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Comunicação não-verbal mãe/filho na vigência do HIV materno em ambiente experimental

Resumos

A comunicação não-verbal é predominante na relação entre mãe/filho. Objetivou-se verificar a comunicação não-verbal mãe/filho na vigência do HIV materno. Em ambiente experimental, foram avaliadas cinco mães HIV+, no exercício de cuidados com seus filhos de até seis meses de vida. Filmagens dos cuidados foram analisadas por peritos, sendo observados os aspectos da comunicação não-verbal, como: a paralinguagem, cinestésica, distância, contato visual, tom de voz, comportamento tátil materno e infantil. Obteve-se 344 cenas que, após análise estatística, possibilitou inferir que a comunicação não-verbal é utilizada pela mãe para demonstrar seu íntimo apego aos filhos e para perceber possíveis anormalidades. Sugere-se que a infecção materna pode ser fator determinante para a formação de forte apego materno ao seu bebê após o nascimento.

Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Relações Mãe-Filho; Comunicação não Verbal; HIV


Non-verbal communication is predominant in the mother-child relation. This study aimed to analyze non-verbal mother-child communication in conditions of maternal HIV. In an experimental environment, five HIV-positive mothers were evaluated during care delivery to their babies of up to six months old. Recordings of the care were analyzed by experts, observing aspects of non-verbal communication, such as: paralanguage, kinesics, distance, visual contact, tone of voice, maternal and infant tactile behavior. In total, 344 scenes were obtained. After statistical analysis, these permitted inferring that mothers use non-verbal communication to demonstrate their close attachment to their children and to perceive possible abnormalities. It is suggested that the mother’s infection can be a determining factor for the formation of mothers’ strong attachment to their children after birth.

Acquired Immunodeficiency Syndrome; Mother-Child Relations; Nonverbal Communication; HIV


La comunicación no verbal es predominante en la relación entre madre/hijo. Se tuvo por objetivo verificar la comunicación no verbal madre/hijo en la existencia del HIV materno. En ambiente experimental, fueron evaluadas cinco madres HIV+, que cuidaban de sus hijos de hasta seis meses de vida. Las filmaciones de los cuidados fueron analizadas por peritos, siendo observados los aspectos de la comunicación no verbal, como: paralenguaje, cinestésica, proximidad, contacto visual, tono de voz y comportamiento táctil materno e infantil. Se obtuvo 344 escenas que, después de un análisis estadístico, posibilitó inferir que la comunicación no verbal es utilizada por la madre para demonstrar su apego íntimo a los hijos y para percibir posibles anormalidades. Se sugiere que la infección materna puede ser un factor determinante para la formación del fuerte apego de la madre por su bebé después el nacimiento.

Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Relaciones Madre-Hijo; Comunicación no Verbal; VIH


ARTIGO ORIGINAL

Simone de Sousa PaivaI; Marli Teresinha Gimeniz GalvãoII; Lorita Marlena Freitag PagliucaIII; Paulo César de AlmeidaIV

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, e-mail: simonecvc@yahoo.com.br

IIDoutor em Enfermagem, Professor, Departamento de Enfermagem, Universidade Federal do Ceará, Brasil, e-mail: marligalvao@gmail.com

IIIDoutor em Enfermagem, Professora Titular, Departamento de Enfermagem, Universidade Federal do Ceará, Brasil, e-mail: pagliuca@ufc.br

IVEstatístico, Doutor, Professor Adjunto, Universidade Estadual do Ceará, Brasil, e-mail: pcalmeida49@zipmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

A comunicação não-verbal é predominante na relação entre mãe/filho. Objetivou-se verificar a comunicação não-verbal mãe/filho na vigência do HIV materno. Em ambiente experimental, foram avaliadas cinco mães HIV+, no exercício de cuidados com seus filhos de até seis meses de vida. Filmagens dos cuidados foram analisadas por peritos, sendo observados os aspectos da comunicação não-verbal, como: a paralinguagem, cinestésica, distância, contato visual, tom de voz, comportamento tátil materno e infantil. Obteve-se 344 cenas que, após análise estatística, possibilitou inferir que a comunicação não-verbal é utilizada pela mãe para demonstrar seu íntimo apego aos filhos e para perceber possíveis anormalidades. Sugere-se que a infecção materna pode ser fator determinante para a formação de forte apego materno ao seu bebê após o nascimento.

Descritores: Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Relações Mãe-Filho; Comunicação não Verbal; HIV.

Introdução

Tanto a gravidez quanto o exercício da maternidade envolvem mudanças importantes na vida da mulher, as quais exigem adaptações sucessivas e a longo prazo(1).

Como toda crise de desenvolvimento, a gravidez desequilibra o ciclo de vida do indivíduo(2). Tal desequilíbrio poderá ser maior ou menor de acordo com a forma pela qual a crise será vivenciada. Para a mulher portadora de HIV/AIDS, a esse desequilíbrio da geração de um filho acrescentam-se as especificidades da soropositividade(3). Com isso, por ser esse período de crise para a mulher HIV positivo maior do que o habitual para a gestante, a relação com o filho poderá ser prejudicada nesse processo. Quando descobre que está com alguma doença capaz de comprometer o bebê, pode surgir na futura mãe sentimentos de ansiedade e culpa(4), pois ela espera que a criança nasça saudável.

Além de sofrer com o estigma social de uma doença discriminada e incurável, a mulher precisa seguir uma série de recomendações para não contaminar seu filho, medidas não incentivadas socialmente, muitas vezes distantes de suas possibilidades financeiras, como a adoção da alimentação artificial do seu filho.

Sentimentos decorrentes do diagnóstico de soropositividade ao HIV, recomendações para evitar o contágio do filho e restrições no cuidado da mãe com o filho poderão influir na relação entre mãe HIV positivo e filho.

O relacionamento mãe e filho ocorre sob as bases da comunicação, sobretudo da não-verbal. A comunicação é essencial para a relação entre mãe e filho e deve ser foco de peculiar atenção para o enfermeiro que cuida do binômio. A voz da mãe e a forma de acariciar o bebê indicam sua disposição para cuidar do filho(5). Portanto, deve-se observar e avaliar as manifestações comunicativas entre mãe e bebê, sobretudo quando se faz uso da linguagem não-verbal, por ser a forma de comunicação predominante entre o binômio no início de vida da criança, com vistas a detectar qualquer caminho contrário ao relacionamento saudável entre mãe e filho. Nessa perspectiva, o presente estudo objetivou verificar a comunicação não-verbal (CNV) mãe/filho na vigência do HIV materno em ambiente experimental.

Aspectos Metodológicos

Estudos em ambiente experimental são poucos difundidos para se avaliar o cuidado materno. Assim, desenvolveu-se pesquisa do tipo descritiva no Laboratório de Comunicação em Saúde (LabCom_Saúde) em Fortaleza, Ceará.

O estudo foi realizado durante o segundo semestre de 2007 com a participação de cinco binômios (mãe/filho), cuja mãe apresentava sorologia anti-HIV positiva, e seus filhos, nascidos sob exposição ao vírus, tinham idade menor ou igual a seis meses. Teve-se como critério de escolha mãe HIV positiva, residente em Fortaleza, e que aceitasse participar da pesquisa. Intencionalmente, optou-se por crianças menores de seis meses por ser fase importante para a formação do apego entre mãe e filho(6) e que a antecede, sendo, portanto, período propício para avaliar a CNV.

Para coleta de dados utilizou-se a entrevista semiestruturada que buscou dados de identificação, socioeconômicos, informações obstétricas e sobre o diagnóstico. Como recurso de captação e registro de informações foi utilizada a filmagem. No ambiente experimental, duas câmeras foram posicionadas em locais diferentes e estratégicos, permitindo filmagem de todo o ambiente, captando as cenas sem interferir nos cuidados.

Para o desenvolvimento da pesquisa foi montado, no laboratório, cenário semelhante ao ambiente doméstico, permitindo que a mãe desempenhasse cinco cuidados com seu filho, a saber: banho, troca de roupas, oferecimento de mamadeira (alimentação), um momento de brincadeira (brincar) e no momento de fazê-lo dormir (ninar/embalar). Essas situações ocorreram em virtude de serem circunstâncias de cuidado que as mães desempenham cotidianamente com seus filhos. Todas as ações de comunicação, face a esses cuidados, foram somadas e posteriormente avaliadas.

Em sala anexa, um computador permanecia conectado às filmadoras, armazenando os dados. O pesquisador permaneceu nesse ambiente controlando os equipamentos e observando o que acontecia com o binômio durante os cuidados, sem interferir no ambiente de filmagem.

Para análise dos dados das filmagens participaram dois peritos (juízes), cujos critérios de participação foram: enfermeiros com titulação de, pelo menos, mestrado e ter desenvolvido e estar desenvolvendo estudos em comunicação não-verbal.

As cenas de cada cuidado foram avaliadas do início ao final das interações. Não foi determinado um período para os cuidados, em razão de cada mãe desenvolvê-lo a seu modo e tempo. Para analisar as cenas de cada cuidado, o vídeo (filmagem) era pausado a cada trinta segundos e avaliado individualmente pelos juízes que assinalava, mediante um roteiro de observação do tipo check list, os elementos da CNV(7-8) que surgiam nos intervalos da filmagem. Dessa forma, cada roteiro preenchido correspondeu a uma interação. As variáveis analisadas pelos juízes foram:

- paralinguagem - som produzido não compreensível pelo idioma usado;

- cinestésica - posturas e posições mantidas durante a interação;

- distância - refere-se ao espaço mantido entre os interlocutores durante a interação;

- contato visual - sentido mais especializado do homem que recebe informações de maneira eficaz e imediata. Ao mesmo tempo, o olhar reflete sentimentos e intenções;

- tom de voz - a tonalidade da voz durante uma conversa, verbal ou não. Essa pode refletir sentimentos do emissor da mensagem;

- a ocorrência de choro ou gemido da criança - pertencente à paralinguagem. No presente estudo considerou-se como outra variável em função de indicar a ocorrência de sensação de desconforto, dor ou desprazer do bebê durante a comunicação;

- toque - refere-se às características que envolvem o ato de tocar o outro. No estudo, considerou-se o tipo de toque materno e comportamentos do bebê que poderiam sugerir o desejo de tocar ou não a mãe. Dificilmente poderia se verificar toque provocado por uma criança com idade inferior a seis meses se esse foi intencional ou não. Ademais, nessa variável também se observou o sorriso materno, demonstrando satisfação ou prazer durante o toque.

Ainda, especificamente para avaliar as distâncias, adotou-se medidas amplamente divulgadas(8), que foram: 1. distância íntima - zero a 50 cm e 2. distância pessoal - 50 a 120 cm.

Os registros efetuados pelos juízes foram agrupados por binômio e analisados empregando-se análises de proporção e associações (testes z e χ2), fixando-se o nível de significância de 1%.

Em atendimento ao exigido, o estudo foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, sob Protocolo n.151/07. As mães foram convidadas a participar do estudo durante acompanhamento em saúde no serviço de referência em HIV/AIDS em Fortaleza, Ceará. Conforme estabelecido nas pesquisas com seres humanos, era amplamente explicado para a mãe o objetivo do estudo. Todas as participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Com vistas ao anonimato das participantes, a cada binômio atribuiu-se o número, de acordo com a ordem de participação (1 a 5).

Resultados

A seguir são apresentados os achados da caracterização dos cinco binômios mãe/filho. No referente às mães, as idades variaram entre 18 e 34 anos, informavam conhecimento do diagnóstico entre 1 e 4 anos e relacionamento estável com seus parceiros, sendo que apenas um era soropositivo ao HIV. Tinham renda per capita que variava de 53 a 175 reais e, ainda, uma mãe referiu que não tinha rendimentos (valor do salário mínimo vigente na época do estudo era de R$ 350,00 – trezentos e cinquenta reais). Segundo a maioria das mães, os filhos foram desejados. As mães usaram o AZT® (Zidovudina) para redução da transmissão vertical do HIV. Quanto aos bebes, tinham de 39 a 175 dias de vida. Todos nasceram de parto cesáreo e dentro dos padrões de normalidade.

Em relação aos aspectos da CNV, no presente estudo, cada um dos juízes analisou 172 interações ocorridas entre todos os binômios, totalizando 344 interações julgadas: 82 interações entre o binômio 1; 58 entre o binômio 2; 72 interações entre o binômio 3; 58 entre o binômio 4 e 74 entre o binômio 5.

Na Tabela 1 estão apresentados os elementos da CNV observados em cada um dos binômios mãe/filho.

Conforme evidenciado na Tabela 1, ocorreu associação estatisticamente significante entre todas as categorias de manifestações do processo comunicativo não-verbal e os binômios. A seguir, apresenta-se cada uma das observações da CNV.

Paralinguagem: em se tratando de emissão de som, a criança do binômio 1 apresentou mais sons (34,2%), em contraposição a mãe emitiu reduzida percentagem (1,2%). Já a maior presença de som foi identificada nos binômios 4 (48,3%) e 5 (63,5%). No binômio 3, mãe e filho emitiram som em maior proporção (27,8%) do que nos outros binômios. Enquanto se evidenciou ausência de paralinguagem nos binômios 1 e 2, com 57,3 e 46,5%, respectivamente.

Cinestésica: a cinestésica lateral teve percentual relativamente aumentado apenas com o binômio 3 (43%). Na posição de frente, os percentuais se mostraram acima de 50% em todos eles (mínimo=52,8% no binômio 3). Para costas, houve reduzida interação entre os binômios, pois os percentuais variaram de 0% (binômio 4) a 8,1% (binômio 5).

Distância: a distância íntima apresentou amplos percentuais em todos os binômios, variando de 73,6 a 97,3%, binômios 3 e 5, respectivamente.

Contato visual: a categoria “criança olha para mãe” foi pouco observada. O maior percentual do item “mãe olha para criança” foi apresentado pelo binômio 1 (78,1%). O contato olho no olho foi dominante na interação do binômio 5.

Tom de voz (materno): o sussurro predominou na interação do binômio 5 (60,8%), enquanto o tom de voz normal/alto foi constante no binômio 3 (45,8%). O silêncio foi verificado em 91,5% das interações do binômio 1.

Choro/gemido (do bebê): em 22,4% das interações entre o binômio 4, a criança chorou ou gemeu. Em contrapartida, essa situação não ocorreu no binômio 2.

Toque/criança: em relação ao toque provocado pela criança, também denominado “comportamento tátil da criança”, verificou-se apenas duas variáveis - vira-se para a mãe e vira-se para o lado oposto à mãe. A primeira variável prevaleceu entre o binômio 5 (81%). A segunda variável apresentou altos índices entre o binômio 1 (36,6%). A ausência de comportamento tátil da criança também foi identificada, sobretudo no binômio 1 (51,2%).

Toque/mãe: no toque provocado pela mãe, denominado “comportamento tátil materno”, o toque localizado teve índices que variou entre 48,7 e 75,9%. O agarrar e o acariciar também foram identificados, com maior frequência, respectivamente entre o binômio 5 (36,5%) e 3 (12,5%). O sorriso foi verificado em 13,5% das interações do binômio 5.

Discussão

O balbucio da criança depende de estimulação do adulto e de maior interação entre eles. Desde o momento em que a criança é capaz de vocalizar sons, a mãe responde à vocalização da criança, também emitindo algum tipo de som. Isso serve de estímulo para a criança(9). Com o passar do tempo, portanto, a criança balbuciará mais, se contar com a figura materna. Crianças de creches, por não contarem com a presença da mãe, exibem menor padrão de balbucio que crianças criadas com a família(10). Portanto, mesmo na presença da mãe no ambiente doméstico, dada a importância da resposta às manifestações paralinguísticas de um bebê, é essencial estimular a mãe a estabelecer esse tipo de comunicação com seu filho.

Em virtude da idade das crianças e para o desempenho dos cuidados maternos, distância próxima entre os dois torna-se necessária. Estudo comparativo sobre comunicação, realizado entre mães soropositivas e soronegativas ao HIV(11), a distância íntima foi mais frequente entre mãe HIV positivo e filho, provavelmente, devido à angústia vivida durante a gestação em face do HIV e ao enaltecimento da maternidade ao ter o filho próximo de si.

De modo geral, a ocorrência da postura lateral ou de costas e a distância pessoal podem estar relacionadas à busca de algum material necessário ao cuidado. Contudo, é conveniente investigar se em algum caso não houve o desinteresse ou desatenção pela comunicação mãe/filho.

Como se percebeu no presente estudo, a mãe do binômio 3, que permaneceu em quase metade de suas interações em posição lateral ou de costas para seu bebê, foi a que mais frequentemente apresentou distância pessoal durante as interações com o filho. No momento da filmagem, essa mãe mostrava-se bastante ansiosa. Quando uma pessoa se encontra ansiosa frequentemente não é capaz de dispensar atenção suficiente ao outro para interagir. Isso pode justificar aparente afastamento dessa mãe em relação ao seu bebê. Essa mãe relatou que sofreu preconceito em seu ambiente de trabalho (uma unidade de saúde) devido à sua soropositividade ao HIV. Além disso, recentemente havia retornado ao trabalho e os cuidados de seu bebê eram delegados em boa parte do tempo à sua filha de 12 anos. O fato de estar sendo filmada, sob “avaliação” por profissionais da saúde, pode ter gerado medo de não demonstrar habilidade no seu cuidado ao filho. Dessa forma, ela se preocupou mais em um cuidar técnico, habilidoso, e desviou a atenção da comunicação.

Quanto à mãe 5, aquela que mais frequentemente manteve distância íntima de seu bebê, descobriu a sua soropositividade ao HIV durante a gravidez. A mãe pode ter se apegado ao seu bebê, pois o filho passa a representar a vida, desafiando a morte de uma doença sem cura.

O contato visual representa importante meio de comunicação entre mãe e filho, em especial nos primeiros dias de vida(12). Olhar para o filho significa acreditar que ele é saudável, sem anormalidades aparentes, certeza que uma mãe HIV positivo busca ter até quando do fechamento do diagnóstico do seu filho. Ao completar quatro semanas, o bebê mostra preferência por rostos humanos e com catorze semanas prefere olhar o rosto da mãe a qualquer outro rosto(6). Contudo, identificou-se o baixo número de respostas em “criança olha para mãe” ou, ainda, “contato olho no olho”. Tal fato pode ter sido decorrente das limitações da filmagem, que não permite focalizar com nitidez o olhar do bebê.

A voz é um dos principais instrumentos de comunicação. Contudo, não é exclusiva da linguagem verbal. A tonalidade que se impõe ao falar pode refletir sentimentos e intenções, demonstrar intimidade ou não entre os interlocutores. Ela depende da distância entre emissor e receptor da mensagem e pode ser regulada para aumentar ou diminuir essa distância(8). A prevalência da distância íntima entre os binômios explica a maior ocorrência dos tons de voz sussurro e baixo nas filmagens observadas. Assim, a maior frequência do tom de voz alto/normal do binômio 3 também é justificada por sua posição e distância em relação ao filho.

De modo geral, o choro e o gemido estão relacionados com sensação de desconforto, de desprazer ou de dor. Esse sinal da criança leva quem o ouve a tentar finalizá-lo. Estímulos táteis, vocais e proprioceptivos podem fazer o choro da criança cessar, quando essa não está com frio, fome ou calor(6). A criança 2 era o bebê de maior idade, estava curiosa com o ambiente, não parecia estar atenta a qualquer estímulo que pudesse desencadear choro ou qualquer desagrado. Em contrapartida, o bebê 4 era o mais jovem, provavelmente estranhou o local de filmagem.

Quanto ao comportamento tátil da criança, ela pode ter se virado para um ou outro lado em virtude da manipulação da mãe, do desejo de alcançar um objeto que lhe chamou a atenção, ou para de fato se aproximar ou se afastar da companhia materna. O significado do movimento, componente da cinestesia, depende do contexto em que ocorreu(13).

Sobre o comportamento tátil da mãe, o mais utilizado foi o toque localizado, útil ao chamar a atenção de alguém ou quando se está realizando algum procedimento ou cuidado, como solicitado às mães durante as filmagens. Quando se realiza algum procedimento, quem toca nem sempre deseja comunicar algo, mas quem é tocado sempre pode ter sensações variadas, positivas ou negativas. Tudo dependerá do contexto em que a situação ocorre.

Lactentes massageados adormeciam ou apresentavam comportamento alerta, mas tranquilo, durante a massagem(14). Na pesquisa ora elaborada, o acariciar pode ter sido uma forma utilizada pelas mães para acalmar o bebê. Uma utilizava mais que as outras “agarrar”, representando um desejo de manter o bebê sempre próximo e uma forma de proteção.

Já o sorriso, é manifestação universal de alegria ou satisfação. Para as mães representa a certeza de que seu filho está bem, apesar de sua soropositividade ao HIV, vivenciada durante a gravidez.

Conclusões

A pesquisa respondeu aos objetivos, apesar das limitações de estudos anteriores sobre a temática, necessários para contrapor os resultados. Contribuiu para indicar aspectos importantes no desenvolvimento da relação afetiva entre mãe/filho, tais como uma comunicação efetiva.

De modo geral, mães HIV positivo utilizam a CNV para interagir com o filho aos quais estão intimamente apegadas, provavelmente, em virtude tanto do desejo de tê-lo, desafiando assim a doença, como da culpa que sentem por haverem gerado um filho em situação de risco. Utilizam também a CNV para avaliar o filho e perceber anormalidades.

A descoberta recente da infecção pelo HIV pode tornar a mãe mais fortemente apegada ao seu bebê após o nascimento. O filho representa a vida. precocemente ameaçada por uma doença sem cura, o cuidado materno intensifica-se talvez como forma de barganhar mais tempo de vida ou pela possibilidade da infecção do filho, pois o HIV materno representaria uma primeira perda: de sonhos e projetos. A infecção do filho seria uma segunda perda, possivelmente mais dolorosa.

Ressalta-se que provavelmente a ansiedade, gerada por estar sendo avaliada em um ambiente experimental, pode ter conduzido as mães a desempenhar cuidado mais técnico. Assim, estudo utilizando mães em situação natural poderia explicar se a ocorrência de desempenho materno é diferente daquela ocorrida na presente investigação.

Sugere-se a realização de estudo comparativo entre mães soropositivas e soronegativas ao HIV, submetidas à mesma situação, no intuito de sustentar os achados ora apresentados.

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  • Comunicação não-verbal mãe/filho na vigência do HIV materno em ambiente experimental
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Recebido
      06 Nov 2008
    • Aceito
      03 Set 2009
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