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Fatores associados à situação do aleitamento materno exclusivo em crianças menores de 4 meses, em Botucatu-SP

Resumos

Objetivou-se identificar fatores associados ao aleitamento materno exclusivo (AME) e os motivos apresentados pelas mães para a introdução de alimentação complementar nos primeiros 4 meses de vida. Foram entrevistadas 380 mães (92,2%) de crianças menores de 4 meses vacinadas em Campanha de Multivacinação. Para identificação dos fatores associados à situação da criança em relação ao AME, realizaram-se análises de regressão logística univariadas e múltiplas. Em AME, estavam 38,0% das crianças; 33,4% consumiram leite de vaca; 29,2%, chás, e 22,4%, água. As mães justificaram a introdução de leite de vaca por fatores relativos à quantidade/ qualidade do leite materno e "necessidade" da criança. Uso de chupeta (odds ratio=2,63; IC95%=1,7-4,06) e relato de dificuldade com a amamentação (odds ratio=1,57; IC95%=1,02-2,41) associaram-se à ausência de AME. O risco atribuível populacional associado ao uso de chupeta estimado foi 46,8%. Assim, fatores modificáveis foram identificados como de risco para interrupção do AME.

aleitamento materno; leite humano; desmame; fatores de risco


This study aimed to identify factors associated with exclusive breastfeeding (AME) and the reasons mothers presented to introduce complementary feeding in the first four months of life. A total of 380 mothers (92.2%) of children under four months old vaccinated in a Multi-vaccination Campaign were interviewed. To identify factors associated to AME, univariate and multiple logistic regressions analyses were performed. Thirty-eight percent of the children were on AME; 33.4% consumed cow milk; 29.2% tea; and 22.4% water. The mothers justified introduction of cow milk by factors related to quantity/quality of maternal milk and "necessity" of the child. The use of a pacifier (odds ratio=2.63; CI95%=1.7-4.06) and difficulty to breastfeed (odds ratio=1.57; CI95%=1.02-2.41) were associated with the absence of AME. The populational attributable risk percentage for the use of a pacifier was estimated at 46.8 %. Thus, modifiable risk factors were associated with AME interruption.

breast feeding; human milk; weaning; risk factors


El objetivo fue identificar factores asociados a la lactancia materna exclusiva (AME) y los motivos presentados por las madres para la introducción de alimentos complementares en los primeros 4 meses de vida. Se les entrevistaron a 380 madres (92,2%) de niños menores de 4 meses vacunados en una Campaña de Multivacunación. Para identificación de los factores asociados a la situación del niño con relación al AME, se realizaron análisis de regresión logísticas univariadas y múltiplas. En AME estaba el 38,0% de los niños; el 33,4% consumía leche de vaca; el 29,2% té y el 22,4% agua. Las madres justificaron la introducción de leche de vaca por factores relativos con la cantidad/calidad de la leche materna y "necesidad" del niño. El uso de chupete (odds ratio=2,63; IC95%=1,7-4,06) y relato de dificultad con la lactancia (odds ratio=1,57; IC95%=1,02-2,41) se asociaron a la ausencia de AME. El riesgo atribuible poblacional asociado al uso de chupete fue 46,8%. Así, factores modificables fueron identificados como de riesgo para interrupción de AME.

lactancia materna; leche humana; destete; factores de riesgo


ARTIGO ORIGINAL

Fatores associados à situação do aleitamento materno exclusivo em crianças menores de 4 meses, em Botucatu - SP

Maria Antonieta de Barros Leite CarvalhaesI; Cristina Maria Garcia de Lima ParadaI; Marilene Plácido da CostaII

IDoutor, Professor Assistente da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", e-mail: carvalha@fmb.unesp.br, cparada@fmb.unesp.br

IIEnfermeira

RESUMO

Objetivou-se identificar fatores associados ao aleitamento materno exclusivo (AME) e os motivos apresentados pelas mães para a introdução de alimentação complementar nos primeiros 4 meses de vida. Foram entrevistadas 380 mães (92,2%) de crianças menores de 4 meses vacinadas em Campanha de Multivacinação. Para identificação dos fatores associados à situação da criança em relação ao AME, realizaram-se análises de regressão logística univariadas e múltiplas. Em AME, estavam 38,0% das crianças; 33,4% consumiram leite de vaca; 29,2%, chás, e 22,4%, água. As mães justificaram a introdução de leite de vaca por fatores relativos à quantidade/ qualidade do leite materno e "necessidade" da criança. Uso de chupeta (odds ratio=2,63; IC95%=1,7-4,06) e relato de dificuldade com a amamentação (odds ratio=1,57; IC95%=1,02-2,41) associaram-se à ausência de AME. O risco atribuível populacional associado ao uso de chupeta estimado foi 46,8%. Assim, fatores modificáveis foram identificados como de risco para interrupção do AME.

Descritores: aleitamento materno; leite humano; desmame; fatores de risco

INTRODUÇÃO

É de consenso universal que a prática do aleitamento materno é de fundamental importância para o crescimento e desenvolvimento adequados da criança e para sua saúde física e psicológica. Nenhuma fórmula alimentar artificial é capaz de substituir o leite materno em qualidade, especificidade de nutrientes e proteção contra doenças(1).

Ações de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno têm sido implementadas no Brasil nas últimas décadas como estratégia para a redução da mortalidade infantil e melhoria da saúde das crianças. Como resultado, os indicadores de aleitamento materno têm apresentado evolução favorável. Ainda assim, práticas inadequadas, como a precoce introdução na alimentação dos lactentes de água, chás, outros leites e semi-sólidos vigoram, de modo que a prevalência do aleitamento materno exclusivo está longe da desejável(2-4).

Em Botucatu-SP, local de realização desta investigação, apenas 19,1% das crianças menores de quatro meses estavam em AME em 1995(3), proporção que subiu para 22,6% em 1999(4). Entre os menores de seis meses, apenas 13,0% eram exclusivamente amamentados em 1995, passando a 16,5% em 1999. A situação de Botucatu não é diferente da observada em outros municípios paulistas: estudo realizado em 1998 em 84 municípios evidenciou que apenas 32% deles apresentavam prevalência de AME em menores de 4 meses superior a 20%(2).

Estudos para monitoração dos indicadores de aleitamento materno têm sido implementados em todo o país desde meados da década de noventa, e análises sobre os fatores determinantes da situação observada têm sido publicadas. Fatores socioeconômicos, demográficos e relativos às práticas dos serviços e dos profissionais de saúde têm sido apontados como determinantes das práticas alimentares nos primeiros meses de vida(2,5). No entanto, a grande variação dos indicadores de aleitamento materno exclusivo em cidades brasileiras, mesmo próximas geograficamente, aponta a influência do contexto local, não sendo possível generalização dos resultados de estudos sobre causas de abandono do AME obtidos em uma localidade para as demais. Justifica-se, assim, a realização de investigações dirigidas à compreensão desses fenômenos em localidades específicas, pois os resultados são necessários à melhor definição de ações dirigidas a modificar os indicadores de AME e à avaliação de intervenções.

O objetivo deste estudo foi identificar fatores associados à ausência de AME em crianças menores de 4 meses do município de Botucatu-SP em 2004 e os motivos apresentados pelas mães para a introdução de líquidos não nutritivos, outros leites e alimentos complementares na alimentação de seus filhos.

Optou-se por estudar a situação do AME em menores de 4 meses pelo fato de ter permanecido até 2001 uma polêmica sobre a duração ideal da amamentação exclusiva - 4 ou 6 meses - com definição de 6 meses como período ideal(1).

MÉTODO

Tipo de estudo e coleta de dados

Trata-se de um estudo transversal, cujos dados foram obtidos em Dia Nacional de Multivacinação, evento com alta cobertura populacional e que tem sido amplamente utilizado nos últimos 10 anos no Brasil para estudos epidemiológicos sobre saúde infantil(2-3).

Foram incluídas crianças menores de 4 meses que compareceram acompanhadas por suas mães à 1ª etapa da Campanha de Multivacinação de 2004, no município de Botucatu-SP. Essa opção visou garantir a confiabilidade dos dados, evitando-se informantes não familiarizados com a história alimentar da criança. De um total de 412 crianças menores de quatro meses que compareceram aos postos de vacinação na referida campanha, foram entrevistadas 380 mães (92,2%). Este estudo integra o projeto "Amamentação e Municípios" desenvolvido em vários municípios do estado de São Paulo, em 2004, sob a coordenação do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde, ao qual foram acrescentadas questões específicas referentes ao abandono do AME. A organização da coleta de dados, supervisão e treinamento dos entrevistadores e as análises aqui apresentadas foram realizadas pelas autoras deste estudo.

Situação do AME e práticas alimentares

Adotou-se o método "status quo", isto é, foram pesquisados os alimentos consumidos pela criança no dia anterior à entrevista, sem questões retrospectivas sobre a época de introdução dos diferentes alimentos. As mães responderam, inicialmente, perguntas simples (sim, não) sobre o consumo de água (pura e com açúcar), chás, sucos de frutas, frutas (em pedaço ou amassada), leite de vaca em pó, outros tipos de leite de vaca, outros leites, mingaus (com leite), papas e sopas de hortaliças com ou sem carne e feijão e comida semelhante à da família.

Também foram pesquisadas as razões alegadas pelas mães para terem introduzido líquidos não nutritivos e outros leites na alimentação de seus filhos, a influência de profissionais, familiares e amigos para a adoção de tais práticas e o recebimento de ajuda para lidar com dificuldades no início da amamentação, quando existentes.

Variáveis independentes

As variáveis pesquisadas por supostamente constituírem fatores capazes de influir na situação da criança (sim, não), em relação ao AME, foram selecionadas com base na literatura. Os fatores foram agrupados em blocos, segundo hipóteses sobre a precedência com que influiriam sobre o tipo de aleitamento da criança (Figura 1). Fatores socioeconômicos e demográficos (escolaridade, trabalho - licença-maternidade e trabalho materno atual ou na gestação - e idade materna) foram considerados os determinantes mais distais, podendo afetar todos os demais hierarquicamente abaixo. Variáveis obstétricas e relativas à assistência à saúde (paridade, local, tipo de parto e peso da criança ao nascimento) foram consideradas fatores intermediários que, por sua vez, podem influenciar práticas de cuidado (uso de chupeta e de mamadeira) e na ocorrência de dificuldades com o início da amamentação (ingurgitamento mamário, fissuras mamilares, mastite, ausência de bico ou outro problema), estes últimos determinantes proximais da situação do AME.


Variável dependente

A variável dependente estudada foi a situação da criança em relação ao AME (sim, não), sendo este definido como consumo exclusivo de leite materno no dia anterior à pesquisa, conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde(1).

Análise dos dados

Os questionários foram conferidos, codificados e foi criado um arquivo de dados no software Epi Info 6.0 utilizando-se recursos que permitiram apenas a entrada de dados previstos na codificação. A consistência do arquivo foi checada pela verificação e comparação da distribuição de freqüências em questões associadas, com correção dos erros identificados.

Inicialmente, verificou-se a proporção de crianças que receberam cada um dos alimentos pesquisados e a prevalência de crianças em AME. A seguir, realizou-se uma análise descritiva das razões alegadas pelas mães para a introdução de líquidos ou alimentos no sustento da criança e das orientações recebidas para a adoção de tais práticas.

Para identificar fatores associados à situação da criança em relação ao AME, foram realizadas análises de regressão logística, sendo adotados procedimentos recomendados para análises hierarquizadas(6). Para identificar possíveis fatores de confusão das associações em estudo, as variáveis que apresentaram associação com a variável dependente em nível menor do que 20% nas análises univariadas foram incluídas na análise multivariada. Inicialmente, foram incluídas as variáveis do primeiro bloco (fatores socioeconômicos e demográficos). Aquelas que mantiveram associação com AME (p<0,20) foram mantidas na modelagem como potenciais fatores de confusão dos demais blocos, o mesmo ocorrendo com os fatores do segundo bloco em relação ao terceiro. Após as análises ajustadas, para considerar um fator como associado à situação do AME, adotou-se 5% como nível de significância.

RESULTADOS

Das crianças menores de 4 meses estudadas, 38,0% estavam em AME e 85,0% em aleitamento materno. Tomaram leite de vaca ou outros tipos de leite 33,4% das crianças, 29,2% tomaram chás, e 22,4%, água, no dia anterior à pesquisa. O consumo de fruta, suco de fruta, mingau, papa, sopa e comida de sal foi menos freqüente. Esses dados são mostrados na Tabela 1.

Na Tabela 2, apresentam-se os motivos alegados pelas mães para a introdução de líquidos não nutritivos e leite de vaca na alimentação de seus filhos e os profissionais ou pessoas que as orientaram quando da introdução dessas práticas. No caso da água e dos chás, o motivo mais freqüente foi considerar que a criança precisava (34,1% e 38,7% respectivamente), ou seja, que tais líquidos eram necessários para satisfazer uma "necessidade" da criança, a sede. O segundo motivo mais referido para consumo de chás foi a presença de cólica no lactente. O consumo de outros leites pelos filhos foi justificado pelas mães principalmente por motivos relativos à quantidade (inexistente, insuficiente) ou qualidade (fraco) do leite materno e também para atender a uma "necessidade" da criança, nesse caso, a fome.

Entre 70% e 80% das mães afirmaram que ninguém influiu em sua decisão de introduzir líquidos não nutritivos ou alimentos complementares na alimentação de seus filhos, assumindo sozinhas a responsabilidade por tais práticas. Uma pequena parcela de mães referiu o médico como o profissional que orientou a introdução de água (14,1%) ou de chás (9,0%), seguido por familiares (11,8% e 9,9%, respectivamente). A oferta de leite de vaca para a criança foi principalmente orientada por médico (22,8%), com pequena referência a familiares (4,7%).

Apresenta-se na Tabela 3 a distribuição das crianças segundo fatores relacionados ao AME do primeiro, segundo e terceiro blocos e os resultados das análises de regressão logística univariadas e múltipla. Nenhuma das variáveis socioeconômicas, demográficas, obstétricas e relativas aos serviços de saúde apresentou associação significativa com a situação da criança em relação ao AME pelas análises univariadas. Houve associação inversa entre AME e uso de chupeta (p< 0,001) e entre AME e dificuldade atual ou pregressa com a amamentação (p=0,018) Foram identificados como potenciais fatores de confusão do efeito dessas variáveis proximais o trabalho materno atual, a idade materna e a primiparidade.

As análises ajustadas apresentadas na Tabela 3 não modificaram significativamente o risco associado ao uso de chupeta, sendo que o odds ratio ajustado permaneceu semelhante e bastante significativo (2,63; IC95% = 1,70 - 4,06). Ter tido ou estar tendo dificuldades com a amamentação também se manteve associado ao risco de a criança não estar em aleitamento materno exclusivo (odds ratio = 1,57; IC95% = 1,02 - 2,41), embora com menor significância estatística.

A Tabela 4 evidencia que problemas com a mama foram relatados por 55,5% das mães, sendo principais: traumas mamilares (29,0%) e ingurgitamento mamário (19,5%). Os profissionais de saúde e a avó materna da criança foram apontados como os principais fornecedores de ajuda diante dos problemas com o início da amamentação vividos pelas mães: 32,7% e 24,2%, respectivamente. Merece destaque o fato de 23,2% das mães referirem que ninguém as ajudou a superar tais problemas e a pequena participação de maridos ou companheiros nessa modalidade de apoio: 5,2%.

DISCUSSÃO

A pequena diferença entre a prevalência de AME nas crianças menores de 4 meses incluídas neste estudo por terem comparecido à Campanha de Vacinação acompanhadas pelas mães (38,0%) e a verificada no conjunto de menores de 4 meses vacinados (36,9%) apóia a representatividade populacional dos resultados aqui apresentados.

Considerando que apenas pouco mais de um terço das crianças consumiu exclusivamente leite materno no dia anterior à campanha de vacinação, sendo desejável que 100% delas estivesse nessa situação, pode-se afirmar que parcela considerável das crianças do município de Botucatu, nessa faixa etária, está exposta a um excesso de doenças e a prejuízos em seu crescimento e desenvolvimento(1-2, 5).

Apenas dois fatores proximais aumentaram significativamente o risco de a criança não estar em aleitamento materno exclusivo: uso de chupeta (odds ratio = 2,63; IC 95% = 1,70 - 4,06) e problemas com o início da amamentação (odds ratio = 1,57; IC95% = 1,02 - 2,41).

A identificação do hábito de chupar chupeta como importante e significativo fator de risco de abandono da prática de AME em menores de 4 meses confirma resultados de estudos obtidos anteriormente em outras localidades brasileiras e em vários países, apontando papel negativo universal dessa prática de cuidado. Há na literatura evidências de uma relação dose-resposta entre uso de chupeta e situação do AME: risco de desmame precoce maior nas crianças que usavam bicos artificiais continuamente do que o associado ao uso de chupeta de forma intermitente ou mesmo ocasionalmente, o que sugere uma relação causal(7).

Para explicar o processo pelo qual usar chupeta influi negativamente sobre o AME, duas hipóteses têm sido levantadas: seu uso poderia levar à menor freqüência de mamadas, o que diminuiria a estimulação mamária e a retirada do leite produzido, levando à menor produção láctea, depois, à percepção materna de fome na criança ou de baixa produção de leite e, conseqüentemente, a introdução de outros líquidos ou leites na alimentação do lactente(7). Estudo recente constatou que 73,1% das crianças que usavam chupeta deixaram de ser amamentadas exclusivamente até o final do segundo mês de vida(8).

A outra hipótese se refere ao fenômeno denominado "confusão de bicos", ocasionado pelo contato precoce do neonato com bicos artificiais(9).

Seja qual for o mecanismo pelo qual a chupeta afeta o aleitamento materno exclusivo, modificar essa situação constitui sério desafio para os profissionais de saúde do município em estudo. O risco atribuível populacional associado ao uso de chupeta calculado foi elevado: 46,8%, considerando o odds ratio ajustado de 2,63 e que 54% das crianças menores de 4 meses estudadas usavam chupeta.

A chupeta costuma ser incluída no enxoval do bebê. Trata-se de prática cultural disseminada, que atende tanto a necessidade materna de acalmar e confortar a criança, quanto de representá-la simbolicamente, sendo necessária uma revisão das abordagens atuais dos profissionais de saúde ao desestimularem (ou proibirem) seu uso, uma vez que as argumentações utilizadas: risco de atrapalhar o aleitamento materno, de futuros problemas ortodônticos e de contaminação não atingem a essência da motivação materna(10).

O fato de problemas preveníveis e de manejo conhecido, como fissuras mamilares e ingurgitamento mamário, terem sido identificados como fatores de risco para interrupção do AME em crianças menores de 4 meses, evidencia falhas nas rotinas assistenciais dos serviços de saúde locais e no sistema de apoio às mães que amamentam, especialmente nas primeiras semanas de vida dos bebês. Embora a magnitude do risco associado a esse fator não seja muito grande (1,6), o risco atribuível populacional é considerável (26,9%), visto que 55,0% das mães estudadas referiram terem tido ou estarem tendo problemas com as mamas.

É importante ressaltar que uso de chupeta e a presença de traumas mamilares ou outros problemas relacionados às mamas não apareceram com freqüência como motivos alegados pelas mães para a introdução de leite de vaca na alimentação de seus filhos. Ao contrário, as principais alegações maternas para justificar essa prática foram a inadequação da quantidade ou da qualidade do leite que produziam, achado este que vem sendo apontado na literatura há décadas(11-12). Estudos sobre causas de abandono do AME em crianças menores de seis meses têm encontrado como justificativas "leite fraco", "pouco leite", "leite secou" e "insegurança materna frente ao choro do bebê"(11,13) .

Sabendo-se que a incapacidade de lactar, a verdadeira hipogalactia ou a produção de leite de baixo valor nutricional são situações muito raras(5), as alegações maternas encontradas no presente estudo não se sustentam como motivo "real" de oferecimento ao lactente de outros leites e, sim, apenas como motivos percebidos.

O conceito de "leite fraco" foi introduzido na cultura brasileira pelos higienistas do século XIX devido à dificuldade de explicar os insucessos de algumas mães com a amamentação e foi assimilado de forma notável, permanecendo até a atualidade. Especialistas têm se dedicado a compreender os processos emocionais e culturais ligados à percepção de leite insuficiente ou fraco(5).

Também merece destaque que o principal motivo para o oferecimento de água e de chás aos lactentes tenha sido considerar que a criança necessitava desses líquidos, ou seja, que os mesmos, de alguma forma, eram necessários à satisfação de necessidade fisiológica da criança (sede). No entanto, a introdução de chás na alimentação infantil foi identificada como fator de risco para desmame precoce e para a ocorrência de quadros diarréicos, aumentando, assim, o risco de morbimortalidade(14), efeitos adversos que as mães parecem desconhecer.

Além da sede, a presença de cólicas foi o segundo motivo referido pelas mães para o consumo de chás pelos lactentes. Não há comprovação do efeito terapêutico das principais infusões oferecidas a lactentes. Ao contrário, sabe-se que chás podem interferir negativamente na absorção de ferro e zinco(15) e que a adição de açúcar - prática quase universal - expõe a criança a distúrbios digestivos. Sua administração com mamadeira ou chuquinha, outra prática quase universal, predispõe a criança a problemas com a mecânica da sucção durante a mamada no peito(9).

Os resultados desta investigação apontam um caminho difícil para aumentar a duração do AME no município de Botucatu-SP: enfrentar práticas culturais muito enraizadas na população, como o uso de chupeta e chás. No entanto, para evitar o início inoportuno de leite de vaca na dieta dos lactentes o caminho parece diverso e conhecido: programas de capacitação dos profissionais de saúde, inclusive do médico, em apoio e manejo clínico das dificuldades com a amamentação e organização de rotinas assistenciais eficientes para alcançar as mães nas primeiras semanas de vida de seus filhos.

Finalmente, cabe indagar em que medida a ausência de associação entre situação da criança em relação ao AME e fatores socioeconômicos, demográficos e obstétricos, resultados contrários à literatura(2,11) e às hipóteses iniciais deste estudo, constitui uma fragilidade sua. Embora não seja possível explicar totalmente esses resultados divergentes, acredita-se que eles não sejam fruto de vieses de seleção, dada a alta cobertura populacional do evento (Campanha de Vacinação) no qual mães e crianças foram selecionadas, a pequena proporção de perdas (7,2%) e a semelhança na prevalência de AME no total de crianças menores de 4 meses vacinadas e nas incluídas nesta pesquisa (vacinadas e acompanhadas pelas mães). Assim, no município em estudo, determinantes proximais (comportamentos de cuidado e manejo das dificuldades iniciais da amamentação) parecem ter mais influência sobre a situação do AME em menores de 4 meses do que questões socioeconômicas e demográficas.

Recomenda-se que novos estudos sobre fatores de risco de ausência do AME e sobre razões da oferta inoportuna de líquidos e outros leites aos lactentes incluam aspectos como valores, sentimentos e representações maternas sobre cuidado infantil e amamentação. A utilização de métodos qualitativos de pesquisa poderá aumentar a capacidade explicativa de tais pesquisas.

Estudos longitudinais sobre práticas alimentares nos primeiros meses de vida também serão úteis, pois permitirão identificar o momento em que a introdução de alimentos complementares começa a ser cogitada pelas mães e as circunstâncias associadas, bem como conhecer a cronologia da associação entre uso de chupeta, dificuldades com a amamentação e interrupção do aleitamento materno exclusivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 24.10.2005

Aprovado em: 10.3.2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Fev 2007

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2005
  • Aceito
    10 Mar 2006
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