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Estado nutricional de crianças com cardiopatias congênitas

Resumos

OBJETIVO: caracterizar o estado nutricional e verificar variáveis que predizem alterações nutricionais em crianças portadoras de cardiopatias. MÉTODO: trata-se de estudo transversal, realizado em duas instituições de saúde, de janeiro a junho de 2009, utilizando formulário com questões nutricionais. Selecionaram-se 132 crianças menores de dois anos e que apresentavam cardiopatia congênita, excluindo-se aquelas com outras doenças graves. RESULTADO: os valores de percentis e escores Z predominantes concentraram-se dentro da faixa de normalidade. Entretanto, os valores de escores Z apresentaram variações negativas com desvio para a esquerda. Na análise de fatores preditores, a ocorrência de desnutrição imediata e aguda esteve relacionada à diminuição da prega cutânea subescapular, a desnutrição imediata relacionou-se ao elevado escore de Apgar. A desnutrição crônica referiu-se às crianças do sexo feminino com idademaior. CONCLUSÃO: evidencia-se a necessidade de realizar estratégias nutricionais que possibilitem melhor prognóstico, na tentativa de ampliar os cuidados de enfermagem direcionados a essas crianças.

Criança; Cardiopatias Congênitas; Estado Nutricional; Enfermagem


OBJECTIVE: to characterize nutritional status and variables that predict nutritional changes in children with congenital heart disease. METHOD: a cross-sectional study undertaken in two health institutions between January and June 2009, using a questionnaire with questions about nutrition, applied to 132 children under two years of age who had congenital heart disease. Children who had additional serious illnesses were excluded. RESULT: the predominant percentile values and Z scores were concentrated within the range of normal levels. The Z scores, however, presented negative variations with a deviation to the left. In the analysis of predictive factors, the occurrence of immediate and acute malnutrition was related to a decrease in skinfold thickness (decrease in subscapular skinfold thickness, while immediate malnutrition was related to a high Apgar score. Chronic malnutrition was related to female children with higher ages. CONCLUSION: it is evidenced that it is necessary to carry out nutritional strategies which improve prognosis, so as to widen the nursing care directed at these children.

Child; Heart Defects; Nutritional Status; Nursing


OBJETIVO: caracterizar el estado nutricional y verificar variables que predicen alteraciones nutricionales en niños portadoras de cardiopatías. MÉTODO: estudio transversal realizado en dos instituciones de salud de enero a junio de 2009, utilizando formulario con cuestiones nutricionales. Se seleccionaron 132 niños menores de dos años y presentando cardiopatía congénita, excluyéndose aquéllas con otras enfermedades graves. RESULTADO: los valores de percentiles y scores Z predominantes se concentraron dentro de la banda de normalidad. Mientras, los valores de scores Z presentaron variaciones negativas con desvío para la izquierda. En el análisis de factores predictores, la ocurrencia de desnutrición inmediata y aguda estuvo relacionada a la disminución del pliegue cutáneo subescapular, la desnutrición inmediata se relacionó al elevado score de Apgar. La desnutrición crónica se refirió a los niños del sexo femenino con edades mayores. CONCLUSIÓN: se evidencia la necesidad de realizar estrategias nutricionales que posibiliten mejor pronóstico, en la tentativa de ampliar las atenciones de enfermería dirigidos a estos niños.

Niño; Cardiopatías Congênitas; Estado Nutricional; Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Estado nutricional de crianças com cardiopatias congênitas

IDoutoranda, Universidade Federal do Ceará, Brasil

IIPhD, Professor Associado, Universidade Federal do Ceará, Brasil

IIIPhD, Professor Adjunto, Universidade Federal do Ceará, Brasil

IVMestrandos, Universidade Federal do Ceará, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: caracterizar o estado nutricional e verificar variáveis que predizem alterações nutricionais em crianças portadoras de cardiopatias.

MÉTODO: trata-se de estudo transversal, realizado em duas instituições de saúde, de janeiro a junho de 2009, utilizando formulário com questões nutricionais. Selecionaram-se 132 crianças menores de dois anos e que apresentavam cardiopatia congênita, excluindo-se aquelas com outras doenças graves.

RESULTADO: os valores de percentis e escores Z predominantes concentraram-se dentro da faixa de normalidade. Entretanto, os valores de escores Z apresentaram variações negativas com desvio para a esquerda. Na análise de fatores preditores, a ocorrência de desnutrição imediata e aguda esteve relacionada à diminuição da prega cutânea subescapular, a desnutrição imediata relacionou-se ao elevado escore de Apgar. A desnutrição crônica referiu-se às crianças do sexo feminino com idademaior.

CONCLUSÃO: evidencia-se a necessidade de realizar estratégias nutricionais que possibilitem melhor prognóstico, na tentativa de ampliar os cuidados de enfermagem direcionados a essas crianças.

Descritores: Criança; Cardiopatias Congênitas; Estado Nutricional; Enfermagem.

Introdução

A desnutrição é um fenômeno constante entre crianças portadoras de cardiopatias congênitas, independente da natureza do defeito cardíaco e da presença ou não de cianose(1). O principal fator responsável por isso é o inadequado aproveitamento biológico dos nutrientes disponíveis, devido à elevação dos gastos energéticos em virtude das condições clínicas inerentes às alterações cardíacas(2).

Por essa razão, as crianças nascidas cardiopatas são consideradas parte de um grupo de alto risco nutricional(3). Nesse grupo, há perda de massa corporal que afeta, de forma global, o organismo, incluindo coração e músculos respiratórios, comprometendo as funções miocárdica e ventilatória, a capacidade de cicatrização e a competência imunológica com consequente aumento de risco para infecção(4).

As alterações congênitas do coração podem levar à diminuição da velocidade de crescimento, secundária à instabilidade hemodinâmica. Em específico, aquelas que evoluem com hipertensão pulmonar, insuficiência cardíaca e shunt esquerda/direita, comprometem o equilíbrio hemodinâmico e têm graves efeitos no crescimento da criança. No entanto, os mecanismos que conduzem a esse comprometimento ainda são indefinidos(4).

Para minimizar esse problema, a investigação de bons preditores para o estado nutricional pode nortear a tomada de decisão dos profissionais de saúde, especificamente sobre as intervenções prioritárias à indicação cirúrgica e, principalmente, por identificar fatores potenciais de crescimento, determinantes sociodemográficos e modificações clínicas próprias da condição cardíaca, os quais, possivelmente, interferem no estado nutricional da criança acometida por tal afecção.

Dessa forma, o propósito deste estudo foi verificar as possíveis variáveis que predizem alterações nutricionais nas crianças menores de dois anos, portadoras de cardiopatias congênitas, e caracterizar o estado nutricional dessas crianças mediante análise de escores Z e percentis.

Métodos

Trata-se de estudo transversal, realizado no período de janeiro a junho de 2009, com amostra de 132 crianças portadoras de cardiopatias congênitas com até dois anos de idade, selecionadas mediante amostragem consecutiva em duas instituições de saúde ambulatorial e hospitalar, especializadas em doenças cardíacas do município de Fortaleza, CE, Brasil. Foram excluídas crianças que apresentavam outros problemas de saúde que interferissem nos valores antropométricos das mesmas, como: edema do tipo cacifo ou anasarca; episódios persistentes de vômito e/ou diarreia; sinais característicos de desidratação, confirmados em diagnóstico médico; comorbidades: insuficiência renal crônica (IRC) e insuficiência cardíaca congestiva descompensada (ICC).

No que se refere à avaliação antropométrica, identificaram-se: peso, comprimento, pregas cutâneas (tríceps e subescapular), circunferências cefálica, torácica, abdominal e braquial. Para a medida do peso, a criança deveria estar despida, descalça e posicionada no centro da balança de mesa, em superfície plana, deitada ou sentada, a depender do seu estágio de desenvolvimento. O comprimento das crianças foi obtido por meio do antropômetro científico colocado sobre uma superfície plana e rígida. As medidas das circunferências cefálica, braquial, torácica e abdominal foram realizadas na criança em decúbito dorsal, com uma fita métrica graduada em centímetros. Para medir as pregas cutâneas, a criança ficava sentada no leito ou sobre os braços dos pais/responsáveis(5). Todas as medições foram feitas nas crianças com o mínimo de vestimentas, seguindo o mesmo protocolo.

Foram obtidas medidas em triplicata (em três momentos ininterruptos), para cada criança, com equipamentos previamente calibrados que incluíram balanças de mesa analógica infantil, adipômetros, antropômetros científicos e fitas métricas inextensíveis, graduadas em centímetros. Posteriormente, foi calculada a média de cada variável antropométrica obtida.

Para tanto, considerou-se como aceitável variabilidade inerente ao momento da avaliação e desempenho dos equipamentos utilizados. Aceitaram-se as diferenças até 50g para o peso, 0,5cm para o comprimento e circunferências: cefálica, torácica, braquial e abdominal, 2 a 10mm para as pregas cutâneas do tríceps e subescapular. Quando havia discrepâncias exorbitantes (valores maiores que aqueles pré-estabelecidos) entre os valores obtidos em cada medida, cada avaliador realizava outra medida, ou seja, uma quarta medida e, posteriormente, excluía-se a medida mais discrepante e calculava-se a média final.

Por fim, os dados foram compilados em planilhas, e a análise estatística foi realizada com auxílio do software SPSS©. A análise antropométrica foi feita por meio do cálculo de percentis, com apoio dos programas NutStat©, desenvolvido pelo Center for Disease Control and Prevention(6), e de escores Z, com apoio do software Anthro 2007©(7), disponibilizado pela OMS. Foram calculados os escores Z referentes aos índices: peso/idade, peso/comprimento, comprimento/idade, índice de massa corporal/idade, pregas cutâneas: tríceps e subescapular, circunferências braquial e cefálica, e os percentis referentes aos índices peso/idade, peso/comprimento e comprimento/idade.

Foram adotados como pontos de corte para os escores Z: valores normais entre 2 unidades de desvio-padrão abaixo e acima do valor médio; valores situados entre ±1 e ±2 unidades de desvio-padrão constituíram a faixa de risco. Por outro lado, para os percentis, os valores considerados normais estavam situados entre os percentis 3 e 97. As crianças posicionadas entre os percentis 3 e 10 foram classificadas como risco iminente, entre os percentis 0,1 e 3 como abaixo do esperado, e aquelas posicionadas abaixo do percentil 0,1 foram classificadas como muito abaixo do esperado(8).

Os valores resultantes do cálculo dos escores Z foram usados para classificar o tipo de desnutrição nas crianças. O índice comprimento/idade foi usado para o crescimento linear, indicando desnutrição crônica; o índice peso/comprimento foi considerado indicador de desnutrição aguda, enquanto o de peso/idade trata-se de indicador de pobre estado nutricional e refletiu na imediata deterioração do estado de saúde. Em todos os casos, foram considerados como ponto de corte para desnutrição um escore Z menor que -2(9).

Para avaliar os fatores preditores do estado nutricional, fez-se a análise de regressão logística. As variáveis dos resultados foram dicotomizadas como 0 ou 1, indicando a ausência ou a presença de desnutrição imediata, aguda ou crônica. Para a construção dos modelos, foram selecionadas variáveis com grande correlação parcial e nível de significância <0,20.

Aplicou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificação de normalidade dos dados numéricos. Para analisar a correlação entre as variáveis, utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson ou de Spearman, considerando as pressuposições estatísticas necessárias para aplicação dos mesmos.

Foi utilizado o teste de Wald para analisar a significância dos coeficientes da equação logística; o teste de Omnibus para analisar a significância do modelo desenvolvido, o teste qui-quadrado de Hosmer e Lemeshow, para avaliar a diferença entre as frequências esperadas e observadas, o R2 de Nagelkerke, para calcular a capacidade de determinação do modelo e o logaritmo da razão de máxima verossimilhança (-2 log) para avaliar a capacidade de predição do modelo. Valores de p<0,05 foram considerados significantes(10).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição responsável pelo estudo, e foi solicitado aos pais/responsáveis pelas crianças anuência ao estudo, mediante a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

Foram avaliadas 132 crianças nascidas cardiopatas. Entre elas, a maioria era do sexo masculino (51,5%), portadoras de cardiopatias congênitas acianóticas do tipo comunicação interatrial e média de idade de 9,43 meses (±6,08). Metade das crianças tinha 8,5 meses. Muitas delas provinham de famílias com poder aquisitivo e escolaridade baixa, 50% das famílias recebiam, no máximo, um salário-mínimo e até quatro pessoas como dependentes desse salário. Metade do número de mães apresentava menos de 9 anos de estudo. As crianças nasceram, em sua maioria, de parto cesariano e foram classificadas como recém-nascidos a termo, apresentando alto escore de Apgar no quinto minuto de vida.

Os percentis referentes aos índices comprimento/idade e peso/idade apresentaram distribuição assimétrica (p<0,05) e estiveram abaixo dos valores esperados em 25% das crianças avaliadas. Essa relação também foi observada nos escores Z para os mesmos indicadores (Tabela 1).

Na comparação com os indicadores antropométricos ao nascimento, encontraram-se correlações significativamente positivas entre os escores Z, referentes aos índices peso/idade, comprimento/idade e medida da circunferência cefálica e as medidas antropométricas peso e comprimento ao nascer (p<0,05). Essas correlações demonstraram que as crianças acometidas por cardiopatias congênitas mantêm certo ganho de peso e comprimento com o decorrer do tempo. Ademais, o valor do comprimento ao nascer correlacionou-se positivamente com o escore Z da medida da circunferência cefálica (Tabela 2).

O modelo desenvolvido para identificar os fatores preditores para desnutrição imediata incluiu as variáveis: prega cutânea subescapular e Apgar no primeiro minuto; o modelo para desnutrição aguda incluiu a variável prega subescapular e o último modelo, referente à desnutrição crônica, incluiu as variáveis idade (em meses), sexo e comprimento (em cm).

Pela análise de regressão logística, o teste de Hosmer e Lemeshow indicou que o modelo para a desnutrição imediata e crônica apresentou melhor ajuste. Por outro lado, o valor do logaritmo da verossimilhança, que avalia a capacidade de predição do modelo, foi considerado alto. Isso pode sugerir a influência de outras variáveis fora do modelo e/ou aspectos nutricionais individuais da criança portadora de cardiopatias congênitas. Para os três modelos, o coeficiente de determinação do modelo (R2) foi baixo, ao evidenciar capacidade explanatória limitada dos mencionados modelos, conforme Tabela 3.

O valor de prega cutânea subescapular apresentou significância estatística (p<0,05) na avaliação de desnutrição imediata e desnutrição aguda, indicando que a diminuição do valor da prega cutânea subescapular aumenta a probabilidade de ocorrência desse tipo de desnutrição. Além dessa variável, outra, representada pelo Apgar no primeiro minuto, utilizada para se verificar a relação com desnutrição imediata, também apresentou significância estatística (p<0,05), evidenciando que crianças nascidas com elevado escore de Apgar mostram maior probabilidade para o desenvolvimento de desnutrição imediata. Observou-se que a ocorrência de desnutrição crônica esteve relacionada às crianças do sexo feminino, com idade maior e que têm déficits no comprimento (Tabela 3).

Discussão

Os valores dos índices de percentis comprimento/idade, peso/idade e peso/comprimento, das crianças portadoras de cardiopatias congênitas, incluíam-se nos valores considerados dentro da faixa de normalidade nutricional, localizada entre os percentis 3 e 97. Ainda assim, foram observadas 25% das crianças com valores abaixo do percentil 3 para os índices peso/idade e comprimento/idade, denotando que parte delas têm baixos comprimento e peso relacionados à idade, indicando algum grau de desnutrição.

Em um estudo anterior, que avaliou o crescimento de crianças menores de 12 meses de idade com malformações cardíacas e hospitalizadas, 50% delas apresentou valores abaixo do percentil 10 para os índices comprimento/idade, peso/comprimento, peso/idade, indicando que grande proporção de valores situa-se dentro do grupo de risco nutricional, visto que os valores considerados de risco localizam-se entre os percentis 3 e 10(11). De modo similar, em outro estudo, desenvolvido com 89 crianças, na Turquia, entre um e 45 meses de vida, hospitalizadas, portadoras de cardiopatias cianóticas e acianóticas, com e sem hipertensão pulmonar, utilizou os pontos de corte de percentis entre 5 e 95, constatando que 65,2% das crianças estavam abaixo do percentil 5 para o peso e 41,6% delas abaixo do mesmo percentil para o índice peso/comprimento(12). Diferentemente, o presente estudo, por considerar pontos de cortes inferiores para os percentis (3 e 97), encontrou menor proporção de crianças deterioradas nutricionalmente para o mesmo índice avaliado.

Por outro lado, ressalta-se que os achados no atual estudo revelaram evidências diferentes daquelas encontradas na literatura, por classificar as crianças nascidas cardiopatas em percentis considerados predominantemente normais. Possivelmente, isso esteja relacionado às características peculiares do biotipo das crianças do Nordeste do Brasil, região onde predomina carências nutricionais e cuja população apresenta biotipo diferenciado: relativamente menores o comprimento e o peso. Outra justificativa seria o critério adotado como ponto de corte inferior e superior sobre os valores de percentis, utilizados nas curvas de crescimento. Esses, por serem distantes, dificultariam a identificação de valores considerados de risco nutricional.

Assim como na classificação dos percentis, os escores Z predominantes neste estudo concentraram seus valores dentro da faixa de normalidade nutricional. No entanto, predominaram em variações negativas com desvio para a esquerda. Assim, mesmo incluídas na faixa nutricional considerada adequada, as crianças estariam em risco iminente de desenvolver alterações nutricionais e seus valores de escores Z também são discrepantes, em relação aos escores de crianças sem alterações cardíacas.

Outro estudo, americano, desenvolvido com crianças nascidas cardiopatas, em período pré-operatório, houve o predomínio de escores Z peso/idade iguais a -2 unidades padronizadas no momento da admissão hospitalar(13). Para essa mesma clientela em meio hospitalar, outro estudo identificou lactentes com pontuação de escores inferiores ou iguais a -2 unidades padronizadas para os índices antropométricos peso/idade, peso/comprimento e comprimento/idade(14).

No referente à evolução de valores de escores Z, antes e após o procedimento cirúrgico (cinco dias), um estudo concluiu não ter havido mudanças significativas nos índices peso/comprimento e peso/idade nos grupos de crianças cianóticas e acianóticas, durante esse período(15). Conforme comprovado por estudo anterior, melhoras significativas no peso e no crescimento dessa clientela infantil ocorrem somente alguns meses depois da correção cirúrgica(16). Segundo a literatura, as causas atribuídas à desnutrição nas crianças cardiopatas parecem ser multifatoriais e, em geral, estão relacionadas às repercussões hemodinâmicas das cardiopatias(14). Até mesmo as cardiopatias congênitas mais leves refletem algum grau de prejuízo no crescimento infantil(17).

De forma similar, outro estudo encontrou valores de escores Z iguais a -2 unidades padronizadas para os três índices antropométricos peso/idade, peso/comprimento e comprimento/idade, associados às crianças com prévias hospitalizações, baixos consumo alimentar, peso ao nascer e nível de escolaridade dos pais, presença de insuficiência cardíaca congestiva e hipertensão pulmonar(18).

Em relação às correlações entre os indicadores ao nascer e os índices antropométricos, percebeu-se que as alterações da configuração geral do corpo resultam das variações no ritmo de crescimento dos diferentes segmentos do corpo. Assim, conforme ressalva a literatura, a cabeça cresce rapidamente no primeiro ano de vida e, nesse período, a circunferência cefálica toma maiores proporções em relação ao tronco(19).

Na análise de regressão multivariada, realizada no presente estudo, a diminuição do valor da prega cutânea subescapular aumenta a probabilidade de ocorrência do tipo de desnutrição imediata e desnutrição aguda. A prega cutânea subescapular denota boa correlação com a gordura corporal total, e a quantidade de gordura depositada na região do tronco fornece subsídios para detecção precoce de desnutrição e obesidade(20). Diante disso, nas cardiopatias congênitas, a presença do desequilíbrio energético, as dificuldades alimentares e a taxa metabólica aumentada, decorrentes da má função cardíaca, podem desencadear menores reservas de adiposidade central, sendo a cardiopatia congênita ponderada fator preditivo para desnutrição.

Além disso, as crianças nascidas cardiopatas com elevado escore de Apgar no primeiro minuto apresentaram maior probabilidade de desenvolver desnutrição imediata. Particularmente, as crianças portadoras de cardiopatias congênitas apresentam valores de peso e comprimento adequados para a idade gestacional(14,16), e geralmente evoluem bem nas primeiras horas de nascimento, mediante elevados escores de Apgar.

Até mesmo as cardiopatias mais complexas não costumam trazer sinais de disfunção durante o período intrauterino, não há modificações progressivas e nem previsão de sinais de sofrimento cardiológico no período neonatal imediato(21). No entanto, após o nascimento, os índices antropométricos dessas crianças decrescem rapidamente, diante dos distúrbios no metabolismo energéticos (aumento do trabalho cardíaco, aumento da temperatura basal e da atividade do sistema nervoso simpático) e na função gastrointestinal (má absorção decorrente do edema e das crises persistentes de hipóxia) e diminuição do consumo energético (anorexia e saciedade precoce)(16), principalmente na presença de cardiopatias cianóticas(3,22-23). Dessa forma, mesmo apresentando adequadas condições de nascimento, a criança acometida por cardiopatias não consegue acompanhar os padrões de crescimento, estabelecidos para as crianças em geral e, por conseguinte, serão mais propensas ao desenvolvimento de alterações no peso durante seu processo evolutivo.

A ocorrência de desnutrição crônica, entretanto, esteve relacionada às crianças do sexo feminino com idade maior e comprimento reduzido. Se a desnutrição crônica representa alterações no índice comprimento/idade, as meninas têm o crescimento comprometido em um processo de longa duração.

É sabido que as crianças do sexo feminino apresentam menores dimensões corporais ao nascer em relação aos meninos. Dessa forma, aspecto importante a ser investigado se refere ao reconhecimento de tipos morfológicos, com base na relação entre os percentis da altura e do peso. Tais relações podem ser harmônicas ou desarmônicas, oferecendo várias alternativas biotipológicas, de importância clínica, e que podem ser erroneamente confundidas com estados carenciais(24). Portanto, somente fatores genéticos relacionados ao sexo feminino não podem explicar o nível de crescimento inferior para a altura das crianças do Nordeste do Brasil. O déficit do crescimento da altura em função da idade reflete fortemente alterações mais profundas e mais insidiosas, persistindo ao longo do crescimento.

Ademais, mesmo aplicando considerado rigor metodológico no estudo, na análise de regressão logística, variáveis fora do modelo desenvolvido ou, mesmo, a composição da amostra, caracterizada pela relativa heterogeneidade de crianças em tratamento ambulatorial e hospitalar, podem ter influenciado os aspectos individuais do crescimento ou estado nutricional das crianças.

Além disso, as crianças nascidas no Nordeste do Brasil apresentam distintas características tais como o biótipo diferenciado: peso e comprimento inferior aos valores obtidos em crianças de outras localidades do país e, sobretudo, quando comparadas a crianças nascidas em países desenvolvidos. Somando-se a isso, neste estudo, não foi verificado qualquer tipo de associação entre os tipos de cardiopatias e as medidas antropométricas investigadas, ao passo que a literatura evidencia as cardiopatias cianóticas como causadoras de maiores repercussões no peso e no comprimento da criança. Nesse sentido, estudo aponta que o desenvolvimento de desnutrição nessas crianças depende do tipo e da severidade da malformação congênita cardíaca(17).

Em face da magnitude do defeito cardíaco e sua profunda repercussão no estado nutricional da criança, estudos dessa natureza podem aperfeiçoar o conhecimento de profissionais de saúde que trabalham na área cardiovascular, e subsidiar novas estratégias de intervenção no acompanhamento do crescimento que possibilitem melhor prognóstico dessas crianças.

Conclusão

Em suma, no presente estudo, constatou-se que as crianças com cardiopatias congênitas apresentaram valores de escores Z discrepantes em comparação aos escores de crianças sem alterações cardíacas. Ademais, o estudo evidencia que os índices antropométricos em percentis e escores Z apresentaram-se dentro da faixa de normalidade nutricional. Em contrapartida, essas crianças apresentam risco iminente para desenvolver alterações nutricionais.

Com base na análise estatística, percebeu-se que as crianças com elevado escore da variável preditora Apgar no primeiro minuto apresentaram maior probabilidade de desenvolver desnutrição imediata. Em face disso, observa-se que, mesmo demonstrando boa evolução nas primeiras horas de vida, os índices antropométricos dessas crianças decrescem rapidamente, diante da condição de saúde e alterações metabólicas que essa implica.

Nesse ensejo, outra variável também considerada preditora, a prega cutânea subescapular, mostrou relação inversa com a ocorrência da desnutrição do tipo imediata e do tipo aguda. Especificamente, essa relação evidencia que as crianças nascidas cardiopatas, que apresentaram diminuição do valor da prega cutânea subescapular, têm maior probabilidade de serem acometidas por desnutrição imediata e desnutrição aguda, respectivamente.

Ressalta-se que a classificação nutricional das crianças cardiopatas do presente estudo pode ter sido fator limitante, uma vez que se utilizaram valores de referência adotados internacionalmente para crianças saudáveis, pois ainda não existem valores padronizados para a comparação de crianças nascidas cardiopatas, entre si.

Ademais, é preciso considerar, além das condições climáticas, os fatores de estrutura socioeconômica e alterações nutricionais crônicas, advindas das cardiopatias que alteram definitivamente o desenvolvimento físico (comprimento e peso) das crianças. Esse caráter principalmente endêmico da má nutrição no Nordeste e o agravamento do déficit de estatura em função da idade implicam reformulação dos programas de intervenção nutricional.

Assim, o conhecimento das principais variáveis envolvidas com a identificação precoce do déficit nutricional em um grupo específico pode conduzir o profissional da saúde quanto à realização de estratégias nutricionais que possibilitem melhor prognóstico, na tentativa de ampliar os cuidados direcionados a essas crianças.

Agradecimentos

Às crianças cardiopatas, seus responsáveis e à instituição de saúde pela disponibilidade.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      19 Jan 2012
    • Aceito
      12 Out 2012
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