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Perfil da população atendida em uma unidade de emergência referenciada

Resumos

O conhecimento das características da população que frequenta um serviço de emergência constitui ferramenta de planejamento de ações em saúde. O objetivo deste estudo foi identificar o perfil sociodemográfico e as principais queixas da população adulta, atendida na unidade de emergência referenciada (UER). O método usado foi o descritivo/retrospectivo, desenvolvido na UER de um hospital de ensino no interior do Estado de São Paulo. A amostra ficou constituída pelos boletins de atendimento (BAU), referentes ao período de janeiro a dezembro/2008. O instrumento utilizado foi estruturado com base nos dados do BAU.. Os resultados mostraram que a procura espontânea foi feita por mulheres jovens (14 aos 54 anos) dos bairros próximos à UER, durante a semana e no horário das sete às dezenove horas. As queixas mais frequentes foram: cefaleia, lombalgia, dores (abdominal, torácica). Conclui-se que o perfil da amostra foi, na maioria, composta por adulto jovem, idade produtiva, sexo feminino, demanda espontânea e no período diurno em dias úteis. Os atendimentos apontaram para queixas de baixa complexidade.

Serviços Médicos de Emergência; Perfil de Saúde; Enfermagem em Emergência


Acquiring knowledge concerning the characteristics of the population that seeks an emergency department can support the planning of health actions. This study identifies the socio-demographic profile and the main complaints of the adult population cared for in a Referral Emergency Unit (RECU). This descriptive and retrospective study was conducted in the RECU of a university hospital in the State of Sao Paulo, Brazil. The sample was composed of the service’s care forms generated for the period between January and December 2008. The instrument was based on data contained in the care forms. Young women (14 to 54 years old), residents of neighborhoods near the RECU, spontaneously sought the service during the week from 7am to 7pm. The most frequent complaints were headache, back pain, abdominal and chest pain. The conclusion is that most of the sample was young adults, of productive age, female, who spontaneously sought the service on weekdays during the day. Most complaints were of low complexity.

Emergency Medical Services; Health Profile; Emergency Nursing


El objetivo del estudio fue identificar el perfil sociodemográfico y las principales quejas de la población adulta atendida en la Unidad de Emergencia de Referencia (UER). El conocimiento de las características de la población que frecuenta un servicio de emergencia constituye una herramienta de planificación de las acciones en salud. Se trata de un estudio descriptivo/retrospectivo desarrollado en la UER de un hospital de enseñanza en el interior del estado de Sao Paulo. La muestra fue constituida por los boletines de atención(BAU) del período de enero a diciembre de 2.008. El instrumento utilizado fue estructurado con base en los datos del BAU. La búsqueda espontánea fue hecha por mujeres jóvenes (14 a 54 años) de los barrios próximos a la UER durante la semana y en el horario de las siete a las diecinueve horas. Las quejas más frecuentes fueron: cefalea, lumbago, dolores (abdominal, torácica). Se concluye que el perfil de la muestra fue en su mayoría adulto y joven, en edad productiva, de sexo femenino, con demanda espontánea y en el período diurno en días útiles. Las atenciones apuntaron para quejas de baja complejidad.

Servicios Médicos de Urgencia; Perfil de Salud; Enfermería de Urgencia


ARTIGO ORIGINAL

Perfil da população atendida em uma unidade de emergência referenciada

Gabriella Novelli OliveiraI; Michele de Freitas Neves SilvaII; Izilda Esmenia Muglia AraujoIII; Marco Antonio Carvalho FilhoIV

IAluna do curso de graduação em enfermagem, Departamento de Enfermagem, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil. E-mail: novellioliveira@gmail.com

IIEnfermeira, Mestranda, Departamento de Enfermagem, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), SP, Brasil. E-mail: michelefneves@hotmail.com

IIIEnfermeira, Doutora em Ciências Médicas, Professora, Departamento de Enfermagem, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil. E-mail: iema@fcm.unicamp.br

IVMédico, Doutor em Clínica Médica, Professor, Departamento de Clinica Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil. E-mail: macarvalhofilho@uol.com.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O conhecimento das características da população que frequenta um serviço de emergência constitui ferramenta de planejamento de ações em saúde. O objetivo deste estudo foi identificar o perfil sociodemográfico e as principais queixas da população adulta, atendida na unidade de emergência referenciada (UER). O método usado foi o descritivo/retrospectivo, desenvolvido na UER de um hospital de ensino no interior do Estado de São Paulo. A amostra ficou constituída pelos boletins de atendimento (BAU), referentes ao período de janeiro a dezembro/2008. O instrumento utilizado foi estruturado com base nos dados do BAU.. Os resultados mostraram que a procura espontânea foi feita por mulheres jovens (14 aos 54 anos) dos bairros próximos à UER, durante a semana e no horário das sete às dezenove horas. As queixas mais frequentes foram: cefaleia, lombalgia, dores (abdominal, torácica). Conclui-se que o perfil da amostra foi, na maioria, composta por adulto jovem, idade produtiva, sexo feminino, demanda espontânea e no período diurno em dias úteis. Os atendimentos apontaram para queixas de baixa complexidade.

Descritores: Serviços Médicos de Emergência; Perfil de Saúde; Enfermagem em Emergência.

Introdução

A situação dos serviços de emergência é, hoje, motivo de preocupação para a comunidade sanitária e a sociedade em geral, e o seu uso tem sido crescente nas últimas décadas(1), justificado pela existência de 185 hospitais com perfil de urgência e emergência(2-3).

As emergências em saúde são situações nas quais o atendimento não pode ser protelado, devendo ser imediato. Já as urgências são situações em que o atendimento pode ser prestado em tempo não superior a duas horas. Por fim, as situações não urgentes são definidas como aquelas que podem ser encaminhadas a um pronto atendimento ambulatorial, ou para o atendimento ambulatorial convencional(4-5).

Um dos argumentos apresentados para a demanda excessiva nos serviços de urgência/emergência hospitalar é que a maior parte dos atendimentos realizados é decorrente de problemas 'simples' que poderiam ser resolvidos em serviços de atenção básica ou especializados ou, ainda, em serviços de urgência de menor complexidade. Esse perfil de demanda configura uma das principais portas de entrada ao sistema de saúde e, possivelmente, revela, entre outras coisas, distribuição desigual da oferta de serviços, não apenas do ponto de vista quantitativo, mas, também, qualitativo, na atenção básica, especializada e também na hospitalar(6). Nesse contexto, o SUS criou a Política Nacional de Humanização (PNH) Humaniza SUS, que traz como princípio o acolhimento com avaliação e classificação de risco como uma das intervenções potencialmente decisivas na reorganização e realização da promoção da saúde em rede(7). Na França, tem-se observado maior procura pelos serviços de emergência clínica, como fonte de atenção primária, para muitos pacientes(8). A proporção de atendimentos não urgentes, realizados em unidades de emergência no setor pediátrico francês, é entre 28 e 76%. Na Europa, aproximadamente 40% dos atendimentos de adultos, realizados em unidades de emergência, não são urgentes, já nos EUA essa proporção está entre 5 e 82%(9).

No Brasil ainda não há um sistema de informação epidemiológica relacionado aos atendimentos em prontos-socorros, porém, está previsto nas Diretrizes da Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violência, aprovada em 2001. Essa diretriz visa a monitorização das ocorrências de acidentes e violências, além do conhecimento sobre o perfil de atendimento nos serviços de emergência(10).

Na unidade do presente estudo, o atendimento inicial do paciente é feito pelo enfermeiro que realiza aferição dos sinais vitais, verificação da queixa principal, avaliação dos fatores de risco e breve exame físico direcionado. Quando possível, o enfermeiro avalia o potencial de risco de morte e/ou complicações do paciente no estado atual e o classifica de acordo com a prioridade de atendimento. Os pacientes são classificados por cores, sendo elas: vermelho (o paciente tem risco de morte iminente e é encaminhado diretamente à sala de emergência), amarelo (o paciente deve ser atendido o mais rápido possível, porém, não corre risco iminente), verde (o paciente não corre riscos, mas apresenta queixa que deve ser resolvida com prioridade oportuna) e azul (casos que deveriam ser atendidos na rede básica de saúde). Entretanto, há ausência de protocolo de avaliação e classificação de risco e, após a avaliação do enfermeiro, o paciente aguarda ser chamado pelo médico para ser atendido, conforme a classificação do enfermeiro. Conhecer as características da população que frequenta um serviço de emergência torna-se fundamental para o planejamento das ações em saúde, pois, além de favorecer a diminuição das superlotações nos serviços, possibilita aos profissionais de saúde oferecer cuidado, com segurança, a essa clientela.

Objetivos

Identificar o perfil sociodemográfico da população adulta, atendida na unidade de emergência referenciada de um hospital de ensino.

Identificar as principais queixas da população adulta atendida nessa unidade.

Sujeitos e métodos

Trata-se de estudo descritivo e retrospectivo com abordagem quantitativa, desenvolvido em uma unidade de emergência referenciada (UER) de um hospital de ensino, no interior do Estado de São Paulo. O hospital é de grande porte, nível terciário e quaternário, com capacidade instalada para 403 leitos(11). Todos os atendimentos realizados são integralmente pagos pelo SUS. A UER realiza, em média, 400 atendimentos por dia; conta com oito leitos para pacientes intensivos e quatro destinados à ortopedia, bem como presta cuidado aos que aguardam leitos de internação.

A população estudada foi composta por clientela adulta, atendida na UER, no período de primeiro de janeiro a 31 de dezembro de 2008. A amostra foi constituída pelas fichas de boletins de atendimento (BAU), contempladas no sorteio determinado pelo programa SAS, totalizando 300 fichas por mês. A coleta foi realizada por dois dos pesquisadores, utilizando instrumento desenvolvido com base nos dados presentes no BAU da UER.

O instrumento contém dados que possibilitam a identificação e caracterização sociodemográfica e perfil das queixas dos usuários. Compreende os seguintes itens: iniciais do nome, número de registro no hospital, procedência, sexo e idade. Para identificar o perfil das queixas de saúde, manifestadas pela população, foram inseridas as seguintes questões: queixa principal que levou o indivíduo a procurar o serviço de emergência, antecedentes pessoais (doenças prévias) que podem influenciar no problema atual e valores dos sinais vitais, no momento da consulta de enfermagem. Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer nº 1114/2008), foi realizado o preenchimento de um banco de dados na planilha do programa Excel (Windows), seguindo o número da ficha sorteada. Os dados foram analisados de forma descritiva, utilizando o programa The SAS System for Windows (Statistical Analysis System), versão 6.12. The SAS Institute Inc, 1989-1996, Cary, NC, USA. Para análise dos horários de atendimento, foi estabelecido que seriam classificados de acordo com os horários de plantão dos funcionários. Os resultados foram apresentados em tabelas e gráficos, com suporte do serviço de estatística da instituição.

Resultados

De 3.600 BAUs que deveriam compor esta amostra, foram analisados apenas 3.424, pois 176 não estavam preenchidos adequadamente. Entre os pacientes atendidos, no período, 53,7% pertenciam ao sexo feminino e 46,3% do masculino, a média de idade foi de 41,6 anos (dp±34,6) com idade mínima de 14 anos e máxima de 94 anos. Entretanto, o maior número de fichas (75,5%) correspondeu aos indivíduos com idades entre 14 e 54 anos (Tabela 1).

Com relação à procura pela UER, 95,35% foi espontânea, com procedência de 74,8% do próprio do município, sendo que os bairros de Barão Geraldo e Cidade Universitária obtiveram 4,3%, Centro e Parque São Quirino 2,6% cada, representando aqueles de maior utilização do serviço. Outros bairros obtiveram percentuais menores e foram agrupados, somando-se 84,57%. Os respectivos dias da semana apresentaram distribuição equilibrada no número de atendimento e percebe-se que a procura foi maior no início da semana: segunda-feira 579 (17%), terça-feira 578 (16%), quarta-feira 513 (15%), quinta-feira 489 (14%), sexta-feira 487 (12%), sábado 417 (11%) e domingo 361 (10%), (Figura 1).


Dos horários de atendimento, classificados de acordo com os horários de plantão dos funcionários, das 7 às 12h59 foram atendidos 1.150 (45%) pacientes, das 13 às 18h59h 1.157 (34%), das 19 às 23h59 594 (17%) e das 0 às 6h59 118 (3%).

Quanto à classificação de risco, realizada pelo enfermeiro, a cor verde obteve 2.306 (67%), a azul teve 622 (18%), amarela 409 (12%) e vermelha 87 (2%). O tempo médio de queixa dos usuários foi de 40 dias com mínimo de um dia e máximo de 1.095 dias.

Foram identificadas 186 queixas e as dez mais frequentes foram: cefaleia 316 (9,22%), lombalgia 225 (6,57%), dor abdominal 174 (5,08%), dor torácica 161 (4,70%), dor em membros inferiores (MMII) 122 (3,56%), dor de garganta 109 (3,18%), tosse 104 (303%), epigastralgia 103 (3,00%), dispneia 98 (2,89%) e disúria 79 (2,30%). Não foram preenchidas as queixas principais em 4% (138) das fichas (Figura 2).


A sazonalidade das queixas não apresentou muita diversificação. Na primavera, as queixas mais citadas foram cefaleia 65 (7,9%), dor torácica 49 (6%) e lombalgia 48 (6%), no inverno, a cefaleia 79 (9,1%), tosse 58 (7%) e dor abdominal 50 (6,1%), no outono, cefaleia 102 (12%), lombalgia 54 (6,6%) e dor abdominal 39 (4,7%) e, no verão, lombalgia 78 (9,5%), cefaleia 65 (7,8%) e dor abdominal 43 (5,2%).

Os exames complementares mais solicitados pela equipe médica foram: exame laboratorial (sangue) 260 (7,5%), diagnóstico por imagem (raios X, ultrassom e tomografia) 216 (6,3%), fita urinária 145 (5%) e eletrocardiograma 130 (5%). Entre os procedimentos de enfermagem mais realizados teve-se: medicação endovenosa (EV)

1.450 (50 %), medicação via oral (VO) 290 (10%), coleta de sangue 260 (8%), medida da glicemia capilar 210 (7%), medicação intramuscular (IM) 145 (5%), medicação subcutânea (SC) 60 (2%), curativo 45 (2%) e lavagem intestinal 32 (1%) (Figura 3).


Do total de BAUs analisados, 668 (19,5%) não tiveram preenchido o dado hipótese diagnóstica e, daqueles que foram preenchidos (transcritos da mesma forma que no BAU), obteve-se o total de 384 hipóteses diagnóticas, sendo: lombalgia 137 (4%), infecção do trato urinário (ITU) 102 (3%), infecção de vias aéreas superiors (IVAS) 95 (2,70%), cefaleia 93 (2,50%), gastroenterocolite aguda 83 (2,4 %), sinusite 74 (2,2%), amigdalite 72 (2%), dispepsia 54 (1,5%), pneumonia 54 (1,4%), trauma 49 (1,5%) crise hipertensiva 48 (1,4%) e asma 35 (1%) (Tabela 2).

Após serem atendidos na unidade, verificou-se que a maioria 2.583 (74,1%) recebeu alta, ou seja, foram dispensados após a consulta, 837 (24,4%) dos pacientes foram encaminhados para outros serviços fora da instituição e 10 (0,2%) encaminhados para internação no hospital.

Durante a consulta de enfermagem, as mensurações dos parâmetros vitais dos pacientes apresentaram grandes variações. A pressão arterial sistólica (PAS) média foi de 140mmHg (mín=70; máx=220); pressão arterial diastólica (PAD) média 80mmHg (mín=40; máx=120), do total de 3.186 (93%) BAUs preenchidos em cada um dos dados. A frequência cardíaca teve média de 85 batimentos por minuto (bpm) (mín=46; máx=186), do total de 3.098 (89,9%) BAUs preenchidos nesse dado, e a respiratória obteve 18 movimentos respiratórios por minuto (mín=12; máx=32), do total de 3.18 (9,2%) BAUs preenchidos para esse dado. A temperatura média foi 36,5°C (mín=33; máx=39,5), do total de 1.306 (38,1%) BAUs preenchidos.

Na abordagem dos antecedentes pessoais dos usuários, verificou-se a presença de casos de diabetes mellitus em 248 (7,3%), hipertensão arterial sistêmica em 708 (20,9%), cardiopatia, 177 (5,1%), acidente vascular isquêmico 27 (0,8%) e HIV 35 (1%) e em torno de 6% de respostas em branco para cada um dos itens pesquisados.

Discussão

A distribuição por sexo dos pacientes atendidos na UER obteve maior porcentagem do sexo feminino em relação ao masculino. Esse perfil da população foi semelhante ao apontado pelo Datasus(12) do município estudado que, também, apontou 50,74% sexo feminino e 48,98% masculino, outros estudos nacionais corroboram essa distribuição(1,13-16). Em relação à faixa etária que mais utilizou a unidade, pode-se perceber que de 14 a 54 anos a soma foi de 75,5% dos atendimentos, o que demonstra a busca pelo serviço ser predominantemente feita pela população jovem, mulheres, na faixa etária acima mencionada, as que mais procuraram.

A maior utilização da UER foi de pessoas que residem nos bairros mais próximos a ela. Alguns estudos(1,13-14,17) apontam que o maior uso do serviço de emergência está relacionado à menor distância da moradia ao serviço, além da cultura imediatista dos usuários e, aqui, pode-se fazer analogia dos pacientes que esperam acesso e tratamento fáceis e rápido. Nesta pesquisa, o percentual dos que residem nas proximidades ficou abaixo de 10%, não é maioria expressiva e, talvez, não deva ser considerada relevante, entretanto, o destaque é para 74% da procura da UER ter sido espontânea, por usuários do próprio município, apontando a falência do atendimento, nesse local, apenas do usuário referenciado. Enquanto a demanda masculina por serviços ambulatoriais é descrita, em sua maior parte, como gerada pelo trabalho ou pelo seguro social, a demanda feminina representa ser voluntária, revelando maior propensão de as mulheres buscarem cuidados de saúde de modo espontâneo(6,15,18). Vários estudos mostram as causas de procura dos usuários aos serviços de urgência/emergência hospitalar, a acessibilidade geográfica é apontada como um dos motivos, assim como a qualidade geral do atendimento, a resolutividade do serviço, o acesso à medicação e as dificuldades de acesso às consultas na atenção básica(6,16,19-21).

A estrutura organizacional das unidades não hospitalares de atendimento à urgência e emergência, na região metropolitana de Campinas, apontou deficiências em relação à estrutura física, equipamentos, materiais e medicamentos que são bastante diversificados entre as unidades nos diferentes municípios estudados(21). A autora relata que esse fato pode se tornar tarefa complexa se o tratamento dos pacientes e o auxílio à atenção primária não forem resolvidos, tornando essas unidades de baixa resolubilidade e levando os usuários a procurarem os hospitais diretamente na busca de solução para seus problemas de saúde.

Os dias da semana com maior número de atendimento foram as segundas e terças-feiras e o maior volume de atendimentos ocorreu no período da manhã. com 45% seguido pelo período da tarde com 34%. Esses períodos com maior volume correspondem aos horários em que as unidades de saúde da rede estão abertas e que, a priori, deveriam absorver essa demanda(6,15). Esses achados corroboram estudos nacionais(1,6,14) e internacional(17) que apontaram a procura pelo período diurno. Ainda que as unidades de saúde da rede fiquem abertas, o modelo hospitalocêntrico ainda é o vigente no país, contudo, no campo da saúde, as reflexões sobre as transformações ocorridas no modelo de atenção à saúde vem substituindo esse modelo pela proposta do programa saúde da família(22).

Em relação à classificação de risco, ela é tarefa exclusiva do enfermeiro e deve ser feita pelos enfermeiros capacitados e com habilidades para reconhecer sinais e sintomas de gravidade, quando da chegada de um paciente em uma unidade de emergência. Na literatura, não há nenhum estudo comparando a classificação realizada pelo enfermeiro em relação às cores vermelha, amarela, verde e azul. O que foi percebido neste estudo é que os enfermeiros classificaram 67% dos pacientes na cor verde, isso pode representar a verdadeira demanda da unidade estudada, como também ser um dado falso positivo, pois, no local, ainda não existe protocolo de avaliação de risco, o que permite interpretações subjetivas das queixas dos usuários, por parte dos profissionais que realizam a avaliação.

Em relação às queixas mais frequentes, entre as 186 relatadas pelos pacientes, estavam presentes a cefaleia, lombalgia, dor abdominal, dor torácica, dor em MMII, dentre outras. Esses achados são similares aos obtidos em outros estudos(1,6,14,16), sendo destacado, na pesquisa realizada no Sul do país(1,23), que sintomas de doenças crônicas estiveram presentes, demonstrando que casos não emergenciais, muito frequentemente, comparecem à unidade de emergência para um manejo que poderia ser de seguimento ambulatorial. Ainda, nessa pesquisa, foi possível observar que a sazonalidade não interferiu nos tipos de queixas.

Das hipóteses diagnósticas, as mais frequentes: lombalgia, infecção do trato urinário (ITU), infecção de vias aéreas superiores, cefaleia, gastroenterocolite aguda e outras, apresentaram comportamentos semelhantes a outros estudos nacionais(1,14-16). Em outro estudo(14), os autores relacionaram as hipóteses diagnósticas com o pico de atendimentos como, por exemplo, à maior mobilidade da população no período de férias escolares e Carnaval e à mudança de hábitos alimentares nesse período, sendo destacadas as gastrenterites, cefaleias e infecções virais, segundo esse estudo, a análise desses dados só foram possíveis devido à criação de um banco de dados informatizado.

Nesta pesquisa, durante a coleta de dados, foi possível observar que não existe um banco de dados digital e o preenchimento incorreto, com letra ilegível ou de forma incompleta, dificultou, em parte, a realização da análise dos dados. Em outra pesquisa(6), a segunda maior causa da demanda foram as doenças do aparelho respiratório, seguidas das doenças do aparelho digestivo, retratando a pobreza e as condições de saúde da população nordestina como fator agravante para essas doenças. Em relação aos exames complementares mais solicitados pela equipe médica, neste estudo, exame laboratorial (sangue), diagnóstico por imagem, fita urinária e eletrocardiograma também há abordagem de alguns deles em outros estudo brasileiros(1,13-14), nos quais destacam a importância das unidades básicas demonstrarem ou ter maior resolutividade para a demanda dos exames complementares (urina, sangue e eletrocardiograma) serem absorvidos na atenção primária à saúde.

Os procedimentos de enfermagem mais realizados foram de baixa complexidade, envolvendo as medicações pelas diferentes vias, coleta de sangue, medida da glicemia capilar, sendo que, na literatura, não foi encontrado nenhum estudo que relacionasse os procedimentos de enfermagem à carga de trabalho dos profissionais de enfermagem em prontos-socorros. O destino do paciente, após a consulta, foi a dispensa para a maioria, o que aponta a inexistência de gravidade nos atendimentos, apesar da variação dos parâmetros vitais observados, durante a avaliação de risco realizada pelo enfermeiro, situação semelhante vista em estudos nacionais de grandes capitais como São Paulo, Florianopolis e Salvador(1,14,16).

O que se percebeu, portanto, com esta pesquisa, foi que a demanda poderia ser acolhida pela unidade básica de saúde (UBS) da área de residência do usuário, o que aponta para a necessidade da orientação deles quanto à utilização correta dos serviços disponíveis no município. Fato semelhante ocorre com as unidades de pronto atendimento que também têm sido subutilizadas por aqueles casos que poderiam ser tratados e atendidos nas UBSs(21,24-25). Como já mencionado por outro autor(22), a facilidade ao acesso da medicalização e a resolução dos pequenos problemas de saúde, nas unidades de emergências, faz com que muitas pessoas, mesmo sem a necessidade de atendimento de urgência e emergência, busquem-nas. Talvez seja devido às diferentes concepções dos usuários e profissionais de saúde em relação aos termos urgência e emergência.

Nesse sentido, seria importante articular o hospital (pronto-socorro), as unidades não hospitalares de atendimento à urgência e emergência e as UBSs para, estrategicamente, buscarem a inversão desse fluxo. O que significa que a "porta de entrada" deva ser iniciada na UBS e somente a demanda referenciada ser atendida, respeitando a hierarquia da complexidade dos casos. Ou seja, o hospital deveria ser unidade de referência para atendimentos de situações mais complexas.

Por meio de recente pesquisa de revisão bibliográfica brasileira(2) informa-se que os estudos internacionais sobre intervenções nas unidades de emergência sobre a superlotação são inconsistentes, pois são observacionais, não experimentais e utilizam desenhos de análise simples como antes e depois da intervenção, passíveis de vieses, no entanto, no âmbito brasileiro, concluiu-se que o tema de superlotação dos prontos-socorros deve ser colocado na agenda das pesquisas de saúde pública, pois ainda não há número suficiente de teses e dissertações sobre o tema.

Conclusão

O perfil da amostra adulta atendida na UER foi de adulto jovem, em idade produtiva, sexo feminino, procedente do próprio município, por demanda espontânea e no período diurno em dias úteis. Os atendimentos apontaram para queixas de baixa complexidade que, pela avaliação de risco, conforme as cores, obtiveram cor verde 67%, azul 18%, amarela 12% e vermelha 2%. Na cor verde (não corre riscos, porém, tem que ser resolvida com prioridade oportuna), foi possível observar queixas diversificadas, apresentando percentuais abaixo de 10%, como exemplo: cefaleia, lombalgia, dor abdominal, dor torácica, dentre outras. Quanto à sazonalidade não ocorreram queixas que tivessem características relacionadas a elas. Os resultados apontaram para demanda não condizente com o porte de uma unidade de emergência referenciada, ou seja, a busca está subestimada pela população.

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  • Corresponding Author:
    Gabriella Novelli Oliveira
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      16 Fev 2010
    • Aceito
      10 Dez 2010
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