Acessibilidade / Reportar erro

Formação pedagógica de professores de medicina

Resumos

Este estudo objetivou investigar a formação pedagógica de professores de medicina de uma universidade brasileira em relação à realização, tipo, pontos positivos e negativos e saberes presentes na formação. Trata-se de estudo descritivo-exploratório, com abordagem qualitativa que utilizou como instrumentos de coleta de dados questionário com questões abertas e fechadas e entrevista semiestruturada. A maioria dos pesquisados não teve capacitação em docência, mas recebeu alguma formação em disciplinas pedagógicas, cursadas em pós-graduação. Os pontos positivos citados foram a atualização em métodos pedagógicos e a ampliação da compreensão da área educativa, e os negativos foram pequena carga horária, falta de atividades práticas e dicotomia entre conteúdo teórico e ensino médico. Com base nos resultados, o estudo constatou a importância dos saberes da experiência na formação pedagógica dos professores estudados e apontou a necessidade de projetos institucionais de desenvolvimento docente que os considere como fonte de conhecimento profissional.

Educação Superior; Ensino; Educação Médica


This study examines the pedagogical training process of medical professors at a Brazilian university, the meanings attributed to it, and the positive and negative aspects identified in it. This is a descriptive-exploratory study, using a qualitative approach with a questionnaire utilizing open-ended and closed questions and a semi-structured interview. The majority of queried individuals had no formal teacher training and learned to be teachers through a process of socialization that was in part intuitive or by modeling those considered to be good teachers; they received pedagogical training mainly in post-graduate courses. Positives aspects of this training were the possibility of refresher courses in pedagogical methods and increased knowledge in their educational area. Negative factors were a lack of practical activities and a dichotomy between theoretical content and practical teaching. The skills acquired through professional experience formed the basis for teaching competence and pointed to the need for continuing education projects at the institutional level, including these skills themselves as a source of professional knowledge.

Education; Higher Teaching; Education; Medical


Este estudio tuvo por objetivo investigar la formación pedagógica de profesores de medicina de una universidad brasileña en relación a la realización, tipo, puntos positivos y negativos y conocimientos presentes en la formación. Se trata de estudio descriptivo y exploratorio, con abordaje cualitativo que utilizó como instrumentos de recolección de datos un cuestionario con preguntas abiertas y cerradas y entrevista semiestructurada. La mayoría de los investigados no tuvo capacitación en docencia, sin embargo recibió alguna formación en disciplinas pedagógicas, cursadas en posgraduación. Los puntos positivos citados fueron la actualización en métodos pedagógicos y la ampliación de la comprensión del área educativa, y los negativos fueron pequeña carga horaria, falta de actividades prácticas y dicotomía entre contenido teórico y enseñanza médica. Con base en los resultados, el estudio constató la importancia de los conocimientos de la experiencia en la formación pedagógica de los profesores estudiados y apuntó la necesidad de realizar proyectos institucionales de desarrollo docente que los considere como fuente de conocimiento profesional.

Educación Superior; Ensenãnza; Educación Medica


ARTIGO ORIGINAL

Formação pedagógica de professores de medicina

Nilce Maria da Silva Campos Costa

Doutor em Educação, Professor, Faculdade de Nutrição, Universidade Federal de Goiás, Brasil, e-mail: nilce@fanut.ufg.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Este estudo objetivou investigar a formação pedagógica de professores de medicina de uma universidade brasileira em relação à realização, tipo, pontos positivos e negativos e saberes presentes na formação. Trata-se de estudo descritivo-exploratório, com abordagem qualitativa que utilizou como instrumentos de coleta de dados questionário com questões abertas e fechadas e entrevista semiestruturada. A maioria dos pesquisados não teve capacitação em docência, mas recebeu alguma formação em disciplinas pedagógicas, cursadas em pós-graduação. Os pontos positivos citados foram a atualização em métodos pedagógicos e a ampliação da compreensão da área educativa, e os negativos foram pequena carga horária, falta de atividades práticas e dicotomia entre conteúdo teórico e ensino médico. Com base nos resultados, o estudo constatou a importância dos saberes da experiência na formação pedagógica dos professores estudados e apontou a necessidade de projetos institucionais de desenvolvimento docente que os considere como fonte de conhecimento profissional.

Descritores: Educação Superior; Ensino; Educação Médica.

Introdução

Existem duas concepções de formação docente universitária: a não profissional e a profissional(1). A primeira considera que ensinar se aprende ensinando, numa visão simplista que reduz a formação docente à mera reprodução de modelos existentes anteriormente. A segunda defende que ensino efetivo é tarefa complexa e grande desafio social, com altas exigências intelectuais e que ensinar consiste em uma série de habilidades básicas que podem ser adquiridas, melhoradas e ampliadas por meio de processo consistente de formação.

A atuação docente na área médica restringe-se à reprodução de modelos considerados válidos, apreendidos anteriormente, e à experiência prática cotidiana(2-3). Essa atuação reflete a formação não profissional, adquirida de forma não reflexiva, como algo natural, chamado senso comum, e é aceita largamente pelos docentes, pois escapa à crítica e se transforma num conceito espontâneo e generalizado sobre o que seja ensinar(4-5).

Estudos realizados com professores de medicina revelam que a docência é considerada atividade secundária à profissão médica e que a carreira docente não é considerada uma profissão(2). Esses professores, de modo geral, são considerados bons profissionais em sua área específica de atuação e o critério de contratação dos docentes nos cursos médicos centra-se na qualidade de seu desempenho em sua área técnica de atuação(2,6-8).

Apenas recentemente os professores universitários começaram a perceber que a docência, como a pesquisa e a prática de qualquer profissão, demanda capacitação específica(9-10). Além das competências específicas para exercer a profissão, existem as competências relacionadas especificamente à docência universitária, como o domínio de uma área do conhecimento, o domínio pedagógico e o exercício da dimensão política do ensino superior(10).

O corpo docente é o alicerce fundamental sobre o qual devem ser instituídas as bases das mudanças necessárias à formação de profissionais da área da saúde, e a prática pedagógica tem constituído tema relevante de pesquisa nas áreas de enfermagem(11-15), odontologia(16) e medicina(17). Vários autores reconhecem a necessidade de mudanças na prática docente

em saúde e discute-se a necessidade de formação do professor reflexivo em cursos da

área da saúde com mais longa tradição de debates sobre ensino(17-18). Para professores de enfermagem, a capacitação docente tem sido compreendida como processo complexo e contínuo de preparação técnica, teórica e pedagógica(14-15).

Esta investigação foi realizada com o objetivo de melhor conhecer o processo de formação docente de professores do ciclo profissional do curso de medicina de uma universidade pública federal do Brasil, os significados a ela atribuídos, os aspectos positivos e negativos identificados, para se pensar em caminhos que permitam enriquecer e potencializar a formação pedagógica.

Métodos

Foi realizado um estudo qualitativo com professores de medicina, atuantes em curso de graduação, critério para inclusão na pesquisa. Para a coleta de dados foram utilizados questionário com questões abertas e fechadas e entrevista semiestruturada. O questionário foi organizado para identificar os pesquisados em relação ao tempo de docência, qualificação acadêmica, disciplinas ministradas, condições de trabalho na faculdade de medicina, formação pedagógica, facilidades e dificuldades do início da carreira docente, locais de trabalho, dentre outros aspectos. Essa primeira fase da investigação foi o período de acumulação de dados(19).

A entrevista, realizada sem conhecimento prévio do roteiro pelos pesquisados, buscou respostas às questões a partir da narrativa dos próprios docentes(20). A identidade dos sujeitos foi preservada pelo uso da palavra Professor e de um número de identificação subsequente.

A pesquisa foi realizada em etapas: na primeira, o questionário foi aplicado aos docentes que aderiram voluntariamente à investigação. Dos 53 (50% do total) professores que responderam ao questionário, 35 (66%) decidiram participar da segunda etapa da investigação, a entrevista semiestruturada.

Os dados obtidos na entrevista foram audiogravados, transcritos de forma literal e submetidos á análise de conteúdo de acordo com Bardin(21). A compreensão e a interpretação dos dados obtidos, através das entrevistas, complementaram os coletados através dos questionários(22).

A leitura descritivo-analítica das entrevistas envolveu quatro etapas: leitura exaustiva, organização das informações, sistematização dos dados e construção do dialógo entre os dados e a literatura(22).

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana e Animal do Hospital das Clínicas da universidade em que foi realizada a pesquisa. A coleta de dados somente foi iniciada após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos docentes.

Resultados

A maioria (66%) dos 53 docentes que participaram da investigação eram do sexo masculino, tinham entre 36 e 55 anos, 56,6% relataram entre 10-29 anos de experiência docente, 92,5% trabalhavam 20 ou 40 horas por semana e apenas 5,7% possuíam contrato de dedicação exclusiva com a universidade.

Dos 35 professores entrevistados, 62,86% não teve formação em docência no início da carreira. Nas palavras de um deles, “tocava-se de ouvido, não por música”, como atestam suas falas. Eu não tinha experiência nenhuma de docência (Professor 4). Foi uma aquisição pela experiência, um autodidatismo (Professor 32). Muita improvisação. Nenhuma base teórica (Professor 8). Fazia as coisas mais intuitivamente (Professor 25). Uma espécie de intuição (Professor 26). Nós não temos formação em docência. Nossa formação é médica (Professor 5). Tinha a preparação de médico, mas não tinha nenhuma preparação docente. Fui errando e acertando (Professor 31). Eu gosto muito de ensinar. Então acho que é por afinidade e experiência (Professor 35).

Há professores que só adquiriram a consciência sobre a não formação em docência após anos de trabalho na universidade. Hoje eu penso introspectivamente: eu não sabia que eu não tinha capacitação, qualificação (Professor 30).

Fica claro que os professores estudados aprenderam a sê-lo mediante um processo de socialização em parte intuitiva, autodidata, ou seguindo o modelo daqueles que foram considerados bons professores. Os saberes adquiridos através da experiência profissional fundamentam a competência docente. Eu acho que as minhas frustrações e as frustrações dos alunos com os quais eu lido, vão fazendo a gente ver qual é o melhor caminho (Professor 35).

A despeito da não formação no início da carreira, 71,7% (38 professores) relata ter tido algum tipo de formação docente, após um tempo variável de experiência docente na universidade. Observa-se o predomínio das disciplinas da área pedagógica cursadas em programas de pós–graduação stricto sensu (55,3%), vivência considerada positiva pela maioria dos professores. Tivemos Metodologia do Ensino. Aí a gente vê tanta coisa errada que você faz (Professor 4). Depois que eu fiz mestrado mudou muito, porque agora eu tenho métodos, eu tenho formação (Professor 12). No meu mestrado eu fiz Didática, fiz Pedagogia, [...] eram aulas obrigatórias. [...] Tinha seis meses de aula de Didática de alto nível, seis meses de Pedagogia[...]. E eu acho que foi maravilhoso (Professor 34).

Dentre os cursos de docência aos quais os docentes se referiram (21,1%) os mais frequentes foram os cursos eventuais, de curta duração, promovidos por iniciativa dos gestores da Faculdade de Medicina. Alguns cursos eu fiz.[...]. Seminários de formas de atuação do aluno, do professor; dessa forma de colocar os alunos para resolver os problemas e não a gente dar as soluções (Professor 6). Achei bastante interessantes os cursos que eu fiz na época [...], avaliando o jeito da gente avaliar o aluno, a metodologia de dar aula (Professor 27). Fiz um curso aqui, um curso, foi só um dia, com um professor da [...] que veio para cá [...]. Eu adorei. Ele deu uns toques, eu até falei: “Nossa, é diferente de tudo que eu faço” [...]. Através dessas coisas todas, fez a gente mudar a nossa proposta didática (Professor 28).

Outra modalidade de formação docente citada foi um curso obrigatório, oferecido pela universidade para os professores recém-ingressos. É digno de nota o fato de alguns professores possuírem cursos específicos da área da Educação, como os três (7,9%) com Mestrado e dois (5,3%) que cursaram Especialização nessa área.

Os docentes relataram ter vivenciado dificuldades relativas à não formação em docência e do sofrimento que esse fato causou. Sofri muito pela falta de experiência, falta de preparo como professor. Eu tinha experiência como médico. Didática, avaliação, essa parte técnica de professor, eu não tinha (Professor 3). Eu tinha dificuldade para fazer um plano de aula, eu não sabia o que era um plano de curso, eu não sabia como preencher diários, essas coisas que eram básicas da área da docência (Professor 1). A principal dificuldade [...] é exatamente a falta de formação pedagógica (Professor 8). É justamente isso, você começar achando: “Se eu sei o conteúdo, eu sei como ensinar o conteúdo”. Eu levei anos e, provavelmente, os primeiros anos eu devo ter sido só um reprodutor de informações que eu tinha (Professor 13). Dificuldade é que a gente não tem formação para professor. Nossa formação é médica. A gente acaba sendo o médico que ensina (Professor 27). O mais difícil é como eu levaria aquele conhecimento, como aproximar aquele conhecimento para o aluno. Que estratégia usar (Professor 29).

Os professores pesquisados têm clareza acerca do papel significativo que a formação docente representa em sua atuação. Eu acho uma coisa importantíssima, porque para mim é uma das falhas da medicina, essa formação pedagógica, nós não temos (Professor 4). Eu acho que para a gente dar aula, a gente tinha que ter essa formação quando a gente faz a pós-graduação (Professor 27). Eu não acredito que um indivíduo, porque ele é médico e tem toda uma competência indiscutível na área da medicina, que isso seja o bastante para que ele entenda da docência (Professor 12). Acho que para dar aula mesmo, o indivíduo tem que ser adequadamente formado (Professor 5).

Fatores positivos e negativos da formação docente

Aos professores que tiveram algum tipo ‘formal’ de formação docente, perguntou-se sobre os pontos positivos e negativos considerados. O principal ponto positivo, referido por 71,11% dos professores, foi a atualização em métodos didáticos pedagógicos (técnicas/métodos de ensino, processo ensino-aprendizagem, comunicação, avaliação da aprendizagem e relação professor-aluno). Verifica-se que essa formação privilegia a dimensão técnica da atuação docente e carece da dimensão reflexiva do professor sobre as práticas que executa.

A despeito dessa observação, 22,23% dos entrevistados citaram como ponto positivo a ampliação da compreensão da área da educação. Fica claro que alguns professores refletiram sobre a sua experiência prática docente, dando significado a ela. Percebi que a educação é uma área de especialização e que não deve ser improvisada (Professor 5). Esses cursos me ajudaram muito. Lógico, porque aí a gente vai entendendo a mecânica de ser professor. É diferente da prática diária do profissional (Professor 11). Momento de reflexão sobre a prática da atividade docente (Professor 4). Melhor entendimento da formação e do ensino médicos (Professor 2).

Como principal fator negativo 85% dos professores consideraram a pequena carga horária cursada, reflexo do desejo de ampliar os conhecimentos na área. Cursei duas disciplinas no doutorado, mas acho que ainda foi pouco (Professor 4).

Outros pontos negativos relatados foram: falta de atividades práticas nos cursos (25%) e o descompasso entre o conteúdo ministrado e o ensino na área médica (14,29%).

Discussão

O primeiro ponto a ser assinalado por este trabalho é a forte presença dos saberes da experiência na prática docente em medicina. Pelas palavras usadas para referir-se à formação: aquisição pela experiência, autodidatismo, improviso, intuitivamente, errando e acertando e afinidade, fica claro que a formação docente acontece como um processo proporcionado pela prática profissional.

O conhecimento derivado da prática ou experiência não é sistematizado e representa como os professores interpretam e direcionam sua prática docente cotidiana(23). Esse tipo de formação não é considerado ideal, pois a improvisação é a melhor maneira de perpetuar as limitações de um método não considerado ideal (24). Isso limita a discussão e a reflexão sobre essa mesma prática e restringe a possibilidade do enriquecimento teórico com leituras e ampliação da visão de mundo do docente. Assim, o caráter prático do conhecimento, baseado na experiência, fica reduzido à esfera individual e pode não ser compartilhado.

A capacidade autodidata dos professores é importante, embora não possa ser considerada suficiente. Os saberes adquiridos através da experiência geralmente são desvalorizados e, inclusive, ignorados pelas instituições de ensino e pelos próprios professores como fonte de conhecimento profissional.

Como os saberes docentes vão sendo construídos ao longo da trajetória profissional, a natureza desse conhecimento é difícil de ser isolada, pois muito dele está implícito e envolve teorias e conceitos baseados em disciplinas - o conhecimento sistematizado – e também recebe influências do conhecimento pessoal, adquirido através da experiência. Apesar da facilidade em separá-los para efeito descritivo, na prática profissional eles se entrelaçam e são inseparáveis.

Com a formação obtida através da experiência, os professores estudados tendem a limitar seu campo de ação às suas aulas. A atividade docente, entretanto, requer a habilidade para problematizar as visões sobre a prática docente, tanto sobre o papel dos professores como sobre a função que cumpre à educação superior. Isso supõe que cada professor analise o sentido político, cultural e econômico que cumpre à escola médica, o modo em que se assimila a própria função, como se tem interiorizado os padrões ideológicos sobre os quais se sustenta a estrutura educativa.

Um segundo ponto é a pouca valorização dada pela instituição à formação pedagógica do professor de medicina. Isso pode ser atribuído ao desmerecimento da atividade de ensino nas universidades, onde os estímulos para a atuação e os critérios de progressão na carreira têm se fundamentado mais na produção científica que no exercício da docência(2,9,24).

Esse ponto leva a se insistir na afirmação de que a formação pedagógica, reconhecida pelos pesquisados como extremamente relevante para o exercício da docência, necessita ser adotada como prioridade pelas escolas médicas. Por exemplo, com programas de formação continuada com exigência da participação dos professores. Assim como se coloca como condição para ser professor que o médico possua mestrado ou doutorado em alguma área da ciência médica, assim também deve ser exigido que esse mesmo professor desenvolva sua formação pedagógica participando de cursos competentes nessa área, integrando teoria e prática.

Outra iniciativa pode ser a de incentivar, valorizar e criar oportunidades de acompanhamento a projetos inovadores na área do ensino da medicina que envolvam equipes de docentes da mesma área, ou de áreas afins; equipes de professores de disciplinas diferentes, mas que trabalhem com a mesma turma de alunos em um semestre e se proponham a planejar um curso de forma integrada. Os docentes precisam sentir por parte da instituição que há apoio e interesse em que o curso de graduação aperfeiçoe seu nível de qualidade através de melhoria da qualidade de aprendizagem de seus futuros médicos. Precisam perceber que há colegas interessados em modificar suas aulas, tornando-as verdadeiros ambientes de aprendizagem para os estudantes, e que querem, juntamente com outros colegas, realizar a docência diferente e melhor que aquela que vêm realizando.

Por essa razão, a formação docente precisa ser planejada, considerada nos orçamentos e priorizada no contexto da universidade. É necessário que o tempo, que permite a realização dessas atividades, seja garantido. Deve-se pensar num processo dinâmico e contínuo de formação, com caminhos que levem à elucidação de suas problemáticas, sem a costumeira procura de ‘culpados’. Pelo contrário, deve-se proirizar trabalhos em parcerias, de corresponsabilidades e de integração das competências pedagógicas e científicas dos envolvidos.

Essa última função, quando é atendida pelos cursos de pós-graduação, limita-se a oferecer uma ou outra disciplina pedagógica; os participantes desta pesquisa afirmam que isso lhes foi de grande valia. Já pensaram os coordenadores desses cursos como poderiam atender melhor essa função de formação dos docentes dos cursos de medicina se realmente privilegiassem um currículo que, ao mesmo tempo, formasse pesquisadores e docentes?

É desejável que os professores transcendam os limites que se inscrevem em seu trabalho e que superem a visão meramente técnica, na qual os problemas se reduzem a cumprir as metas determinadas pela instituição. Além de atividades de rotina, da ordem da racionalidade técnica, o professor vive em um contexto de tomada de decisões, o que tem permitido caracterizá-lo como profissional reflexivo(25).

Do diálogo entre experiências e informações teóricas e entre professores de diversas disciplinas médicas, pode-se encontrar ação docente adequada para melhor colaborar para o desenvolvimento dos profissionais da saúde. Os docentes necessitam de visão global da docência e dos novos papéis que lhes cabem como mediadores e facilitadores do processo aprendizagem. Para serem efetivos, os docentes necessitam adquirir habilidades como facilitar o aprendizado dos estudantes, trabalhar em pequenos grupos, orientar e dar feedback da aprendizagem(26) .

As reflexões no campo pedagógico que emergiram do grupo de professores estudados sobre a atuação docente trazem a certeza de que o processo coletivo deve ser contínuo para dar suporte ao desenvolvimento desses profissionais, que são agentes do aperfeiçoamento da formação médica e dos profissionais de saúde.

Conclusão

Este estudo, realizado para conhecer a formação pedagógica de professores de medicina de uma instituição federal de ensino, constatou a importância dos saberes da experiência na formação pedagógica dos professores estudados. Entre os professores que tinham algum tipo de formação docente institucionalizada, o principal ponto positivo citado foi a atualização em métodos didático-pedagógicos. Deve-se ressaltar que é um tipo de formação que prioriza a formação técnica e deixa de lado o processo de reflexão sobre as práticas educativas usadas.

A formação dos docentes de medicina que participaram da investigação está sendo permeada por batalhas que cada um tem que enfrentar com suas próprias forças, através de processos de autoformação, lentos e incertos. Em alguns casos, acabam se consolidando enfoques equivocados sobre o que significa exercer a docência na universidade, não por incompetência individual, mas por falta de oportunidades para uma correta construção da profissionalização. Em outros casos, alguns docentes ao se sentirem incapazes para desenvolver as competências próprias do exercício docente, acabam se acomodando às poucas exigências de desenvolvimento profissional.

Assim, um dos itens primordiais para o aprimoramento da docência médica é se planejar formação pedagógica que integre experiências e vivências docentes com a discussão e debates de princípios teóricos de educação, oferecendo aos professores uma luz e que os ajude a analisar criticamente sua ação e experiências docentes e para que eles consigam encontrar novos e melhores caminhos para seu trabalho.

Os professores de medicina devem ser convidados a participar da criação e da construção de uma nova consciência. É necessário redimensionar ‘o que’ e ‘como’ se aprendeu a ser docente a partir de um processo de reflexão pessoal sobre a própria experiência. É necessário desenvolver ação educativa consciente que desenvolva o professor em suas potencialidades, em sua capacidade de criar soluções e respostas adequadas, em sua condição básica de agir, conjugando crenças, valores e conhecimentos.

Neste trabalho, os dados obtidos apontam a necessidade de repensar e a ressignificar a formação pedagógica dos professores que atuam no ensino universitário em saúde.

Referências

  • 1
    Zabalza MA. O ensino universitário: seu cenário e protagonistas. São Paulo (SP): Artmed; 2004.
  • 2
    Batista NA, Souza SH. A função docente em medicina e a formação/educação permanente do professor. Rev Bras Educ Med 1998; 22:31-6.
  • 3
    Batista N, Batista SH. A docência em saúde: desafios e perspectivas. In: Batista N, Batista SH, organizadores. Docência em saúde: temas e experiências. São Paulo (SP): Senac; 2004. p.17-31.
  • 4
    Perrenoud P. A formação dos professores no século XXI. In: Perrenoud P, Thurler, MG . Porto Alegre (RS): Artmed; 2002. p. 11-31.
  • 5
    Carvalho AMP. Paradigmas e métodos de investigação nas práticas de ensino: aspectos epistemológicos. Anais do VII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino; 1994; Goiânia (GO); 1994. p. 79-90.
  • 6
    Bireau A. Novas funções atribuídas à universidade. In: Bireau A. Os métodos pedagógicos no ensino superior. Porto: Porto Editora; 1995. p.22-9.
  • 7
    Mcleod PJ, Steinert Y, Meagher T, Mcleod A. The ABCs of pedagogy for clinical teachers. Med Educ 2003; 37:638-44.
  • 8
    Mclean M. Reawarding teaching excellence. Can we measure teaching "excellence"? Who should be the judge? Med Teach 2001; 23:6-11.
  • 9
    Abreu MC, Masetto MT. Ensino e aprendizagem. In: Abreu MC, Masetto MT. O professor universitário em aula: prática e princípios teóricos. São Paulo (SP): MG Editora Assoc; 1997. p. 3-12.
  • 10
    Masetto MT. Professor universitário: um profissional da educação na atividade docente. In: Masetto MT. Docência na Universidade. Campinas (SP): Papirus; 1998. p. 9-26.
  • 11
    Guariente MHD, Berbel NAN. A pesquisa participante na formação didático-pedagógica de professores de enfermagem. Rev Latino-am Enfermagem 2000; 8(2): 53-9.
  • 12
    Pinto JBT, Pepe AM. Nursing education: contradictions and challenges of pedagogical practice. Rev Latino-am Enfermagem 2007; 15(1):120-6.
  • 13
    Rozendo CA, Casagrande LDR, Schneider JF, Pardini LC. Uma análise das práticas docentes de professores universitários da área de saúde. Rev Latino-am Enfermagem 1999; 7(2):15-23.
  • 14
    Alencar NG, Batista SHS, Ruiz-Moreno L. Women’s health education in undergraduate nursing courses. Rev Latino-am Enfermagem, 2007; 15(2):355-7.
  • 15
    Figueroa AA. A inovação da educação superior em Enfermagem e os aportes do desenho da instrução. Rev Latino-am Enfermagem 1999; 7(2):5-13.
  • 16
    Secco LG, Pereira MLT. Formadores em odontologia: profissionalização docente e desafios político-estruturais. Cienc Saúde Coletiva 2004; 9(1):113-20.
  • 17
    Lampert J. Tendências de mudança na formação médica no Brasil: tipologia das escolas. São Paulo: Hucitec; 2002.
  • 18
    Faria JIL, Casagrande LDR. A educação para o século XX e a formação do professor reflexivo na enfermagem. Rev Latino-am Enfermagem 2004; 12(5):111-8.
  • 19
    Estrela A. [Introdução]. In: Estrela A. Teoria e prática de observação de classes: uma estratégia de formação de professores. Porto: Porto Editora; 1994. p. 11-24.
  • 20
    Turato ERT. Tratado da metodologia clínico-qualitativa. Petrópolis (RJ): Vozes; 2003.
  • 21
    Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1977.
  • 22
    Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo (SP): Hucitec-Abrasco; 1992.
  • 23
    Tardif M, Lessard C, Lahaye L. Os professores diante do saber: esboço de uma problemática do saber docente. In: Tardif M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis (RJ): Vozes; 2002. p.31-55.
  • 24
    Venturelli J. Educación médica: nuevos enfoques, metas y métodos. Washington (DC): OPS; 1997.
  • 25
    Ministério da Educação (BR). Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 4, de 01 novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Brasília; 2001.
  • 26
    Clark JM, Houston TK, Kolodner K, Branch W, Levine R, Kern DE. Teaching the teachers. J Gen Int Med 2004; 19:205-19.
  • Corresponding Author:
    Nilce Maria da Silva Campos Costa
    Faculdade de Nutrição. Universidade Federal de Goiás
    Rua 15, 220/1000
    Setor oeste
    CEP: 74.140-035 Goiânia, GO, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Recebido
      08 Set 2008
    • Aceito
      15 Set 2009
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br