para que os profissionais possam atuar com segurança.

Na atividade "orientar e preparar para o parto", 56% das enfermeiras disseram ter apresentado moderada dificuldade para realizar essa atividade. Como as enfermeiras não deixaram clara a natureza das dificuldades relacionadas à orientação e à preparação para o parto, sugerimos a realização de novos estudos na tentativa de identificá-las, uma vez que é sabido que o período da gestação é um momento particular para dissipar mitos e visões errôneas sobre o processo de parturição. O parto culturalmente é visto como um processo que leva ao sofrimento e a muita dor.

Embora exista um grande número de atividades cuja realização as enfermeiras indicaram possuir muita dificuldade no início do exercício profissional, o percentual de enfermeiras para cada atividade identificada foi pequeno, sendo que o maior foi para "solicitar e avaliar exames laboratoriais, 28%". Essa dificuldade reflete a ausência de protocolos assistenciais nas instituições estudadas.

Observando os dados da Tabela 4, verifica-se que várias atividades que exigem habilidades (saber-fazer) como "realizar colpocitologia oncótica, exame físico geral e específico, ausculta dos batimentos cardiofetais com Pinard, e manobras de palpação" foram indicadas pelas enfermeiras como tendo grande dificuldade.

Com relação à "ausculta dos batimentos cardiofetais com Pinard", é necessário realizar estudos mais aprofundados para poder identificar se o problema encontra-se na localização do foco fetal devido à dificuldade em realizar manobras de palpação e assim localizar o foco de ausculta, ou se o problema está na própria ausculta com a utilização do estetoscópio de Pinard.

Entre os motivos alegados pelas entrevistadas para as dificuldades enfrentadas no início do exercício profissional, as "falhas na graduação" foram indicadas por 80% delas. As enfermeiras informaram que existem alguns conhecimentos que não foram discutidos ou foram pouco discutidos, durante a graduação. Ressaltaram que a disciplina "enfermagem na atenção à saúde da mulher" possui muito conteúdo para ser discutido num período de tempo muito reduzido. Elas justificaram, ainda, que o grande número de alunos para um único supervisor na prática, a falta de estímulos para reflexão sobre o conhecimento fornecido em sala de aula e o tempo reduzido de prática, resultando em pouca ou nenhuma repetição de atividades que exigem habilidades, explicavam as dificuldades encontradas no início das suas práticas profissionais.

As justificativas das enfermeiras sobre as dificuldades enfrentadas no início do exercício profissional chamam a atenção para a necessidade de revisão do processo ensino/aprendizagem, nas disciplinas responsáveis pela formação em atenção pré-natal, em especial, no oferecimento de ferramentas que o graduado possa utilizar nas atividades profissionais, possibilitando-lhe construir a competência esperada. Por outro lado, os achados mostraram que, no início das atividades profissionais, as enfermeiras se apropriaram de um estado de contemplação do exercício profissional para se prepararem e então agir em consonância com os padrões de competências na assistência pré-natal. As formas de superação das dificuldades vivenciadas como retorno aos livros, busca por manuais técnicos e ajuda de outros profissionais revelam a preparação a que se submeteram para o desempenho profissional esperado.

Quando um profissional adquiriu a compreensão sobre as bases da prática atual profissional, significa que alcançou o pré-requisito para mudança comportamental. A prontidão para mudanças consiste de um contínuo de passos que incluem a pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção. O estágio de contemplação é aquele em que o indivíduo está pronto para a mudança necessária(9).

Um estudo que avaliou o desempenho clínico de enfermeiras recém-graduadas indicou que a atuação delas na prática clínica superou o esperado, quando foram comparados os níveis de competências esperados pelas profissionais experientes para as recém-graduadas com os realmente observados, no início do exercício profissional. Os autores chamam a atenção para a importância desses achados na avaliação da qualidade do produto das escolas de enfermagem, quando se considera o desempenho dos recém-graduados. Da mesma forma, advertem para cautela, quando se consideram estimativas hipotéticas sobre a competência dos recém-graduados(15).

Os achados deste estudo mostram, ainda, que o retorno à instituição formadora para a solução das dificuldades enfrentadas pelos egressos não é uma prática utilizada pelas enfermeiras como estratégia de superação das dificuldades, como também não tem sido espaço para atualização de conhecimentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desempenho de uma série de atributos desejáveis para uma assistência pré-natal de qualidade não foi motivo de dificuldades no início da vida profissional para as enfermeiras estudadas. No entanto, relataram dificuldades em outros, os quais se mostraram de diferentes graus, o que aponta a necessidade de estudos mais aprofundados para identificar a origem e a natureza dos problemas.

As enfermeiras apontaram dificuldades em atividades que exigem conhecimentos (saber), como também para atividades que necessitam de habilidades (saber-fazer), revelando falhas na graduação com relação ao pré-natal, tanto para aspectos teóricos como para atividades exclusivamente práticas.

As dificuldades identificadas possibilitam uma reflexão sobre o papel da instituição de ensino na formação dessas enfermeiras, de forma a contribuir para um melhor desempenho no início da vida profissional e para uma satisfação no saber e no fazer.

Um novo perfil para os profissionais de saúde, inclusive para enfermagem, foi estabelecido pelas diretrizes curriculares nacionais, baseado em competências. Um currículo por competências para a enfermagem requer uma integração entre a teoria e a prática, sendo que o estudante deve estar em contato com as situações reais da prática, desde o início da sua formação, para refletir, teorizar e desenvolver o saber-fazer em diferentes contextos, estabelecendo assim o processo ensino/aprendizagem.

Para que as enfermeiras realizem a assistência pré-natal com competência, faz-se necessário o desenvolvimento de inúmeras habilidades (saber-fazer) que, por sua vez, necessitam de um vasto conhecimento (saber) para terem atitudes (saber-ser) diante das situações de risco que as gestantes possam apresentar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em: 15.4.2005

Aprovado em: 17.7.2006

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  • 1
    Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Aceito
      17 Jul 2006
    • Recebido
      15 Abr 2005
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