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Associação entre qualidade de vida e prognóstico de pacientes candidatos ao transplante cardíaco: estudo transversal * * Artigo extraído da dissertação de mestrado “Associação entre qualidade de vida e prognóstico de pacientes candidatos ao transplante cardíaco de um hospital terciário do Rio de Janeiro: um estudo transversal”, apresentada ao Programa de Pós-graduação Mestrado Profissional em Ciências Cardiovasculares, Instituto Nacional de Cardiologia, Rio de janeiro, RJ, Brasil.

RESUMO

Objetivo:

verificar a associação entre os escores de prognóstico e a qualidade de vida de pacientes candidatos ao Transplante Cardíaco.

Método:

estudo transversal descritivo, com amostra de conveniência formada por 32 pacientes ambulatoriais candidatos ao transplante cardíaco. O prognóstico foi classificado pelo Heart Failure Survival Score (HFSS) e pelo Seattle Heart Failure Model (SHFM); e a qualidade de vida pelo Minnesota Living With Heart Failure Questionnaire (MLHFQ) e pelo Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire (KCCQ). Aplicou-se o teste de correlação de Pearson.

Resultados:

as correlações encontradas entre os escores gerais dos instrumentos de qualidade de vida e os escores de prognósticos foram (HFSS/MLHFQ r = 0,21), (SHFM/MLHFQ r = 0,09), (HFSS/KCCQ r = -0,02), (SHFM/KCCQ r = -0,20).

Conclusão:

a correlação fraca entre os escores de prognóstico e de qualidade de vida sugere a não associação entre as medidas, ou seja, pior prognóstico não significa pior qualidade de vida e o mesmo ocorre no sentido inverso.

Descritores:
Insuficiência Cardíaca; Qualidade de Vida; Transplante de Coração; Prognóstico; Assistência Ambulatorial; Adulto

ABSTRACT

Objective:

to verify the association between the prognostic scores and the quality of life of candidates for heart transplantation.

Method:

a descriptive cross-sectional study with a convenience sample of 32 outpatients applying to heart transplantation. The prognosis was rated by the Heart Failure Survival Score (HFSS) and the Seattle Heart Failure Model (SHFM); and the quality of life by the Minnesota Living With Heart Failure Questionnaire (MLHFQ) and the Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire (KCCQ). The Pearson correlation test was applied.

Results:

the correlations found between general quality of life scores and prognostic scores were (HFSS/MLHFQ r = 0.21), (SHFM/MLHFQ r = 0.09), (HFSS/KCCQ r = -0.02), (SHFM/KCCQ r = -0.20).

Conclusion:

the weak correlation between the prognostic and quality of life scores suggests a lack of association between the measures, i.e., worse prognosis does not mean worse quality of life and the same statement is true in the opposite direction.

Descriptors:
Heart Failure; Quality of Life; Heart Transplantation; Prognosis; Ambulatory Care; Adult

RESUMEN

Objetivo:

verificar la asociación entre los puntajes del pronóstico y la calidad de vida de pacientes candidatos al Trasplante Cardíaco.

Método:

estudio transversal descriptivo, con una muestra de conveniencia formada por 32 pacientes de ambulatorios candidatos al trasplante cardíaco. El pronóstico fue clasificado por el Heart Failure Survival Score (HFSS) y por el Seattle Heart Failure Model (SHFM) y la calidad de vida por el Minnesota Living With Heart Failure Questionnaire (MLHFQ) y por el Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire (KCCQ). Se aplicó el test de correlación de Pearson.

Resultados:

las correlaciones encontradas entre los puntajes generales de los instrumentos de calidad de vida y los puntajes de pronósticos fueron (HFSS/MLHFQ r = 0,21), (SHFM/MLHFQ r = 0,09), (HFSS/KCCQ r = -0,02), (SHFM/KCCQ r = -0,20).

Conclusión:

la correlación débil entre los puntajes de pronóstico y de calidad de vida sugiere la no asociación entre las medidas, o sea, peor pronóstico no significa peor calidad de vida y el mismo ocurre en el sentido inverso.

Descriptores:
Insuficiencia Cardíaca; Calidad de Vida; Trasplante de Corazón; Pronóstico; Atención Ambulatoria; Adulto

Introdução

A disponibilidade de órgãos sólidos para a realização de transplante é um problema no mundo11 Fernandes MEN, Bittencourt ZZLC, IFSF Boin. Experiencing organ donation: feelings of relatives after consente. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet].2015 Oct [cited Dec 12, 2017];23(5):895-901. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v23n5/0104-1169-rlae-23-05-00895.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v23n5/0104...

2 Israni AK, Zaun D, Bolch C, Rosendale JD, Snyder JJ, Kasiske BL. Deceased Organ Donation. Am J Transplant. [Internet]. 2016 Jan [cited Dec 19, 2017];16 Suppl 2:195-215. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ajt.13673/epdf
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.11...

3 Westphal GA, Garcia VD, Souza RL, Franke CA, Vieira KD, Birckholz VRZ, et al. Guidelines for the assessment and acceptance of potential brain-dead organ donors. Rev Bras Ter Intensiva. [Internet]. 2016 Jul-Sep [cited Nov 18, 2017]; 28(3): 220-55. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5051181/pdf/rbti-28-03-0220.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
-44 Lentine KL, Costa SP, Weir MR, Robb JF, Fleisher LA, Kasiske BL, et al. Cardiac Disease Evaluation and Management Among Kidney and Liver Transplantation Candidates. Circulation. [Internet]. 2012 Jul [cited Nov 22, 2017];126:00-00. Available from: http://circ.ahajournals.org/content/126/5/617
http://circ.ahajournals.org/content/126/...
. Houve um aumento expressivo no número de Transplantes Cardíacos (TC) no mundo até meados dos anos 1990, desde então, devido à melhora no tratamento clínico da Insuficiência Cardíaca (IC) e à inerente limitação de doadores, o número de TC se mantém estável: 4.000 a 5.00055 Lund LH, Edwards LB, Kucheryavaya AY, Dipchand AI, Benden C, Christie JD et al. The Registry of the International Society for Heart and Lung Transplantation: Thirtieth Official Adult Heart Transplant Report-2013; Focus Theme: Age. J Heart Lung Transplant [Internet]. 2013 Oct [cited Ago 12, 2017];32(10):951-64. Available from: http://www.jhltonline.org/article/S1053-2498(13)01382-X/pdf
http://www.jhltonline.org/article/S1053-...
. No Brasil, em 2016, dos 631 ingressos na fila do TC, 145 morreram antes de receber um coração, sendo realizados apenas 357 TC, o que atinge 1,7 transplantes por milhão de população66 Registros Brasileiros de Transplante [Internet]. Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada Estado. 2016 [cited Nov 8, 2017]. Available from: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2016/RBT2016-leitura.pdf
http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/fi...
. Esses fatos reforçam a necessidade de uma indicação precisa para o TC, considerando a estratificação de risco dos pacientes e o desejo do paciente em transplantar.

Nesse contexto, estudos descrevem os escores de prognóstico em IC como medidas muito utilizadas e acuradas para estratificar risco77 Goda A, Williams P, Mancini D, Lars H. Selecting patients for Heart Transplantation: Comparison of the Heart Failure Survival Score (HFSS) and the Seattle Heart Failure Model (SHFM). J Heart Lung Transplant. [Internet]. 2011 Nov [cited Ago 15, 2017];30:1236-43. Available from: http://www.jhltonline.org/article/S1053-2498(11)01005-9/pdf
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-88 Regoli F, Scopigni F, Leyva F, Landolina M, Ghio S, Tritto M, et al. Validation of Seattle Heart Failure Model for mortality risk prediction in patients treated with cardiac resynchronization therapy. Eur J Heart Fail. [Internet]. 2013 Feb [cited Ago 15, 2017];15:211-20. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1093/eurjhf/hfs162/epdf
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e quando associados ao pico de consumo de oxigênio (VO2) podem auxiliar a indicação do transplante, conforme sugestão da Sociedade Internacional de Transplante de Coração e Pulmão - ISHLT99 Mehra MR, Canter CE, Hannan MM, Semigran MJ, Uber PA, Baran DA, et al. The 2016 International Society for Heart Lung Transplantation listing criteria for heart transplantation: A 10-year update. J Heart Lung Transplant. [Internet]. 2016 Jan [cited Ago 15, 2017]; 35(1):1-23. Available from: http://www.jhltonline.org/article/S1053-2498(15)01484-9/pdf
http://www.jhltonline.org/article/S1053-...
, ao mesmo tempo que os instrumentos específicos de Qualidade de Vida (QV) têm se mostrado precisos para avaliar a QV nos pacientes com IC1010 Napier R, McNulty S, Eton DT, Redfield MM, Ezzeddine AO, Dunlay SM. Comparing Measures to Assess Health-Related Quality of Life in Patients with Heartfailure with Preserved Ejection Fraction. J Card Fail. [Internet]. 2017 Aug [cited Nov 15, 2017]; 23:S100. Available from: http://www.onlinejcf.com/article/S1071-9164(17)30514-6/pdf
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-1111 Sauser K, Spertus JA, Pierchala L, Davis E, Pang OS. Quality of Life Assessment for Acute Heart Failure Patients From Emergency Department Presentation Through 30 Days After Discharge: A Pilot Study With the Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire. J Card Fail. 2014; 20:18-22. doi: https://doi.org/10.1016/j.cardfail.2013.11.010
https://doi.org/10.1016/j.cardfail.2013....
.

Destaca-se, além disso, que estudiosos1212 Coleman B, Blumenthal N, Currey J, Dobbels F, Velleca A, Grady KL, et al. Adult cardiothoracic transplant nursing: An ISHLT consensus document on the current adult nursing practice in heart and lung transplantation. J Heart Lung Transplant. [Internet]. 2015 Feb [cited Nov 29, 2017];34:139-48. Available from: http://www.jhltonline.org/article/S1053-2498(14)01450-8/pdf

13 Allen LA, Spertus JA. Endpoints for Comparative Effectiveness Research in Heart Failure. Heart Fail Clin. [Internet]. 2013 Jan [cited Nov 29, 2017]; 9(1): 15-28. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3506122/pdf/nihms405929.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
-1414 Grady KL. The role of nurses in understanding and enhancing quality of life: A journey from advanced heart failure to heart transplantation. J Heart Lung Transplant. [Internet] 2017 Dec [cited Nov 29, 2017];36:1306-8. Available from: http://www.jhltonline.org/article/S1053-2498(17)32058-2/pdf
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recomendam que a enfermagem avance nas práticas de pesquisa em avaliação dos desfechos como QV, prognóstico e reospitalização nos pacientes com IC avançada e candidatos a transplante, assim como após a realização do TC e o seguimento clínico.

Portanto, sendo a melhora da QV um dos objetivos a ser alcançado com a indicação do TC, além do aumento da sobrevida, e sabendo que a IC possui impacto na QV além de um prognóstico reservado, este artigo tem como objetivo verificar a associação entre os escores de prognóstico e a QV de pacientes candidatos ao TC.

Método

Estudo transversal delineado por uma amostra não probabilística ou de conveniência, delimitada inicialmente por todos os pacientes adultos listados e em preparo para o TC do Instituto Nacional de Cardiologia (INC) no Rio de Janeiro. Os dados foram coletados de março a agosto de 2016. Os critérios de inclusão foram: pacientes ambulatoriais candidatos ao TC; idade igual ou superior a 18 anos; ter realizado ergoespirometria. Os de exclusão foram: os pacientes internados durante a coleta de dados sem a possibilidade de alta hospitalar; diagnóstico de doença psiquiátrica; prontuários incompletos quanto aos dados necessários para classificação dos escores de prognóstico.

Durante o período do estudo, 47 pacientes eram potencialmente elegíveis e destes 32 foram selecionados, conforme descrição em Figura 1.

Figura 1
Esquema para a seleção dos sujeitos da pesquisa

A coleta de dados foi realizada nas dependências do ambulatório do INC, em duas etapas.

A primeira fase compreendeu a coleta de dados em prontuário. A agenda do médico referência para o TC serviu de guia para identificar os pacientes candidatos ao TC e posterior obtenção de informações relativas ao perfil sociodemográfico e clínico, bem como dados para a classificação dos pacientes pelos escores de prognóstico Heart Failure Survival Score (HFSS) e Seattle Heart Failure Model (SHFM), descritos na Figura 2.

Figura 2
Variáveis coletadas em prontuário

Para a segunda fase desta pesquisa foi realizado um teste piloto com a aplicação de três questionários de Minnesota Living Heart Failure Questionnaire (MLHFQ) e pelo Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire (KCCQ) e observou-se dificuldade dos pacientes em respondê-los pelo método autoaplicável, o que pode ser explicado pela escolaridade que variou de ensino fundamental até nível superior, nesta amostra. Sendo assim, optou-se pelo método de entrevista para essa fase, sendo realizada após a consulta médica. Os quatro pacientes que faltaram às consultas foram contatados por via telefônica para novo agendamento e destes dois se recusaram a participar e dois responderam aos questionários na consulta seguinte.

Os instrumentos de pesquisa utilizados foram o SHFM, HFSS, KCCQ e MLHFQ. O SHFM é composto por 20 variáveis, divididas em clínicas (idade, sexo, Classe Funcional da New York Heart Association - CF (NYHA), peso, Fração de Ejeção de Ventrículo Esquerdo (FEVE), pressão arterial sistólica), medicamentos (inibidor da enzima conversora de angiotensina - IECA, beta bloqueador - BB, bloqueador de receptor da angiotensina - BRA, estatina, alopurinol, antagonista da aldosterona e diuréticos com detalhamento dos tipos), dados laboratoriais (hemoglobina, linfócitos, ácido úrico, colesterol total, sódio sérico) e Terapia de Ressincronização (TRC) ou Cardioversor Desfibrilador Implantável (CDI)1515 Wayne CL, Dariush M, MD, Linker DT,Sutradhar SC, Anker SD, et al. The Seattle Heart Failure Model Prediction of Survival in Heart Failure. Circulation. [Internet]. 2006 Mar [cited Nov 15, 2016];113(11):1424-33. Available from: http://circ.ahajournals.org/content/113/11/1424.long
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.

O HFSS é composto por 6 variáveis e calculado pela seguinte fórmula1616 Aaronson KD, Schwartz JS, Chen TM, Wong KL, Goin JE, Mancini DM. Development and prospective validation of a clinical index to predict survival in ambulatory patients referred for cardiac transplant evaluation. Circulation. [Internet]. 1997 Jun [cited Nov 15, 2016];95(12):2660-7. Available from: http://circ.ahajournals.org/content/95/12/2660.long
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:

HFSS = [(0,0216 x frequência cardíaca em repouso) + (-0,0255 x pressão arterial sistêmica média) + (-0,0464 x fração de ejeção de ventrículo esquerdo) + (-0,0470 x sódio sérico) + (-0,0546 x consumo de oxigênio durante exercício máximo) + (0,6083 x presença de defeito na condução intraventricular) + (0,6931 x presença de doença coronariana)].

O MLHFQ1717 Carvalho VO, Guimarães GV, Carrara D, Bacal F, Bocchi EA. Validation of the Portuguese Version of the Minnesota Living with Heart Failure Questionnaire. Arq Bras Cardiol. [Internet]. 2009 Jul [cited Nov 15, 2016];93(1):39-44. Available from: http://www.scielo.br/pdf/abc/v93n1/en_08.pdf
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é composto por 21 questões divididas por duas dimensões (física e emocional) e pelo escore total. O escore total é calculado com o somatório das questões que varia de 0 a 105, em que quanto maior o escore, pior é a QV.

E o KCCQ1818 Green PC, Porter BC, Bresnahan DR, Spertus JA. Development and Evaluation of the Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire: A New Health Status Measure for Heart Failure. J Am Coll Cardiol. [Internet]. 2000 Apr [cited Nov 15, 2016];35:1245-55. Available from: https://ac.els-cdn.com/S0735109700005313/1-s2.0-S0735109700005313-main.pdf?_tid=ce183502-e4ff-11e7-88c9-00000aab0f6b&acdnat=1513717486_23599515c8b95c2e0b141bf5eebd5f7c
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é composto por 15 questões, com 23 itens, organizado em cinco dimensões: Limitação física; Sintomas (frequência/gravidade/estabilidade); Qualidade de vida; Autocuidado; e Limitação social. O resultado do escore varia de 0 a 100, no qual quanto maior o escore, melhor é a QV.

Os dados coletados foram compilados e tratados pelo software Microsoft Excel ® do pacote Microsoft Office® e Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 24, divididos em três etapas. O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para avaliar se a distribuição da amostra era normal.

Na primeira etapa foi realizada a estatística descritiva simples para apresentar o perfil sociodemográfico e clínico da amostra. A segunda etapa também constou de uma análise descritiva dos escores de prognóstico (HFSS e SHFM) e dos escores de QV (MLHFQ e KCCQ).

A terceira etapa consistiu de análises de correlação entre os dois escores de prognóstico, com os escores de QV. Foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson (r) que pressupõe uma correlação linear entre variáveis quantitativas. Para este estudo foi utilizada a referência que categoriza a correlação em r = 0,10 até 0,30 (fraco); r = 0,40 até 0,6 (moderado); r = 0,70 até 1 (forte).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do hospital, CAAE: 51348515.0.0000.5272, onde foi realizada a pesquisa e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Na Tabela 1, apresentam-se as características sociodemográficas e clínicas dos participantes.

Tabela 1
Características sociodemográficas e clínicas da amostra (n = 32). Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2017

Quando classificados pelo HFSS, 89,2% dos pacientes foram descritos como médio e baixo risco para mortalidade em 1 ano, no entanto, quando classificados pelo SHFM, 90,6% foram descritos como médio e alto risco para mortalidade em 1 ano.

A média dos resultados de QV dos participantes pelos questionários de MLHFQ e KCCQ é descrita na Tabela 2.

Tabela 2
Classificação da qualidade de vida dos participantes pelo Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire e pelo Minnesota Living With Heart Failure Questionnaire, divididos por dimensões (n = 32). Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2017.

A matriz de correlação de Pearson entre os escores gerais dos instrumentos de qualidade de vida e das ferramentas de prognóstico apresentou os seguintes valores absolutos: HFSS x MLHFQ - 0,21; HFSS x KCCQ - 0,02; SHFM x MLHFQ - 0,09; e SHFM x KCCQ - 0,20.

Ao notar as relações entre os escores de prognóstico individualmente (HFSS e SHFM) com os escores de qualidade de vida distintamente (MLHFQ e KCCQ), constatou-se em todos os casos uma correlação fraca, sendo o maior valor encontrado para r = 0,21, o que sugere não haver associação entre os dois escores de prognóstico com os dois instrumentos de medição de QV, ou seja, pacientes com pior prognóstico podem apresentar boa qualidade de vida e vice-versa.

Discussão

A correlação fraca entre os escores de prognósticos com os escores de QV, encontrada neste estudo, sugere que a percepção do paciente, mensurada pela QV, assim como o escore de prognóstico sejam medidas complementares a serem utilizadas na prática clínica auxiliando a indicação do TC.

Não foram encontrados na literatura estudos que fazem associação entre escore de prognóstico e instrumentos específicos de QV na IC, no entanto um estudo avaliou a relação entre o SHFM e um instrumento genérico de QV1919 Li Y, Neilson MP, Whellan DJ, Schulman KA,Levy WC, Reed SD. Associations Between Seattle Heart Failure Model Scores and Health Utilities: Findings From HF-ACTION. J Card Fail. [Internet]. 2013 May [cited Nov 29, 2017];19(5):311-6. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3709866/pdf/nihms-491334.pdf
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, além de alguns estudos discutirem o impacto na mortalidade dos instrumentos específicos que medem QV em IC2020 Lewis E, Zile MR, Swedberg K, Rouleau JL, Claggett B, Lefkowitz MP, et al. Abstract 17912: Health-related Quality of Life Outcomes in PARADIGM-HF. Circulation [Internet]. 2015 Nov [cited Nov 29, 2017];1 32:A17912. Available from: http://circ.ahajournals.org/content/132/suppl_3/a17912
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21 Hoekstra T, Jaarsma T, Veldhuisen D, Hillege H, Sanderman R, Lesman-Leegte I. Quality of life and survival in patients with heart failure. Eur J Heart Fail. [Internet]. 2013 Jan [cited Nov 29,2017];15:94-102. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1093/eurjhf/hfs148/pdf
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-2222 Mastenbroek MH, Versteeg H, Zijlstra WP, Meine M, Spertus JA, Pedersen SS. Disease-specific health status as a predictor of mortality in patients with heart failure: a systematic literature review and meta-analysis of prospective cohort studies. Eur J Heart Fail. [Internet]. 2014 Apr [cited Nov 29, 2017];16: 384-93. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ejhf.55/epdf
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.10...
.

Um estudo avaliou longitudinalmente a relação entre o SHFM e a valorização do estado de saúde medido pelo instrumento genérico EuroQol 5D (EQ-5D). Por meio de uma regressão linear, avaliaram 2.331 pacientes com seguimento de 2,5 anos, com CF (NYHA) II a IV, FEVE ≤ 35%, mostrando que o aumento de 1 unidade no SHFM diminuía em 0,03 pontos o EQ:5D na avaliação basal e que a cada um ano que aumentava o SHFM em um ponto, o EQ-5D caia 0,006 pontos. Esses resultados mostraram que paciente com alto risco de mortalidade tiveram EQ-5D significativamente menores e apresentaram maiores taxas de declínio ao longo de tempo1919 Li Y, Neilson MP, Whellan DJ, Schulman KA,Levy WC, Reed SD. Associations Between Seattle Heart Failure Model Scores and Health Utilities: Findings From HF-ACTION. J Card Fail. [Internet]. 2013 May [cited Nov 29, 2017];19(5):311-6. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3709866/pdf/nihms-491334.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
.

Em relação ao impacto na mortalidade, um estudo acompanhou 8.443 pacientes com FEVE reduzida por 4, 8 meses e anualmente para avaliar a associação do KCCQ com mortalidade, em um ensaio clínico randomizado que comparou o uso de enalapril com uma nova classe de medicamentos: O LCZ696, que é um medicamento composto por dois agentes farmacológicos complementares. Um deles, a valsartana, que é um bloqueador direto do BRA, e o outro é um inibidor da neprilisina, enzima responsável pela degradação de peptídeos endógenos vasodilatadores, como a bradicinina, os peptídeos natriuréticos e o peptídeo gene-relacionado à calcitonina, entre outros. E concluiu que o KCCQ está associado à sobrevivência. As mudanças na QV foram melhores em pacientes tratados com LCZ696 em comparação com enalapril, com consistência na maioria dos domínios. Esses achados sugerem que o LCZ696 leva a uma melhor QV2020 Lewis E, Zile MR, Swedberg K, Rouleau JL, Claggett B, Lefkowitz MP, et al. Abstract 17912: Health-related Quality of Life Outcomes in PARADIGM-HF. Circulation [Internet]. 2015 Nov [cited Nov 29, 2017];1 32:A17912. Available from: http://circ.ahajournals.org/content/132/suppl_3/a17912
http://circ.ahajournals.org/content/132/...
.

Outro estudo observou pacientes por 3 anos, mensurando o Peptídeo natriurético tipo-B (BNP), e utilizou o bem-estar global avaliado pelo “Cantril’s Ladder of Life”, o MLHFQ para avaliar QV e o “Medical Outcome Study 36-item General Health Survey” (RAND36) como instrumento genérico, concluindo, assim, que QV é um preditor independente para sobrevida2121 Hoekstra T, Jaarsma T, Veldhuisen D, Hillege H, Sanderman R, Lesman-Leegte I. Quality of life and survival in patients with heart failure. Eur J Heart Fail. [Internet]. 2013 Jan [cited Nov 29,2017];15:94-102. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1093/eurjhf/hfs148/pdf
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Além de uma revisão sistemática e meta-análise de coortes prospectivos com pacientes com IC estabilizada e com follow-up de pelo menos 1 mês, publicadas entre 2002 e 2013, que utilizaram o KCCQ e o MLHFQ para avaliar mortalidade, concluíram que esses instrumentos são preditores significativos de mortalidade além dos fatores de risco tradicionais2222 Mastenbroek MH, Versteeg H, Zijlstra WP, Meine M, Spertus JA, Pedersen SS. Disease-specific health status as a predictor of mortality in patients with heart failure: a systematic literature review and meta-analysis of prospective cohort studies. Eur J Heart Fail. [Internet]. 2014 Apr [cited Nov 29, 2017];16: 384-93. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ejhf.55/epdf
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.

Considerando que a ISHLT99 Mehra MR, Canter CE, Hannan MM, Semigran MJ, Uber PA, Baran DA, et al. The 2016 International Society for Heart Lung Transplantation listing criteria for heart transplantation: A 10-year update. J Heart Lung Transplant. [Internet]. 2016 Jan [cited Ago 15, 2017]; 35(1):1-23. Available from: http://www.jhltonline.org/article/S1053-2498(15)01484-9/pdf
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) sugere a utilização dos escores de prognósticos HFSS ou SHFM associados ao pico de VO2 para auxiliar a indicação ao TC, a diferença dos riscos encontrada entre os dois escores na mesma amostra pode ser explicada pelas diferentes variáveis consideradas por cada escore, como o pico de VO2 presente no HFSS, importante preditor para a indicação do TC e ausente no SHFM, assim como medicamentos como BB, espironolactona e CDI, que melhoram a sobrevida dessa população, presentes no SHFM, porém estão ausentes no HFSS. Assim, o SHFM mostrou-se mais fidedigno para classificação do prognóstico nesta amostra.

No que diz respeito à avaliação de QV, a média dos escores do MLHFQ se aproxima do estudo que tratou sobre a QV nos pacientes com IC avançada na fila do TC que obteve como resultado uma média do escore total de 40,61, da dimensão física de 14,96 e da emocional de 7,702323 Karapolat H, Eyigor S, Zoghi M, Nalbantgil S, Yagdi T, Durmaz B, et al. Health Related Quality of Life in Patients Awaiting Heart Transplantation. Tohoku J Exp Med. [Internet]. 2008 Jan [cited Nov 29, 2016]; 214:17-25. Available from: https://www.jstage.jst.go.jp/article/tjem/214/1/214_1_17/_pdf/-char/en
https://www.jstage.jst.go.jp/article/tje...
. No KCCQ, a percepção da QV dos pacientes se assemelha ao estudo que avaliou a QV de pacientes ambulatoriais com CF III (NYHA): escore geral (52,00), escore total dos sintomas (67,38) e escore frequência dos sintomas (67,00)2424 Miani D, Rozbowsky P, Gregori D, Pilotto L, Albanese MC, Fresco C et al .The Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire: Italian translation and validation. Ital Heart J. [Internet]. 2003 Sep [cited Nov 29, 2016];4(9):620-6. Available from: https://www.researchgate.net/publication/6735377
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.

Embora seja presumível que a doença em estádio avançado apresente mais sintomas, cause maior disfunção e consequentemente se relacione com pior qualidade de vida e pior prognóstico2525 Yancy CW, Jessup M, Bozkurt B, Butler J, Casey DE, Drazner MH et al. 2013 ACCF/AHA Guideline for the Management of Heart Failure. A Report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2013; 128(16):e240-e327.doi: https://doi.org/10.1161/CIR.0b013e31829e8776
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-2626 Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JGF, Coats AJS et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC) Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC Eur J Heart Fail. 2016;37:2129-220. doi: https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehw128
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, isso pode ser verdadeiro para um indivíduo, mas não necessariamente a realidade em um grupo heterogêneo de pacientes.

Dessa forma, mesmo que uma relação entre o prognóstico e a qualidade de vida possa ser estabelecida em amostras maiores, como tem sido os esforços dos estudos nessa área, não deve ser desprezada a grande variação individual, pois pacientes com a doença em estágios semelhantes podem valorizar diferentemente os seus sintomas e as suas limitações. Além disso, as medidas de QV sem valor prognóstico podem fornecer informações relevantes sobre oportunidades para melhorar o atendimento clínico aos pacientes2727 Mommersteeg PMC, Denollet J, Spertus JA, Pedersen SS. Health status as a risk factor in cardiovascular disease: A systematic review of current evidence. Am Heart J. 2009;157:208-18. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ahj.2008.09.020
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, principalmente em se tratando de indicação para o TC, que tem por objetivo melhorar a sobrevida e a QV99 Mehra MR, Canter CE, Hannan MM, Semigran MJ, Uber PA, Baran DA, et al. The 2016 International Society for Heart Lung Transplantation listing criteria for heart transplantation: A 10-year update. J Heart Lung Transplant. [Internet]. 2016 Jan [cited Ago 15, 2017]; 35(1):1-23. Available from: http://www.jhltonline.org/article/S1053-2498(15)01484-9/pdf
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,2626 Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JGF, Coats AJS et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC) Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC Eur J Heart Fail. 2016;37:2129-220. doi: https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehw128
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.

Esta pesquisa teve algumas limitações, como o tamanho da amostra, a coleta de dados em um único centro, a ausência de informações nos prontuários para coleta, além de uma literatura escassa em relação à associação dos instrumentos específicos de qualidade de vida, com os escores de prognósticos em IC .

Sugere-se a verificação da correlação dos escores de prognóstico com as dimensões físicas e emocionais dos questionários de QV (MLHFQ e KCCQ). Outra abordagem passaria pela verificação da causalidade entre os instrumentos. Para além dessas questões, um estudo importante seria sobre a aplicabilidade dessas ferramentas na prática clínica, como a viabilidade de implementação no fluxo de trabalho, integração com os registros eletrônicos da instituição e estudos de custos possibilitando infraestrutura para coletar os dados e analisá-los.

Conclusão

A correlação fraca entre os escores de prognóstico e de QV sugere a não associação entre os escores, ou seja, pior prognóstico não significa pior QV e o inverso também é verdadeiro.

A avaliação da associação entre os escores de prognósticos HFSS e SHFM com instrumentos específicos de QV (MLHFQ e KCCQ), nos pacientes candidatos ao TC, é importante e se faz necessária, e este estudo contribuiu para o pioneirismo da prática no Brasil e também o fez ao utilizar o KCCQ na população brasileira.

Agradecimentos

A Flávio Julião, agradeço por me auxiliar, acreditar no meu trabalho e por todos os ensinamentos que me proporcionou nesse período.

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    Artigo extraído da dissertação de mestrado “Associação entre qualidade de vida e prognóstico de pacientes candidatos ao transplante cardíaco de um hospital terciário do Rio de Janeiro: um estudo transversal”, apresentada ao Programa de Pós-graduação Mestrado Profissional em Ciências Cardiovasculares, Instituto Nacional de Cardiologia, Rio de janeiro, RJ, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2018
  • Aceito
    26 Jul 2018
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