Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência e evitabilidade de eventos adversos cirúrgicos em hospital de ensino do Brasil* * Artigo extraído da dissertação de mestrado “Avaliação da cultura de segurança e ocorrência de eventos adversos cirúrgicos em diferentes naturezas administrativas da gestão pública”, apresentada à Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Resumos

Objetivo

estimar a prevalência e evitabilidade de eventos adversos cirúrgicos em hospital de ensino e classificar os eventos segundo o tipo de incidente e grau do dano.

Método

estudo transversal e retrospectivo realizado em duas fases. Na fase I, enfermeiros realizaram revisão retrospectiva em amostra aleatória simples de 192 prontuários de pacientes adultos, utilizando o formulário do Canadian Adverse Events Study para rastreamento de casos. A fase II objetivou a confirmação do evento adverso por comitê de especialistas composto por médico e enfermeiros. Os dados foram analisados por estatística descritiva univariada.

Resultados

a prevalência de eventos adversos cirúrgicos foi de 21,8%; em 52,4% dos casos, a detecção ocorreu no retorno ambulatorial. Dos 60 casos analisados, 90% (n=54) eram evitáveis e mais de dois terços resultaram em danos leves a moderados. Falhas técnicas cirúrgicas contribuíram em, aproximadamente, 40% dos casos. Houve prevalência da categoria infecção associada à atenção à saúde (50%;n=30). Destacaram-se os eventos adversos relacionados à infecção de sítio cirúrgico (30%;n=18), deiscência de sutura (16,7%;n=10) e hematoma/seroma (15%;n=9).

Conclusão

a prevalência e evitabilidade dos eventos adversos cirúrgicos são desafios a serem enfrentados pela gestão hospitalar.

Segurança do Paciente; Erros Médicos; Doença Iatrogênica; Procedimentos Cirúrgicos Operatórios; Complicações Pós-Operatórias; Infecção da Ferida Cirúrgica


Objective

to estimate the prevalence and avoidability of surgical adverse events in a teaching hospital and to classify the events according to the type of incident and degree of damage.

Method

cross-sectional retrospective study carried out in two phases. In phase I, nurses performed a retrospective review on a simple randomized sample of 192 records of adult patients using the Canadian Adverse Events Study form for case tracking. Phase II aimed at confirming the adverse event by an expert committee composed of physicians and nurses. Data were analyzed by univariate descriptive statistics.

Results

the prevalence of surgical adverse events was 21.8%. In 52.4% of the cases, detection occurred on outpatient return. Of the 60 cases analyzed, 90% (n = 54) were preventable and more than two thirds resulted in mild to moderate damage. Surgical technical failures contributed in approximately 40% of the cases. There was a prevalence of the infection category associated with health care (50%, n = 30). Adverse events were mostly related to surgical site infection (30%, n = 18), suture dehiscence (16.7%, n = 10) and hematoma/seroma (15%, n = 9).

Conclusion

the prevalence and avoidability of surgical adverse events are challenges faced by hospital management.

Patient Safety; Medical Errors; Iatrogenic Disease; Surgical Procedures, Operative; Postoperative Complications; Surgical Wound Infection


Objetivo

estimar la prevalencia y evitación de eventos adversos quirúrgicos en el hospital de enseñanza y clasificar los eventos según el tipo de incidente y grado del daño.

Método

estudio transversal y retrospectivo realizado en dos fases. En la fase I, los enfermeros realizaron una revisión retrospectiva en una muestra aleatoria simple de 192 prontuarios de pacientes adultos, utilizando el formulario del Canadian Adverse Events Study para el seguimiento de casos. En la fase II, el objetivo tuvo la confirmación del evento adverso por comité de especialistas compuesto por médico y enfermeros. Los datos fueron analizados por estadística descriptiva univariana.

Resultados

la prevalencia de eventos adversos quirúrgicos fue del 21,8%; en el 52,4% de los casos la detección ocurrió en el retorno al ambulatorio. De los 60 casos analizados, 90% (n=54) eran evitables y más de dos tercios resultaron en daños leves a moderados. Las fallas técnicas quirúrgicas contribuyeron en aproximadamente el 40% de los casos. La prevalencia de la categoría de infección asociada a la atención de la salud (50%, n=30). Se destacan los eventos adversos relacionados a la infección del sitio quirúrgico (30%, n=18), la dehiscencia de sutura quirúrgica (16,7%, n=10) e hematoma/seroma (15%, n=9).

Conclusión

la prevalencia y evitación de los eventos adversos quirúrgicos son desafíos a ser enfrentados por la gestión hospitalaria.

Seguridad del Paciente; Errores Médicos; Enfermedad Iatrogénica; Procedimientos Quirúrgicos Operativos; Complicaciones Posoperatorias; Infección de la Herida Quirúrgica


Introdução

A segurança e qualidade do cuidado perioperatório estão diretamente relacionadas ao desenvolvimento de modelos tecnoassistenciais, constituindo desafios para as organizações de saúde pela crescente evolução tecnológica, incorporação de novos processos clínicos e técnicas cirúrgicas. Esses avanços contribuem com a qualidade dos serviços prestados à sociedade ao mesmo tempo em que representam riscos assistenciais, os quais são agravados por falhas estruturais do sistema ou pela deficiência na gestão dos processos de trabalho11. Souza MRC, Russomano T. Experience in use of HFACS (Human Factors Analysis and Classification System) model in structuring causal maps of adverse events. Aviation in Focus. [Internet] 2017 [cited Jul 29, 2018]; 8(1):14-8. Available from: http://dx.doi.org/10.15448/2179-703X.2017.1.27186
http://dx.doi.org/10.15448/2179-703X.201...
, culminando na ocorrência de eventos adversos em pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define evento adverso (EA) como qualquer incidente que resultou em dano ao paciente22. World Health Organization. The Conceptual Framework for the International Classification for Patient Safety. 2009. [cited Jul 21, 2016]. Available from: http://www.who.int/patientsafety/taxonomy/icps_full_report.pdf
http://www.who.int/patientsafety/taxonom...
e pressupõe que sejam realizadas 230 milhões de cirurgias ao ano no mundo, com ocorrência de sete milhões de EA e um milhão de pacientes evoluindo para óbito33. World Health Organization.World alliance for patient safety. The second Global Patient safety challenge. Safe surgery saves lives. Geneva; 2008. [cited Mar 25, 2016]. Available from: http://apps.who.int/iris/handle/10665/70080
http://apps.who.int/iris/handle/10665/70...
. Estima-se que há potencial de evitabilidade em metade dos casos, nos quais a cirurgia leva a danos33. World Health Organization.World alliance for patient safety. The second Global Patient safety challenge. Safe surgery saves lives. Geneva; 2008. [cited Mar 25, 2016]. Available from: http://apps.who.int/iris/handle/10665/70080
http://apps.who.int/iris/handle/10665/70...
, dados esses que fomentam a necessidade da adoção de práticas sistemáticas para o atendimento seguro do paciente no período perioperatório.

Revisão sistemática identificou taxa de EA cirúrgico de 14,4%44. Anderson Oliver S, Davis R, Hanna GB, Vincent CA. Surgical adverse events: a systematic review. Am J Surg. [Internet] 2013 [cited Dec 30, 2017]; 206:2. Available from: https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2012.11.009
https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2012.1...
, enquanto never events (eventos que nunca deveriam ocorrer) representaram, em pacientes cirúrgicos norte-americanos, a ocorrência de cirurgia em local errado e itens cirúrgicos retidos de 1 EA /100.000 e 1 EA/10.000 procedimentos, respectivamente55. Hempel S, Maggard-Gibbons M, Nguyen DK, Dawes AJ, Miake-Lye I, Beroes JM, et al. Wrong-Site Surgery, Retained Surgical Items, and Surgical Fires A Systematic Review of Surgical Never Events. JAMA Surg. [Internet] 2015 [cited Dec 29, 2017]; 150:8. Available from: https://doi.org/10.1001/jamasurg.2015.0301
https://doi.org/10.1001/jamasurg.2015.03...
. No Brasil, apesar de não haver dados sistematizados, estudo pioneiro conduzido em três hospitais de ensino da região Sudeste, com dados de 1.103 internações do ano de 2003, encontrou incidência de EA de 7,6%; entre estes, 35,2% foram atribuídos a procedimentos cirúrgicos66. Mendes W, Martins M, Rozenfeld S, Travassos C. The assessment of adverse events in hospitals in Brazil. Int J Qual Health Care. [Internet] 2009 [cited Oct 4, 2016]; 21:4. Available from: http://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzp022
http://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzp022...
.

Os EA permanecem insuficientemente investigados mesmo consistindo em fator potencial de morbidade e custos econômicos77. Sousa-Pinto B, Marques B, Lopes F, Freitas A. Frequency and Impact of Adverse Events in Inpatients: A Nationwide Analysis of Episodes between 2000 and 2015. J Med Syst. [Internet] 2018 [cited Apr 1, 2018]; 42:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s10916-018-0898-5
http://dx.doi.org/10.1007/s10916-018-089...
, em especial os relacionados à assistência cirúrgica. Considera-se que estudar a ocorrência de EA cirúrgicos configura ferramenta gerencial que permite reconhecer, implantar e avaliar ações de melhoria, além de organizar e sistematizar os elementos que compõem a estrutura e o processo de trabalho em saúde.

Dessa forma, ao considerar a transição demográfica, epidemiológica e político-institucional em nível nacional e regional, destaca-se a importância de estudos nesse contexto como estratégia ao incentivo às ações preventivas. Essas ações devem estar em consenso com os resultados da 55ª Assembleia Mundial de Saúde cujas metas são promover a segurança do paciente e a qualidade do atendimento em saúde33. World Health Organization.World alliance for patient safety. The second Global Patient safety challenge. Safe surgery saves lives. Geneva; 2008. [cited Mar 25, 2016]. Available from: http://apps.who.int/iris/handle/10665/70080
http://apps.who.int/iris/handle/10665/70...
.

Diante do exposto, justifica-se a presente pesquisa que teve como pergunta norteadora: Qual a prevalência, evitabilidade e grau de dano dos EA cirúrgicos ocorridos em pacientes internados em hospital de ensino do Brasil? Assim, o objetivo desta pesquisa foi estimar a prevalência e evitabilidade de EA cirúrgicos em hospital de ensino do Brasil e classificá-los segundo o tipo de incidente e grau do dano.

Método

Estudo transversal e retrospectivo desenvolvido em um hospital público de ensino, de alta complexidade, localizado na região Sul do Brasil. O hospital conta com mais de 600 leitos financiados pelo Sistema Único de Saúde e realiza, em média, 840 cirurgias/mês. Em 2010 foi implantado o uso da Lista de Verificação de Segurança Cirúrgica proposta pelo protocolo “Cirurgias Seguras Salvam Vidas” da OMS. No decorrer do segundo semestre de 2014 foi instituído outro checklist, aplicado nas unidades de internação cirúrgica e complementar ao anterior, contendo 97 indicadores de segurança organizados em seis categorias: identificação, pré-operatório, pós-operatório imediato, pós-operatório mediato, outras complicações cirúrgicas e alta hospitalar88. Alpendre FT, Cruz EDA, Dyniewicz AM, Mantovani MF, Silva AEBC, Santos GS. Safe surgery: validation of pre and postoperative checklists. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet] 2017 [cited Oct 29, 2017]; 25:e2907. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1854.2907
http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1854...
.

A população foi composta por prontuários de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos internados nas unidades de ortopedia, cirurgia geral, cirurgia do aparelho digestivo, neurocirurgia, cirurgia plástica e transplante hepático, no período de junho de 2014 a maio de 2015. Analisou-se o primeiro procedimento cirúrgico, o qual correspondeu à internação analisada (internação índice) de pacientes com idade ≥18 anos e com tempo de internação mínimo de 24 horas. Seguindo os critérios adotados por estudos prévios99. Baker GR, Norton PG, Flintoft V, Blais R, Brown A, Cox J, et al. The Canadian Adverse Events Study: the incidence of adverse events among hospital patients in Canada. CMAJ. [Internet] 2004 [cited Oct 4, 2017]; 170:11. Available from: https://doi.org/10.1503/cmaj.1040498
https://doi.org/10.1503/cmaj.1040498...
-1010. Mendes W, Travassos C, Martins M, Marques PM. Adjustment of adverse events assessment forms for use in Brazilian hospitals. Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2008 [cited Oct 7, 2016]; 11:1. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008000100005
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008...
foram excluídos prontuários de pacientes psiquiátricos.

Foram elegíveis para o estudo 2.593 prontuários. Os parâmetros utilizados para definir o tamanho da amostra foram baseados a partir da incidência de complicações cirúrgicas de 16%33. World Health Organization.World alliance for patient safety. The second Global Patient safety challenge. Safe surgery saves lives. Geneva; 2008. [cited Mar 25, 2016]. Available from: http://apps.who.int/iris/handle/10665/70080
http://apps.who.int/iris/handle/10665/70...
, erro amostral de 5% e nível de significância de 5% cujo cálculo resultou em 192 prontuários. A seleção aleatória foi realizada com base na lista de cirurgias emitida pelo serviço de informática da instituição. Os prontuários inelegíveis ou indisponíveis no serviço de arquivamento foram substituídos pelos prontuários imediatamente subsequentes da lista geral de cirurgias.

A identificação da ocorrência do EA e sua evitabilidade foi empregada por meio de revisão retrospectiva de prontuários com base em protocolo do Canadian Adverse Events Study – CAES que preconiza a identificação e análise do EA em duas fases99. Baker GR, Norton PG, Flintoft V, Blais R, Brown A, Cox J, et al. The Canadian Adverse Events Study: the incidence of adverse events among hospital patients in Canada. CMAJ. [Internet] 2004 [cited Oct 4, 2017]; 170:11. Available from: https://doi.org/10.1503/cmaj.1040498
https://doi.org/10.1503/cmaj.1040498...
. A fase I se refere ao rastreamento de potenciais eventos adversos (pEA) orientada por critérios explícitos, a qual foi executada por dupla revisão de prontuários por dois enfermeiros com experiência na área cirúrgica, utilizando-se o formulário de rastreamento traduzido e adaptado transculturalmente para o contexto brasileiro1010. Mendes W, Travassos C, Martins M, Marques PM. Adjustment of adverse events assessment forms for use in Brazilian hospitals. Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2008 [cited Oct 7, 2016]; 11:1. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008000100005
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008...
.

Esse formulário contempla 17 critérios de rastreamento de pEA relacionados aos procedimentos cirúrgicos e anestésicos, uso de medicamentos, diagnóstico, cuidados e tratamento não medicamentosos. Considerando a população desta pesquisa, foram excluídos os rastreadores relacionados ao aborto, trabalho de parto e parto, utilizando-se 16 rastreadores provenientes da lista original99. Baker GR, Norton PG, Flintoft V, Blais R, Brown A, Cox J, et al. The Canadian Adverse Events Study: the incidence of adverse events among hospital patients in Canada. CMAJ. [Internet] 2004 [cited Oct 4, 2017]; 170:11. Available from: https://doi.org/10.1503/cmaj.1040498
https://doi.org/10.1503/cmaj.1040498...
-1010. Mendes W, Travassos C, Martins M, Marques PM. Adjustment of adverse events assessment forms for use in Brazilian hospitals. Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2008 [cited Oct 7, 2016]; 11:1. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008000100005
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008...
. Para a identificação dos pEA relacionados à infecção de sítio cirúrgico (ISC) ocorridos após a alta hospitalar, utilizaram-se os registros contidos nas fichas de consultas ambulatoriais e consideraram-se os critérios recomendados pelo Centers for Disease Control and Prevention que define ISC como aquela que ocorre em até 30 dias após o procedimento cirúrgico e/ou 90 dias após inserção de implante1111. Centers for Disease Control and Prevention; The National Healthcare Safety Network. Surgical Site Infection (SSI) Event. Manual: patient safety component manual [Internet]. Atlanta: CDC; 2017 [cited Feb 26, 2018]. Available from: https://www.cdc.gov/nhsn/pdfs/pscmanual/pcsmanual_current.pdf
https://www.cdc.gov/nhsn/pdfs/pscmanual/...
.

Ao detectar a presença de, pelo menos, um critério de rastreamento, independente de qual rastreador, foi preenchido roteiro semiestruturado para caracterização do perfil demográfico, clínico, cirúrgico e anestésico. Posteriormente, foi preenchida a ficha de investigação de pEA e incluído o prontuário para a revisão na fase II. Esta se refere à confirmação, ou não, dos EA, por revisão estruturada implícita, a qual foi realizada por um médico e dois enfermeiros com tempo de atuação superior a 20 anos na área de gestão da qualidade e segurança do paciente.

Esse grupo compôs o comitê de especialistas com o objetivo de julgar a ocorrência, ou não, do EA perante consenso norteado pela definição do termo pela OMS22. World Health Organization. The Conceptual Framework for the International Classification for Patient Safety. 2009. [cited Jul 21, 2016]. Available from: http://www.who.int/patientsafety/taxonomy/icps_full_report.pdf
http://www.who.int/patientsafety/taxonom...
e com a utilização de duas escalas. A primeira escala para julgar se o EA foi causado pela assistência prestada ao paciente e a segunda para avaliar o grau de evitabilidade. As escalas possuem seis pontos, considerou-se como EA e com potencial de evitabilidade quando a pontuação alcançou ≥4 pontos66. Mendes W, Martins M, Rozenfeld S, Travassos C. The assessment of adverse events in hospitals in Brazil. Int J Qual Health Care. [Internet] 2009 [cited Oct 4, 2016]; 21:4. Available from: http://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzp022
http://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzp022...
,99. Baker GR, Norton PG, Flintoft V, Blais R, Brown A, Cox J, et al. The Canadian Adverse Events Study: the incidence of adverse events among hospital patients in Canada. CMAJ. [Internet] 2004 [cited Oct 4, 2017]; 170:11. Available from: https://doi.org/10.1503/cmaj.1040498
https://doi.org/10.1503/cmaj.1040498...
. Os eventos cirúrgicos foram assim classificados: fortemente prevenível, potencialmente prevenível, potencialmente não prevenível e fortemente não prevenível66. Mendes W, Martins M, Rozenfeld S, Travassos C. The assessment of adverse events in hospitals in Brazil. Int J Qual Health Care. [Internet] 2009 [cited Oct 4, 2016]; 21:4. Available from: http://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzp022
http://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzp022...
,99. Baker GR, Norton PG, Flintoft V, Blais R, Brown A, Cox J, et al. The Canadian Adverse Events Study: the incidence of adverse events among hospital patients in Canada. CMAJ. [Internet] 2004 [cited Oct 4, 2017]; 170:11. Available from: https://doi.org/10.1503/cmaj.1040498
https://doi.org/10.1503/cmaj.1040498...
.

Os EA foram classificados, de acordo com o grau de dano físico, em leve, moderado, grave e óbito, e agrupados segundo a Classificação Internacional para a Segurança do Paciente na classe 1 (tipo de incidente), constituída pelas seguintes categorias: administração clínica; processo/procedimento clínico; documentação; infecção relacionada à assistência à saúde (IRAS); medicação/fluidos endovenosos; sangue/hemoderivados; nutrição; oxigênio/gases/vapores; dispositivos/equipamentos médicos; comportamento; acidentes com o paciente; infraestrutura/local/instalações; e recursos/gestão organizacional22. World Health Organization. The Conceptual Framework for the International Classification for Patient Safety. 2009. [cited Jul 21, 2016]. Available from: http://www.who.int/patientsafety/taxonomy/icps_full_report.pdf
http://www.who.int/patientsafety/taxonom...
.

As medidas utilizadas foram prevalência de EA cirúrgico entre os pacientes internados [(número de pacientes com pelo menos um EA cirúrgico/número total de pacientes) x 100] e proporção de EA cirúrgicos evitáveis [(número de EA cirúrgicos evitáveis/número total de EA cirúrgicos) x 100]. Os dados coletados foram transferidos para uma planilha do Microsoft Office Excel 2016® por dupla digitação para validação e checagem de sua consistência. Realizou-se a análise estatística descritiva univariada, empregando-se o software IBM SPSS 20 (Statistical Package for the Social Sciences).

Esta pesquisa pertence ao projeto temático “Avaliação da cultura de segurança e ocorrência de eventos adversos cirúrgicos em hospitais brasileiros”, atendeu aos preceitos éticos de pesquisa envolvendo seres humanos e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa institucional, sob número 1.990.760.

Resultados

A frequência dos prontuários com rastreamento positivo para pEA e a taxa de prevalência e evitabilidade dos casos estão apresentadas na Figura 1. Dentre os 42 pacientes cirúrgicos acometidos por EA, 26,2% (n=11) tiveram mais de uma ocorrência, totalizando 60 EA cirúrgicos, dos quais 90% (n=54) foram classificados como preveníveis.

Figura 1
= Fluxograma de seleção dos registros analisados e estimativa da prevalência e evitabilidade dos eventos adversos cirúrgicos. Curitiba, PR, Brasil, 2017

Entre os pacientes cirúrgicos que apresentaram EA, a média de idade foi de 44,5 anos (desvio padrão ‒ DP± 15,5) e a média de internamento, de 11,9 dias (DP± 21,1), variando de um a 102 dias. As internações estiveram relacionadas a procedimentos cirúrgicos eletivos e, entre as condições clínicas, os pacientes apresentaram doença sistêmica leve. As comorbidades/fatores de riscos mais frequentes foram hipertensão arterial severa (33,3%,n=14), tabagismo (23,8%,n=10), diabetes mellitus (11,9%,n=5) e obesidade (9,5%,n=4). As demais características demográficas, cirúrgicas e anestésicas dos pacientes com EA cirúrgicos estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Características demográficas, cirúrgicas e anestésicas dos pacientes com eventos adversos cirúrgicos. Curitiba, PR, Brasil, 2017

Os procedimentos cirúrgicos hernioplastia, artroplastia de joelho/quadril, apendicectomia e colecistectomia foram os que mais frequentemente evoluíram com EA (47,6%, n=20); cirurgias videolaparoscópicas representaram 14,3% dos casos (n=6).

Os EA cirúrgicos concentraram-se na categoria infecção associada à atenção à saúde, com 50% dos casos (n=30), seguidos de processo/procedimento clínico (38,4%; n= 23), acidentes com o paciente (8,3%; n=5) e dispositivo/equipamento médico, com 3,3% (n=2), conforme apresentado na Tabela 2. Quanto ao grau de dano físico aos pacientes que foram acometidos por EA cirúrgicos, 90% (n=54) foram classificados entre leve e/ou moderado. Nos registros analisados não foram detectados EA com desfecho de óbito.

Tabela 2
Distribuição dos eventos adversos cirúrgicos segundo tipo de incidente, grau de dano e potencial de evitabilidade. Curitiba, PR, Brasil, 2017

Os registros do retorno ambulatorial contribuíram para 52,4% (n=22) dos casos e, do total destes pacientes, dois (4,8%) foram reinternados em decorrência do EA.

Discussão

A revisão retrospectiva de prontuários, apesar das limitações próprias à técnica, permitiu identificar a prevalência de EA cirúrgicos, potencialmente evitáveis, em um único ambiente hospitalar. Os resultados, ora apresentados, suscitam a reflexão acerca da possível magnitude do problema no país, em especial em regiões menos privilegiadas economicamente, ao considerar as desigualdades geográficas e regionais no fornecimento de atendimento cirúrgico, bem como a disponibilidade de profissionais qualificados1212. Moura MLO, Santos Diego LA. Lack of access to surgery: a public health problem. Cad Saúde Pública. [Internet] 2017 [cited Jan 19, 2018]; 33:10. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00151817
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00151...
.

A prevalência de 21,8% de EA cirúrgico encontrada na presente pesquisa foi superior à registrada em investigação conduzida na Suécia (15,4%)1313. Nilsson L, Risberg MB, Montgomery A, Sjodahl R, Schildmeijer K, Rutberg H. Preventable Adverse Events in Surgical Care in Sweden: A Nationwide Review of Patient Notes. Medicine. [Internet] 2016 [cited Jan 10, 2018]; 95:11. Available from: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003047
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003...
, em hospital universitário do Japão (15,1%)1414. Shiozaki K, Morimatsu H, Matsusaki T, Matsusaki T, Iwasaki T. Observational Study to Assess and Predict Serious Adverse Events after Major Surgery. Acta Med Okayama. [Internet] 2016 [cited Jan 19, 2018]; 70:6. Available from: http://dx.doi.org/10.18926/AMO/54809
http://dx.doi.org/10.18926/AMO/54809...
, e fica aquém de estudo realizado na Espanha com pacientes submetidos à cirurgia geral (36,8%)1515. Zapata AIP, Samaniego MG, Cuéllar ER, Cámara AGL, López PR. Comparison of the “Trigger” tool with the minimum basic data set for detecting adverse events in general surgery. Rev Calid Asist. [Internet] 2017 [cited Feb 12, 2018]; 32:4. Available from: https://doi.org/10.1016/j.cali.2017.01.001
https://doi.org/10.1016/j.cali.2017.01.0...
. No Brasil, em estudo realizado em três hospitais da região Sudeste, a incidência de EA cirúrgico foi de 3,5%1616. Moura MLO, Mendes W. Assessment of surgical adverse events in Rio de Janeiro hospitals. Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2012 [cited Apr 7, 2016]; 15:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000300007
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012...
, enquanto na Europa, estudo em 30 hospitais públicos de cuidados agudos constatou a incidência de 13,1%1717. Rafter N, Hickey A, Conroy RM, Condell S, O´Connor P, Vaughan D, et al. The Irish National Adverse Events Study (INAES): the frequency and nature of adverse events in Irish hospitals - a retrospective record review study. BMJ Qual Saf. [Internet] 2016 [cited Jan 19, 2018]; 26. Available from: http://dx.doi.org/10.1136/bmjqs-2015-004828
http://dx.doi.org/10.1136/bmjqs-2015-004...
.

A literatura aponta que o desempenho dos revisores pode ser um dos fatores relacionados à subestimação de casos1818. Wilson RM, Michel P, Olsen S, Gibberd RW, Vincent C, El-Assady R, et al. Patient safety in developing countries: retrospective estimation of scale and nature of harm to patients in hospital. BMJ. [Internet] 2012 [cited Apr 2, 2017]; 344:e832. Available from: https://doi.org/10.1136/bmj.e832
https://doi.org/10.1136/bmj.e832...
. Entretanto, a frequência de pEA identificada na presente pesquisa apresentou similaridade com o desempenho de revisores cuja revisão primária alcançou 21,6% de rastreamento positivo1818. Wilson RM, Michel P, Olsen S, Gibberd RW, Vincent C, El-Assady R, et al. Patient safety in developing countries: retrospective estimation of scale and nature of harm to patients in hospital. BMJ. [Internet] 2012 [cited Apr 2, 2017]; 344:e832. Available from: https://doi.org/10.1136/bmj.e832
https://doi.org/10.1136/bmj.e832...
e ficou aquém de revisores suecos que encontraram 34,3% de prontuários positivos com pEA para inclusão na fase II1919. Halfon P, Staines A, Burnand B. Adverse events related to hospital care: a retrospective medical records review in a Swiss hospital. Int J Qual Health Care. [Internet] 2017 [cited Jan 10, 2018]; 29:4. Available from: https://doi.org/10.1093/intqhc/mzx061
https://doi.org/10.1093/intqhc/mzx061...
. Um dos fatores para a ocorrência da subestimação dos rastreadores concentrou-se, nesta pesquisa, em anotações/registros incompletos, ilegíveis e rasurados, fato possivelmente agravado pelo uso institucional de prontuário físico.

A evitabilidade dos EA cirúrgicos foi superior aos valores relatados em diversos estudos, com variação de 5,2% a 70,8%44. Anderson Oliver S, Davis R, Hanna GB, Vincent CA. Surgical adverse events: a systematic review. Am J Surg. [Internet] 2013 [cited Dec 30, 2017]; 206:2. Available from: https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2012.11.009
https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2012.1...
,1313. Nilsson L, Risberg MB, Montgomery A, Sjodahl R, Schildmeijer K, Rutberg H. Preventable Adverse Events in Surgical Care in Sweden: A Nationwide Review of Patient Notes. Medicine. [Internet] 2016 [cited Jan 10, 2018]; 95:11. Available from: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003047
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003...
,1515. Zapata AIP, Samaniego MG, Cuéllar ER, Cámara AGL, López PR. Comparison of the “Trigger” tool with the minimum basic data set for detecting adverse events in general surgery. Rev Calid Asist. [Internet] 2017 [cited Feb 12, 2018]; 32:4. Available from: https://doi.org/10.1016/j.cali.2017.01.001
https://doi.org/10.1016/j.cali.2017.01.0...

16. Moura MLO, Mendes W. Assessment of surgical adverse events in Rio de Janeiro hospitals. Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2012 [cited Apr 7, 2016]; 15:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000300007
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012...
-1717. Rafter N, Hickey A, Conroy RM, Condell S, O´Connor P, Vaughan D, et al. The Irish National Adverse Events Study (INAES): the frequency and nature of adverse events in Irish hospitals - a retrospective record review study. BMJ Qual Saf. [Internet] 2016 [cited Jan 19, 2018]; 26. Available from: http://dx.doi.org/10.1136/bmjqs-2015-004828
http://dx.doi.org/10.1136/bmjqs-2015-004...
,2020. Kennerly DA, Kudyakov R, Graca B, Saldana M, Compton J, Nicewander D, et al, Characterization of Adverse Events Detected in a Large Health Care Delivery System Using an Enhanced Global Trigger Tool over a Five-Year Interval. Health Serv Res. [Internet] 2014 [cited Jan 19, 2018]; 49:5. Available from: https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163
https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163...
, o que suscita a necessidade de avaliar, concomitantemente, indicadores de assistência cirúrgica, e incita gestores, cirurgiões e profissionais da equipe de enfermagem, entre outros, a reavaliarem o processo assistencial e a proporem ações de melhoria contínua.

Observa-se, resguardadas as diferenças geográficas, os desenhos metodológicos utilizados em distintas pesquisas, e a qualidade dos serviços prestados em diferentes regiões e países do mundo, a evidência da vulnerabilidade dos pacientes à ocorrência de um, ou mais, EA cirúrgicos. Estes, majoritariamente evitáveis, conforme apontado por estudos prévios1313. Nilsson L, Risberg MB, Montgomery A, Sjodahl R, Schildmeijer K, Rutberg H. Preventable Adverse Events in Surgical Care in Sweden: A Nationwide Review of Patient Notes. Medicine. [Internet] 2016 [cited Jan 10, 2018]; 95:11. Available from: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003047
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003...
,1616. Moura MLO, Mendes W. Assessment of surgical adverse events in Rio de Janeiro hospitals. Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2012 [cited Apr 7, 2016]; 15:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000300007
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012...
e reforçado pela presente pesquisa, a qual identificou que 26,2% dos pacientes (n=11) sofreram mais de um EA durante a internação índice.

Esses achados revelam que erros e falhas no processo assistencial cirúrgico podem ocasionar diversos incidentes em um mesmo indivíduo, acarretando em danos físicos. Revisão sistemática mostrou que danos leves e moderados corresponderam a 86,7% dos casos44. Anderson Oliver S, Davis R, Hanna GB, Vincent CA. Surgical adverse events: a systematic review. Am J Surg. [Internet] 2013 [cited Dec 30, 2017]; 206:2. Available from: https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2012.11.009
https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2012.1...
. Dados esses compatíveis com os resultados aqui apresentados, em que mais de dois terços dos eventos resultaram em incapacidades leves a moderadas, reforçando a premissa do segundo desafio global em segurança do paciente (cirurgias seguras salvam vidas), da mesma forma que a utilização da lista de verificação de segurança cirúrgica pelos serviços de saúde contribui para a redução de EA no ambiente cirúrgico33. World Health Organization.World alliance for patient safety. The second Global Patient safety challenge. Safe surgery saves lives. Geneva; 2008. [cited Mar 25, 2016]. Available from: http://apps.who.int/iris/handle/10665/70080
http://apps.who.int/iris/handle/10665/70...
.

A instituição desta pesquisa implantou o checklist cirúrgico e também desenvolveu lista de verificação a ser aplicada nas unidades de internação, pela equipe de enfermagem, nos períodos pré e pós-operatório88. Alpendre FT, Cruz EDA, Dyniewicz AM, Mantovani MF, Silva AEBC, Santos GS. Safe surgery: validation of pre and postoperative checklists. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet] 2017 [cited Oct 29, 2017]; 25:e2907. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1854.2907
http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1854...
. Contudo, os resultados destacam EA cirúrgicos associados a falhas técnicas durante a execução do procedimento cirúrgico (hematoma/seroma, deiscência, perfuração/laceração, necrose de parede, hemorragia e embolia gasosa), contribuindo com aproximadamente 40% dos casos. Esse dado diverge de outro estudo que relatou EA relacionados a erros no manejo da internação em proporção superior que a técnica cirúrgica44. Anderson Oliver S, Davis R, Hanna GB, Vincent CA. Surgical adverse events: a systematic review. Am J Surg. [Internet] 2013 [cited Dec 30, 2017]; 206:2. Available from: https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2012.11.009
https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2012.1...
.

Desse modo, os resultados apontam, principalmente, para a necessidade de revisão/aprimoramento da técnica operatória e são coerentes com os achados de outro estudo brasileiro, o qual apontou falhas técnicas em centro cirúrgico de 27% (n=7)2121. Bezerra WR, Bezerra ALQ, Paranaguá TTB, Bernardes MJC, Teixeira CC. Occurrence of incidentes at a surgical center: a documentar stud. Rev Eletron Enferm. [Internet] 2015 [cited Jan 22, 2018]; 17:4. Available from: https://doi.org/10.5216/ree.v17i4.33339
https://doi.org/10.5216/ree.v17i4.33339...
, do mesmo modo que em centro médico da China cujo estudo evidenciou 61,6% (n=16) dos EA relacionados a falhas técnicas e/ou de vigilância2222. Wang CH, Shih CL, Chen WJ, Hung SH, Jhang WJ, Chuang LJ, et al. Epidemiology of medical adverse events: perspectives from a single institute in Taiwan. J Formos Med Assoc. [Internet] 2016 [cited Mar 10, 2018];115(6). Available from: https://doi.org/10.1016/j.jfma.2015.11.004
https://doi.org/10.1016/j.jfma.2015.11.0...
.

Assim, por se tratar de um hospital de ensino, com profissionais em aprimoramento de habilidades clínicas e cirúrgicas, é imprescindível a capacitação e supervisão constantes. Isso com vistas a promover a qualidade da assistência cirúrgica e corrigir não conformidades. EA graves corresponderam, nesta pesquisa, a aproximadamente 10% dos casos, mostrando-se mais frequentes quando comparados à investigação norte-americana que analisou 676 EA cirúrgicos e encontrou prevalência de 6,36% (n=43) de eventos graves2020. Kennerly DA, Kudyakov R, Graca B, Saldana M, Compton J, Nicewander D, et al, Characterization of Adverse Events Detected in a Large Health Care Delivery System Using an Enhanced Global Trigger Tool over a Five-Year Interval. Health Serv Res. [Internet] 2014 [cited Jan 19, 2018]; 49:5. Available from: https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163
https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163...
. Em estudo brasileiro, 21,9% (n=9) dos casos apresentaram danos permanentes, dos quais 17,1% (n=7) evoluíram para óbito1616. Moura MLO, Mendes W. Assessment of surgical adverse events in Rio de Janeiro hospitals. Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2012 [cited Apr 7, 2016]; 15:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000300007
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012...
.

Dados de outras investigações apontaram que os EA são mais frequentes entre pacientes idosos1313. Nilsson L, Risberg MB, Montgomery A, Sjodahl R, Schildmeijer K, Rutberg H. Preventable Adverse Events in Surgical Care in Sweden: A Nationwide Review of Patient Notes. Medicine. [Internet] 2016 [cited Jan 10, 2018]; 95:11. Available from: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003047
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003...
,1919. Halfon P, Staines A, Burnand B. Adverse events related to hospital care: a retrospective medical records review in a Swiss hospital. Int J Qual Health Care. [Internet] 2017 [cited Jan 10, 2018]; 29:4. Available from: https://doi.org/10.1093/intqhc/mzx061
https://doi.org/10.1093/intqhc/mzx061...
, diferentemente do ocorrido nesta investigação cuja maior prevalência foi entre pacientes na faixa etária entre 18 e 59 anos de idade. Fato esse que pode ser justificado, primeiramente, pelo perfil de atendimento das unidades cirúrgicas, prevalentemente composto por adultos jovens, baixa prevalência de doença sistêmica grave e ausência de fatores de risco/comorbidades. Soma-se o predomínio de cirurgias eletivas, nas quais é viável melhor preparo cirúrgico, bem como menor risco de incidentes relacionados à população mais jovem.

Os EA cirúrgicos estiveram relacionados à IRAS em 50% (n=30), e as ISC representaram quase um terço destes. Sabe-se que esses eventos são considerados os mais comuns entre os pacientes cirúrgicos, apesar das diversas estratégias baseadas em evidências que podem ser implementadas para sua redução2323. Berríos-Torres SI, Umscheid CA, Bratzler DW, Leas B, Stone EC, Kelz RR, et al. Centers for Disease Control and Prevention Guideline for the Prevention of Surgical Site Infection, 2017. JAMA Surg. [Internet] 2017 [cited Jul 31, 2018];152:8. Available from: https://doi.org/10.1001/jamasurg.2017.0904
https://doi.org/10.1001/jamasurg.2017.09...
, bem como a utilização da lista de verificação de segurança cirúrgica cuja adaptação ao contexto institucional foi realizada para prevenção de ISC2424. Roscani ANCP, Ferraz EM, Oliveira Filho AG, Freitas MIP. Validation of surgical checklist to prevent surgical site infection. Acta Paul Enferm. [Internet] 2015 [cited Jan 19, 2018]; 28:6. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500092
http://dx.doi.org/10.1590/1982-019420150...
. Assim, medidas básicas e reconhecidas como evidência científica são recomendadas por instituições internacionais e corroboradas no Brasil, devendo fazer parte não somente de protocolos cirúrgicos, mas também de auditoria para a qualidade assistencial.

Outro fator a considerar na prevenção de ISC concentra-se na cultura de segurança da unidade, evidenciado em estudo transversal conduzido em sete hospitais americanos que associou os escores de cultura com a redução das taxas de ISC em cirurgias de cólon2525. Fan CJ, Pawlik TM, Daniels T, Vernon N, Banks K, Westby P, et al. Association of Safety Culture with Surgical Site Infection Outcomes. J Am Coll Surg. [Internet] 2016 [cited Jan 19, 2018]; 222:2. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jamcollsurg.2015.11.008
https://doi.org/10.1016/j.jamcollsurg.20...
. Diante da elevada prevalência de EA cirúrgicos relacionados à ISC, é necessário avaliar os indicadores de assistência cirúrgica que potencializam o risco de sua ocorrência1111. Centers for Disease Control and Prevention; The National Healthcare Safety Network. Surgical Site Infection (SSI) Event. Manual: patient safety component manual [Internet]. Atlanta: CDC; 2017 [cited Feb 26, 2018]. Available from: https://www.cdc.gov/nhsn/pdfs/pscmanual/pcsmanual_current.pdf
https://www.cdc.gov/nhsn/pdfs/pscmanual/...
,2323. Berríos-Torres SI, Umscheid CA, Bratzler DW, Leas B, Stone EC, Kelz RR, et al. Centers for Disease Control and Prevention Guideline for the Prevention of Surgical Site Infection, 2017. JAMA Surg. [Internet] 2017 [cited Jul 31, 2018];152:8. Available from: https://doi.org/10.1001/jamasurg.2017.0904
https://doi.org/10.1001/jamasurg.2017.09...
e induzem à reflexão acerca da cultura de segurança e do desperdício financeiro no sistema de saúde brasileiro, ao se considerar que, majoritariamente, as ISC foram consideradas como fortemente ou potencialmente evitáveis.

A deiscência de sutura cirúrgica teve baixa prevalência em estudo americano, o qual analisou 676 EA cirúrgicos e encontrou dois casos2020. Kennerly DA, Kudyakov R, Graca B, Saldana M, Compton J, Nicewander D, et al, Characterization of Adverse Events Detected in a Large Health Care Delivery System Using an Enhanced Global Trigger Tool over a Five-Year Interval. Health Serv Res. [Internet] 2014 [cited Jan 19, 2018]; 49:5. Available from: https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163
https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163...
, porém representou 3,67% (n=8) dos EA em estudo nacional2626. Paranaguá TTB, Bezerra ALQ, Silva AEBC, Azevedo FM Filho. Prevalence of no harm incidents and adverse events in a surgical clinic. Acta Paul Enferm. [Internet] 2013 [cited Jan 22, 2018]; 26:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002013000300009
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002013...
. Esses dados contrapõem os resultados desta pesquisa, na qual esse evento foi o segundo mais frequente, com prevalência de 16,7% (n=10), e indica a necessidade de avaliar, além da habilidade técnica profissional, a possibilidade de problemas técnicos com o material utilizado para a execução do procedimento.

O terceiro EA mais prevalente esteve associado a hematomas/seromas e representou, em estudo espanhol, 8,9% (n=16) de pacientes submetidos à cirurgia geral1515. Zapata AIP, Samaniego MG, Cuéllar ER, Cámara AGL, López PR. Comparison of the “Trigger” tool with the minimum basic data set for detecting adverse events in general surgery. Rev Calid Asist. [Internet] 2017 [cited Feb 12, 2018]; 32:4. Available from: https://doi.org/10.1016/j.cali.2017.01.001
https://doi.org/10.1016/j.cali.2017.01.0...
. Esse EA se não tratado adequadamente pode causar desconforto físico e aumentar o risco de infecção2727. Cammarota MC, Ribeiro I Junior, Lima RQ, Almeida CM, Moura LG, Daher LMC, et al. The use of adhesion sutures to minimize the formation of seroma following mastectomy with immediate breast reconstruction. Rev Bras Cir Plást. [Internet] 2016 [cited Jul 31, 2018];31(2). Available from: http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2016RBCP0026
http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235....
, além de comprometer o processo de cicatrização e predispor os pacientes à deiscência de sutura de ferida operatória, cabendo um conjunto de ações relativas à técnica cirúrgica e cuidados pós-operatórios.

A trombose venosa profunda acometeu três pacientes (5%), resultado superior ao identificado em estudo realizado no Japão (1%; n=3)1414. Shiozaki K, Morimatsu H, Matsusaki T, Matsusaki T, Iwasaki T. Observational Study to Assess and Predict Serious Adverse Events after Major Surgery. Acta Med Okayama. [Internet] 2016 [cited Jan 19, 2018]; 70:6. Available from: http://dx.doi.org/10.18926/AMO/54809
http://dx.doi.org/10.18926/AMO/54809...
. Diversas são as medidas protetoras à ocorrência desse agravo e amplamente reconhecidas, desde identificação de pacientes de alto risco, profilaxia medicamentosa, deambulação precoce e uso de meias compressivas. É relevante o estabelecimento e seguimento rigoroso de protocolo de profilaxia de tromboembolismo, já que a literatura aponta que a incapacidade de implementar ou seguir um protocolo é fator contributivo para a ocorrência de EA1616. Moura MLO, Mendes W. Assessment of surgical adverse events in Rio de Janeiro hospitals. Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2012 [cited Apr 7, 2016]; 15:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000300007
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012...
,1818. Wilson RM, Michel P, Olsen S, Gibberd RW, Vincent C, El-Assady R, et al. Patient safety in developing countries: retrospective estimation of scale and nature of harm to patients in hospital. BMJ. [Internet] 2012 [cited Apr 2, 2017]; 344:e832. Available from: https://doi.org/10.1136/bmj.e832
https://doi.org/10.1136/bmj.e832...
, tornando-se fator humano limitante para segurança do paciente e prevenção de EA cirúrgicos.

Referente à perfuração/laceração de órgão, observou-se prevalência de 5% (n=3) e foi associada, em sua maioria, à punção venosa de acesso central, evento potencialmente evitável com o uso de ultrassonografia durante o procedimento. Em hospital do Texas, Estados Unidos, as lacerações representaram 7,1% (n=48), sendo 6,5% preveníveis, e quase a metade dos casos prolongaram a internação do paciente2020. Kennerly DA, Kudyakov R, Graca B, Saldana M, Compton J, Nicewander D, et al, Characterization of Adverse Events Detected in a Large Health Care Delivery System Using an Enhanced Global Trigger Tool over a Five-Year Interval. Health Serv Res. [Internet] 2014 [cited Jan 19, 2018]; 49:5. Available from: https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163
https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163...
.

As lesões de pele e mucosa, seja por posicionamento cirúrgico, imobilidade no leito, reação alérgica a adesivos médico-hospitalares ou procedimentos clínicos, são passíveis de prevenção quando conduzida adequada abordagem pela equipe de saúde. Análise de 507 EA em unidades cirúrgicas de 63 hospitais da Suécia apontou que essas lesões acometeram 31 pacientes (6,1%) e 94% foram considerados evitáveis1313. Nilsson L, Risberg MB, Montgomery A, Sjodahl R, Schildmeijer K, Rutberg H. Preventable Adverse Events in Surgical Care in Sweden: A Nationwide Review of Patient Notes. Medicine. [Internet] 2016 [cited Jan 10, 2018]; 95:11. Available from: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003047
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003...
. Nesse sentido, é viável utilizar escala para estratificação do risco decorrente do posicionamento cirúrgico2828. Lopes CMM, Hass VJ, Dantas RAS, Oliveira CG, Galvão CM. Assessment scale of risk for surgical positioning injuries. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet] 2016 [cited Feb 22, 2018]; 24: e2704. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0644.2704
http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0644...
como estratégia para minimizar sua ocorrência.

Casos de sepse/choque séptico representaram nesta pesquisa 3,3% dos EA, ficando aquém do encontrado no referido estudo da Suécia, com 13,2% (n=30)1313. Nilsson L, Risberg MB, Montgomery A, Sjodahl R, Schildmeijer K, Rutberg H. Preventable Adverse Events in Surgical Care in Sweden: A Nationwide Review of Patient Notes. Medicine. [Internet] 2016 [cited Jan 10, 2018]; 95:11. Available from: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003047
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003...
. Por ser considerado grave e representar risco à vida do paciente, levanta-se a hipótese da capacitação dos profissionais para a identificação de sinais preditivos e diagnóstico precoce, tornando imperativo estudos para a determinação das causas, com vistas à prevenção.

Queda e hemorragia representaram prevalência de 3,3% (n=2) cada. Em estudo brasileiro, as hemorragias acometeram 12,2% (n=5)1616. Moura MLO, Mendes W. Assessment of surgical adverse events in Rio de Janeiro hospitals. Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2012 [cited Apr 7, 2016]; 15:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000300007
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012...
, enquanto que em hospitais de cuidados agudos dos Estados Unidos, com 676 pacientes, a prevalência foi de 35,6% (n=241)2020. Kennerly DA, Kudyakov R, Graca B, Saldana M, Compton J, Nicewander D, et al, Characterization of Adverse Events Detected in a Large Health Care Delivery System Using an Enhanced Global Trigger Tool over a Five-Year Interval. Health Serv Res. [Internet] 2014 [cited Jan 19, 2018]; 49:5. Available from: https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163
https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163...
. A baixa prevalência desse EA na presente pesquisa pode estar relacionada à imprecisão dos registros. Acredita-se que a capacitação para a excelência na comunicação escrita e uso de instrumento padronizado para mensuração acurada poderão contribuir na identificação de casos e servir de base para condutas terapêuticas.

As quedas tiveram prevalência de 2,7% e 2,4% dos pacientes cirúrgicos atendidos em unidade cirúrgica do Brasil e Suécia, respectivamente1313. Nilsson L, Risberg MB, Montgomery A, Sjodahl R, Schildmeijer K, Rutberg H. Preventable Adverse Events in Surgical Care in Sweden: A Nationwide Review of Patient Notes. Medicine. [Internet] 2016 [cited Jan 10, 2018]; 95:11. Available from: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003047
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003...
,2626. Paranaguá TTB, Bezerra ALQ, Silva AEBC, Azevedo FM Filho. Prevalence of no harm incidents and adverse events in a surgical clinic. Acta Paul Enferm. [Internet] 2013 [cited Jan 22, 2018]; 26:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002013000300009
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002013...
. No hospital da presente pesquisa, há protocolo de prevenção de quedas, porém destaca-se a constante necessidade de aprimoramento, em especial pelo risco que representa ao paciente em pós-operatório.

Os EA considerados potencialmente não evitáveis foram, majoritariamente, relacionados à retenção urinária após o uso de opioide ou analgesia pós-operatória por cateter peridural. Estudo realizado em oito hospitais de cuidados agudos do Texas, Estados Unidos apontou que dos 40 EA cirúrgicos relacionados à retenção urinária, 92,5% (n=37) foram classificados como não evitáveis2020. Kennerly DA, Kudyakov R, Graca B, Saldana M, Compton J, Nicewander D, et al, Characterization of Adverse Events Detected in a Large Health Care Delivery System Using an Enhanced Global Trigger Tool over a Five-Year Interval. Health Serv Res. [Internet] 2014 [cited Jan 19, 2018]; 49:5. Available from: https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163
https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163...
.

A retenção urinária predispõe a riscos de infecção de trato urinário, uma vez que, frequentemente, exige terapêutica adicional, como cateterização vesical, além do risco pela retenção prolongada de urina que predispõe a proliferação microbiana. Contudo, torna-se importante enfatizar que o tratamento agressivo da dor é fundamental, pois as consequências de um tratamento ineficaz da dor aguda são, muitas vezes, maiores do que o risco de efeitos colaterais adversos em decorrência do próprio uso do analgésico2929. Garcia JBS, Bonilla P, Kraychete DC, Flores FC, Valtolina EDP, Guerrero C. Optimizing post-operative pain management in Latin America. Braz J Anesthesiol. [Internet] 2017 [cited Jun 02, 2018]; 67:4. Available from: https://doi.org/10.1016/j.bjane.2016.04.003
https://doi.org/10.1016/j.bjane.2016.04....
. Acredita-se que melhorar a avaliação pré-operatória pela equipe multidisciplinar e identificar os fatores de risco intrínsecos contribua para melhor planejamento pré-cirúrgico e redução desses casos.

Destaca-se também, como relevante nesta pesquisa, a alta detecção de EA por meio dos registros de retorno ambulatorial, com dois reinternamentos. É comprovado que os EA elevam o tempo de hospitalização, consequente aumento de custos hospitalares77. Sousa-Pinto B, Marques B, Lopes F, Freitas A. Frequency and Impact of Adverse Events in Inpatients: A Nationwide Analysis of Episodes between 2000 and 2015. J Med Syst. [Internet] 2018 [cited Apr 1, 2018]; 42:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s10916-018-0898-5
http://dx.doi.org/10.1007/s10916-018-089...
,1616. Moura MLO, Mendes W. Assessment of surgical adverse events in Rio de Janeiro hospitals. Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2012 [cited Apr 7, 2016]; 15:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000300007
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012...
, bem como retorno ambulatorial e intervenções em serviços de emergência precocemente. Esse achado reitera a necessidade de elaborar estratégias para vigilância cirúrgica pós-alta cujo objetivo é identificar eventos para além dos ambientes internos do hospital, inclusive com ativo sistema de notificação. Esses dados poderão subsidiar medidas preventivas, melhorar o diagnóstico da segurança do paciente, bem como o desenvolvimento progressivo da cultura de segurança organizacional, tornando-se elementos a serem gerenciados pelas unidades estudadas e pela organização hospitalar.

O estudo apresenta algumas limitações. Uma delas decorre de que os resultados são provenientes de revisão retrospectiva de prontuários de um único ambiente hospitalar, o que impede a generalização dos resultados da pesquisa. Houve incipiência na completude dos registros da equipe médica e de enfermagem, com potencial interferência na detecção dos EA; em alguns o desfecho óbito ocorreu em âmbito domiciliar e/ou outra instituição hospitalar, impossibilitando investigar o critério de rastreamento. Outro fator limitante foi a ausência de uniformidade em métodos de pesquisa e de classificação para detecção, análise e confirmação dos EA, os quais dificultam a comparação desses resultados entre diferentes contextos assistenciais de saúde.

Apesar dessas limitações, o estudo possui fortalezas. A primeira se concentra no fato da utilização de metodologia internacional padronizada para busca e confirmação de EA e da incipiência de estudos para estimar a prevalência de EA em população específica de pacientes cirúrgicos de hospital de ensino brasileiro. Além disso, o estudo é pioneiro no país ao investigar os EA cirúrgicos ocorridos durante a hospitalização e após a alta do paciente com retorno ambulatorial. Outro ponto forte está relacionado à fase de confirmação e análise dos EA, a qual foi conduzida por consenso de painel de especialistas, permitindo evitar o descarte indevido de prontuários rastreados e reduzir a subjetividade no julgamento dos casos.

Conclusão

Os achados evidenciaram que aproximadamente metade dos EA cirúrgicos foram identificados no retorno ambulatorial, causaram danos leves a moderados e, majoritariamente, foram classificados como evitáveis. Os EA cirúrgicos prevalentes foram as IRAS, com destaque para as ISC, que representaram quase um terço do total dos casos. A prevalência e evitabilidade dos EA cirúrgicos nesta pesquisa são desafios a serem enfrentados pela gestão hospitalar no contexto cirúrgico.

Espera-se que este estudo estimule a investigação da prevalência de EA cirúrgicos em diferentes contextos assistenciais e possa contribuir para a implementação de práticas seguras em saúde, com vistas à promoção da qualidade do cuidado, conforme recomendações internacionais e diretrizes nacionais.

Referências

  • 1
    Souza MRC, Russomano T. Experience in use of HFACS (Human Factors Analysis and Classification System) model in structuring causal maps of adverse events. Aviation in Focus. [Internet] 2017 [cited Jul 29, 2018]; 8(1):14-8. Available from: http://dx.doi.org/10.15448/2179-703X.2017.1.27186
    » http://dx.doi.org/10.15448/2179-703X.2017.1.27186
  • 2
    World Health Organization. The Conceptual Framework for the International Classification for Patient Safety. 2009. [cited Jul 21, 2016]. Available from: http://www.who.int/patientsafety/taxonomy/icps_full_report.pdf
    » http://www.who.int/patientsafety/taxonomy/icps_full_report.pdf
  • 3
    World Health Organization.World alliance for patient safety. The second Global Patient safety challenge. Safe surgery saves lives. Geneva; 2008. [cited Mar 25, 2016]. Available from: http://apps.who.int/iris/handle/10665/70080
    » http://apps.who.int/iris/handle/10665/70080
  • 4
    Anderson Oliver S, Davis R, Hanna GB, Vincent CA. Surgical adverse events: a systematic review. Am J Surg. [Internet] 2013 [cited Dec 30, 2017]; 206:2. Available from: https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2012.11.009
    » https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2012.11.009
  • 5
    Hempel S, Maggard-Gibbons M, Nguyen DK, Dawes AJ, Miake-Lye I, Beroes JM, et al. Wrong-Site Surgery, Retained Surgical Items, and Surgical Fires A Systematic Review of Surgical Never Events. JAMA Surg. [Internet] 2015 [cited Dec 29, 2017]; 150:8. Available from: https://doi.org/10.1001/jamasurg.2015.0301
    » https://doi.org/10.1001/jamasurg.2015.0301
  • 6
    Mendes W, Martins M, Rozenfeld S, Travassos C. The assessment of adverse events in hospitals in Brazil. Int J Qual Health Care. [Internet] 2009 [cited Oct 4, 2016]; 21:4. Available from: http://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzp022
    » http://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzp022
  • 7
    Sousa-Pinto B, Marques B, Lopes F, Freitas A. Frequency and Impact of Adverse Events in Inpatients: A Nationwide Analysis of Episodes between 2000 and 2015. J Med Syst. [Internet] 2018 [cited Apr 1, 2018]; 42:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s10916-018-0898-5
    » http://dx.doi.org/10.1007/s10916-018-0898-5
  • 8
    Alpendre FT, Cruz EDA, Dyniewicz AM, Mantovani MF, Silva AEBC, Santos GS. Safe surgery: validation of pre and postoperative checklists. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet] 2017 [cited Oct 29, 2017]; 25:e2907. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1854.2907
    » http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1854.2907
  • 9
    Baker GR, Norton PG, Flintoft V, Blais R, Brown A, Cox J, et al. The Canadian Adverse Events Study: the incidence of adverse events among hospital patients in Canada. CMAJ. [Internet] 2004 [cited Oct 4, 2017]; 170:11. Available from: https://doi.org/10.1503/cmaj.1040498
    » https://doi.org/10.1503/cmaj.1040498
  • 10
    Mendes W, Travassos C, Martins M, Marques PM. Adjustment of adverse events assessment forms for use in Brazilian hospitals. Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2008 [cited Oct 7, 2016]; 11:1. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008000100005
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008000100005
  • 11
    Centers for Disease Control and Prevention; The National Healthcare Safety Network. Surgical Site Infection (SSI) Event. Manual: patient safety component manual [Internet]. Atlanta: CDC; 2017 [cited Feb 26, 2018]. Available from: https://www.cdc.gov/nhsn/pdfs/pscmanual/pcsmanual_current.pdf
    » https://www.cdc.gov/nhsn/pdfs/pscmanual/pcsmanual_current.pdf
  • 12
    Moura MLO, Santos Diego LA. Lack of access to surgery: a public health problem. Cad Saúde Pública. [Internet] 2017 [cited Jan 19, 2018]; 33:10. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00151817
    » http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00151817
  • 13
    Nilsson L, Risberg MB, Montgomery A, Sjodahl R, Schildmeijer K, Rutberg H. Preventable Adverse Events in Surgical Care in Sweden: A Nationwide Review of Patient Notes. Medicine. [Internet] 2016 [cited Jan 10, 2018]; 95:11. Available from: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003047
    » https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003047
  • 14
    Shiozaki K, Morimatsu H, Matsusaki T, Matsusaki T, Iwasaki T. Observational Study to Assess and Predict Serious Adverse Events after Major Surgery. Acta Med Okayama. [Internet] 2016 [cited Jan 19, 2018]; 70:6. Available from: http://dx.doi.org/10.18926/AMO/54809
    » http://dx.doi.org/10.18926/AMO/54809
  • 15
    Zapata AIP, Samaniego MG, Cuéllar ER, Cámara AGL, López PR. Comparison of the “Trigger” tool with the minimum basic data set for detecting adverse events in general surgery. Rev Calid Asist. [Internet] 2017 [cited Feb 12, 2018]; 32:4. Available from: https://doi.org/10.1016/j.cali.2017.01.001
    » https://doi.org/10.1016/j.cali.2017.01.001
  • 16
    Moura MLO, Mendes W. Assessment of surgical adverse events in Rio de Janeiro hospitals. Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2012 [cited Apr 7, 2016]; 15:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000300007
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000300007
  • 17
    Rafter N, Hickey A, Conroy RM, Condell S, O´Connor P, Vaughan D, et al. The Irish National Adverse Events Study (INAES): the frequency and nature of adverse events in Irish hospitals - a retrospective record review study. BMJ Qual Saf. [Internet] 2016 [cited Jan 19, 2018]; 26. Available from: http://dx.doi.org/10.1136/bmjqs-2015-004828
    » http://dx.doi.org/10.1136/bmjqs-2015-004828
  • 18
    Wilson RM, Michel P, Olsen S, Gibberd RW, Vincent C, El-Assady R, et al. Patient safety in developing countries: retrospective estimation of scale and nature of harm to patients in hospital. BMJ. [Internet] 2012 [cited Apr 2, 2017]; 344:e832. Available from: https://doi.org/10.1136/bmj.e832
    » https://doi.org/10.1136/bmj.e832
  • 19
    Halfon P, Staines A, Burnand B. Adverse events related to hospital care: a retrospective medical records review in a Swiss hospital. Int J Qual Health Care. [Internet] 2017 [cited Jan 10, 2018]; 29:4. Available from: https://doi.org/10.1093/intqhc/mzx061
    » https://doi.org/10.1093/intqhc/mzx061
  • 20
    Kennerly DA, Kudyakov R, Graca B, Saldana M, Compton J, Nicewander D, et al, Characterization of Adverse Events Detected in a Large Health Care Delivery System Using an Enhanced Global Trigger Tool over a Five-Year Interval. Health Serv Res. [Internet] 2014 [cited Jan 19, 2018]; 49:5. Available from: https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163
    » https://doi.org/10.1111/1475-6773.12163
  • 21
    Bezerra WR, Bezerra ALQ, Paranaguá TTB, Bernardes MJC, Teixeira CC. Occurrence of incidentes at a surgical center: a documentar stud. Rev Eletron Enferm. [Internet] 2015 [cited Jan 22, 2018]; 17:4. Available from: https://doi.org/10.5216/ree.v17i4.33339
    » https://doi.org/10.5216/ree.v17i4.33339
  • 22
    Wang CH, Shih CL, Chen WJ, Hung SH, Jhang WJ, Chuang LJ, et al. Epidemiology of medical adverse events: perspectives from a single institute in Taiwan. J Formos Med Assoc. [Internet] 2016 [cited Mar 10, 2018];115(6). Available from: https://doi.org/10.1016/j.jfma.2015.11.004
    » https://doi.org/10.1016/j.jfma.2015.11.004
  • 23
    Berríos-Torres SI, Umscheid CA, Bratzler DW, Leas B, Stone EC, Kelz RR, et al. Centers for Disease Control and Prevention Guideline for the Prevention of Surgical Site Infection, 2017. JAMA Surg. [Internet] 2017 [cited Jul 31, 2018];152:8. Available from: https://doi.org/10.1001/jamasurg.2017.0904
    » https://doi.org/10.1001/jamasurg.2017.0904
  • 24
    Roscani ANCP, Ferraz EM, Oliveira Filho AG, Freitas MIP. Validation of surgical checklist to prevent surgical site infection. Acta Paul Enferm. [Internet] 2015 [cited Jan 19, 2018]; 28:6. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500092
    » http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500092
  • 25
    Fan CJ, Pawlik TM, Daniels T, Vernon N, Banks K, Westby P, et al. Association of Safety Culture with Surgical Site Infection Outcomes. J Am Coll Surg. [Internet] 2016 [cited Jan 19, 2018]; 222:2. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jamcollsurg.2015.11.008
    » https://doi.org/10.1016/j.jamcollsurg.2015.11.008
  • 26
    Paranaguá TTB, Bezerra ALQ, Silva AEBC, Azevedo FM Filho. Prevalence of no harm incidents and adverse events in a surgical clinic. Acta Paul Enferm. [Internet] 2013 [cited Jan 22, 2018]; 26:3. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002013000300009
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002013000300009
  • 27
    Cammarota MC, Ribeiro I Junior, Lima RQ, Almeida CM, Moura LG, Daher LMC, et al. The use of adhesion sutures to minimize the formation of seroma following mastectomy with immediate breast reconstruction. Rev Bras Cir Plást. [Internet] 2016 [cited Jul 31, 2018];31(2). Available from: http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2016RBCP0026
    » http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2016RBCP0026
  • 28
    Lopes CMM, Hass VJ, Dantas RAS, Oliveira CG, Galvão CM. Assessment scale of risk for surgical positioning injuries. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet] 2016 [cited Feb 22, 2018]; 24: e2704. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0644.2704
    » http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0644.2704
  • 29
    Garcia JBS, Bonilla P, Kraychete DC, Flores FC, Valtolina EDP, Guerrero C. Optimizing post-operative pain management in Latin America. Braz J Anesthesiol. [Internet] 2017 [cited Jun 02, 2018]; 67:4. Available from: https://doi.org/10.1016/j.bjane.2016.04.003
    » https://doi.org/10.1016/j.bjane.2016.04.003
  • *
    Artigo extraído da dissertação de mestrado “Avaliação da cultura de segurança e ocorrência de eventos adversos cirúrgicos em diferentes naturezas administrativas da gestão pública”, apresentada à Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2018
  • Aceito
    22 Mar 2019
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br