Acessibilidade / Reportar erro

Ocupação e fatores de risco para diabetes tipo 2: estudo com trabalhadores de enfermagem

Resumos

Objetivou-se analisar as inter-relações entre ocupação e prevalência de fatores de risco para diabetes tipo 2. Participaram 299 sujeitos, trabalhadores de um hospital público de Fortaleza, CE. Para a coleta de dados utilizou-se um formulário, contemplando variáveis sociodemográficas e relativas aos fatores de risco para diabetes tipo 2. Verificou-se que 40,5% eram trabalhadores de enfermagem, 63,9% mulheres, 68,6% tinham menos de 35 anos, 49,5% tinham escolaridade equivalente ao ensino médio e 51,9% não possuía vínculo matrimonial, ou união estável. A comparação da prevalência dos fatores de risco nas diferentes ocupações foi significante (p<0,05) para os seguintes fatores: obesidade abdominal, relação cintura/quadril aumentada, sedentarismo, tabagismo e HDL-colesterol <35mg/dl, sendo que os trabalhadores de enfermagem apresentaram maior prevalência para 3 desses fatores. Conclui-se que os trabalhadores de enfermagem apresentaram maior risco para desenvolver diabetes mellitus que os demais profissionais de saúde.

Saúde do Trabalhador; Promoção da Saúde; Diabetes Mellitus; Fatores de Risco; Enfermagem


We aimed to analyze the interrelationships between occupation and prevalence of risk factors for type 2 diabetes in workers at a hospital in Fortaleza-CE. Cross-sectional study with 299 subjects and form-based, covering socio-demographic concerns and risk factors for Type 2 Diabetes. Results showed that 40.5% of the sample were nursing workers, 63.9% were women, 68.6% were under 35 years of age, 49.5% had an education level equivalent to high school and 51.9% had no marriage or stable union. Comparison among the prevalence of risk factors in different occupations was significant (p<0.05) for the following factors: abdominal obesity, waist-hip ratio increased, sedentary lifestyle and HDL-cholesterol <35 mg/dl, and the nursing workers showed higher prevalence levels for these three factors. Hence, within the study context, nursing workers are at an increased risk for developing diabetes in comparison with other health professionals.

Occupational Health; Health Promotion; Diabetes Mellitus; Risk Factors; Nursing


Se tuvo por objetivo analizar las interrelaciones entre ocupación y prevalencia de factores de riesgo para Diabetes Tipo 2. Participaron 299 sujetos trabajadores de un hospital público de Fortaleza, estado de Ceará. Para la recolección de datos se utilizó un formulario, contemplando variables sociodemográficas y relativas a los factores de riesgo para Diabetes Tipo 2. Se verificó que 40,5% eran trabajadores de enfermería, 63,9% mujeres, 68,6% tenían menos de 35 años, 49,5% tenían escolaridad equivalente a la enseñanza media y el 51,9% no poseía vínculo matrimonial o de unión estable. La comparación de la prevalencia de los factores de riesgo en las diferentes ocupaciones fue significativa (p<0,05) para los siguientes factores: obesidad abdominal, relación cintura/cadera aumentada, sedentarismo, tabaquismo y HDL colesterol < 35 mg/dl, siendo que los trabajadores de enfermería presentaron mayor prevalencia para 3 de esos factores. Se concluye que los trabajadores de enfermería presentaron mayor riesgo para desarrollar diabetes mellitus que los demás profesionales de salud.

Salud Laboral; Promoción de la Salud; Diabetes Mellitus; Factores de Riesgo; Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Ocupação e fatores de risco para diabetes tipo 2: estudo com trabalhadores de enfermagem1

Vitória de Cássia Félix de AlmeidaI; Maria Lúcia ZanettiII; Paulo César de AlmeidaIII; Marta Maria Coelho DamascenoIV

IDoutora em Enfermagem. Professora, Universidade Regional do Cariri, Fortaleza, CE, Brasil. E-mail: vit_vitoriafelix@hotmail.com

IIDoutora em Enfermagem. Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: zanetti@eerp.usp.br

IIIDoutor em Saúde Pública. Professor, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. E-mail: pc49almeida@gmail.com

IVDoutora em Enfermagem. Professora, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. E-mail: martadamasceno@terra.com.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Objetivou-se analisar as inter-relações entre ocupação e prevalência de fatores de risco para diabetes tipo 2. Participaram 299 sujeitos, trabalhadores de um hospital público de Fortaleza, CE. Para a coleta de dados utilizou-se um formulário, contemplando variáveis sociodemográficas e relativas aos fatores de risco para diabetes tipo 2. Verificou-se que 40,5% eram trabalhadores de enfermagem, 63,9% mulheres, 68,6% tinham menos de 35 anos, 49,5% tinham escolaridade equivalente ao ensino médio e 51,9% não possuía vínculo matrimonial, ou união estável. A comparação da prevalência dos fatores de risco nas diferentes ocupações foi significante (p<0,05) para os seguintes fatores: obesidade abdominal, relação cintura/quadril aumentada, sedentarismo, tabagismo e HDL-colesterol <35mg/dl, sendo que os trabalhadores de enfermagem apresentaram maior prevalência para 3 desses fatores. Conclui-se que os trabalhadores de enfermagem apresentaram maior risco para desenvolver diabetes mellitus que os demais profissionais de saúde.

Descritores: Saúde do Trabalhador; Promoção da Saúde; Diabetes Mellitus; Fatores de Risco; Enfermagem.

Introdução

Quando se focaliza a saúde ocupacional, muito se tem feito para elucidar as relações causais entre a exposição ao ambiente de trabalho e câncer, infertilidade, doenças musculoesqueléticas, neurológicas, dermatológicas e deficiência auditiva(1).

Apesar disso, constata-se que estudos que analisem fatores que possam predispor trabalhadores ao aparecimento de distúrbios metabólicos, tais como o diabetes mellitus tipo 2 (DM2), podem ser considerados incipientes, e, ainda assim, com análise restrita à identificação dos fatores de risco nos grupos estudados sem, entretanto, estabelecer correlações entre o processo de trabalho e o surgimento do DM2(2-8).

Entende-se que o diabetes mellitus não consiste em doença profissional e, tampouco, específica dos trabalhadores de saúde. Entretanto, o estilo de vida adotado por tais trabalhadores poderá fomentar o aparecimento da doença. Em muitos dos casos, os trabalhadores assumem amplas jornadas de trabalho, múltiplos empregos, jornada de trabalho em turnos, fazendo com que tenham dificuldades para assumir hábitos de vida saudáveis, sem mencionar que a própria natureza da atividade no setor saúde confronta, diariamente, seus trabalhadores com estresse e ansiedade, que têm sido evidenciados como fatores nocivos à saúde das pessoas, tornando-as suscetíveis aos agravos crônicos(1,6).

Tomando como base tais pressupostos, objetivou-se analisar as inter-relações entre ocupação e prevalência de fatores de risco para DM2, existentes entre trabalhadores da equipe de enfermagem e demais profissionais que atuam na área hospitalar.

Partiu-se da hipótese de que os trabalhadores da equipe de enfermagem, quando comparados a outros que desenvolvem atividades em hospitais, apresentam maior prevalência de fatores de risco para o desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 2.

A hipótese baseia-se na constatação de que o trabalho de enfermagem diferencia-se de outras atividades laborais, inclusive do setor saúde, a partir de aspectos relacionados ao objeto de trabalho em si, à forma como esse trabalho se desenvolve e às próprias demandas físicas, mentais e psíquicas experimentadas pela equipe de enfermagem, no desenvolvimento de suas ações, podendo tornar o trabalhador de enfermagem deficiente no que tange ao exercício do cuidado de si e, consequentemente, predispondo esse profissional à instalação de fatores de risco críticos para o desenvolvimento de doenças crônicas(4,9).

Método

Trata-se de estudo transversal, realizado em um hospital público de Fortaleza, CE, no período de março de 2003 a março de 2007.

Dos 433 integrantes do quadro da instituição, foram investigados 299 trabalhadores de saúde, entendidos, aqui, como "todos aqueles que se inserem direta ou indiretamente na prestação de serviços de saúde, no interior dos estabelecimentos de saúde ou em atividades de saúde, podendo deter ou não formação específica para o desempenho de funções referentes ao setor"(10).

Para seleção dos participantes, foi realizada ampla divulgação da pesquisa na instituição, envolvendo: afixação de convite nos contracheques, visita a todos os setores do hospital e afixação de cartazes informando sobre a pesquisa.

Foram excluídos do estudo sujeitos com diagnóstico prévio de diabetes, funcionários em férias ou em licença e aqueles que se recusaram a participar da pesquisa.

Para fins do estudo, os trabalhadores foram categorizados nos seguintes grupos: trabalhadores de enfermagem - grupo englobando enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem da instituição; médicos; outros profissionais de nível superior - grupo compreendido por profissionais de saúde de nível superior com formação distinta das anteriores, tais como fisioterapeutas, farmacêuticos, nutricionistas, entre outros; trabalhadores de serviços administrativos - conjunto envolvendo os funcionários do corpo administrativo da instituição, tais como diretores, secretários, técnicos administrativos, assistentes contábeis, entre outros, e trabalhadores de serviços gerais - grupo constituído por trabalhadores não agrupados nas categorias anteriores, incluindo, auxiliares de serviços gerais, auxiliares de manutenção, vigilantes, motoristas, maqueiros, porteiros, entre outros.

Mediante aplicação de formulário, avaliação antropométrica, aferição de pressão arterial e coleta de amostras de sangue, foram avaliadas as características sociodemográficas dos sujeitos e os seguintes fatores de risco para DM2(11-14): idade>40 anos; excesso de peso (identificado pela análise do índice de massa corporal - IMC); obesidade abdominal (estimada pela medida da circunferência abdominal – CA); relação cintura/quadril (RCQ) aumentada; sedentarismo; tabagismo; estresse; hipertensão arterial sistêmica (HAS); HDL <35mg/dl e triglicérides ≥200mg/dl.

Para a aferição do peso corporal, utilizou-se balança portátil com precisão de 0,1kg com o sujeito avaliado, posicionando-se em pé, com pés descalços, sobre e no centro da plataforma, ereto e com o olhar fixo num ponto à sua frente. A estatura foi medida com o uso de fita métrica, graduada em centímetros, fixada à parede e com o auxílio de cursor de madeira, em ângulo de 90° em relação à escala, estando o avaliado em pé, postura ereta, com a cabeça paralela ao solo, braços estendidos ao longo do corpo, pés unidos e descalços, procurando pôr em contato com o instrumento de medida as superfícies posteriores do calcanhar, cintura pélvica, cintura escapular e região occipital.

As circunferências da cintura (CC), abdômen (CA) e quadril (CQ) foram medidas com o participante da pesquisa em local reservado, em posição ortostática, abdômen relaxado, braços levemente afastados do corpo e pés unidos. Com o uso de fita métrica inextensível, a circunferência da cintura foi aferida no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca, o quadril foi medido no nível do grande trocânter do fêmur no ponto de maior circunferência glútea e o abdômen medido na altura da cicatriz umbilical(13,15). Medidas de CA muito elevadas foram consideradas obesidade abdominal como, por exemplo, CA≥102cm para homens e 88≥cm para mulheres(13).

O índice de massa corporal foi calculado dividindo-se o peso corporal em quilogramas pelo quadrado da altura em metros (kg/m2) e o valor da relação cintura/quadril obtido através da divisão da circunferência da cintura pela do quadril. Considerou-se com excesso de peso os indivíduos com IMC ≥25kg/m2. Para a RCQ aumentada, os pontos de corte foram 0,95 para homens e 0,80 para mulheres(14-16).

A aferição da pressão arterial foi realizada com esfigmomanômetros aneroides, calibrados e verificados pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) e com manguitos de tamanho adequado à circunferência do braço dos entrevistados(16). Para a medição, alguns cuidados foram rigorosamente observados, tais como, repouso de 5 a 10 minutos, esvaziamento da bexiga, o não uso de bebidas alcoólicas, café ou fumo, até 30 minutos antes da verificação da pressão arterial. Observaram-se, também, as orientações quanto ao posicionamento dos entrevistados que deveriam estar sentados, com costas apoiadas e pernas não cruzadas e à colocação do aparelho de 2 a 3cm acima da fossa, com o manômetro sobre o braço livre de roupas, apoiado no nível do precórdio e com a palma da mão voltada para cima(11). Foram considerados hipertensos os sujeitos que declararam ser portadores dessa condição, os que faziam uso de medicamento anti-hipertensivo ou aqueles que tiveram medida de pressão arterial sistólica (PAS) ≥140mmHg e diastólica (PAD) ≥90mmHg(17).

Quanto ao sedentarismo, considerou-se como tal a ausência de atividade física, compreendida como a prática de exercícios físicos em base regular com frequência de, pelo menos, duas vezes por semana e duração mínima de 30 minutos. Já o tabagismo, foi caracterizado como o uso diário de qualquer quantidade de cigarros ou similares. E quanto à variável estresse, considerou-se a autorreferência do pesquisado à presença ou não desse fator de risco.

Para avaliação das taxas de HDL-colesterol e triglicérides, foram também obtidas amostras de sangue, cuja coleta foi realizada no próprio hospital, por auxiliar de laboratório habilitada, mediante punção venosa com Vacutainer e as análises bioquímicas efetuadas com o uso de kits da marca Labtest®, conforme orientações do fabricante. Dos 299 participantes da pesquisa, compareceram ao exame 147 sujeitos. Todos receberam orientação prévia sobre a necessidade do jejum de 12 horas.

Ressalte-se que, mesmo com redução dos participantes da segunda fase para 147 pessoas, essa amostra ainda é considerada representativa da população do estudo, tendo em vista que o erro máximo permitido foi inferior a 5%, como recomendado pela literatura, para o cálculo do tamanho de amostras(18).

O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal do Ceará (Parecer n°241/04). Todos os sujeitos assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

O tratamento estatístico dos dados foi realizado com o programa computacional Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 13.0. Para a análise dos dados calculou-se a medida epidemiológica razão de prevalência (RP) e foram verificados os intervalos de confiança e efetuados os testes de proporções para as RPs. Para todos os testes fixou-se o nível de significância de 5%.

Resultados

Na Tabela 1, estão expostas as características sociodemográficas da amostra, constituída, em sua maioria, por sujeitos do sexo feminino (63,9%) e com idade inferior a 35 anos (68,6%). Quanto à escolaridade, houve predominância do ensino médio (49,5%) e, quanto à ocupação, a maior parte dos estudados foi de trabalhadores de enfermagem, dentre os quais 22 enfermeiros, 7 técnicos e 92 auxiliares, representando 40,5% do total de sujeitos.

Tendo em vista o objetivo da pesquisa - verificar se os trabalhadores de enfermagem apresentariam maior prevalência em relação aos fatores de risco para diabetes mellitus tipo 2 - submeteram-se a todas as variáveis investigadas, consideradas como fatores de risco para a doença, de acordo com a literatura analisada, à análise da medida estatística razão de prevalência (RP), efetuando comparações das prevalências dos fatores de risco apresentados pelos trabalhadores de enfermagem em relação aos demais grupos ocupacionais (Tabela 2-4 ).

Com base nas informações expostas nas Tabelas 2 e 3 , verificam-se diferenças estatisticamente significantes (p<0,05) nas prevalências dos seguintes fatores de risco: obesidade abdominal, RCQ aumentada, sedentarismo e tabagismo.

Constata-se, também, que a obesidade abdominal foi mais prevalente no grupo de trabalhadores de enfermagem do que em todos os outros grupos estudados. Entretanto, só resultaram significativas as comparações efetuadas em relação ao grupo de médicos e de trabalhadores de serviços administrativos, em que ficou evidenciado que o grupo de enfermagem apresentou prevalência maior para o fator de risco supra, quase 2,4 vezes do que os médicos (IC95% 1,046 - 5,454; p=0,028) e cerca de 1,6 vezes do que os trabalhadores de serviços gerais (IC95% 1,050 – 2,332; p=0,032).

Outro fator de risco, onde foram atestadas diferenças significativas de prevalência entre os trabalhadores, foi a medida de RCQ aumentada. Com base na Tabela 2, verifica-se que, tal como ocorreu com o fator de risco obesidade abdominal, também, em relação à RCQ, foram os trabalhadores de enfermagem que apresentaram maior prevalência quando comparados aos outros grupos ocupacionais deste estudo. Entretanto, a RP só foi estatisticamente significante no que se refere à comparação entre o pessoal de enfermagem e os trabalhadores de serviços administrativos, tendo sido esse fator de risco cerca de 2,2 vezes mais prevalente nos trabalhadores de enfermagem do que nos trabalhadores com atividades administrativas (IC95% 1,024 – 4,899; p=0,042).

No que diz respeito ao sedentarismo, houve maior prevalência do pessoal de enfermagem. Quando comparados aos médicos, os trabalhadores do referido grupo foram quase 1,7 vezes mais sedentários (IC95% 1,149 – 2,358; p<0,0001). Foram, ainda, cerca de 1,4 vezes mais sedentários do que o pessoal de serviços gerais (IC95% 1,157–1,636; p<0,0001) e do que os trabalhadores de serviços administrativos (IC95% 1,081–1,803; p=0,002).

Em relação à variável tabagismo, verificou-se que ser trabalhador de enfermagem representou menor chance de mostrar esse fator de risco na comparação feita com o pessoal de serviços gerais (RP 0,211; IC95% 0,082 – 0,545; p<0,0001).

A Tabela 4 apresenta as comparações das prevalências dos fatores de risco para DM2, associados ao perfil lipídico. Observa-se que apenas as comparações da prevalência de HDL-colesterol resultaram significantes, demonstrando que os trabalhadores de enfermagem, quando comparados aos trabalhadores de serviços administrativos, tiveram menor prevalência para esse fator de risco (RP= 0,375; IC95% 0,161 – 0,872; p=0,037).

Discussão

Um dos primeiros aspectos a ser comentado, em relação aos achados, refere-se à participação majoritária de mulheres, fato que reforça a constatação de predominância do sexo feminino na força de trabalho nos hospitais.

Do ponto de vista do risco para DM2, não são observadas diferenças significativas em relação ao sexo, considerando que outras pesquisas indicam prevalência de diabetes semelhante em homens e mulheres(19).

De fato, a caracterização, conforme o sexo, somente assume relevância quando associada a outros fatores, como IMC e RCQ, tendo sido relatada forte correlação entre alterações dessas variáveis e sexo feminino(20).

Em se tratando da escolaridade, constatou-se que os sujeitos pesquisados apresentavam bom nível educacional, considerando que 86,3% deles tinham nível médio ou superior. Considera-se que essa pode ser uma característica importante do grupo, evidenciando potencial para implementação de estratégias educacionais, visando a promoção da saúde.

No que se refere à faixa etária, destaca-se o fato de a maior parte da amostra ter sido constituída por trabalhadores jovens e que, portanto, não haviam atingido a idade crítica para o aparecimento do DM2.

A idade constitui fator com valor preditivo independente para doenças crônicas, sendo, inclusive, parâmetro utilizado para classificar o risco do indivíduo para o desenvolvimento de hiperglicemia não diagnosticada(21).

Quanto aos fatores de risco analisados, identificou-se que os trabalhadores de enfermagem tiveram maior prevalência, estatisticamente significante, de RCQ aumentada, obesidade abdominal e sedentarismo.

No que se refere à relação cintura/quadril, essa medida é usada para fins de caracterização dos tipos de distribuição de gordura corporal. A proporção indica a quantidade de gordura na parte superior do corpo em relação à parte inferior, de tal modo que valores altos de RCQ determinam padrão de obesidade androide - que implica em grande risco para doenças como o diabetes mellitus tipo 2. Por sua vez, valores baixos de RCQ revelam padrão ginoide de obesidade, no qual há maior proporção de gordura localizada na parte inferior do corpo.

O padrão de obesidade central (androide) da gordura está associado a níveis sanguíneos de glicose e triglicerídeos aumentados, assim como à maior possibilidade de desenvolver diabetes e doença cardiovascular(16).

No que tange à obesidade abdominal, importante fator de risco para diabetes, destaca-se o fato de o grupo de enfermagem ter apresentado maior prevalência desse parâmetro do que todos os outros grupos, embora os trabalhadores de enfermagem não tenham tido a maior prevalência estatisticamente significante de excesso de peso (IMC elevado). Isso reforça a importância de correlacionar as variáveis antropométricas para conhecimento mais amplo do risco individual para as doenças crônicas de modo geral e, de modo específico, do DM2, compreendendo que o IMC é útil para a identificação do excesso de peso, mas não consegue responder pelas diferentes distribuições da gordura corporal(16,20).

Outro fator de risco significativamente mais prevalente entre os trabalhadores de enfermagem foi o sedentarismo. Entende-se que a inatividade ou a baixa quantidade de atividade física pode ser um fator associado ao trabalho, quando se considera que algumas profissões, ou ocupações, pelas suas próprias características, limitam a atividade física do profissional. Outras vezes, quando o trabalhador realiza determinada atividade que exige deslocamento, com frequência, do seu posto de trabalho – e esse parece ser o caso do trabalho de enfermagem – isso gera falsa sensação de que o corpo está em atividade. Entretanto, para que uma atividade física possa ter efeito protetor para a saúde, deve ser realizada de modo contínuo, com regularidade e num adequado grau de intensidade.

A condição sedentária dos sujeitos estudados assume importância ainda maior quando se considera que, além de constituir fator de risco para DM2, o sedentarismo sobrepõe-se aos outros fatores de risco apresentados, como o excesso de peso e a obesidade abdominal, potencializando seus efeitos e, desse modo, ampliando, consideravelmente, as chances de esses sujeitos tornarem-se diabéticos.

Em relação ao tabagismo, a literatura tem demonstrado que há associação negativa entre o tabagismo e a qualificação das ocupações profissionais, em termos de nível de especialização(4), fato esse também evidenciado nesta pesquisa, na qual se constatou que ser trabalhador de enfermagem resultava em menor chance de ser tabagista, quando comparado aos trabalhadores de serviços gerais (p<0,05).

No que se refere à análise do HDL, como fator de risco para DM2, ser trabalhador de enfermagem resultou em menor chance de apresentar valores baixos de HDL-colesterol, quando comparado aos trabalhadores da área administrativa. Considerando que os níveis séricos de HDL estão intimamente relacionados à prática de atividade física(14), acredita-se que o fato de os trabalhadores de enfermagem - mesmo tendo sido o grupo mais sedentário - ter apresentado menor prevalência desse fator de risco, pode estar relacionada aos hábitos dietéticos do grupo amostral, aspecto que poderá ser alvo de pesquisas futuras.

Conclusão

Buscou-se, nesta pesquisa, analisar as inter-relações entre ocupação e prevalência de fatores de risco para diabetes mellitus tipo 2, existentes entre trabalhadores da equipe de enfermagem e demais trabalhadores de saúde, tendo-se partido da hipótese de que os integrantes da equipe de enfermagem, quando comparados a outros que desenvolvem atividades em hospitais, mas no desempenho de outras ocupações, apresentariam maior prevalência de fatores de risco para o desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 2.

A partir da análise da razão de prevalência, aplicada a todos os fatores de risco para DM2 investigados, mostraram-se estatisticamente significantes os seguintes fatores: obesidade abdominal, RCQ alterada, sedentarismo, tabagismo e HDL-colesterol <35mg/dl.

Dentre os fatores de risco com significância estatística, foram mais prevalentes entre os trabalhadores de enfermagem: obesidade abdominal, RCQ alterada e sedentarismo.

Conclui-se, assim, que, dentro do contexto estudado, os trabalhadores de enfermagem apresentam maior risco para desenvolver diabetes que os demais profissionais de saúde.

Tem-se clareza de que, do ponto de vista biológico, ser trabalhador de saúde ou de enfermagem, não determina se o indivíduo será ou não um portador de diabetes, tendo em vista o conhecimento epidemiológico atual. Entende-se, por outro lado, que o trabalho poderá ter repercussão indireta nesse processo, interferindo em variáveis sociodemográficas e psicossociais e, desse modo, constituindo-se foco de análise de suma importância, sobretudo no caso de uma doença como o DM2, que é alvo de interesse para a prevenção primária, cujo trabalho se baseia, essencialmente, na análise e intervenção no perfil total de risco do sujeito para agravo, incluindo, não somente, os aspectos biológicos.

Espera-se, com a realização do estudo, poder contribuir, em alguma medida, para o debate acerca dos fatores de risco para diabetes mellitus tipo 2 em trabalhadores de enfermagem e, em nível mais abrangente, sobre a manutenção da saúde do trabalhador.

Agradecimentos

Sinceros agradecimentos a Ana Roberta Vilarouca da Silva, Suyanne Freire de Macedo, Hérica Cristina Alves de Vasconcelos, Niciane Bandeira Pessoa Marinho, pela coleta de dados.

Referencias

  • 1
    Mendes R, organizador. Patologia do trabalho. 2. ed. São Paulo: Atheneu; 2005. 2910 p.
  • 2
    Martinez MC, Latorre MRDO. Fatores de risco para hipertensão arterial e diabete melito em trabalhadores de empresa metalúrgica e siderúrgica. Arq Bras Cardiol. 2006; 87(4):471-9.
  • 3
    Damasceno MMC, Almeida PC, Almeida VCF, Macêdo SF, Silva ARV. Perfil dos níveis pressóricos e glicêmicos de funcionários de instituições públicas hospitalares de Fortaleza-Ceará. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2006; 10(2):228-34.
  • 4
    Vilarinho RMF. Os fatores de risco para o diabetes mellitus e as ações de autocuidado entre os trabalhadores de enfermagem [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ; 2004. 153 p.
  • 5
    Shi FY, Du Q, Liu YY, Gao ZX, Qin LP, Song Y, Jia FY. [An epidemiologic study of diabetes mellitus in employees of Baotou Iron and Steel Company]. Zhonghua Yu Fang Yi Xue Za Zhi [Chin J Prev Med.] 2003; 37(5):361-4.
  • 6
    Ortiz MCA, Zanetti ML. Survey on risk factors for type-2 diabetes mellitus in an undergraduation school. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2001; 9(3):58-63. Inglês, Português, Espanhol.
  • 7
    Pinto JESS, Merino RGP, Fonseca ML, Santos RB, Oliveira JEP, Sant'anna NMM, et al. Avaliação da glicemia em funcionários da UFRJ. Arq Bras Endocrinol Metab. 2001; 45(5): Supl.1:567
  • 8
    Sousa MC, Damasceno MMC, Loureiro MFF, Sales ZN, Marques RLL, Almeida PC. Estimativa do potencial para desenvolver diabetes mellitus nos servidores do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará. Rev RENE. 2001; 2(2):25-30.
  • 9
    Elias MA, Navarro, VL. A relação entre o trabalho, a saúde e as condições de vida: negatividade e positividade no trabalho das profissionais de enfermagem de um hospital-escola. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2006; 14(4):517-25.
  • 10
    Risco Biológico. Risco biológico e profissionais de saúde. [acesso 20 jan 2004]. Disponível em: http://www.riscobiológico.org/riscos/riscos.htm
  • 11
    Ministério da Saúde (BR). Plano de reorganização da atenção à hipertensão arterial e ao diabetes mellitus: manual de hipertensão arterial e diabetes mellitus. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002. 102 p.
  • 12
    American Diabetes Association. Diagnosis and classification of diabetes mellitus. Diabetes Care. 2004; 27 Suppl 1: S5-10.
  • 13
    Consenso Latino Americano de Obesidade. Arq Bras Endocrinol Metab. 1999; 43(1):21-67.
  • 14
    III Diretrizes Brasileiras Sobre Dislipidemias e Diretriz de Prevenção da Aterosclerose do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2001; 77 Supl 3:1-48. [acesso 15 fev 2007]. Disponível em: http://publicacoes.cardiol.br/consenso/2001/77Supl-III/Dislipidemia.pdf
  • 15
    Fernandes J Filho. A prática da avaliação física: testes, medidas e avaliação física em escolares, atletas e academias de ginástica. 2.ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Shape; 2003. 268 p.
  • 16
    Navarro AM, Stedille MS, Unamuno MRDL, Marchini JS. Distribuição da gordura corporal em pacientes com e sem doenças crônicas: uso da relação cintura-quadril e do índice de gordura do braço. Rev Nutr. 2001; 14(1):37-41.
  • 17
    Sociedade Brasileira de Hipertensão – SBH, Sociedade Brasileira de Cardiologia – SBC e Sociedade Brasileira de Nefrologia – SBN. IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol. 2004;82Supl 4:7-14.
  • 18
    Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5.ed.São Paulo:Atlas; 2006. 207p.
  • 19
    Gale EA, Gillespie KM. Diabetes and gender. Diabetologia. 2001;44(1):3-15.
  • 20
    Afonso FM, Sichieri R. Associação do índice de massa corporal e da relação cintura/quadril com hospitalizações em adultos no Município do Rio de Janeiro, RJ. Rev Bras Epidemiol. 2002; 5(2):153-63.
  • 21
    Park PJ, Griffin SJ, Sargeant L, Wareham NJ. The performance of a risk score in predicting undiagnosed hyperglycemia. Diabetes Care. 2002; 25(6):984-8.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      21 Out 2010
    • Recebido
      04 Mar 2010
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br