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Efetividade de intervenção de enfermagem nos níveis de ansiedade de familiares de pacientes submetidos a cirurgia cardíaca: ensaio clínico randomizado

RESUMO

Objetivo:

verificar a efetividade das orientações de enfermagem a familiares de pacientes em pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca, antes da primeira visita na sala de recuperação pós-anestésica, nos níveis de ansiedade, comparados com a orientação de rotina da unidade.

Métodos:

ensaio clínico randomizado, realizado com familiares abordados na sala de espera, antes da primeira visita no pós-operatório imediato. Familiares alocados no grupo intervenção receberam orientações audiovisuais sobre as condições em que o paciente se encontrava naquele momento, e o grupo controle recebeu as orientações de rotina da unidade. O desfecho ansiedade foi avaliado pelo inventário IDATE.

Resultados:

foram incluídos 210 sujeitos, 105 em cada grupo, com idade média de 46,4±14,5 anos, sendo 69% do sexo feminino e 41% filhos dos pacientes. Na avaliação da ansiedade, o escore médio para o grupo intervenção foi de 41,3±8,6 pontos e, para o grupo controle, 50,6±9,4 pontos (p<0,001).

Conclusão:

a intervenção de enfermagem voltada à orientação de familiares, no momento que antecede a primeira visita no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca, contribui para possível redução da ansiedade dos acompanhantes, contribuindo para que se sintam mais preparados para esse momento. Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC) e The Universal Trial Number (UTN), sob o número U1111-1145-6172.

Descritores:
Orientação; Enfermagem Perioperatória; Relações Profissional-Família; Cirurgia Torácica

ABSTRACT

Objective:

to verify the effectiveness of nursing orientation provided to families of patients in the immediate post-operative following cardiac surgery before the first visit to the post-anesthesia care unit, in decreasing anxiety levels, compared to the unit's routine orientation.

Method:

open randomized clinical trial addressing family members in the waiting room before the first visit in the immediate post-operative period. The family members assigned to the intervention group received audiovisual orientation concerning the patients' conditions at the time and the control group received the unit's routine orientation. Outcome anxiety was assessed using the STAI-State.

Results:

210 individuals were included, 105 in each group, aged 46.4 years old on average (±14.5); 69% were female and 41% were the patients' children. The mean score obtained on the anxiety assessment in the intervention group was 41.3±8.6, while the control group scored 50.6±9.4 (p<0.001).

Conclusion:

a nursing intervention focused on providing guidance to families before their first visit to patients in the immediate post-operative period of cardiac surgery helps to decrease the levels of anxiety of companions, making them feel better prepared for the moment. ReBEC (Brazilian Clinical Trials Registry) and The Universal Trial Number (UTN), No. U1111-1145-6172.

Descriptors:
Orientation; Perioperative Nursing; Professional-Family Relations; Thoracic

RESUMEN

Objetivo:

verificar la efectividad de las orientaciones de enfermería - dadas a familiares de pacientes en el posoperatorio inmediato de cirugía cardíaca, antes de la primera visita, en la sala de recuperación postanestésica - en los niveles de ansiedad, comparados con la orientación de rutina de la unidad.

Métodos:

ensayo clínico aleatorio, realizado con familiares abordados en la sala de espera, antes de la primera visita en el posoperatorio inmediato. Familiares designados para el grupo intervención recibieron orientaciones audiovisuales sobre las condiciones en que el paciente se encontraba en aquel momento, y el grupo control recibió las orientaciones de rutina de la unidad. El resultado ansiedad fue evaluado por el inventario IDATE.

Resultados:

fueron incluidos 210 sujetos, 105 en cada grupo, con edad promedio de 46,4±14,5 años, siendo 69% del sexo femenino y 41% eran hijos de los pacientes. En la evaluación de la ansiedad, el puntaje promedio para el grupo intervención fue de 41,3±8,6 puntos y, para el grupo control, 50,6±9,4 puntos (p<0,001).

Conclusión:

la intervención de enfermería dirigida a orientar a familiares, en el momento que antecede a la primera visita en el posoperatorio inmediato de cirugía cardíaca, induce una posible reducción de la ansiedad de los acompañantes, contribuyendo para que se sientan más preparados para ese momento. Registro Brasileño de Ensayos Clínicos (ReBEC) y The Universal Trial Number (UTN), bajo el no U1111-1145-6172.

Descriptores:
Orientación; Enfermería Perioperatoria; Relaciones Profesional-Familia; Cirurgía Torácica

Introdução

O perioperatório de cirurgias cardíacas expõe pacientes e familiares a diversos sentimentos e emoções, tornando a experiência, vivenciada nesse período, estressante e causadora de ansiedade. A ansiedade é considerada um distúrbio cognitivo, afetivo e comportamental, provocado por situações percebidas como ameaçadoras11. Munday J, Kynoch K, Hines S. The effectiveness of information-sharing interventions as a means to reduce anxiety in families waiting for surgical patients undergoing an elective surgical procedure: a systematic review protocol. JBI Library. [Internet]. 2013 [citado 10 jan 14]; 1(7). Available from: http://www.joannabriggslibrary.org/jbilibrary/index.php/jbisrir/article/view/899/1329
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. Em instituições hospitalares, a espera por informações e pelo momento de visitar o familiar hospitalizado pode agravar essas percepções entre membros da família, independentemente do tipo de procedimento cirúrgico ao qual o paciente tenha sido submetido.

Nesse contexto, informações sobre o perioperatório e redução da ansiedade dos pacientes cirúrgicos têm sido o foco do cuidado de enfermagem. Contudo, o cuidado aos familiares desses pacientes também requer atenção. Para a família, a hospitalização, o procedimento cirúrgico e a recuperação na unidade de terapia intensiva também são considerados momentos geradores de ansiedade, uma vez que se depara com uma realidade desconhecida e repleta de incertezas, na qual seu familiar está inserido22. Beuter M, Brondani CM, Szareski C, Cordeiro FR, Castro C. Sentimentos de familiares acompanhantes de adultos face ao processo de hospitalização. Esc Anna Nery. 2012;16(1):134-40.-33. Freitas KS, Kimura M, Ferreira KASL. Family members' needs at intensive care units: comparative analysis between a public and a private hospital. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007;15(1):84-92.. Destaca-se que a ansiedade é mais elevada no momento em que os membros da família estão à espera de informação sobre a intervenção cirúrgica, na maioria das vezes, em ambientes ou salas de espera durante os procedimentos11. Munday J, Kynoch K, Hines S. The effectiveness of information-sharing interventions as a means to reduce anxiety in families waiting for surgical patients undergoing an elective surgical procedure: a systematic review protocol. JBI Library. [Internet]. 2013 [citado 10 jan 14]; 1(7). Available from: http://www.joannabriggslibrary.org/jbilibrary/index.php/jbisrir/article/view/899/1329
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. O contato com o ambiente hospitalar e a perspectiva do encontro com o familiar em pós-operatório, envolto em equipamentos monitoradores, geram dúvidas e ansiedade nos familiares44. Maestri E, Nascimento ERP, Bertoncello KCG, Martins JJ. Avaliação das estratégias de acolhimento na Unidade de Terapia Intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(1):75-81..

A inclusão de membros da família nas orientações perioperatórias pode prepará-los para se sentirem mais seguros sobre a cirurgia iminente. Quando bem orientados, os familiares incentivam o doente e auxiliam na sua recuperação. Considerando que mudanças que afetam um dos membros da família poderão afetar os demais, as intervenções direcionadas para a família também repercutirão no paciente55. Grazziano ES, Bianchi ERF. Caregivers and patient's anxiety level during cardiac catheterizathion. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2004;12(2):168-74.. Por isso, a consolidação de um relacionamento efetivo entre a equipe de saúde e os familiares minimiza sentimentos de insegurança e aflição, contribuindo para a superação de dificuldades22. Beuter M, Brondani CM, Szareski C, Cordeiro FR, Castro C. Sentimentos de familiares acompanhantes de adultos face ao processo de hospitalização. Esc Anna Nery. 2012;16(1):134-40.,44. Maestri E, Nascimento ERP, Bertoncello KCG, Martins JJ. Avaliação das estratégias de acolhimento na Unidade de Terapia Intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(1):75-81..

Dados da literatura indicam que somente a visita na sala de recuperação não é suficiente para redução significativa da ansiedade dos familiares66. Patelarou A, Melidoniotis E, Sgouraki M, Karatzi M, Souvatzis X. The effect of visiting surgical patients in the postanesthesia care unit on family members' anxiety: a prospective quasi-experimental study. J Perianesth Nurs. 2014;29(3):221-9.. Intervenções no momento de espera pela visita no Pós-Operatório Imediato (POI) têm sido testadas para reduzir os níveis de ansiedade dos familiares. Um estudo, do tipo antes e depois, realizado com o objetivo de verificar o efeito de assistir filme na sala de espera, evidenciou redução dos níveis de ansiedade de familiares de pacientes cirúrgicos (de 46±9,2 para 39,1±11,8 pontos; p=0,003)77. Mojdeh S, Zamani M, Kooshki AM, Jafari N. Effect of watching a movie on family members' anxiety level during their relatives' surgery. Iran J Nurs Midwifery Res. 2013;18(4):329-32.. Outro estudo realizado com o objetivo de verificar diferença nos níveis de ansiedade, estresse e relaxamento de familiares que aguardavam na sala de espera do centro cirúrgico, após escutar música ao vivo por vinte minutos, mostrou que, embora os níveis dos desfechos não diminuíssem significativamente após a intervenção, os escores de relaxamento aumentaram (p=0,0008)88. Jarred, Jennifer D. The effect of live music on anxiety levels of persons waiting in a surgical waiting room as measured by self-report. Electronic Theses, Treatises and Dissertations. 2003. Disponível em: http://diginole.lib.fsu.edu/etd/3550. Acesso 27 out 2014.
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. No entanto, estratégias de interação entre membros da enfermagem e familiares em sala de espera, por meio de grupos comparados, não foram testadas.

Face ao exposto, neste estudo o objetivo foi verificar a efetividade das orientações de enfermagem a familiares de pacientes em pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca, antes da primeira visita na sala de recuperação pós-anestésica, nos níveis de ansiedade, comparados com a orientação de rotina da unidade.

Métodos

Trata-se de um ensaio clínico randomizado, não cego, registrado no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC) e no The Universal Trial Number (UTN), sob número U1111-1145-6172, realizado em hospital de referência cardiológica do Sul do Brasil, no período de março a junho de 2013.

A amostra foi constituída por familiares de pacientes submetidos a cirurgia cardíaca de revascularização do miocárdio ou valvar, que aguardavam na sala de espera, em frente ao centro cirúrgico, o término da cirurgia e a primeira visita na Unidade de Pós-Operatório Imediato (UPOI). Os critérios de inclusão foram sujeitos de ambos os sexos, com idade ≥18 anos, ser familiar/cuidador do paciente e aceitar participar do estudo. Foram excluídos aqueles que já tinham acompanhado o paciente em realização de cirurgia cardíaca prévia. O cálculo amostral foi baseado em estudo prévio55. Grazziano ES, Bianchi ERF. Caregivers and patient's anxiety level during cardiac catheterizathion. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2004;12(2):168-74., considerando-se que, em média, 52,5% dos acompanhantes apresentavam níveis médios de ansiedade. Estimou-se que, para uma diferença de 20% no nível médio de ansiedade, com poder de 80% e nível de confiança de 95%, considerando 8% de perda, seria necessário estudar 105 familiares em cada grupo.

Os familiares foram abordados na sala de espera da UPOI e, após convite para participar do estudo, esclarecimento e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foram alocados para o Grupo Intervenção (GI) ou o Grupo Controle (GC), conforme randomização aleatória simples, no site http://www.randomizer.org, definida por semana: semana 1, os familiares eram alocados para o GI e, semana 2, para o GC. A randomização foi gerada por profissional externo à pesquisa. Ambos os grupos responderam um questionário estruturado com variáveis sociodemográficas e relacionadas ao preparo para visitar o paciente na UPOI.

A intervenção do estudo foi realizada por um dos pesquisadores, enfermeiro com experiência em POI de cirurgia cardíaca, e foi constituída por orientações audiovisuais realizada em grupo, no período que antecedia a visita na UPOI. Os familiares foram orientados, no ambiente de espera, sobre as possíveis condições em que o paciente se encontraria na pós-cirurgia cardíaca, utilizando-se recursos audiovisuais, como imagens ilustrativas de equipamentos/dispositivos utilizados no pós-operatório imediato. A duração da intervenção foi de, aproximadamente, 20 minutos. Após, os familiares foram encorajados a esclarecerem as dúvidas. O GC recebeu orientações usuais da unidade, as quais incluem aspectos relacionados às rotinas do setor, como horários de visita, lavagem das mãos, número máximo de visitantes por vez, e o fato de que a equipe médica forneceria informações sobre o estado do paciente, após a visita na UPOI. Essas informações podem ser fornecidas pelo técnico de enfermagem, enfermeiro ou membros da equipe cirúrgica.

A visita do familiar ocorria em horários pré-estabelecidos pela unidade, com duração de até 30 minutos, sendo permitida a entrada de um familiar por vez. O desfecho ansiedade foi verificado por meio do inventário IDATE-Inventário de Ansiedade Traço-Estado, antes da primeira visita à UPOI, após a intervenção.

O IDATE é um questionário de autoavaliação , amplamente utilizado na monitorização dos estados ansiosos, composto por duas escalas distintas, elaboradas para medir dois conceitos de ansiedade, estado ansioso e traço ansioso, traduzido e validado para a população brasileira, com satisfatórias propriedades psicométricas99. Biaggio AMB Natalcio L, Spielberger CD. Desenvolvimento da forma experimental em português do IDATE. Arq Bras Psicol. 1977;29:33-44.. Neste estudo, foi utilizada apenas a escala de estado ansioso (IDATE-estado), visto que a ansiedade foi verificada no momento que antecedia a visita pós-operatória, quando era entregue o instrumento ao familiar para que o mesmo preenchesse e, após, entregasse ao pesquisador.

O conceito de ansiedade estado é definido como estado emocional transitório, ou como, também, condição do organismo humano, caracterizado por sentimentos desagradáveis de tensão e apreensão conscientemente percebidos e acompanhados de aumento da atividade do sistema nervoso autônomo. Trata-se de um instrumento de autorrelato, composto por 20 itens, para os quais os participantes indicam a intensidade do estado ansioso por meio de uma escala tipo Likert, que varia de 1 (absolutamente não) a 4 (muitíssimo). O escore total varia de 20 a 80, sendo que os valores mais altos indicam maiores níveis de ansiedade. Os escores para perguntas de caráter positivo são invertidos, ou seja, se o paciente responder 4 será atribuído valor 1 na codificação, se responder 3 atribui-se o valor 2, se responder 2 atribui-se o valor 3 e se responder 1 atribui-se o valor 4. Para fins de análise, os níveis de ansiedade foram categorizados55. Grazziano ES, Bianchi ERF. Caregivers and patient's anxiety level during cardiac catheterizathion. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2004;12(2):168-74.: de 19 a 40 - baixo, de 41 a 60 - médio e de 61 a 76 - alto.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisas do Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, RS, sob número do CAAE 09904012.0.0000.5333.

Os dados foram analisados no software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 18.0. As variáveis categóricas foram expressas por meio de frequências absolutas e relativas, e as variáveis contínuas foram apresentadas por meio de média e desvio-padrão, conforme distribuição normal ou não. O teste t de Student não pareado foi utilizado para comparações entre os grupos em relação à variável nível de ansiedade (numérica) e as demais variáveis quantitativas. Para testar as associações entre as variáveis qualitativas e a variável grupo foi utilizado o teste qui-quadrado. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar os grupos em relação à variável desfecho (ansiedade), quando essa foi tratada como variável qualitativa ordinal. Foi considerado nível de significância de 5%.

Resultados

A Figura 1 ilustra a alocação dos sujeitos no estudo.

Participaram do estudo 210 familiares de pacientes em POI de cirurgia cardíaca. A caracterização dos familiares e dos pacientes está descrita na Tabela 1. Para nenhuma das variáveis da Tabela 1, quando comparadas entre os grupos, houve diferença significativa (p>0,05).

Figura 1
Diagrama CONSORT. Porto Alegre, RS, Brasil, 2013

Tabela 1
Caracterização da amostra de familiares e pacientes. Porto Alegre, RS, Brasil, 2013

Ao questionamento realizado após a intervenção "como você se sente, neste momento, para realizar a visita ao seu familiar no pós-operatório?", 63,3% da sujeitos sentiam-se preparados e confiantes. No entanto, proporção significativamente maior de familiares do GI sentiram-se preparados e confiantes antes da primeira visita no POI (GI 82;78,1% vs GC 51;48,6%; p<0,001), conforme pode ser observado na Tabela 2.

Tabela 2
Comparação entre os grupos em relação às respostas sobre como se sentiam para ver seu familiar no pós-operatório. Porto Alegre, RS, Brasil, 2013

Na avaliação da ansiedade, o escore médio para o GI foi de 41,3±8,6 pontos e para o GC 50,6±9,4 pontos (p<0,001). A distribuição da amostra entre os níveis de ansiedade está demonstrada na Tabela 3.

Tabela 3
Comparação dos níveis de ansiedade entre os grupos pela escala IDATE ansiedade estado. Porto Alegre, RS, Brasil, 2013

Após a intervenção, em espaço aberto para esclarecimento de dúvidas, os questionamentos que surgiram foram esclarecidos pelas pesquisadoras. Dentre as principais dúvidas em relação ao POI, destacaram-se: as rotinas da unidade, tempo de permanência no setor e no hospital, o que poderia acontecer se o paciente ficasse muito emocionado ao rever seus familiares e questões relativas ao retorno do pacientes às atividades habituais do cotidiano.

Discussão

Este ensaio clínico randomizado, realizado com familiares de pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, evidencia que as orientações de enfermagem no momento que antecede a primeira visita no pós-operatório imediato, contribuem para possível redução da ansiedade desses e para que se sintam preparados para a realização da visita à UPOI.

Na avaliação do inventário IDATE-estado foi possível identificar diminuição significativa dos níveis de ansiedade no GI quando comparados com o GC. A maioria dos familiares do GC apresentou níveis elevados de ansiedade, enquanto os do GI mantiveram-se com níveis intermediários. É possível afirmar que o momento que antecede a primeira visita no pós-operatório imediato é gerador de ansiedade, e que não se pode eliminá-la completamente diante de uma situação desconhecida, envolvendo um familiar; porém, pode-se confortar e aliviar a tensão daqueles que vivenciam o momento de espera.

Estudo realizado com familiares e pacientes submetidos a cineangiocoronariografia, pela primeira vez, com o objetivo de identificar o nível de ansiedade no período de espera do exame, mostrou que o escore médio IDATE-estado para a ansiedade dos acompanhantes foi de 42,8±9,9, e que houve predominância do nível intermediário de ansiedade na maioria dos acompanhantes (52,5%)55. Grazziano ES, Bianchi ERF. Caregivers and patient's anxiety level during cardiac catheterizathion. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2004;12(2):168-74.. No presente estudo, após a intervenção, a média do IDATE-estado foi semelhante no GI, enquanto que no GC foi maior (41,3±8,6 versus 50,6±9,4; p<0,001).

Em outro estudo prévio1010. Beccaria LM, Ribeiro R, Souza GL, Scarpetti N, Contrin LM, Pereira RAM, et al. Visita em unidades de terapia intensiva: concepção dos familiares quanto à humanização do atendimento. Arq Ciênc Saúde. 2008;2(15):65-9., realizado com 41 familiares, foi verificada a percepção dos sujeitos quanto à visita na unidade de terapia intensiva e constatou-se que o sentimento mais citado na hora da visita foi a ansiedade, seguido por angústia e tristeza. Sabe-se que a visita no pós-operatório imediato contribui para a redução da ansiedade de familiares de pacientes submetidos a cirurgia cardíaca1111. Trecartin K, Carroll DL. Nursing information for family members waiting during cardiac procedurs. Clin Nurs Res. 2011;20(3):263-75.. Contudo, o medo e a insegurança, em virtude de como o paciente cirúrgico será encontrado, pode ser intensificado se os familiares não receberem informações adequadas e pertinentes àquela situação. Tal fato pode explicar os achados de um estudo realizado na Grécia, com familiares de pacientes cirúrgicos, com o objetivo de determinar se a visita ao paciente na unidade de recuperação anestésica, no pós-operatório, reduziria a ansiedade dos familiares. Seus resultados mostraram que os escores do IDATE-estado foram mais elevados antes do que após a visita (57 [23-80] versus 51 [21-77]; p=0,000008). No entanto, a visita não reduziu significativamente o nível de ansiedade mensurado antes e após a visita (de 76 para 58%, respectivamente)66. Patelarou A, Melidoniotis E, Sgouraki M, Karatzi M, Souvatzis X. The effect of visiting surgical patients in the postanesthesia care unit on family members' anxiety: a prospective quasi-experimental study. J Perianesth Nurs. 2014;29(3):221-9..

Essas percepções tornam-se mais intensas quando se trata de uma cirurgia cardíaca, que provoca grande impacto, não só nos pacientes, mas, também, em seus familiares. Assim, é necessário oferecer atenção e suporte a esses familiares, uma vez que convivem intimamente com o sofrimento que envolve o perioperatório1212. Palmeira CG, Peralva ELM, Batista FQ. A importância da oferta de suporte psicológico aos familiares de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Rev Bras Cardiol. 2007;20(Suplemento A):102.. Além da oferta de informativos impressos que contenham o tempo de duração aproximado do procedimento, dados relativos às rotinas da sala de recuperação e telefones úteis e a interação verbal com a enfermeira do setor em que o paciente vai recuperar podem minimizar ainda mais a ansiedade de quem espera por notícias e pela oportunidade de rever o seu familiar1313. Muldoon M, Cheng D, Vish N, Dejong S, Adams J. Implementation of an informational card to reduce family members' anxiety. AORN J. 2011;94(3):246-53.. Além disso, o simples fato de o familiar sentir-se acolhido pelo serviço, já minimiza o sentimento de desamparo e, consequentemente, de ansiedade.

Quando questionados sobre como se sentiam para realizar a primeira visita ao paciente, a maioria dos familiares do GI respondeu "preparado e confiante", enquanto que menos da metade do GC respondeu afirmativamente. Tal achado demonstra que as orientações fornecidas na intervenção deste estudo contribuíram para que os familiares se sentissem mais preparados para esse momento, seja por meio das orientações de enfermagem ou pelo acolhimento que receberam. O aparecimento de doença grave e a angústia vivenciada no núcleo familiar não podem ser impedidos. Contudo, conhecer as necessidades desses familiares e possibilitar o planejamento de intervenções que atendam às reais demandas do binômio paciente/família são fundamentais no trabalho da equipe de enfermagem33. Freitas KS, Kimura M, Ferreira KASL. Family members' needs at intensive care units: comparative analysis between a public and a private hospital. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007;15(1):84-92..

As orientações transmitidas aos familiares, antes da primeira visita no pós-operatório imediato, ainda são escassas, deixando-os despreparados em relação ao comportamento diante do familiar, dos cuidados oferecidos e da própria dinâmica do setor. Esse fato pode acarretar estresse emocional que influenciará negativamente o momento da visita. A interação do profissional com o familiar, antes da visita, permite reduzir o estresse tão comum nesse período, propiciando maior segurança do familiar1010. Beccaria LM, Ribeiro R, Souza GL, Scarpetti N, Contrin LM, Pereira RAM, et al. Visita em unidades de terapia intensiva: concepção dos familiares quanto à humanização do atendimento. Arq Ciênc Saúde. 2008;2(15):65-9.,1414. Méllo DC, Rodrigues BMRD. O acompanhante de criança submetida à cirurgia cardíaca: contribuição para a enfermagem. Esc Anna Nery. 2008;2(12):237-42.. Estudo que teve por objetivo determinar as necessidades e experiências de pacientes e familiares no perioperatório mostrou que, entre os familiares pesquisados, as maiores pontuações foram relacionadas às necessidades de comunicação com o cirurgião após o procedimento, a oportunidade de fazer perguntas e ter sanadas as preocupações com a equipe do hospital, além de receber informações sobre o procedimento cirúrgico em si1515. Davis Y, Perham M, Hurd AM, Jagersky R, Gorman WJ, Lynch-Carlson D, et al. Patient and family member needs during the perioperative period. J Perianesth Nurs. 2014;29(2):119-28.. A intervenção realizada neste presente estudo constitui-se em uma das estratégias para atender tais necessidades, pois possibilita a interação entre familiares e enfermeiras(os) da UPOI.

Outro estudo que teve por objetivo identificar as orientações dos enfermeiros, dirigidas aos familiares dos pacientes internados em UTI, no momento da visita, mostrou que 52,6% dos enfermeiros disseram ofertar orientações na primeira visita, 36,8% disseram que não orientam e 10,5% afirmaram que dependia da situação1616. Silva ND, Cotrin LM. Orientações do enfermeiro dirigidas aos familiares dos pacientes internados na UTI no momento da visita. Arq Ciênc Saúde. 2007;3(14):148-52.. Nota-se que existe a preocupação, por parte dos enfermeiros, em orientar o familiar na primeira visita, identificando as normas e rotinas e a situação em que o paciente se encontra como as principais necessidades de orientação. No entanto, há diferentes demandas de orientações que necessitam ser realizadas pelos profissionais que acompanham o paciente e seus familiares, para que se estabeleça uma relação de confiança desde a chegada à instituição. As orientações, como estratégia, promovem aumento do vínculo do paciente com a instituição e com os profissionais, consequentemente, redução da ansiedade relacionada ao período de internação, cirurgia, anestesia, rotinas hospitalares entre outras dúvidas comuns1717. Carvalho ACS, Lacerda AC. A Enfermagem atuando na educação de pacientes e familiares: uma visão ampliada. Rev Pesq Cuid Fundam 2010;2(Supl.):445-8..

O processo de comunicação é essencial no cuidado dos familiares. As atitudes dos familiares podem mudar depois de orientados, uma vez que a família torna-se mais colaborativa e confiante na assistência recebida. A equipe de enfermagem deve atender às necessidades e estabelecer maior interação com os familiares, percebê-los, também, como clientes que precisam ser assistidos, a fim de possibilitar assistência completa, minimizando os estados ansiosos por meio de confiança, cooperação, compreensão, aceitação do diagnóstico e dos procedimentos utilizados, melhorando a relação de entendimento e de empatia, tornando-os copartícipes das decisões relacionadas ao cuidado1818. Filho WDL, Nunes AC, Pauletti G, Lunardi VL. As manifestações de ansiedade em familiares de pacientes internados em unidades de terapia intensiva gerais. Fam Saúde Desenv. 2004;6(2):100-9.-1919. Soares M. Cuidando da família de pacientes em situação de terminalidade internados na unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2007;19(4):481-4..

Deve-se acolher, além do paciente, aqueles que o acompanham. Não se pode apenas permitir a entrada do familiar, após uma cirurgia, para ver seu familiar, é preciso prepará-lo para tal momento. Sabe-se que o momento de espera é tenso e angustiante. Pequenos movimentos da equipe podem tomar grandes proporções. Situações que, para os profissionais da saúde, são corriqueiras, como a monitorização dos pacientes com equipamentos de alarmes sonoros e outros dispositivos, para o acompanhante que enfrentou horas de espera e está preocupado, é ameaçador. Ainda sem informações, pode ser interpretado como mais grave do que realmente é, naquele momento. Um familiar preparado e confiante, para realizar a primeira visita no POI, compreende melhor o processo de trabalho da equipe no setor e não se assusta ao ver a manipulação de equipamentos; pelo contrário, compreende as reais necessidades, muitas delas temporárias, e sente-se colaborativo no cuidado.

Como limitações do estudo, menciona­-se a não avaliação da ansiedade nos grupos no período pré-intervenção (baseline), uma vez que os familiares chegavam à sala de espera aproximadamente 30 minutos antes do horário da visita. Além disso, o fato de os familiares estarem acompanhando o paciente pela primeira vez não foi analisado em comparação com aqueles que já tinham tido essa experiência. Dessa forma, destaca-se a necessidade de aplicação de um modelo estatístico considerando possíveis variáveis de confusão.

Conclusão

A intervenção de enfermagem voltada à orientação de familiares, no momento que antecede a primeira visita no POI de cirurgia cardíaca, contribui para possível redução da ansiedade dos acompanhantes, de forma que se sintam mais preparados para esse momento, tornando a visita mais proveitosa e benéfica para a família e o paciente.

Destaca-se que essa é uma intervenção de baixo custo, que pode ser aplicada em outros cenários de sala de espera de pacientes cirúrgicos. Contudo, recomenda-se a realização de estudos futuros com delineamento experimental com medidas pré e pós­ intervenção com vistas a ratificar os achados do presente estudo.

A implementação de intervenções de enfermagem, voltadas aos familiares, nos serviços de saúde, humaniza o cuidado, fortalece o vínculo entre os profissionais e familiares e contribui para a recuperação do paciente. Como nem sempre há profissionais disponíveis, e alguns não estão preparados para ofertar informações e interagir com familiares, sugere-se, como estratégia complementar, a elaboração e distribuição de folderes explicativos para esclarecimento de dúvidas.

Este estudo contribui com subsídios para a implementação de estratégias de comunicação voltadas aos familiares dos pacientes em pós-operatório imediato, sob a perspectiva de promover a melhora da relação enfermeiro/paciente/familiar, em consonância com o processo de recuperação dos pacientes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2014
  • Aceito
    28 Set 2015
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