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Estresse relacionado ao cuidado: o impacto do câncer infantil na vida dos pais

Resumos

OBJETIVOS: o objetivo foi avaliar o nível de estresse dos pais de crianças com câncer e identificar correlações entre os dados sociodemográficos e os níveis de ansiedade. MÉTODO: trata-se de estudo descritivo, transversal, realizado em duas instituições brasileiras, com 101 pais de crianças com câncer. Por meio de entrevista, os pais responderam a dois instrumentos: Pediatric Inventory for Parents - versão brasileira, que avalia níveis de estresse, e Inventário de Ansiedade Traço-Estado, para medida da ansiedade. As correlações entre os instrumentos e as variáveis sociodemográficas dos pais e das crianças foram avaliadas pelo coeficiente de correlação de Spearman. RESULTADOS: os maiores níveis de estresse e ansiedade foram evidenciados por pais jovens, de crianças pequenas e com menos tempo de diagnóstico. O medo da morte e do impacto da doença na vida da criança foram os eventos considerados mais estressantes para os pais. CONCLUSÕES: na prática clínica, o enfermeiro que consegue identificar a ocorrência desses sintomas torna-se capaz de planejar assistência de enfermagem que inclua a família nas decisões sobre o cuidado. Além disso, pode fornecer subsídios para auxiliar os pais a gerenciar seus níveis de estresse e enfrentar positivamente a doença dos seus filhos.

Neoplasias; Criança; Pais; Enfermagem Pediátrica


OBJECTIVES: The objective was to assess the stress levels of parents of children with cancer and to identify correlations among demographic data and anxiety levels. METHODS: A descriptive, cross-sectional study, conducted in two Brazilian institutions, with 101 parents of children with cancer. Through interviews, parents responded to two instruments: Pediatric Inventory for Parents - Brazilian version, which assesses stress levels, and State-Trait Anxiety Inventory, for the measurement of anxiety. The correlations between the instruments and the sociodemographic variables of the parents and children were evaluated using the Spearman correlation coefficient. RESULTS: Higher levels of stress and anxiety were seen by young parents, young children and with less time since diagnosis. The fear of death and the disease impact on the life of a child were the events considered the most stressful for the parents . CONCLUSIONS: In clinical practice, the nurse who can identify the occurrence of these symptoms becomes capable of planning nursing care that includes the family in decisions about the care. Moreover, she can provide support to help parents manage their stress levels and positively face the illness of their children.

Neoplasms; Child; Parents; Pediatric Nursing


OBJETIVOS: El objetivo fue evaluar el nivel de estrés de los padres de niños con cáncer e identificar correlaciones entre los datos sociodemográficos y los niveles de ansiedad. MÉTODO: Estudio descriptivo transversal, realizado en dos instituciones brasileñas, con 101 padres de niños con cáncer. A través de entrevista, los padres contestaron a dos instrumentos: Pediatric Inventory for Parents - versión brasileña, que evalúa niveles de estrés, e Inventário de Ansiedade Traço-Estado, para medir la ansiedad. Las correlaciones entre los instrumentos y las variables sociodemográficas de los padres y de los niños fueron evaluados por el Coeficiente de Correlación de Spearman. RESULTADOS: Los más altos niveles de estrés y ansiedad se evidenciaron por padres jóvenes, de niños pequeños y con menos tiempo de diagnóstico. El miedo a la muerte y del impacto de la enfermedad en la vida del niño se consideraron los eventos más estresantes para los padres. CONCLUSIONES: En la práctica clínica, el enfermero que consigue determinar la ocurrencia de estos síntomas se vuelve capaz de elaborar un plan de cuidados de enfermería, que incluye a la familia en las decisiones sobre el cuidado. Además, puede proporcionar subsidios para ayudar a los padres a manejar sus niveles de estrés y a enfrentar la enfermedad de sus hijos de forma positiva.

Neoplasias; Niño; Padres; Enfermería Pediátrica


ARTIGO ORIGINAL

Estresse relacionado ao cuidado: o impacto do câncer infantil na vida dos pais1

Daniela Fernanda dos Santos AlvesI; Edinêis de Brito GuirardelloII; Andréa Yamaguchi KurashimaIII

IDoutoranda, Faculdade de Enfermagem, Universidade Estadual de Campinas, Brasil. Enfermeira, Hospital de Clínicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

IIPhD, Professor Associado, Faculdade de Enfermagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

IIIPhD, Enfermeira, Fundação Antônio Prudente, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVOS: o objetivo foi avaliar o nível de estresse dos pais de crianças com câncer e identificar correlações entre os dados sociodemográficos e os níveis de ansiedade.

MÉTODO: trata-se de estudo descritivo, transversal, realizado em duas instituições brasileiras, com 101 pais de crianças com câncer. Por meio de entrevista, os pais responderam a dois instrumentos: Pediatric Inventory for Parents - versão brasileira, que avalia níveis de estresse, e Inventário de Ansiedade Traço-Estado, para medida da ansiedade. As correlações entre os instrumentos e as variáveis sociodemográficas dos pais e das crianças foram avaliadas pelo coeficiente de correlação de Spearman.

RESULTADOS: os maiores níveis de estresse e ansiedade foram evidenciados por pais jovens, de crianças pequenas e com menos tempo de diagnóstico. O medo da morte e do impacto da doença na vida da criança foram os eventos considerados mais estressantes para os pais.

CONCLUSÕES: na prática clínica, o enfermeiro que consegue identificar a ocorrência desses sintomas torna-se capaz de planejar assistência de enfermagem que inclua a família nas decisões sobre o cuidado. Além disso, pode fornecer subsídios para auxiliar os pais a gerenciar seus níveis de estresse e enfrentar positivamente a doença dos seus filhos.

Descritores: Neoplasias; Criança; Pais; Enfermagem Pediátrica.

Introdução

O câncer infantil representa cerca de 3% dos tumores na maioria das populações e sua elevada taxa de sobrevida garante o status de doença potencialmente curável(1). No entanto, o câncer pediátrico ainda é doença que gera sofrimento, dor e desestruturação familiar(2). A família, principal responsável pelo cuidado e bem-estar da criança, também tem que zelar pelo bem-estar físico, emocional e social dos seus outros membros(3).

Os pais, atores principais no cuidado da criança, são os mais afetados com o diagnóstico de uma doença crônica. Destaca-se que os pais podem exibir sintomas físicos e emocionais como a perda do controle, da autoestima, depressão, ansiedade, além de apresentarem maior risco de desenvolver doenças mentais(4). Essas reações podem estar presentes no relacionamento com a equipe de saúde e podem interferir no nível de compreensão dos pais, na adesão ao tratamento e influenciar negativamente o comportamento da criança(5).

Nos últimos anos, as equipes de saúde que cuidam de uma criança com câncer têm sido estimuladas a entender o câncer infantil como um evento potencialmente estressante para os pais, capaz de trazer consequências emocionais e psicológicas durante a fase de tratamento(6) e, também, após o término desse, mesmo nos casos em que a criança foi curada(7). O foco de algumas pesquisas tem sido a avaliação do impacto do câncer infantil na família(8-10), especialmente na vida dos pais; porém, esses estudos apresentam resultados controversos: enquanto alguns referem bom ajustamento(11-12), outros indicam altas taxas de estresse parental(5,13). Para alguns pesquisadores, esses achados discrepantes podem refletir, pelo menos em parte, a utilização de métodos pouco sensíveis para analisar as experiências dos pais de crianças com doenças crônicas(5).

Considerando-se que os pais são os principais cuidadores da criança com doença crônica, este estudo teve por objetivo avaliar o nível de estresse dos pais de crianças com câncer e identificar suas correlações com os dados sociodemográficos e os níveis de ansiedade.

Método

Trata-se de estudo descritivo, transversal, que foi realizado no Ambulatório de Pediatria do Hospital do Câncer A.C.Camargo (HACC) (São Paulo, SP) e na Associação dos Pais e Amigos da Criança com Câncer e Hemoglobinopatias (APACC) (Campinas, SP). A população foi composta por pais ou responsáveis de crianças e adolescentes com câncer. Para a amostra foram considerados pais ou responsáveis os acompanhantes que tinham legalmente a guarda pela criança. Foram incluídos no estudo os pais ou responsáveis de crianças e adolescentes com idade entre zero e 18 anos, com diagnóstico de neoplasia maligna, em fase de tratamento ou acompanhamento. Os acompanhantes que não possuíam a guarda legal da criança e aqueles que, por algum motivo, demonstraram sentimentos exacerbados de tristeza, como choro e outras reações emocionais, foram excluídos, pois essa mobilização emocional poderia interferir na capacidade de julgamento dos pais em relação aos eventos avaliados pelos instrumentos.

A amostra (n=101) foi obtida por conveniência e a coleta de dados foi realizada no período de 27 de janeiro a 15 de junho de 2009. Na instituição hospitalar, obteve-se o agendamento das crianças e, após seleção prévia, considerando-se os critérios de inclusão, os sujeitos foram abordados na recepção do ambulatório de pediatria, antes da consulta médica. Na instituição de apoio extra-hospitalar, obteve-se a lista de crianças e acompanhantes e, após verificação dos critérios de inclusão, os sujeitos foram abordados na recepção da casa de apoio. Os instrumentos foram preenchidos durante uma única entrevista com os sujeitos, em local reservado, e o tempo gasto para cada entrevista variou entre 13 e 72 minutos (média=27,5±11,5).

Os pais que aceitaram participar foram informados dos objetivos do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. A pesquisa foi aprovada por dois Comitês de Ética em Pesquisa, o do Hospital do Câncer A.C.Camargo (HACC), sob Parecer nº1179/2008 e o da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob Parecer nº763/2008.

O perfil sociodemográfico foi obtido por uma ficha de caracterização, composta por duas partes, A) caracterização das crianças: contempla dados como iniciais, data de nascimento, sexo, data do diagnóstico, diagnóstico (segundo a classificação internacional do câncer na infância) e se está em tratamento atualmente, e B) caracterização dos pais ou responsáveis, como a relação de parentesco com a criança, data de nascimento, sexo, estado civil, número de filhos, situação profissional, renda familiar, número de pessoas que convivem com a renda, anos de estudo e procedência. A ficha de caracterização sociodemográfica foi elaborada pelas pesquisadoras e submetida a validade de conteúdo por um grupo de juízes que avaliaram a clareza e a pertinência do conteúdo.

Foram aplicados ainda dois instrumentos sendo: uma escala específica de avaliação do estresse parental, denominada Pediatric Inventory for Parents - PIP - versão brasileira(14) e uma escala genérica de avaliação da ansiedade - Inventário de Ansiedade Traço-Estado (Idate)(15-16). Para avaliação do estresse parental utilizou-se o Pediatric Inventory for Parents - PIP - versão brasileira. O PIP - versão brasileira, contém 42 itens que avaliam a frequência e a dificuldade que os pais apresentam diante de eventos relacionados ao cuidado da criança. Esses itens estão agrupados em quatro domínios: comunicação (9 itens), função emocional (15 itens), cuidados médicos (8 itens) e função familiar (10 itens), e são avaliados em duas subescalas:frequência (PIP-F), com quem vivenciou determinados eventos na última semana, e dificuldade (PIP-D) para lidar com essas situações(5,14). A escala de medida é do tipo Likert com cinco alternativas de respostas, variando de 1 ponto (nada) a 5 pontos (muitíssimo). Os escores nas subescalas são obtidos, separadamente, para cada um dos domínios e a soma dos escores dos domínios compõem o escore total de cada subescala, que pode variar de 42 a 210 pontos, sendo que as maiores pontuações indicam elevado nível de estresse. Os índices de validade e confiabilidade do PIP - versão brasileira, foram avaliados em outros estudos e apresentam resultados satisfatórios(5,14,17-21).

O Inventário de Ansiedade Traço-Estado (Idate), versão brasileira do State-Trait Anxiety Inventory - STAI, tem a finalidade de avaliar dois componentes da ansiedade: Ansiedade-Estado e Ansiedade-Traço. É um instrumento bastante utilizado na prática clínica e em pesquisas para avaliar a ansiedade em adultos(15). Para avaliar a presença de sintomas de ansiedade nos pais, apenas a escala Ansiedade-Estado (IDATE-E) foi utilizada, por ser considerada sensível às variações de tensão, de acordo com o contexto, e por apresentar índices de confiabilidade adequados(15-16). O IDATE-E contém 20 afirmações por meio das quais os sujeitos são orientados a indicar como se sentem naquele momento, em relação aos sintomas de ansiedade. A escala de medida é do tipo Likert, com 4 (quatro) pontos, em que 1 (um) significa absolutamente não e 4 (quatro) muitíssimo, para cada um dos itens com afirmações sobre o estado de ansiedade atual. Quanto maior a pontuação, maior a ansiedade(15).

Os dados foram organizados no programa Microsoft® Office Excel 2007 e analisados por meio do programa Statistical Analysis System (SAS - System for Windows®), versão 9.1.3 - 2002/2003. Para caracterização da amostra, foram realizadas análises descritivas e inferenciais. A correlação entre os escores do PIP - versão brasileira, e do IDATE-E, com as variáveis sociodemográficas dos pais e das crianças e entre as escalas, foram avaliadas pelo coeficiente de correlação de Spearman (r). Os valores desse coeficiente indicam o grau de correlação e podem variar de -1 a +1, em que valores entre 0,30 e 0,50 indicam correlações de moderada magnitude e valores acima de 0,50, correlações de forte magnitude(22). O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5% (p<0,05).

Resultados

Participaram do estudo 101 pais, com idade média de 36,0 anos (DP±7,8). A maioria dos entrevistados era do HACC (57,4%), 94,1% do sexo feminino e 87,1% eram mães. Em relação à escolaridade, a média de anos de estudo foi de 10,1 anos (DP±4,4, min=2 e máx=20 anos). As crianças cujos pais foram considerados no estudo eram 51,5% do sexo masculino, com idade entre 8 meses e 18 anos, média de 9,5 anos (DP±5,3), sendo que 75,2% estavam em tratamento no momento da entrevista. Os diagnósticos mais frequentes foram: leucemia linfoide aguda (n=32), retinoblastoma (n=10) e sarcomas de partes moles (n=10). A média de tempo desde o diagnóstico foi de 32,6 meses (DP±46,0, min<1 e máx=196,8), com predomínio na faixa etária dos cinco aos nove anos (Tabela 1).

Neste estudo, os valores dos escores variaram de 59 a 182 para a subescala PIP-F e, de 49 a 188, para a subescala PIP-D. Obteve-se a média de escore de 130,4 (±27,6) para a subescala frequência e de 117,5 (±30,9) para a subescala dificuldade. O domínio função emocional obteve as maiores médias de escores nas duas subescalas (MPIP-F=47,9±11,4 e MPIP-D=48,5±12,9) (Tabela 2).

Os três eventos com maior frequência para os sujeitos foram: "pensar em outras crianças gravemente doentes"; "ficar com meu filho durante os procedimentos médicos" e "ajudar meu filho com suas necessidades de higiene". Por outro lado, os três eventos com maiores médias, na subescala dificuldade, foram: "sentir medo que meu filho/minha filha possa ficar muito doente ou possa morrer"; "preocupar-me com o impacto da doença a longo prazo" e "pensar em outras crianças gravemente doentes" (Tabela 3).

Os escores do PIP - versão brasileira, não demonstraram diferença significativa em relação ao sexo dos pais e das crianças, estado civil, renda e anos de estudo; porém, com a idade dos pais ou responsáveis foi significativamente correlacionada, na subescala frequência (PIP-F r=-0,31, p<0,01; PIP-D r=-0,18, p=0,07), evidenciando que os pais mais jovens relataram maior nível de estresse que os pais mais velhos. A idade das crianças foi inversamente correlacionada aos escores do PIP-F (r=-0,26 p=0,01), indicando que os pais de crianças menores relataram maior frequência de eventos estressores. Para ambas as subescalas, PIP-F e PIP-D, os pais de crianças com menor tempo de diagnóstico apresentaram maior frequência e dificuldade diante dos eventos estressantes (PIP-F r=-0,25, p=0,01; PIP-D r=-0,22, p=0,02).

Na avaliação da ansiedade, os escores variaram de 25 a 61 pontos, com média de 42,1 (±9,0). Os escores do IDATE-E foram inversamente correlacionados àidade da criança (r=-0,23, p=0,02), o tempo de diagnóstico (r=-0,23, p=0,02), o tempo de tratamento (r=-0,19, p=0,04), a idade dos pais (r=-0,23, p=0,02) e a renda familiar (r=-0,23, p=0,02). Verificou-se que os pais mais jovens, de crianças menores, com menor tempo de diagnóstico e de tratamento e aqueles com renda familiar mais baixa apresentam mais sintomas de ansiedade.

Verificou-se que todos os domínios do PIP - versão brasileira, resultaram em correlação positiva e significativa com o estado de ansiedade (Tabela 4). O domínio função emocional apresentou forte correlação com IDATE-E (PIP-F função emocional r=+0,54, p<0,01; PIP-D função emocional r=+0,54, p<0,01, enquanto os demais domínios apresentaram correlação positiva de moderada magnitude, exceto o domínio comunicação, na subescala frequência, que apresentou correlação positiva de fraca magnitude (PIP-F comunicação r=+0,28, p<0,01).

Discussão

Os resultados deste estudo mostram que o perfil dos entrevistados foi semelhante ao encontrado em pesquisas que envolveram cuidadores e crianças com câncer, em relação à idade média dos cuidadores (36 anos)(11) e à média de idade das crianças (9,5 anos)(5,18). O diagnóstico mais frequente entre as crianças foi o de leucemia linfoide aguda, em concordância com as estatísticas brasileiras, seguido pelo de retinoblastoma, o que contraria os dados nacionais, nos quais a segunda neoplasia mais frequente na infância são os linfomas(1,23). Houve leve predomínio do sexo masculino entre as crianças, o que também é semelhante ao encontrado nessas estatísticas(1,23). A maioria dos entrevistados era do sexo feminino, mães, casadas ou em regime de união estável (84,1%) e tinham, em média, 10 anos de estudo.

Os resultados encontrados evidenciam que as mães são as principais responsáveis pelo cuidado da criança, mesmo quando possuem companheiros(10) e que 50% dos cuidadores têm que contar com a renda de outras pessoas da família, uma vez que não exercem nenhum tipo de atividade remunerada. Alguns estudos abordam que o diagnóstico do câncer na criança obriga o cuidador a abandonar seu vínculo empregatício por não conseguir conciliar as rotinas do tratamento da criança com o trabalho e, dessa forma, compromete a renda familiar(9,10,24). A família também é a principal fonte de apoio emocional para crianças e adolescentes em tratamento oncológico, o que reforça os achados anteriores, em que adolescentes referem o apoio da família como fundamental para o enfrentamento da doença e que são os pais os responsáveis pelo alívio do sofrimento durante os procedimentos e rotinas hospitalares(2,25).

Quando as variáveis sociodemográficas foram correlacionadas aos escores do PIP-versão brasileira, e do IDATE-E, os resultados mostraram que os pais mais jovens e de crianças menores relataram maior nível de estresse e de ansiedade. Esses resultados sugerem que a inexperiência dos mais jovens com o papel parental pode gerar maiores níveis de estresse e ansiedade quando eles enfrentam a doença crônica da criança. No que se refere à idade da criança, o maior nível de estresse exibido pelos pais de crianças menores pode ser justificado pela maior dependência dessas em relação às atividades de autocuidado. No entanto, é necessário explorar esses aspectos em estudos futuros.

Em relação ao tempo desde o diagnóstico, os pais de crianças com menor tempo de diagnóstico apresentam maior nível de estresse e ansiedade. Esses dados também foram encontrados em outros estudos em que os pais apresentam maior nível de estresse no momento do diagnóstico e depois passam por um período de adaptação à doença, desenvolvendo estratégias de enfrentamento (coping)(2,5,4,18). No entanto, alguns estudos com pais de crianças que sobreviveram ao câncer indicam que os pais ainda exibem sintomas de estresse e ansiedade mesmo depois que a criança terminou o tratamento, até mesmo nos casos em que a criança foi considerada curada(11). Os pais relatam intensa preocupação com a criança, mantêm vigilância com as questões da saúde e são constantemente assombrados pelo medo da morte e da recidiva(2).

Os resultados da aplicação do PIP - versão brasileira, confirmaram as considerações a respeito da vulnerabilidade dos pais a sintomas de ansiedade, quando confrontados com a condição de doença dos seus filhos, com destaque para o domínio função emocional que obteve forte correlação positiva com a medida geral de ansiedade (IDATE-E). Algumas pesquisas revelam que existe comprometimento significativo do estado emocional dos pais que enfrentam o câncer dos filhos. As alterações emocionais podem resultar em doenças como depressão e, dessa forma, comprometer o cuidado que os pais prestam à sua criança, além de interferir no seu papel social, familiar, na sua qualidade de vida e no seu relacionamento com a equipe de saúde(11).

Foi possível identificar que as rotinas médicas diárias, o medo da morte do filho e das sequelas da doença e o cuidado da criança doente podem afetar o bem-estar dos pais(5,17-21,26-27). As correlações positivas entre o PIP - versão brasileira, e o IDATE-E indicam que quanto maior o nível de estresse dos pais mais sintomas de ansiedade eles apresentam, o que pode ser visto em outros estudos com crianças com câncer(5,18) e, também, em estudos que envolveram outras condições de doença crônica da criança, como hemofilia(19,26).

Conclusão

As pesquisas que investigam os fatores psicossociais associados à vivência do câncer pediátrico, especialmente no que se refere ao impacto da doença crônica na vida dos pais, podem auxiliar o cuidado adequado à família. Nesse sentido, a utilização de instrumentos que medem o estresse e a ansiedade dos pais pode fornecer informações a respeito da adaptação ao diagnóstico da doença crônica e sobre as situações relacionadas à doença que mais causam sofrimento para os pais. No Brasil, a escassez de instrumentos específicos para esse tipo de avaliação constitui desafio para as pesquisas brasileiras.

O estudo foi direcionado para a avaliação do estresse e da ansiedade em pais de crianças com câncer, por meio de instrumentos. Estudos futuros a respeito das alterações emocionais vivenciadas pelos pais também devem incluir aspectos como a ocorrência de doenças mentais e o uso contínuo de medicamentos.

O sofrimento dos pais com a doença crônica dos seus filhos resulta em altos níveis de estresse e na ocorrência de sintomas de ansiedade. Na prática clínica, a fragilidade dessa situação pode comprometer o entendimento, por parte dos pais, das necessidades de cuidado da criança e, consequentemente, o relacionamento com a equipe de saúde. Os resultados deste estudo apontam para o enfermeiro as situações que são mais estressantes para os pais de crianças com câncer e sugerem que o planejamento da assistência de enfermagem inclua a família nas decisões sobre o cuidado. A maioria dos pais deseja estar ao lado da criança durante os procedimentos dolorosos e sentem-se mais confiantes quando ajudam seus filhos a enfrentar a doença e o processo de hospitalização.

Por outro lado, alguns pais evidenciam altos níveis de estresse e não conseguem sentir-se suficientemente seguros para confiar nos cuidados oferecidos pela equipe de enfermagem e de saúde. É nesse cenário que o enfermeiro deve utilizar sua expertise para auxiliar os pais a gerenciarem seus níveis de estresse, estabelecer com eles relação de confiança, em que a comunicação assertiva e a compreensão do sofrimento façam do enfermeiro a pessoa com quem os pais podem contar durante os momentos difíceis.

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  • Corresponding Author:
    Daniela Fernanda dos Santos Alves
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  • 1
    Paper extracted from master's thesis "Adaptação e validação do instrumento Pediatric Inventory for Parents - PIP para a cultura brasileira" presented to Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      02 Abr 2012
    • Aceito
      14 Nov 2012
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