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Historicidade das maneiras de impactar as práticas com os conhecimentos produzidos


A pesquisa é um instrumento pelo qual o pesquisador obtém ferramentas para fortalecer a ciência, mas também é um ato político que como prática social contribui para a melhoria da qualidade de vida do ser humano. As primeiras questões ligadas ao desenvolvimento da pesquisa em enfermagem no Brasil, foram contempladas no temário oficial do XVI Congresso Brasileiro de Enfermagem, em 1964, realizado em Salvador/Bahia, intitulado Enfermagem e pesquisa, assistência de Enfermagem. Maria Ivete Ribeiro de Oliveira, então diretora da Escola de Enfermagem da Universidade da Bahia em conferência de abertura, ressaltou ser preciso ter um corpo de conhecimento científico sistematizado que, constituído de teorias, servisse de base para generalizações, a fim de prosseguir com novas investigações, novos conhecimentos e, consequentemente, a renovação e a atualização da prática profissional. As discussões daquele congresso, resultaram em decisões importantes. À ABEn recomendou-se que estimulasse as escolas de enfermagem a preparar seu corpo docente para a pesquisa, por meio de cursos e seminários sobre metodologia da pesquisa; às enfermeiras, que utilizassem a pesquisa no cotidiano do trabalho, produzindo elementos para avaliar o cuidado prestado11 Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: História de uma profissão. 2.ed. São Caetano do Sul (SP): Editora Difusão; 2015..

As enfermeiras brasileiras dedicadas à pesquisa podem ser classificadas com base em critérios internacionais, a saber: a geração das pioneiras, que despontou nos anos 1950; a geração das autodidatas, que surgiu nos anos 1960; a geração da elaboração acadêmica individual, que apareceu nos anos 1970; a geração da produção sistemática e coletiva, que se configurou na virada dos anos 1980/1990; e a dos anos 2000, a geração das produções científicas voltadas para os espaços de cuidar, por meio das chamadas boas práticas e das práticas baseadas em evidências22 Sena RR, Gonçalves AM. A evolução da pesquisa em enfermagem. In: Fórum Mineiro de Enfermagem, 2, Uberlândia, MG; 2000. Anais... Uberlândia, MG: UFU; 2000..

É importante destacar que, a partir da década de 1970, a enfermagem brasileira se lança na produção de um saber próprio, fundamentado nas teorias de enfermagem, visando a uma sistematização da assistência realizada pelos profissionais, e impulsionou a pesquisa de novos objetos sob diferentes perspectivas qualitativas.

Vários fatores contribuíram para que a pesquisa em enfermagem ampliasse a sua visibilidade, muitos deles oriundos da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEN), tais como: o Centro de Estudos e Pesquisas em Enfermagem, em 1971, que se tornou o repositório das Dissertações e Teses defendidas pelas enfermeiras brasileiras. Este deu origem ao Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem, a partir de 1979; o incremento dos Congressos Brasileiros de Enfermagem com temáticas aderentes às necessidades da prática, e, especialmente, a divulgação e socialização dos resultados de pesquisas nos periódicos das áreas da saúde e enfermagem, tanto no âmbito nacional, quanto no internacional11 Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: História de uma profissão. 2.ed. São Caetano do Sul (SP): Editora Difusão; 2015..

Da primeira produção sistematizada do conhecimento de enfermagem até o início da década de 1980, as pesquisas realizadas pelos enfermeiros vinham contemplando objetos de estudo direcionados para o componente biológico do cuidado de enfermagem, análises das atividades administrativas desenvolvidas por enfermeiros nas instituições, segundo perspectivas funcionalistas, padronização e testes de técnicas e estudos de normalidade de parâmetros biológicos33 Silva AL da, Padilha MICS, Borenstein MS. Professional image and identity in the construction of nursing knowledge. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet]. 2002 July [cited 2017, Aug 6]; 10(4): 586-95. Available from:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692002000400017&lng=en.http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692002000400017.
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. A natureza desses objetos e, fundamentalmente, a forma de estudá-los, possibilitou um avanço na construção de um corpo de conhecimentos em enfermagem, gerando um impulso e uma consolidação dessa forma de pesquisa.

Mundialmente, a partir dos anos 1980, a área da saúde assistiu ao surgimento da Medicina Baseada em Evidência (MBE), a qual defendia que as descobertas científicas eram mais confiáveis como base para decisões clínicas do que as opiniões das autoridades e influenciou as demais disciplinas de saúde44 Leite JL, Ximenes FRG Neto, Cunha ICKO. Centro de Estudos e Pesquisa em Enfermagem (CEPEn): uma trajetória de 36 anos. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2007 Dec [cited 2017, Aug 6]; 60(6): 621-6. Available from:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672007000600002&lng=en.http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672007000600002.
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Os avanços tecnológicos na área da saúde e o mercado de trabalho competitivo impulsionaram a enfermagem para as especificidades do cuidado terapêutico e a identificação de seu papel na equipe multiprofissional. Esse caminho estimulou a construção de um conhecimento específico, por meio de elaborações teóricas, proporcionando novas formas de perceber os fenômenos envolvidos na prática assistencial. Assim, surgiu a necessidade de investigar os objetos da enfermagem com novos óculos, o da pesquisa qualitativa e com isso, aprimorar as ações de enfermagem, embasada em uma teoria científica. A exemplo de outras teóricas da enfermagem, no Brasil, Wanda de Aguiar Horta, na década de 1970, baseada na teoria das “Necessidades Humanas Básicas”, de Maslow, sob a classificação de João Mohana, propôs a metodologia denominada “Processo de Enfermagem”, que foi e ainda é largamente utilizada em todo o país55 Horta WA. Processo de enfermagem. São Paulo: EPU; 1979..

Episódio que também merece destaque, ao nos referirmos à pesquisa em enfermagem no Brasil, como desafio dos tempos presentes é a escassa utilização e impacto na prática da produção cientifica relacionada à enfermagem. Várias são as hipóteses, mas, sejam quais forem, faz-se necessária a viabilização da divulgação e impacto do conhecimento produzido, uma vez que se trata, aqui, de uma questão de responsabilidade social e de que o conhecimento, por razões éticas e morais, deve ser sempre compartilhado para o bem da humanidade. É preciso lutar pela visibilidade da pesquisa em enfermagem66 Mendes IAC, Trevizan MA, Mazzo A, Godoy S de, Ventura CAA. Marketing profissional e visibilidade social na enfermagem: uma estratégia de valorização de recursos humanos. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2011 Dec [cited 2017, Aug 6]; 20(4):788-95. Available from:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072011000400019&lng=en.http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072011000400019.
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Contudo, é necessário visualizar a pesquisa em enfermagem como um meio de crescimento, avanço e valorização da profissão na sociedade e não apenas como um instrumento que as enfermeiras utilizam com a finalidade de obter conhecimento para a sua prática diária. Isto significa o despertar e a compreensão de uma classe que se percebe não apenas como força de trabalho, mas no exercício pleno de uma profissão, fazendo-se valer por meio da busca incessante de conhecimentos.

Nos últimos 30 anos, a produção de conhecimento científico gerada nos programas de pós-graduação, aplicada às necessidades de saúde da população brasileira, possibilitou uma efetiva articulação dos centros de formação de doutores e mestres com a sociedade, em uma prática que contemplou os mais variados contextos de saúde e de doença. Esse novo conhecimento, igualmente, quando utilizado no ensino de graduação, renova-o e atualiza-o, bem como o lança à melhoria da assistência de enfermagem num ciclo que constrói e alimenta o trabalho da profissão.

A profissão de enfermagem e a saúde, de uma maneira geral, acompanharam o movimento de evolução dos recursos tecnologicos e computacionais para geração e uso da informação, favorecendo o aprimoramento de ações voltadas ao atendimento da população. Nas ultimas décadas, as iniciativas para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, tanto individuais, colaborativas ou multicêntricas, têm se multiplicado em todo o mundo, com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência prestada, a segurança dos pacientes e influenciar políticas de saúde mais efetivas. Práticas baseadas em evidências, pesquisas clínicas, revisões sistemáticas, pesquisas convergente-assistenciais, estudos fenomenológicos e de representações sociais, estudos históricos têm o mesmo objetivo: responder questões da prática profissional11 Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: História de uma profissão. 2.ed. São Caetano do Sul (SP): Editora Difusão; 2015..

Penso que a comunidade científica de enfermagem brasileira, tem manifestado a preocupação ao promover, financiar e incentivar o desenvolvimento de pesquisas de intervenção, ou, em outras palavras, pesquisas que provoquem mudanças na pratica assistencial, na condução de problemas de saúde importantes. O vácuo que ainda precisa ser preenchido, a meu ver, é o fortalecimento de estudos que realmente tenham como objetivo a transformação e a integração entre a comunidade cientifica e a comunidade assistencial. Para isto, as parcerias entre escolas, serviços de saúde e os cientistas são essenciais, numa alteração de papeis daquele que produz o conhecimento e daquele que aplica o conhecimento produzido.

References

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017
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