Open-access Mulheres e hanseníase: interferências e vivências*

Objetivo:  conhecer as interferências da hanseníase na vida das mulheres e como elas se reinventam no enfrentamento da doença.

Método:  estudo de abordagem qualitativa. O referencial teórico-metodológico adota uma aproximação ao método cartográfico e alguns conceitos da esquizoanálise, que foram utilizados para analisar os dados. As ferramentas utilizadas para produção dos dados foram a entrevista e o diário de bordo. As entrevistas foram realizadas no período de julho a novembro de 2019, no domicílio das participantes.

Resultados:  o grupo foi composto por nove mulheres. Para apresentar os dados, nos inspiramos nas ideias de Deleuze relativas à diferença e repetição. Os resultados foram organizados em três eixos temáticos que abordam a vida dessas mulheres afetadas pela hanseníase, os quais acompanham inquietações, angústias e preocupações frente aos efeitos da doença. As alterações no corpo feminino, a própria manutenção financeira devido às comorbidades causadas pela hanseníase e as suas dificuldades nas garantias de direitos são elementos fortemente apontados pelas mulheres.

Conclusão:  há sobreposição e interferência da condição feminina em uma sociedade patriarcal que ainda a acompanha. Apostamos na força do devir-mulher e na necessidade de considerá-la em suas singularidades e em seu contexto para a produção do cuidado permeado por encontros de afirmação da potência da vida.

Descritores: Mulheres; Hanseníase; Vulnerabilidade Social; Saúde Pública; Trabalho; Pessoal de Saúde


Objective:   to know the interferences of leprosy in women's lives and how they reinvent themselves in coping with the disease.

Method:  a descriptive study with a qualitative approach. The theoretical-methodological framework adopts an approximation to the cartographic method and some concepts of schizoanalysis, which were used to analyze the data. The tools used to produce the data were the interview and the logbook. The interviews were conducted from July to November 2019, at the participants' homes.

Results:  the group consisted of nine women. To display the data, we were inspired by Deleuze's ideas about difference and repetition. The results were organized in three thematic axes that address the lives of these women affected by leprosy, which accompany concerns, anxieties and worries about the effects of the disease. The transformations in the female body, the financial maintenance itself due to the comorbidities caused by leprosy and its difficulties in guaranteeing rights are elements strongly pointed out by women.

Conclusion:  there is overlap and interference of the female condition in a patriarchal society that still accompanies it. We bet on the strength of becoming-a-woman and the need to consider them in their singularities and in their context for producing care permeated by meetings of the affirmation of the power of life.

Descriptors: Women; Leprosy; Social Vulnerability; Public Health; Work; Health Personnel


Resumo

Objetivo:  conocer las interferencias de la enfermedad de Hansen en la vida de las mujeres y cómo se reinventan en el afrontamiento de la enfermedad.

Método:  estudio de abordaje cualitativo. El marco teórico-metodológico adopta un acercamiento al método cartográfico y algunos conceptos de esquizoanálisis, que fueron utilizados para analizar los datos. Las herramientas utilizadas para producir los datos fueron la entrevista y el libro de registro. Las entrevistas se realizaron de julio a noviembre de 2019, en los domicilios de las participantes.

Resultados:  el grupo estuvo compuesto por nueve mujeres. Para presentar los datos, nos inspiramos en las ideas de Deleuze sobre la diferencia y la repetición. Los resultados se organizaron en tres ejes temáticos que abordan la vida de estas mujeres afectadas por la enfermedad de Hansen, que acompañan inquietudes, angustias y preocupaciones sobre los efectos de la enfermedad. Los cambios en el cuerpo femenino, la manutención económica propiamente dicha debido a las comorbilidades provocadas por la enfermedad de Hansen y sus dificultades para garantizar los derechos son elementos fuertemente señalados por las mujeres.

Conclusión:  hay una superposición e interferencia de la condición femenina en una sociedad patriarcal que aún la acompaña. Apostamos por la fuerza del devenir-mujer y la necesidad de considerarla en sus singularidades y en su contexto para la producción de cuidados forjados por encuentros para afirmar el poder de la vida.

Descriptores: Mujeres; Lepra; Vulnerabilidad Social; Salud Publica; Trabajo; Personal de Salud

Introdução

A hanseníase é uma doença infectocontagiosa, causada pelo Mycobacterium leprae, que, se não tratada, pode levar a incapacidades1. É uma doença milenar, ainda muito estigmatizada na sociedade2. Está na lista das doenças negligenciadas, que atinge a população de regiões mais desfavorecidas, sendo incluída na agenda internacional dos compromissos mundialmente assumidos pela Organização das Nações Unidas (ONU)3. Sabemos que as doenças negligenciadas, além de problema de saúde pública, possuem baixos investimentos na descoberta de novos tratamentos, em pesquisas e nas medidas necessárias para seu controle.

O Brasil é um país de alta carga para a doença e ocupa o segundo lugar na relação de países com maior número de casos no mundo4. O Brasil apresentou uma redução de 30% no número de detecção de casos, de 40,1 mil em 2007 para 25,2 mil em 20165. Apesar dos números, o combate ainda é árduo, uma vez que seus desafios não estão restritos somente ao âmbito biológico, pois se alcançou a cura com o tratamento poliquimioterápico. É importante considerar também o atendimento integral às pessoas acometidas pela hanseníase, envolvendo aspectos sociais e culturais na busca pela superação do estigma presente6.

As pessoas são seres subjetivos, construídos nas circunstâncias políticas, econômicas, históricas e culturais. Nesse sentido, a subjetividade das mulheres com hanseníase é marcada por um histórico de desigualdades e violências. No contexto da mulher brasileira, a hanseníase causa alterações físicas por conta das manifestações clínicas da doença, modifica a cor da pele pela poliquimioterapia, traz impactos psicológicos pelo diagnóstico, sendo que, por ser mulher e ter as funções que lhe são designadas socialmente, tudo fica exacerbado.

A pessoa acometida pela hanseníase vivencia uma chamada vulnerabilidade psicológica, não apenas pelo estigma associado à doença, mas também pelos desdobramentos da doença e o tratamento em si. Uma pesquisa7 afirma que com o uso de medicamentos e com as reações hansênicas, as pessoas acometidas pela hanseníase podem desenvolver alterações na percepção de sua imagem corporal. Apontam ainda dificuldades dessas pessoas para continuidade de atividades de vida diárias e de trabalho, o que pode levá-las a se isolar socialmente. Na mesma direção, outra pesquisa8 se refere a mulheres com hanseníase e os impactos produzidos pelas alterações em seu corpo físico, afetando a autoestima e as relações afetivas.

Dessa maneira, o diagnóstico da hanseníase traz especificidades para as mulheres, afinal, o fato de serem acompanhadas pelo estigma inerente à doença soma-se aos padrões de gênero impostos socialmente a esse grupo social.

De acordo com outro estudo9, a situação de vulnerabilidade social se dá através da alteração da potencialidade de reação perante situações de dificuldades. Ao aceitar que as pessoas são vulneráveis, abre-se a possibilidade de colocá-las sob tutela, pensando que não sabem se cuidar. Por isso, é fundamental que a equipe de saúde que realiza o atendimento às mulheres com hanseníase esteja preparada para identificar e perceber as especificidades que envolvem essa condição. É preciso conhecer a forma como essa assistência está sendo prestado, ouvir quem recebe o atendimento e reconhecer suas forças e potencialidades.

A presente produção contribui no sentido de conhecer os modos de viver das mulheres que convivem com a hanseníase, na valorização das questões de gênero que permeiam sua rotina e com adversidades vindas de problemas financeiros e trabalhistas (como elas lidam, de que maneira conseguiram se reinventar em sua caminhada e dar continuidade à vida).

Com isso, espera-se encorajar reflexões aos profissionais e futuros profissionais da saúde para tais complexidades, que necessitam de atenção, para prestar um cuidado integral às mulheres acometidas pela hanseníase, que sofrem com a exigência da sociedade em ser mulher, somada ao peso do diagnóstico2,10-11. Dessa forma, o presente estudo tem o objetivo de conhecer as interferências da hanseníase na vida das mulheres e como elas se reinventam no enfrentamento da doença.

Método

É um estudo de abordagem qualitativa. O referencial teórico metodológico adotado foi uma aproximação ao método cartográfico e alguns conceitos da esquizoanálise de Deleuze e Guattari, como, por exemplo, afeto e potência. As ferramentas utilizadas para produção dos dados foram as entrevistas e o diário de bordo.

A cartografia foi apresentada por Deleuze como método e modo de produzir conhecimentos. Aqui, traremos a cartografia social, que envolve movimentos, relações, jogos de poder, enfrentamento entre forças, lutas, enunciações, práticas de resistência e de liberdade12. A cartografia é um meio de criar a pesquisa e o encontro do pesquisador com o seu campo. O pesquisador, nesse caso, produzirá conhecimentos considerando suas percepções, tendo atenção aos afetos e sensações produzidos quando vive a pesquisa. Esses encontros produzem e desfazem sentidos13.

Na pesquisa cartográfica, faz-se uso de anotações, que são elaboradas depois das atividades que envolvem a produção dos dados14. Chamaremos tais anotações de diário de bordo. O registro da construção da pesquisa deve ser feito não para saber o que é pesquisado, mas, sobretudo, para presenciar o processo da pesquisa15. Desde o primeiro contato com a Unidade de Saúde, iniciou-se o diário com o registro das impressões, sentimentos e percepções da pesquisadora. Houve especial atenção aos modos de funcionamento do serviço, às relações que os profissionais estabeleciam com as mulheres e aos afetos desencadeados nos encontros com as participantes e com o campo. Além da escrita, utilizou-se o áudio que permitiu registro em momentos diversos, ou seja, antes de iniciar a produção dos dados, durante e após a mesma. Esses registros foram considerados na análise trazendo a possibilidade de contextualizar e refletir no processo da pesquisa. Desse modo, foi possível exercitar a cartografia dos afetos e encontros que levam as mulheres em tratamento de hanseníase a criarem estratégias de enfrentamento para as adversidades. Ainda em relação à aproximação ao método cartográfico, foi possível encontrar e experienciar essa potência em diálogo entre a participante e a pesquisadora.

A produção de dados ocorreu de julho a novembro de 2019, em um município do interior do estado de São Paulo, em um centro de referência para especialidades que oferece o tratamento para hanseníase. É importante ressaltar que no município envolvido também há outro ambulatório especializado vinculado a um hospital de nível quaternário. Esse ambulatório não foi campo de investigação por atender também a região, com diversos municípios compondo a maior parte de seu público e dessa forma, a pesquisa restringiu-se ao município escolhido que é considerado endêmico em hanseníase.

Em um primeiro momento, o projeto foi apresentado para a gerente da unidade de saúde e a mesma conversou com a equipe de enfermagem, explicando a presença da pesquisadora no serviço e pedindo que a orientassem quanto aos dias e horários de atendimento das mulheres. Com a colaboração da equipe, a pesquisadora elaborou a estratégia de abordagem das possíveis participantes ao final da consulta ou atendimento no serviço. Nesse momento, foram apresentados para as mulheres em tratamento o objetivo da pesquisa, os riscos, os benefícios e foi combinada a entrevista.

A produção de dados se deu através de entrevista com aproximações ao manejo cartográfico, com perguntas em conformidade com o objetivo da pesquisa. Foram realizadas com mulheres em tratamento de hanseníase que aceitaram participar, podendo escolher dia, local e horário. Todas escolheram suas casas para ser o local da entrevista pois já havia outros afazeres programados após o atendimento da unidade de saúde.

A duração das entrevistas foi de 1 hora e 20 minutos em média, gravadas em gravador de áudio e transcritas, posteriormente, para análise. Quem realizou as entrevistas foi uma das autoras, enfermeira, que, no momento da produção dos dados, cursava pós-graduação em nível de mestrado e já havia realizado pesquisas qualitativas com entrevistas.

Dezenove mulheres foram convidadas a participar da pesquisa, com aceite e participação de nove, sendo que duas aceitaram, mas não foram encontradas no domicílio, outras quatro mulheres desistiram e ainda quatro recusaram. As mesmas justificaram a não participação por falta de tempo e não se sentirem à vontade para falar com a pesquisadora. Quanto aos critérios de inclusão e exclusão, o método utilizado não prevê essa forma de lidar com os participantes, mas salientamos que entrevistamos apenas mulheres com idade superior a 18 anos. Do mesmo modo, para as pesquisas no modo cartográfico, são os encontros e sua intensidade que determinam o quantitativo de participantes, tendo como referência a possibilidade de se ter respondido aos objetivos da investigação. Não foram realizadas novas entrevistas por considerar a suficiência das mesmas no processo analítico.

Após a transcrição das entrevistas, foi realizada uma leitura atenta com marcação das modulações e entonações da voz da participante (como pausas, momentos de alteração da altura da voz e os afetos percebidos). Em cima dessas marcações, foi realizada uma segunda leitura com grifos sobre as partes da entrevista que afetaram as pesquisadoras e que indicavam convergências temáticas em consonância com os objetivos e assim foram construídos eixos analíticos. Os registros das entrevistas, à medida em que eram relidos e analisados, foram enriquecidos com as anotações do diário de bordo da pesquisadora. As pesquisas qualitativas têm como confiabilidade dos dados a reflexividade, produzindo mudanças nos pesquisadores e em suas perspectivas iniciais. Na presente investigação, esse processo foi produzido pela produção do diário de bordo, pelas discussões dos achados com o grupo de pesquisa, no exame de qualificação e de defesa do mestrado.

Para guardar o sigilo em relação ao nome das participantes, estes foram substituídos por nomes de mulheres célebres na história, sendo eles: Enedina Alves Marques, Raimunda Putani, Bertha Lutz, Maria da Penha, Chiquinha Gonzaga, Cora Coralina, Maria Quitéria, Anna Neri, Dandara Palmares. Também foram acrescidos em alguns fragmentos de fala, afetos percebidos na entrevista e que estavam descritos no diário de bordo.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa e aprovada através do protocolo CAAE 07625519.4.0000.5393. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado após ser lido e apreciado pelas participantes, o que antecedeu as entrevistas.

Resultados

O grupo foi composto por nove mulheres, com idades entre 30 e 62 anos. Quatro mulheres se identificaram casadas, uma separada, uma divorciada, duas em união estável e uma solteira. Com relação à profissão, três estavam afastadas, uma aposentada, uma do lar, uma servente de limpeza, uma depiladora, uma costureira e uma diarista. Duas mulheres cursaram Ensino Fundamental Completo, duas possuíam o Ensino Fundamental Incompleto, quatro tinham Ensino Médio Completo e apenas uma havia feito Ensino Superior Completo.

Para apresentar os dados, nos inspiramos nas ideias de Gilles Deleuze relativas à diferença e à repetição. Essa filosofia nos traz que o conhecido é a repetição, e o que se contradiz é a diferença16. Buscamos uma leitura não maniqueísta, tendo em vista o acompanhamento dos processos vividos pela mulher com hanseníase e aqui recontados. São situações relacionadas à condição feminina, ao mesmo tempo em que novas formas de reinvenção e resistência são acionadas a cada dia.

Os resultados foram, portanto, organizados em três eixos: Mulheres com Hanseníase: Encruzilhada entre a Pele, a Forma e o Feminino; Ganhar a Vida: trabalho (in)alcançável; Violência do Estado nas Práticas Profissionais.

1. Mulheres com Hanseníase: Encruzilhada entre a Pele, a Forma e o Feminino

Com a hanseníase e seu tratamento, são previstas alterações na pele. Tais alterações são fortemente citadas pelas entrevistadas e compreendidas de diferentes formas. Ademais, é importante atentar para o fato de que tais transformações não tocam apenas o corpo, mas dizem respeito ao modo feminino de se apresentar e às relações com o corpo. Dão visibilidade também à operação dos sistemas discriminatórios, inclusive em relação à cor da pele, em sua produção de diferenças significativas de status cultural e material.

(...) aí, a [nome da profissional] me falou, ela brincou - diminui a voz - ela é escurinha né, - retorna ao tom da voz - falou cê vai quase ficar da minha cor hein, risos, aí falei - diminui a voz - num tem problema (...) (Dandara, tímida); Aí, tem um probleminha sério também, eu fiquei preta, eu não sou dessa cor - pausa - os remédios me deixou preta (...) (Maria Quitéria, incisiva).

Porém, o que é visto como algo negativo para umas, diferentemente, por outras é visualizado como algo bom.

(...) e eu era bem mais clarinha e o tratamento da hanseníase também ela te deixa mais, com uma cor mais bonita eu acho risos deu uma - aumenta a voz - bronzeada risos (Chiquinha); (...) tem um remedinho, que ainda tinge a pele (...) e todo mundo acha que eu tô bronzeada da praia, entendeu? risos (...) (Raimunda).

Outro aspecto referido pelas entrevistadas ratifica questões sobre a influência da sociedade de consumo, em que valoriza um corpo que se assemelha àqueles expostos e avaliados como "desejáveis". Isso, na nossa sociedade, leva sua possuidora a ter maior satisfação e autoestima elevada. A mulher vaidosa se repete nos discursos.

(...) gostava muito shortinho (...) E, aí, até então eu parei de usar... - pausa - chegava visita em casa, ia lá colocava uma calça (...) - diminui a voz - e eu ficava meio sem graça (...) (Bertha); (...) deixei de cuidar mesmo de mim, (...) sobrancelha não fiz mais, cabelo não tô com coragem de pintar, as unha não tenho vontade mais de cuidar, então - aumenta a voz - me abandonei (...) (Anna, conformada); (...) caiu tudo meu cabelo, tive de colocar aplique. (...) - diminui a voz - isso aqui é maioria aplique (...) - retorna ao tom da voz - tem um colega meu (...) arrumou o aplique e pôs em mim (...) (Cora).

2. Ganhar a Vida: trabalho (in)alcançável

As mulheres com hanseníase buscam auxílio financeiro em instâncias beneficiárias para continuidade da vida. Nas suas falas, as mulheres evidenciam repetidamente a preocupação com a aposentadoria na velhice ou com a manutenção de algum ganho financeiro, dadas as limitações apresentadas pela doença.

(...) dei entrada em INSS (...) a advogada entrou com o recurso e pra fazer a perícia pelo fórum (...) quando eu fiz, me negou, o perito. (...) aí, minha advogada recorreu (...) fiquei 7 anos recebendo, foi cortado meu benefício agora em 2017 (...) - diminui a voz - recorri várias vezes, - retorna ao tom da voz - e como não estou trabalhando, como vou pagar o INSS (...) (Dandara); (...) acho que eu vou pegar essa nova lei (aposentadoria) (...) porque vou fazer 57. Então, eu acho que vou pegar. (...) - diminui a voz - Mas tá bom... - retorna ao tom da voz - Que o Senhor me dê força, trabalhando. (Maria da Penha).

O trabalho doméstico informal também se mostra uma preocupação.

(...) eu pego faxina - diminui a voz - pra fazer. (...) - retorna ao tom da voz - meu serviço aqui em casa, - diminui a voz - é eu que faço. Nem se doer, tem que continuar. (...) - retorna ao tom da voz - o médico ortopedista falou que eu não poderia trabalhar (...) eu tava lendo, a hanseníase dá direito - pausa - a auxílio doença ou aposentadoria (...) eu já contribuí muitos anos de INPS, mas no momento eu não tenho carteira - diminui a voz - assinada. (...) (Anna).

As mulheres relatam perdas de direitos trabalhistas, morais e humanos.

(...) o dia que eu ia tomar a dose às vezes eu não ia trabalhar (...) ficava meio indisposta (...) aconteceu que um dia eles mandou - aumenta a voz - embora. - retorna ao tom da voz - nunca alegou assim que foi por conta de atestado (...) fiquei espantada, - aumenta a voz - chorei (risos nervosos) (...) Fiz alguma coisa de errado? Mas... não. (...) - diminui a voz - então, eu só penso que foi por conta da doença (...) (Bertha, triste); (...) quando descobriram, que não tem como não descobrir (...) eu vou no médico umas três vezes na semana (...) saiu umas lesão na minha pele (...) fiquei afastada 15 dias. Quando eu voltei, eles exigiram outro exame, como se fosse admissional (...) o médico do trabalho não aceitou voltar. (...) Tô afastada sem receber nada. Tô esperando pelo governo, - aumenta a voz - sou registrada, tô lá até hoje (...) - retorna ao tom da voz - sem receber um centavo. (...) não sei...- pausa - - diminui a voz - o que eu vou fazer da vida (...) (Cora).

As mulheres também receberam outros meios para auxílio na manutenção do lar.

Às vezes - pausa - tem ajuda de, da assistente social (...) - diminui a voz - também aí é uma ajuda. (Enedina); (...) eu recebo a cesta (as cestas destinadas ao programa de tuberculose do município que sobram são destinadas às pessoas que fazem tratamento de hanseníase) de lá, né? E meus filhos recebem a pensão, e minha mãe e meu pai me ajuda, e eu faço uma coisinha ou outra, sabe? - diminui a voz - não é fácil não (Cora).

Uma das mulheres relata adaptações necessárias ao serviço doméstico, em decorrência da hanseníase.

(...) - diminui a voz - Arear panela, não ario mais. - retorna ao tom da voz - Hoje é só passar uma buchinha (...) deixei de fazer, sabe, tipo... com muita - aumenta a voz - força - retorna ao tom da voz - o serviço. Então, eu faço mais leve. Mas eu consigo ainda fazer (Anna).

3. Violência do Estado nas Práticas Profissionais

Quando os direitos são violados, a busca por ajuda também se mostra inalcançável. A existência das nuances do poder articuladas ao Estado atravessa toda a estrutura social e se mostra presente na sociedade, inclusive no grupo social entrevistado. Por exemplo, tais nuances são observadas no primeiro momento que segue.

(...) conversando com a doutora (...) ela falou - diminui a voz - nossa, mas isso vai dar tanta dor de cabeça (...) - retorna ao tom da voz - eu vou falar pra você, mas você que é dona da sua vida (...) se eu fosse você - diminui a voz - não ia mexer não, não vale a pena, sabe? (...) - retorna ao tom da voz - por quê que você não pega o auxílio doença? (...) - aumenta a voz - E assim eu fiz, sabe? E deu certo, graças a Deus. Graças a Deus, deu certo... aí, eu nem mexi com justiça, nem mexi, sabe... (Bertha, conformada).

Uma das entrevistadas relata que sofreu violência doméstica durante muito tempo, sendo agressões físicas e psicológicas do então marido, buscando apoio para sua decisão de denunciá-lo.

(...) tem uma irmã (da igreja) que é policial militar (...) falei (...) acho que eu vou fazer um B.O. (boletim de ocorrência) contra ele (marido). - diminui a voz - Aí, ela pegou e falou, vou te dar um conselho, não faz! - retorna ao tom da voz - Não faz, porque - aumenta a voz - eu tô lá no meio... - retorna ao tom da voz - eles vão te tratar mal e outra coisa o [nome do ex-marido] vai ficar com raiva de você e daí ele vem te matar. Nós vamos orar, e o - aumenta a voz - Senhor - retorna ao tom da voz - vai resolver essa situação. Aí, falei então tá. - diminui a voz - Eu não quero o mal dele. (...) (Maria da Penha, indiferente, balança os ombros).

Discussão

O primeiro eixo foi intitulado "Mulheres com Hanseníase: Encruzilhada entre a Pele, a Forma e o Feminino" e nele abordamos as inquietações das mulheres em relação ao corpo feminino e à aparência quando acometidas pela hanseníase.

Um território de inquietudes se abre para elas e questões cotidianas, como o modo de vestir, a possibilidade de que o outro veja as manchas e a hanseníase, vão modelando os encontros. Esse mesmo território, a partir da vivência com a hanseníase, poderia se abrir ao questionamento sobre imposições sociais quanto ao modo de seguir um certo modelo de feminino.

A sociedade onde vivemos estimula o olhar atento sobre a estética corporal, em sua maioria, das mulheres. Tais evidências estão em revistas, televisão, incentivando e mostrando que há um padrão de beleza2. As relações de poder são marcadas pela disciplina. Nesse sentido, os corpos aqui evidenciados são disciplinados por uma "imposição normatizadora" num processo de fabricação de indivíduos17. A sociedade é quem estabelece as doutrinas a serem seguidas, sendo que o corpo desenhado é afetado por essa sociedade na qual está presente2.

Pesquisa internacional18 se refere à imagem corporal como vinculada a um conceito mental, mas sobretudo relacionada com um fenômeno social. Aponta que fatores como o índice de massa corporal (IMC), as mídias sociais, a autoestima, as relações familiares, exercem pressões sobre os indivíduos e especialmente sobre as mulheres.

Uma das entrevistadas disse "me abandonei esses dias", ao considerar que não estava fazendo as unhas e nem pintando o cabelo. Podemos pensar a beleza como uma instituição, assim como a saúde, a linguagem, entre tantas outras. Outras tiveram mudanças em sua aparência, como a perda do cabelo e alterações no modo de se vestir, mas se reinventaram frente às dificuldades, como pode ser observado na colocação "coloquei aplique".

Com a autonomia da mulher tomando força e se fazendo presente em diversas esferas, o sistema histórico de dominação sobre o corpo da mulher teve rearranjos, criando novos jeitos de se manter a dominação sobre a subjetividade dos corpos, sendo uma delas através da fixação da beleza por uma certa padronização estética19. Para pesquisadores, a violência e dominação do corpo feminino estão presentes e intensificadas na atualidade, reforçando a hierarquia entre gêneros20-21.

Outros autores também perceberam a vergonha e o sofrimento no relato de mulheres acometidas pela hanseníase em função da alteração do corpo, como as manchas e as alterações funcionais2. A hanseníase e o seu tratamento vão sobrepor-se ao modo instituído de ser mulher, com uma dada aparência, um dado peso, uma dada cor de pele. Outra sobreposição se faz entre os preconceitos acionados pela cor de pele negra (mudança ocasionada pelo tratamento) e a doença, como em "o remédio me deixou preta".

A história do Brasil é composta por séculos de escravidão negra e a imposição de uma dominação branca22. Essa subordinação deixou marcas no imaginário social e se expressa na rejeição da possibilidade de ter a pele enegrecida e na negação do negro em nós. Assim, a mulher com hanseníase em tratamento e com a pele escurecida vai sobrepondo condições de não aceitação social23.

Autores24 nos trazem a ideia da subjetividade serializada, um certo modo de ser e estar na vida que convém ao capitalismo mundial integrado. Nesse sentido, a mulher no modo instituído deve ser vaidosa, cuidar da aparência, não ter manchas, ser magra, somando uma série de impositivos por vezes incompatíveis com o acometimento pela hanseníase ou mesmo com a condição de vida, inclusive genética. Desse modo, profissionais de saúde poderiam adotar uma escuta ativa desses aspectos que geram sofrimentos e isolamentos. O encontro entre o profissional de saúde e a mulher com hanseníase poderia constituir um campo de movimentação da potência de vida.

Todo indivíduo está sobre um plano de consistência, no qual se torna variável a todo o momento, afetando um ao outro, conforme a relação que se constrói, de modo a desenvolver um grau de potência, um poder de ser afetado25. Podemos afirmar que nem sempre os encontros entre profissionais e usuários são encontros de potência. Muitas vezes, o raciocínio clínico centrado no corpo biológico não considera esses aspectos e naturaliza as mudanças do corpo, por vezes, para as mulheres, um novo corpo. Estudo26 aponta que, mesmo com a determinação da cura, a hanseníase ainda pode se fazer presente nas marcas do corpo, que podem levar as mulheres a mudarem a forma como veem seus corpos e alterarem o tratamento dado a ele, de maneira negativa, relacionando o novo corpo com a doença e relembrando do corpo passado com uma vida saudável. Isso nos mostra que, mesmo com a cura, a vida dessas mulheres pode permanecer marcada, exigindo uma reformulação no modo de viver.

Desse modo, a apatia e o rejeitar-se encontram passagem nos devires dessas mulheres, embora sejam possíveis outras formas de viver, outros devires. Os devires se constituem de linhas de fugas, dentre os quais há o devir-mulher e tantos outros. Destes, se desenrolam as essências e significações em função de um elemento mais intensivo, no qual se modulam os afetos27. O devir-mulher não tem necessidade de entrar nas políticas do multiculturalismo e nem políticas de gênero, afinal, esse devir pode gerar novas subjetividades que ainda não foram tomadas pelo capitalismo consumista, nem pela moral cristã27.

No segundo eixo, as participantes trouxeram angústias e preocupações com a remuneração para manutenção da vida. Foram observadas também as situações de trabalho dessas mulheres. Nova sobreposição se faz entre a condição social e a hanseníase, entre os trabalhos executados e os salários, entre a baixa escolaridade e a profissão, entre os direitos trabalhistas desrespeitados e a obrigação do trabalho doméstico.

Corroborando outros estudos6,28, podemos observar que a escolaridade da maioria não ultrapassou o Ensino Médio e, também, que as atividades de trabalho não exigiam formações específicas. Em consequência, encontramos vínculos informais de trabalho, gerando ausência de benefícios, como auxílio-doença e afastamento remunerado28. Concomitante a isso, reafirma-se que a baixa escolaridade pode favorecer prejuízos relacionados à precariedade nas condições de vida e saúde, agravando a vulnerabilidade às doenças e à pobreza29-30.

A hanseníase tida como uma doença negligenciada nos convida a refletir sobre elementos intrínsecos a isso como, por exemplo, a relação entre o acometimento de pessoas de baixa renda e o pouco interesse das indústrias de tecnologias, equipamentos e farmacêutica no desenvolvimento de medidas resolutivas ao problema6,30. Essa grande relação da doença com a baixa renda indica que pode haver associação aos determinantes sociais, uma vez que a hanseníase se encontra nos espaços com maiores bolsões de pobreza30.

Algumas entrevistadas buscaram modos de garantir sustento e também contaram com serviço social, além da própria unidade onde realizam tratamento, para ajuda de mantimentos para o lar: "recebo a cesta (básica)" e "tem ajuda da assistente social". Nova sobreposição vai se produzindo: condição econômica desfavorável, condição feminina e hanseníase. A hanseníase é classificada como problema de saúde pública, pela sua habilidade de trazer incapacidades físicas, sociais e econômicas31. Pessoas acometidas pela hanseníase com menores rendas e nível de escolaridade mais baixos estão suscetíveis a desenvolver incapacidades físicas, posto que há condições precárias de vida e obstáculos de acesso ao serviço de saúde30. Quando o diagnóstico é tardio, a qualidade de vida das pessoas acometidas pode sofrer alteração, em vista ao potencial da hanseníase de causar danos aos nervos32.

Uma de nossas entrevistadas aparenta ter algum acometimento dos nervos dos braços, o que dificulta fazer o serviço, mas não a impede de realizá-lo: "Nem se doer, tem que continuar". Com acesso ao trabalho em profissões não bem remuneradas, as mulheres entrevistadas contaram vivências de demissão, de perda de direitos. A partir das condições de trabalho, surgem precárias condições de vida, pois a soma de tempo de serviço doméstico privado e formal, além da falta de tempo para dormir, gera adoecimentos físicos e mentais33. Os autores34 afirmam que o aumento dos trabalhos em situação de precariedade se dá pelo crescimento dos trabalhos assalariados sem carteira assinada e do trabalho autônomo. Isso pode culminar na violação de direitos, caso a pessoa venha a precisar de algum benefício. Somado a isso, as mulheres trouxeram preocupações com a aposentadoria e a manutenção da vida na fase idosa.

Por vezes, os profissionais de saúde realizam ações educativas para dizer aos usuários sobre a doença, seus impactos e tratamento. Com o referencial teórico que respalda o presente estudo, afirmamos que a educação em saúde realizada do modo instituído reproduz lógicas e não muda o que está em curso, pois é calcado na ideia de que as pessoas optam livremente seus modos de viver, escolhendo por exemplo se alimentar saudavelmente, realizar esportes etc., e que para isso basta ser informado por algum especialista para mudar de comportamento. Consideramos que as pessoas de classes sociais desfavorecidas vão se alimentar como puderem, trabalharão como conseguirem e sobreviverão circunstanciadas pelas condições sociais.

Voltando à ideia de devir, apostamos na educação como potência de encontro para múltiplos devires, um acionar de potências, dando possibilidade para a criação de outras linhas, com abertura de outros caminhos, agenciando as pequenas aberturas nas organizações atuantes35. A vivência da doença poderia produzir novos devires e reflexões sobre, por exemplo, o trabalho doméstico como atribuição da mulher. Algumas relataram adaptações como, por exemplo, "panelas eu não ario mais", embora não deixassem de lavá-las. Estudo36 afirma que, quanto mais uma cultura almeja as mulheres dentro da esfera doméstica, menos esse grupo terá oportunidades de atingir igualdade em qualquer esfera, com relação aos homens. Em forma de manifesto, há a luta das mulheres por uma sociedade mais justa e igualitária, que tem por representante o movimento feminista37.

No eixo "Violência do Estado nas Práticas Profissionais", vimos situações em que o Estado, que se manifesta nas práticas profissionais, no caso práticas profissionais de médico e de policial, desencoraja a luta pelo acesso aos direitos das mulheres. Consideramos que as práticas profissionais não são somente conjunto de técnicas e saberes, não são práticas neutras, mas ações políticas que carregam posições ideológicas, não assumidas como tal. Desse modo, é pelas práticas profissionais que há materialização da violência do Estado, o que consideramos como não aceitável e provocador da exclusão e violência repetida contra as mulheres.

Essas práticas se religam aos aspectos históricos e, nesse sentido, vale lembrar que a história da hanseníase é fortemente marcada pela presença do Estado, determinando quem deveria ser isolado. Tais formas de tratamento eram estabelecidas de acordo com as linhas de poder do respectivo momento histórico-cultural38. Essas atitudes culminaram em práticas de violência aos envolvidos até hoje, nos convidando a refletir sobre as políticas já estabelecidas e as que estão por vir39-40. Tal contexto visibiliza o modo que as construções sociais, como, por exemplo, aquelas voltadas aos padrões corporais e de gênero, marcam as vidas das pessoas portadoras de hanseníase. Por isso, a produção do seu cuidado solicita a consideração de fatores como socioeconômicos, culturais, alterações corporais, sexualidade e gênero. As participantes relataram a perda de seus empregos em função da doença. Uma delas relata que conversou com a médica, buscando algum apoio referente à perda de seu emprego, no entanto, a profissional a convenceu do contrário. Isso indica que as ações do Estado regulam a vida e o direito das pessoas acometidas pela hanseníase. Outra participante trouxe um emocionante relato sobre uma vida de violência causada pelo ex-marido. A violência doméstica contra a mulher contém muitos fatores, porém é um problema enraizado nas relações de poder, como consequência das desigualdades entre gêneros41.

A violência do Estado se demonstra ao dificultar a garantia de acesso aos direitos e impossibilitar o acesso ao sistema de justiça42. Como observamos, a polícia contraria o desejo de dona Maria da Penha que deseja denunciar seu até então marido, na época, por agressão. As pessoas acometidas pela hanseníase comumente são de baixa renda, que vivenciam diariamente a violação de seus direitos. De encontro a isso, observa-se que são poucos os conhecimentos acerca de seus direitos de previdência e assistência social, nem sempre havendo orientação por parte dos profissionais de saúde43-44. Auxílio-doença e aposentadoria são direitos sociais conquistados e que deveriam ser acessíveis a todos, porém, cotidianamente são confrontadas impossibilidades pelo poder administrativo, mesmo quando há registros da precisão do direito43. A garantia e o uso dos benefícios oferecidos pelo Estado podem melhorar condições de vida da pessoa acometida pela hanseníase44. No entanto, consideramos que o enfrentamento da desigualdade social não pode se restringir a singelas ajudas com cesta básica.

A história da hanseníase conseguiu avançar em muitos aspectos, mas há necessidades de avanços também de ordem legislativa. É preciso garantir os direitos dos acometidos atuais, para que a história não se reproduza no sentido de manter condições inadequadas. Não poderíamos deixar de relatar inquietações frente às atuais políticas do país de flexibilização de direitos trabalhistas, recrudescimento das regras de aposentadoria (com uma reforma previdenciária que penaliza especialmente as mulheres) e desfinanciamento de políticas públicas como o SUS, não apenas pensando nas mulheres brasileiras com hanseníase, mas em todas as pessoas expostas a doenças e bactérias, como também a muitas negligências, machismos e desigualdades.

A principal contribuição do estudo está na oferta de reflexões abordando a condição feminina e a hanseníase. Outra contribuição, não menos importante, é a abordagem do tema a partir do referencial teórico e metodológico, o que pode gerar contribuições para o cuidado de mulheres com a hanseníase.

Quanto ao limite, apontamos que durante a produção dos dados, foram considerados os atendimentos da equipe de enfermagem, especialmente a pré e a pós-consulta de enfermagem, mas não foram considerados os atendimentos da equipe médica. Consideramos que esses aspectos não foram aprofundados e que poderiam trazer elementos analíticos para a compreensão da situação das mulheres com hanseníase e de seu acompanhamento. Por essa razão, indicamos futuros estudos sobre o tema mulheres e hanseníase que se atenham às relações entre profissionais e mulheres aprofundando as reflexões produzidas na presente investigação.

Conclusão

As interferências da hanseníase na vida das mulheres se mostram na relação com seus corpos já modelados socialmente, nas relações com o trabalho doméstico e com os modos de sustento. Há sobreposição e interferência da condição feminina em uma sociedade patriarcal com aspectos da história da hanseníase e do preconceito que ainda a acompanha.

Os achados mostram as violações de direitos e os modos como essas mulheres têm lidado, passando por reformulações e reinvenções. São gestos de resistência traduzidos em continuidade de ações que assegurem o quotidiano, sendo que, assim, novas formas de viver vão sendo produzidas, em devires e enfrentamento da hanseníase. Os processos de reinvenção perpassam a criação de suas redes de acolhimento, a manutenção de seus próprios projetos de vida, a não desistência frente aos contextos limitantes, a persistência na continuidade do tratamento da doença e o esforço em busca da superação dos traumas da vida. Apostamos na força do devir-mulher, convidando profissionais de saúde a considerar singularidades e o contexto, de modo a produzirem atendimentos que sejam encontros de afirmação da potência da vida.

Agradecimentos

Agradecemos às mulheres que participaram deste estudo

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2020
  • Aceito
    10 Ago 2020
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