Open-access Indicadores de saúde mental para a Rede de Atenção Psicossocial brasileira: uma proposta

Resumo

Objetivo:  propor indicadores de saúde mental destinados a gestão da Rede de Atenção em saúde mental, a começar da convergência da sua utilização, em países com organização pública de saúde.

Método:   análise exploratória dos indicadores, adotados e utilizados nesses países, a partir da análise detalhada dos seus respectivos documentos normativos, considerando as orientações da Organização Mundial de Saúde. Após a seleção dos indicadores, adotou-se a Matriz de Saúde Mental como sugestão para seu desenvolvimento e aplicação na Rede de Atenção Psicossocial brasileira. Respeitando os critérios de inclusão e exclusão dos indicadores estudados, a matriz foi construída, em duas dimensões: geográfica: (nacional/regional, local, individual) e temporal (entrada, processo e resultados).

Resultados:   a análise aponta 41 indicadores que apresentaram evidências quanto ao seu uso. Todos foram posicionados na Matriz de Saúde Mental, contribuindo como uma métrica para analisar a finalidade dos serviços de saúde mental, nos níveis e fases de cada dimensão.

Conclusão:  os indicadores selecionados, distribuídos nas diferentes dimensões da Matriz de Saúde Mental, estão sendo disponibilizados para uso, para a gestão e na prática clínica, bem como para estudos científicos e, num horizonte futuro, para uso como definidor de políticas de saúde mental.

Descritores:
Indicadores de Estado de Saúde; Indicador de Qualidade em Saúde; Administração em Saúde Pública; Serviços de Saúde Mental; Diretrizes para o Planejamento em Saúde; Administração de Estabelecimentos de Saúde

Abstract

Objective:  to propose Mental Health Indicators aimed at management of the Mental Health Care Network, starting with convergence of their use, in countries with public health organization.

Method:  an exploratory analysis of the indicators adopted and used in these countries, from the detailed analysis of their respective normative documents, considering the World Health Organization guidelines. After selection of the indicators, the Mental Health Matrix was adopted as a suggestion for their development and application in the Brazilian Psychosocial Care Network. The matrix was prepared in two dimensions, respecting the inclusion and exclusion criteria for the indicators studied, as follows: geographical (national/regional, local, individual), and time (entry, process and results).

Results:  the analysis indicates 41 indicators that presented diverse evidence regarding their use. All were allocated in the Mental Health Matrix, contributing as a metric to analyze the purpose of the Mental Health services, in the levels and phases of each dimension.

Conclusion:  the indicators selected, distributed in the different Mental Health Matrix dimensions, are being made available for their use in management and in the clinical practice, as well as for scientific studies and, in the future, to be used as definers of Mental Health policies.

Descriptors:
Health Status Indicators; Healthcare Quality Indicator; Public Health Administration; Mental Health Services; Health Planning Guidelines; Health Facility Administration

Resumen

Objetivo:  proponer indicadores de salud mental para la gestión de la Red de Atención en Salud Mental, a partir de la convergencia de uso en países con organización pública de salud.

Método:  análisis exploratorio de los indicadores que adoptan y utilizan estos países, a partir del análisis detallado de sus respectivos documentos normativos, considerando las directrices de la Organización Mundial de la Salud. Después de seleccionar los indicadores, se sugirió adoptar la Matriz de Salud Mental para desarrollarlos y aplicarlos en la Red Brasileña de Atención Psicosocial. Respetando los criterios de inclusión y exclusión de los indicadores estudiados, la matriz fue construida en dos dimensiones: geográfica (nacional/regional, local, individual) y temporal (entrada, proceso y resultados).

Resultados:  el análisis indica que 41 indicadores presentaron evidencia de uso. Todos fueron posicionados en la Matriz de Salud Mental, y contribuyeron como métrica para analizar la finalidad de los servicios de salud mental, en los niveles y fases de cada dimensión.

Conclusión:  los indicadores seleccionados, distribuidos en diferentes dimensiones de la Matriz de Salud Mental, están disponibles para ser utilizados tanto en la gestión y en la práctica clínica, como en estudios científicos y, en un horizonte futuro, para definir políticas de salud mental.

Descriptores:
Indicadores de Estado de Salud; Indicador de Calidad de la Salud; Administración en Salud Pública; Servicios de Salud Mental; Diretrices para la Planificación en Salud; Administración de Establecimientos de Salud

Destaques

(1) Análise de 41 indicadores que apresentaram evidências quanto ao seu uso.

(2) Distribuídos nas diferentes dimensões da Matriz de Saúde Mental.

(3) Nove indicadores fase de entrada.

(4) Quatorze indicadores fase de processos.

(5) Dezoito indicadores fase de resultados.

Introdução

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), pessoas com alterações mentais têm índices desproporcionalmente altos de incapacidade e mortalidade. Indivíduos com depressão maior ou esquizofrenia têm possibilidades de morte prematura, 40% a 60% maiores do que a população em geral, devido a comorbidades físicas que, em diferentes situações, não são questionadas (cânceres, diabetes, doenças cardiovasculares, infecção por HIV)1. Mundialmente, o suicídio é o segundo motivo mais frequente de morte entre os jovens. A partir destes fatos, a OMS propôs um conjunto de ações e metas para os países membros adaptarem às suas necessidades, buscando mudar estas taxas. Desta forma, a proposta da OMS enfatiza que seja reforçada a liderança, a governança e a eficácia nas ações da Saúde Mental (SM), fornecendo serviços de SM e sociais envolventes, adaptados e responsivos, em todos os níveis da assistência, fortalecidos pelos sistemas de informação e resultados de pesquisas nesta área2.

Para a OMS, um dos princípios destas tecnologias é como os indicadores possam sintetizar a informação de forma significativa para um fenômeno particular, retratar uma situação e, portanto, ser usado para avaliar uma situação estabelecida e vigente ou propor alguma mudança. As intenções globais, estabelecidas pela OMS, fornecem a base para medir as ações e realizações coletivas dos Estados Membros, em relação às metas globais, porém não devem impedir o estabelecimento de propósitos nacionais mais ambiciosos2.

Um estudo recente de revisão, apontando para o panorama mundial da utilização de Indicadores de Saúde Mental (ISM), analisou 22 artigos que apresentavam as tentativas dos países de selecionar ou implementar ISM. Porém, os resultados mostrados evidenciam usos diferentes desses indicadores para melhoria da política, gestão e serviço. No entanto, alguns países ainda estão comprometidos no processo de debates, levantamento e na coleta dos indicadores fundamentais. Algumas outras iniciativas de outros países encontravam-se em processo de implementação incompleto ou em instalação de projetos-piloto, destacando que a capacidade destes indicadores ainda é inexplorada. Vale ressaltar que nos países de baixa e média renda, os estudos de pesquisa sobre ISM foram realizados com muitas objeções, devidas à ausência de serviços essenciais de SM, de condições financeiros, de legislação e/ou de disposição política ou ainda falta de diretrizes de gestão e integração de dados de SM3-7.

Um trabalho realizado em 2016 buscou identificar ISM para medir a cobertura efetiva do tratamento em SM. O método de estudo Delphi foi aplicado em duas rodadas (com 93 especialistas de diferentes países, principalmente de média e baixa renda como: Etiópia, Índia, Nepal, Nigéria, África do Sul e Uganda). Iniciaram a seleção com um conjunto de 876 indicadores, finalizando com 15 bem classificados. O estudo disponibilizou dados sobre como o serviço de SM e a cobertura financeira podem ser avaliados nos países de baixa e média renda4.

Na Holanda em 2013, uma pesquisa buscou a elaboração de um conjunto de indicadores de desempenho que fossem executáveis, expressivos e pertinentes para medir a qualidade do sistema público de SM em Amsterdã. O trabalho iniciou com 330 indicadores, chegando ao final com 56 indicadores selecionados, com base em um questionário internacional e apresentados às partes participantes do processo5. Outro trabalho semelhante foi realizado na Alemanha. Os pesquisadores buscaram descrever o desenvolvimento de indicadores de qualidade para um procedimento de comprovação da qualidade para pacientes adultos com diagnóstico de esquizofrenia, transtornos esquizotípicos com delírios7.

No Brasil, a Portaria 3.088, de 23/12/2011, criou a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas com alterações ou transtorno mental e com demanda decorrentes da utilização de crack, álcool e outras substâncias, estabelecendo um grupo de atividades e ações no Sistema Único de Saúde (SUS)8. Como propósitos gerais desta rede, evidencia-se a articulação e agregação dos pontos de atenção das redes de saúde nas localidades, avaliando o cuidado através do acolhimento, do seguimento constante e o destaque às urgências8.

No escopo do SUS encontra-se a RAPS, formada de8: atenção básica em saúde (unidades básicas de saúde); atenção psicossocial especializada (Centros de Atenção Psicossocial -CAPS); atenção em urgências e emergências (unidades de Pronto Atendimento 24 horas - UPAs); atenção residencial de caráter transitório (unidades de recolhimento); atenção hospitalar (clínicas e hospitais psiquiátricos). Com isso, a RAPS é particularmente complexa, em virtude de que as ações terapêuticas ocorrem incorporadas à rede com ampla comunicação com outros sistemas, heterogêneos e articulados. Essas ações têm por base o princípio da integralidade, um dos procedimentos básicos do SUS, evitando a fragmentação e perdas9-10.

Através do Caderno de Diretrizes do Ministério da Saúde brasileiro, em 2014, encontramos apenas um indicador, apresentado pelo Ministério da Saúde, para a SM, no qual propunha apenas o nível da abrangência nacional/regional dos CAPS, por população. A despeito de ser relevante, não possuía a habilidade de avaliar as práticas de cuidados, oferecidas nas diferentes atividades, nem estimar a eficiência do serviço prestado. Recentemente este indicador foi descontinuado pelo Ministério da Saúde8.

No documento da Pactuação Interfederativa, para o período de 2017 a 2021, foi proposto um novo indicador para ações de Matriciamento Sistemático, para os CAPS, com os profissionais atuantes na Atenção Básica, por meio da Resolução n° 8. A proposta visava a integração do cuidado da SM, na Atenção Primária, no formato das diretrizes internacionais para reorganização dos sistemas de saúde11.

Salienta-se que em 2011, a Portaria nº 1.654, de 19 de julho, compôs o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), notadamente destinado para a Estratégia de Saúde da Família (ESF). Em pauta à SM, estimam-se ações instrutivas e preventivas, referentes à utilização de álcool e outras substâncias. Nesta portaria, foram estabelecidos quatro indicadores previstos para SM, de acompanhamento mensal: 1- Proporção de atendimentos em SM, exceto de usuários de álcool e drogas; 2 - Proporção de atendimentos de usuário de álcool; 3- Proporção de atendimentos de usuário de drogas; 4 - Taxa de prevalência de alcoolismo12.

Apesar das importantes mudanças que ocorreram na estrutura da organização da SM brasileira, nas últimas décadas, um estudo recente10 mostrou como a SM é debatida nas políticas avaliativas brasileiras e internacionais, por meio das manifestações expostas em documentos normativos nacionais (do Ministério da Saúde) e internacionais (da Organização Mundial da Saúde), divulgados em agosto de 2015. Neste estudo, é destacada a ausência de instrumentos oficiais de avaliação para o Brasil e a incipiência de documentos dos diferentes países analisados, onde a informação tem tornando-se um dos procedimentos utilizados pela OMS para avaliar a qualidade da SM, através do Atlas de SM e o Plano de Ação9-10.

Diante destes fatos e da ausência de ISM oficiais no Brasil, o objetivo deste artigo é propor indicadores de saúde mental destinados à gestão da Rede de Atenção em saúde mental, começando pela convergência de sua utilização, em países com organização pública de saúde.

Método

Delineamento do estudo

Este trabalho consiste de um estudo do tipo Levantamento Exploratório de ISM. Este método adotado é voltado para a descoberta de conhecimento, sem o propósito de avaliar ou validar hipóteses pré-estabelecidas13.

A análise dos resultados foi executada de acordo com os procedimentos estabelecidos pela Prática Baseada em Evidências (PBE), referente ao uso de ISM.

Na PBE é primordial suprir informações científicas sobre os programas e políticas decisivas na promoção de cuidados de saúde, para produzir pesquisas de avaliação e constituir evidências. Busca-se modificar a ciência em práticas, mapeando informações sobre intervenções baseadas em evidências da literatura realizada por pares para o contexto de um ambiente real específico14.

Conceito de indicador

A palavra “indicador” é originária do latimindicare, que significa descobrir, apontar, anunciar e estimar. Seguindo os critérios do conhecimento semântico das palavras, sobressai-se a proximidade com as palavras “medir”, “informar” e “indicadores’’ ou seus sucessores “mensuração” e “informação”15-16.

Os indicadores permitem realizar diagnóstico, assim como monitorar e avaliar os indivíduos e a gestão dos serviços. Desta forma, englobam a busca das metas clínicas, a qualidade dos cuidados profissionais e gerenciais, os resultados obtidos e auxiliam na tomada de ações decisivas, contribuindo para o melhoramento dos processos como um todo17.

A elaboração de um indicador é uma atividade complexa, podendo abranger desde a contagem básica e direta de casos de uma doença específica, até o cálculo de proporções, razões, taxas ou índices mais elaborados, como a perspectiva de vida ao nascer18.

Indicador de saúde mental

A OMS, no Plano de Ação para o período de 2014 a 2020, aponta a necessidade de se elaborar um conjunto básico de ISM, além de se prover orientação, treinamento e suporte técnico visando o desenvolvimento de sistemas de vigilância/informação para obter os principais ISM, com isso, otimizar o uso desses dados para monitorar desigualdades e resultados de saúde, e ampliar a informação recolhida pelo Observatório Global da SM da OMS (como um seguimento do Observatório Global da Saúde da OMS). Desta maneira, estabelecer uma base de dados para monitorar a condição global de SM (incluindo os avanços das metas determinadas no Plano de Ação)2.

Cenário

Os dados foram coletados de documentos normativos e sites oficiais de países com sistema público de saúde: Austrália, Inglaterra e Canadá. O cenário do estudo é justificado pela ausência de ISM para a RAPS brasileira. Diante destes fatos, a proposta apresenta um conjunto de indicadores, distribuídos nas dimensões administrativas da Matriz de Saúde Mental (MSM).

Período

As informações foram coletadas no período de 2018, 2019 e 2020.

Critérios de seleção dos países

O critério essencial de inclusão dos 3 países baseou-se na confirmação de que possuíam um sistema universal de saúde pública, por serem sistemas similares ao brasileiro e manterem uma disposição de rede de SM para a gestão. Esta separação limitou-se aos idiomas inglês, português e espanhol.

Flexibilidade de acesso à prática do uso dos ISM, em bases de dados ou documentos normativos.

Instrumentos utilizados para coleta das informações

Após a seleção dos países, iniciou-se a análise e seleção dos indicadores que melhor se referiam a RAPS, sempre comparando com os documentos normativos.

O primeiro passo foi realizado com uma busca meticulosa dos documentos normativos nacionais (do Ministério da Saúde,) e internacionais (Organização Mundial da Saúde, OPAS), tomados como referência para comparação na Figura 1 a seguir.

Figura 1
Documentos normativos referentes aos ISM

Na segunda fase, foi pesquisado um conjunto de documentos, em sites governamentais dos sistemas de saúde de alguns países (figura 2), para selecionar aqueles com a identificação dos indicadores utilizados efetivamente na gestão em SM, que trazem informações de como esses indicadores são usados em cada dimensão de análise30.

Figura 2
Documentos normativos referentes aos ISM

As duas etapas da investigação dos documentos normativos, ocorreram considerando-se os critérios de seleção/exclusão de cada país e seus ISM30.

Critérios seleção/exclusão de indicadores

  1. Por não fazerem parte da situação brasileira (imigrantes, etnias etc.).

  2. Indicadores de assistência social (encontrados nos ISM).

  3. Inseridos anteriormente, em outro indicador.

  4. Indicadores que necessitam de informação de auto avaliação/aplicação de questionário individual.

Critérios de seleção dos domínios dos indicadores (Entrada - Processos - Resultados)40-41

Tratamento e análise dos dados

Seguindo os passos estabelecidos para este estudo, alcançou-se a fase de Identificação do conjunto de ISM selecionado, estabelecendo as características primordiais para cada indicador. Para este fim, recorreu-se ao formato determinado pela Rede Interagencial de Informação para a Saúde-RIPSA8,18, buscando os seguintes itens: Definição, Conceituação, Fonte, Método de Cálculo e Categoria.

A MSM40 foi definida como referência fundamental, como heurística norteadora na adição e aplicabilidade dos ISM, nos diferentes níveis de gestão da rede. Neste exemplo matricial, são apontados 3 eixos fundamentais e inseparáveis: a concepção ética; as práticas baseadas em evidências e o acúmulo de experiências41.

A MSM se remete ainda a um modelo que pode ser utilizado para aumentar os benefícios clínicos e de gestão. Este modelo sugere duas dimensões, sendo uma geográfica, dividida em três níveis: nacional/regional, local e individual (do paciente) e outra temporal, definida por três fases: entrada, processo e resultados40.

No nível nacional/regional destacam-se as políticas de saúde, ainda, no nível local encontram-se os serviços operantes em uma área de abrangência e no último, o próprio usuário do serviço. Em cada fase da matriz, podem ser identificados, por exemplo, os recursos aplicados (fase de entrada), as atuações profissionais, usadas na oferta do cuidado (fase de processo) e os resultados esperados nos diferentes níveis em relação à mudança na morbidade e mortalidade como nos níveis individuais quanto no da população (fase de resultados).

Os indicadores referentes à fase de resultados, tornam-se mais árduos de definir e coletar, podem ser confundidos em algumas circunstâncias com indicadores de entrada ou de processo. Esse é o um exemplo da redução no tempo de hospitalização, categorizado como um indicador de processo, podendo constituir-se como um indicador de resultado, no nível individual41.

De posse desse modelo, uma tarefa importante deste estudo foi sistematizar os ISM, conforme as especificações da MSM, seus níveis e fases, levando em consideração as questões éticas, os indícios científicos e a análise de vivência adquirida como fundamentos do sistema de SM40.

Aspectos éticos

O estudo aqui apresentado seguiu os requisitos éticos, prescritos pela resolução brasileira CNS 466/12 e suas complementares e teve sua aprovação pelo Comitê de Ética de uma das instituições colaboradoras (Protocolo CAAE-93710218 10000 5393, CEP-EERP/USP nº. 205/2018 de 24/08/2018).

Resultados

Os principais resultados deste estudo foram alcançados a partir dos critérios descritos no método. Assim, foram selecionados inicialmente três países, nos quais foram identificados 164 ISM.

Aplicando-se o critério de pertinência para a RAPS brasileira, chegou-se a um conjunto de 41 indicadores, respectivamente, 11 indicadores da Austrália, 20 indicadores da Inglaterra e 10 indicadores do Canadá37-39.

Vale destacar que na análise inicial foram encontrados 1028 ISM, mencionados nos documentos normativos consultados, a saber: OMS - 4 indicadores, propostas de metas e ações2; Comissão Europeia - 36 indicadores21; World Health Organization Assessment Instrument for Mental Health Systems (WHO-AIMS) para Américas e Caribe - 155 indicadores25; Organização Pan-Americana de Saúde - propostas de metas e ações23; Nova Zelândia - 3 indicadores31; Portugal - proposta de metas e ações32; Espanha - proposta e análise de seleção 661 indicadores35; Austrália - 15 indicadores39; Canada - 55 indicadores37; Inglaterra 95 ISM38; Brasil 4 indicadores do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAq)12.

Após esse processo de seleção de países com indicadores pertinentes à RAPS brasileira, realizou-se a extração de conhecimento, onde foram analisados, nas páginas oficiais do Canadá, Austrália e Inglaterra, os respectivos relatórios, artigos científicos e todas as informações relevantes com o objetivo de chegar a seleção mais efetiva dos indicadores. Na extração de conhecimento, buscou-se informações sobre o uso dos indicadores, método de cálculo, análise e evidências práticas, através de consulta em: https:// drive.google.com/file/d/1PTg2MdCu7HRIEM7OARvrEu00GEA8yAOQ/view?usp=sharing.

Destaca-se que os indicadores selecionados foram confrontados com as propostas dos documentos normativos da OMS e os documentos normativos apresentados na Figura 1.

Concomitantemente à análise dos documentos, este grupo de indicadores foi analisado de forma colaborativa (voluntária), por 5 profissionais de diferentes áreas. Também uma consulta e análise adicionais de todos os indicadores foi feita por um especialista da área de serviços e ensino de SM (psiquiatra), buscando a adequação deste conjunto de indicadores para a RAPS brasileira. Ainda para esse processo de seleção, foram estabelecidos critérios que permitiram uma seleção mais específica para inclusão e exclusão de indicadores.

Indicadores Excluídos- Dos indicadores inicialmente selecionados para análise, foram excluídos 123 por não atenderem aos critérios especificados no método. Abaixo é mostrado um detalhamento desses critérios de exclusão:

  1. Excluídos 9 indicadores = 5,48% de 164 por representarem interesses específicos de alguns países (imigrantes, etnias e etc.).

  2. Foram excluídos 69 = 42,07 %, por fazerem parte de indicadores relacionados ao Indicador de assistência social que já constam no conjunto de ISM).

  3. Foram excluídos 14 = 8,53 %, por estarem presentes em mais de 1 país.

  4. Foram excluídos 31 = 18,90 %, que precisam de informação de auto avaliação/aplicação de questionário individual.

A partir da seleção do conjunto de ISM (devidamente estratificados com relação aos seus conteúdos e usos42), passamos a posicioná-los na MSM40, segundo os níveis de sua dimensão geográfica (nível nacional/regional, local e individual) e as fases da dimensão temporal (fase de entrada, de processos e de resultados).

Ao aderir a essa heurística, cada indicador passou a ser associado como uma métrica para avaliar o propósito dos serviços de SM, nos níveis e fases de cada dimensão, geográfica e temporal.

Dimensão Temporal: Fase de Entrada (A)

No Nível Nacional (ou regional) do eixo da Fase de Entrada 1A, foram alocados 6 indicadores dos selecionados, que servem como medidas para avaliação dos serviços de SM nesse nível. Os conteúdos propostos para esta fase, referem-se às diretivas e políticas governamentais, leis de SM, custos com serviços de SM e remanejamento de orçamento, organização de contingente de SM e treinamento de funcionários, protocolos e diretrizes de tratamentos e encaminhamentos, conforme se observa na Figura 3.

Figura 3
Posicionamento dos ISM Fase de Entrada

Na Fase de Entrada do Nível Local, 2A, foram posicionados 2 indicadores. Como métrica de avaliação, esses indicadores devem ser entendidos como uma “lente”, possibilitando ver com maior clareza a aplicação e efetividade das leis e políticas de SM em vigência no país. A organização deste nível depende se os serviços são organizados em distritos ou setores de saúde, ou ainda por área de cobertura populacional. O ponto relevante deste nível é a comprovação da necessidade dos serviços serem organizados localmente (próximo à casa das pessoas), de forma a oferecer cuidado na comunidade40. Como destacado anteriormente, esta fase de entrada no nível local determina o orçamento do serviço local e balanço dos serviços hospitalares e comunitários, avaliação das necessidades da população local, quantidade de pessoal clínico e combinações de serviços clínicos e não clínicos e ainda, relações de trabalho entre serviços.

Na Fase de Entrada do Nível Individual, 3A, foi alocado 1 indicador. Os indicadores nesta posição servem como medidas do cuidado oferecido diretamente ao portador de transtorno mental, seus familiares e seus contatos sociais próximos. Os serviços de SM avaliados, a partir desses indicadores, são entendidos em geral como o território exclusivo do profissional de saúde, mas os resultados individuais podem depender do que é definido nos níveis nacionais e locais. Um maior enfoque neste nível se deve à necessidade das práticas e intervenções serem baseadas em evidências, já que o que se observa com maior frequência é um distanciamento entre o sugerido pelas evidências e a prática clínica44. Como estabelecido anteriormente, neste nível e nesta fase, busca-se a avaliação das necessidades individuais, exigências decorrentes da patologia, demandas familiares para o cuidado cotidiano, habilidades e conhecimento da equipe, conteúdo de tratamentos clínicos e também as informações para pacientes/cuidadores41.

Dimensão Temporal: Fase de Processos (B)

Esta fase é caracterizada pelas tarefas de tratamento (clínicas e técnicas) desenvolvidas durante a oferta do cuidado. Aqui serão especificadas as prioridades e estratégias para o progresso do cuidado que levarão aos resultados da intervenção.

Para o nível nacional, da Fase de Processos, 1B, foram identificados 2 indicadores dos previamente selecionados. De uma maneira geral, nesta fase os indicadores são designados como indicadores de desempenho/atividade (como por exemplo, taxas de admissão, taxas de ocupação de leitos, taxas de tratamentos obrigatórios), diretrizes clínicas, protocolos de tratamento e padrões mínimos de cuidados33, como pode ser observado na Figura 4.

Figura 4
Posicionamento dos ISM Fase de Processos

Para o nível local, da Fase de Processos 2B, foram localizados 11 indicadores. Para esta fase os indicadores são designados para o monitoramento, contatos e padrões de uso dos serviços, processo de auditoria, caminhos e continuidade dos cuidados e segmentação de grupos especiais41.

No nível individual da Fase de Processos 3B selecionou-se 1 indicador. Aqui, é identificada a qualidade subjetiva dos tratamentos, a continuidade da equipe de clínicos, frequência de compromissos e os padrões dos procedimentos de cuidados para pacientes individuais32.

Dimensão Temporal: Resultados (C)

Esta fase questiona a avaliação dos resultados e deve acontecer de forma precisa e regular, como prática da equipe, uma vez que a meta dos serviços é melhorar os resultados para as pessoas com transtornos mentais, bem como, a gestão do sistema de SM em geral42.

Na Fase dos Resultados no Nível Nacional (1C), 8 indicadores foram extraídos dos previamente selecionados que definem a eficiência e a efetividade das intervenções propostas pelo serviço41. Especificamente, nesta fase, é possível identificar taxas de suicídio, taxas de moradores de rua (entre os doentes mentais ou as taxas de doença mental entre os sem-teto), taxas de prisão (colocação inadequada na prisão daqueles que seriam melhores tratados em instalações de SM), consultas especiais (especialmente aquelas em eventos adversos extremos, como homicídios por pacientes). Observe os indicadores na Fase de Resultados, na Figura 5.

Figura 5
Posicionamento dos ISM Fase de Resultados

No nível Local, 2C da Fase de Resultados, foram posicionados 9 indicadores, dos selecionados. Esta fase direciona a identificação de taxas de suicídio, resultados agregados em nível local e morbidade física41.

Finalmente, no nível individual da Fase de Resultados 3C, foi definido 1 indicador. Nesta fase, busca-se a diminuição de sintomas, impacto em cuidadores, satisfação com os serviços, qualidade de vida, incapacidades e necessidades32.

Os indicadores selecionados foram distribuídos nas diferentes dimensões da MSM, e estão sendo disponibilizados para uso, para análise da sua viabilidade na prática clínica e na gestão assim como para estudos científicos e, num horizonte futuro, para uso como definidor de políticas de SM.

Discussão

Nos resultados, observa-se a seleção de 41 ISM, através do levantamento com definições prévias e informações oficiais, com uma análise a partir da PBE e devidamente alocados em sua escala administrativa, através da MSM37-41.

O conjunto de ISM foi posicionado nas dimensões geográficas da Matriz (nível nacional, local e individual), bem como, nas dimensões temporais (fase de entrada: fase de processos e fase de resultados)40.

A MSM pode ser entendida como uma heurística, um modelo, que tem como objetivo servir como um mapa para melhorar as decisões em relação à assistência e gestão em SM41,45. Assim, um dos propósitos desse modelo baseado na MSM é que ele possa servir como guia no melhor diagnóstico possível do quadro apresentado pela pessoa e da gestão dos serviços de SM, de maneira que ações retificadoras possam ser aplicadas, nos níveis adequados, para a melhoria do atendimento. O modelo não tem a pretensão de ser rígido para a prescrição, porém deve ser considerado um instrumento a ser usado na análise de possíveis problemas e no auxílio à tomada de decisão41.

Com o propósito de ampliar a discussão, vale a pena citar o Modelo de Donabedian, que fornece uma estrutura geral para investigar os serviços de saúde e medir a qualidade dos cuidados46-47. É interessante notar que segundo esse modelo, de maneira similar a abordagem delineada na MSM, a melhor maneira de se avaliar a qualidade dos cuidados, é selecionar um conjunto de indicadores representativos em três abordagens, a saber: “estrutura”, “processo” e “resultados”32. Cita-se aqui o Modelo de Donabedian como outro exemplo de matriz, no qual são definidas as características das práticas de saúde e da organização social, sendo estas: equidade, cobertura, satisfação do usuário, efetividade, eficiência e acessibilidade46-47. Em suas várias pesquisas em saúde, o autor não propôs, especificamente, um modelo para SM, no entanto, seu trabalho deu suporte para a constituição dos domínios do conjunto de ISM da Austrália39, bem como inspirou a organização do conjunto de ISM da Inglaterra38.

O uso da MSM para alocar os indicadores apresenta limitações, já que, uma heurística necessita de interpretações do usuário, sugerindo uma fragilidade nesta interpretação, o que poderá ser aplicado na continuidade desses estudos. Mesmo assim, este modelo serve para guiar a utilização adequada de ISM, podendo dessa maneira orientar a utilização desses indicadores nas diferentes dimensões administrativas da RAPS brasileira. O modelo tem como foco auxiliar na avaliação dos pontos fortes e fracos dos serviços locais e a elaborar um Plano de Ação para melhorá-los, oferecendo uma abordagem clara e concomitantemente, flexível o suficiente para ser relevante para as suas circunstâncias locais44. Ao incluir a dimensão geográfica na Matriz, percebe-se que a prioridade de organização dos serviços de SM deve ser local, para serem prestados aos indivíduos necessitados. No entanto, alguns dos fatores principais são decididos regional ou nacionalmente, tendo por base as análises constantes de eventos relacionados ao setor para definição de políticas públicas e alocações financeiras, específicas para a SM6.

Desta forma, permite-se conhecer os aspectos que podem contribuir para um bom resultado para cada pessoa que apresenta um episódio agudo ou crônico de distúrbio mental, assistida na rede primária e secundária. A despeito de esse resultado costumeiramente ser visto como um sucesso para os praticantes que atuam no nível individual, na prática isso inclui decisões tomadas em nível local (por exemplo, para fornecer serviços de tratamento domiciliar), que deve ser habilitado por políticas e recursos, decididos no nível nacional (por exemplo, desenvolver cuidados comunitários).

As limitações encontradas ao selecionar os ISM estão relacionadas às dificuldades de encontrar informações com evidências do uso de indicadores (e mesmo encontrar esses indicadores com informações atualizadas) nas bases de dados estudadas ou documentos normativos. Observou-se que não é necessário fazer a seleção um conjunto grande de indicadores, mas incentivar uma busca daqueles que realmente contribuem para os objetivos a que se propõem. Os países que fazem uso de ISM apresentam de certa forma os mesmos indicadores.

O relevante é obter dados atualizados e objetivos a partir do uso desses indicadores nos serviços de SM e possíveis sugestões que possam ser adaptadas, visando melhorias na qualidade da atenção à população afetada, bem como na gestão dos serviços. Outra limitação a considerar-se é a não separação dos indicadores por categorias, ex.: sexo, faixa etária, indígenas, imigrantes, população moradora de rua, LGBTQIA+ e etc. No entanto, para minimizar esta limitação não é necessário incluir novos indicadores, apenas incluir as variáveis no processo de implementação de cada indicador.

Concordando com os autores40-41, a MSM pode ser interpretada como um mapa, que serve para ajudar a estabelecer as metas do serviço e as etapas principais para sua implementação e avaliação. Porém, esse mapa, para ser adequado, deve ser simples e objetivo. Seguindo este princípio, a MSM foi criada com apenas duas dimensões, constituindo um modelo matricial.

A questão dos ISM para atendimento das pessoas e gestão dos serviços da rede de saúde tem muito espaço para propostas de pesquisa, aplicação na prática e estabelecimento de políticas públicas48. Realmente, esse conjunto de indicadores tem aplicação ao produzir evidência sobre um cenário de saúde e suas tendências, baseado na experiência para identificar populações com maiores necessidades de saúde, estabelecer o risco epidemiológico e identificar áreas críticas. Dessa forma, contribui como uma ferramenta importante para estabelecer políticas e suas prioridades, para melhorar a qualidade dos serviços, para adaptar protocolos de atendimento e medidas que possam disponibilizar informações para programas de promoção da SM, bem como prevenção e tratamentos da doença com reabilitação psicossocial dos casos crônicos, buscando um atendimento melhor às necessidades da população49-51.

Analisando possíveis implicações dos resultados deste trabalho, nota-se que estamos no início das pesquisas e propostas para criação e organização dos ISM voltados para a RAPS brasileira, com toda a sua complexidade. Mais ainda, os resultados colaboram para estruturação semântica de entidades e relações presentes na ontologia Mental Health Management Ontology (MHMO), uma ontologia para o domínio de saúde mental que mapeia aspectos clínicos e biomédicos desta área e os relaciona com processos gerenciais das redes de atenção52-53.

Este fato intensifica o nosso interesse em aprimorar essa proposta e testá-la nos serviços, buscando consensos e sendo acompanhada de pesquisas e publicações. Como trabalho futuro submeteremos os indicadores selecionados neste trabalho à aplicação do Estudo Delphi para validação dos resultados.

Conclusão

Este estudo apresenta um conjunto de 41 ISM, selecionados a partir de criteriosa análise documental, buscando evidências do uso destes, nos países selecionados (Prática Baseada em Evidência). A partir desta seleção, propõe-se que estes indicadores possam ser disponibilizados para uso na prática clínica e na gestão, bem como para estudos científicos e, num horizonte futuro, para uso como definidor de políticas de SM. Estes indicadores, posicionados na MSM, nas dimensões geográficas: nível nacional, local e individual e nas dimensões temporais: fase de entrada, fase de processos e fase de resultados, mostram possibilidades e viabilidade do seu uso na rede de atenção à SM brasileira.

Estes indicadores são métricas importantes em todos os níveis e serviços da RAPS, atuando para mostrar as condições da gestão, em incidência, prevalência, mortalidade e morbidade, permitindo através de suas informações que os gestores possam intervir na melhoria de toda a rede de serviços e ainda antecipar medidas de promoção e prevenção em SM.

Devido à ausência do uso de ISM oficiais no Brasil, espera-se que os resultados, aqui apresentados, sirvam como estímulo para novas pesquisas assim como um auxílio para o estabelecimento de políticas voltadas às prioridades, legislações específicas, qualidade dos serviços, adaptação de protocolos de atendimento e medidas que possam disponibilizar informações aos programas de SM, procurando sempre suprir melhor as necessidades da população.

Agradecimentos

Agrademos a todos os profissionais que contribuíram para a elaboração deste trabalho.

Referências

  • Artigo extraído da tese de doutorado “Análise de viabilidade de um conjunto de indicadores de saúde mental para gestão da Rede de Atenção Psicossocial brasileira”, apresentada à Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Editado por

  • Editora Associada
    Sueli Aparecida Frari Galera

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2021
  • Aceito
    06 Fev 2022
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