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Prevalência e fatores associados ao uso de álcool em adolescentes grávidas

Resumos

OBJETIVO: identificar o uso de álcool e os fatores associados em adolescentes grávidas do município de Teresina, PI. MÉTODO: trata-se de estudo transversal com 256 adolescentes grávidas, cujos dados obtidos foram por meio de formulários com questões referentes às variáveis socioeconômicas, gestacionais e características do consumo de álcool e aplicação do Alcohol Use Desorders Identification Test, instrumento desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde, para rastreio do uso excessivo de álcool. Realizou-se análise estatística descritiva, teste qui-quadrado e Odds Ratio. RESULTADOS: o estudo aponta prevalência de 32,4% para o uso de álcool na gestação em adolescentes. Dessas, 36,1% possuíam escore compatível com uso de risco. Os fatores associados ao maior risco de uso de álcool na gestação são: não possuir companheiro, renda inferior a 1 salário-mínimo, não ter religião, realizar até 3 consultas de pré-natal, ter sofrido violência e uso de álcool em gestações anteriores. CONCLUSÃO: identificou-se alta prevalência do consumo de álcool em adolescentes grávidas e diversos fatores de risco envolvidos nesse processo. Esses dados refletem a necessidade de utilização, pelo enfermeiro, de tecnologias de rastreio para o consumo de álcool no período gestacional e estratégias de promoção da saúde junto a grupos de adolescentes.

Gravidez na Adolescência; Epidemiologia; Enfermagem; Saúde Mental


AIM: to identify alcohol use and the associated factors in pregnant adolescents of the municipality of Teresina-PI. METHOD: this is cross-sectional study with 256 pregnant adolescents whose data were obtained through questionnaires covering socioeconomic, pregnancy and alcohol consumption characteristics and through the application of the Alcohol Use Disorders Identification Test, an instrument developed by the World Health Organization for screening for the excessive use of alcohol. Descriptive statistical analysis was performed using the chi-square test and odds ratio. RESULTS: the study indicates a prevalence of 32.4% for alcohol use during pregnancy in adolescents. Of these, 36.1% had scores consistent with risky use. The factors associated with an increased risk of alcohol use during pregnancy are: not having a partner, living on less than 1 minimum wage, not being religious, performing up to 3 prenatal consultations, having suffered violence and alcohol use in previous pregnancies. CONCLUSION: a high prevalence of alcohol consumption by pregnant adolescents and various risk factors involved in this process were identified. These data reflect the need for the use, by nurses, of screening technologies for alcohol consumption during pregnancy and health promotion strategies among groups of adolescents.

Pregnancy in Adolescence; Epidemiology; Nursing; Mental Health


OBJETIVO: identificar el uso de alcohol y los factores asociados en adolescentes embarazadas en el municipio de Teresina, estado de Piauí, Brasil. MÉTODO: se trata de un estudio transversal con 256 adolescentes embarazadas cuyos datos fueron obtenidos por medio de formularios con preguntas referentes a variables socioeconómicas, de embarazo y características del consumo de alcohol y aplicación del Alcohol Use Desorders Identification Test, instrumento desarrollado por la Organización Mundial de la Salud para rastreo del uso excesivo de alcohol. Se realizó un análisis estadístico descriptivo: prueba chi-cuadrado y odds ratio. RESULTADOS: el estudio apunta una prevalencia de 32,4% para el uso de alcohol en el embarazo de adolescentes. De estas 36,1% poseen puntaje compatible con el uso de riesgo. Los factores asociados a mayor riesgo de uso de alcohol en el embarazo son: no poseer compañero, renta inferior a 1 salario mínimo, no tener religión, realizar hasta 3 consultas de prenatal, haber sufrido violencia y uso de alcohol en embarazos anteriores. CONCLUSIÓN: se identificó una alta prevalencia del consumo de alcohol en adolescentes embarazadas y diversos factores de riesgo que participan de este proceso. Estos datos reflejan la necesidad de que el enfermero utilice tecnologías de rastreo del consumo de alcohol en el período de embarazo y utilice estrategias de promoción de la salud en grupos de adolescentes.

Embarazo en la Adolescencia; Epidemiología; Enfermería; Salud Mental


ARTIGO ORIGINAL

Prevalência e fatores associados ao uso de álcool em adolescentes grávidas1

Lorena Uchôa Portela VelosoI; Claudete Ferreira de Souza MonteiroII

IMSc, Professor Titular, Universidade Estadual do Piauí, Teresina, PI, Brasil. Enfermeira, Fundação Municipal de Saúde, Teresina, PI, Brasil

IIPhD, Professor Adjunto, Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: identificar o uso de álcool e os fatores associados em adolescentes grávidas do município de Teresina, PI.

MÉTODO: trata-se de estudo transversal com 256 adolescentes grávidas, cujos dados obtidos foram por meio de formulários com questões referentes às variáveis socioeconômicas, gestacionais e características do consumo de álcool e aplicação do Alcohol Use Desorders Identification Test, instrumento desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde, para rastreio do uso excessivo de álcool. Realizou-se análise estatística descritiva, teste qui-quadrado e Odds Ratio.

RESULTADOS: o estudo aponta prevalência de 32,4% para o uso de álcool na gestação em adolescentes. Dessas, 36,1% possuíam escore compatível com uso de risco. Os fatores associados ao maior risco de uso de álcool na gestação são: não possuir companheiro, renda inferior a 1 salário-mínimo, não ter religião, realizar até 3 consultas de pré-natal, ter sofrido violência e uso de álcool em gestações anteriores.

CONCLUSÃO: identificou-se alta prevalência do consumo de álcool em adolescentes grávidas e diversos fatores de risco envolvidos nesse processo. Esses dados refletem a necessidade de utilização, pelo enfermeiro, de tecnologias de rastreio para o consumo de álcool no período gestacional e estratégias de promoção da saúde junto a grupos de adolescentes.

Descritores: Gravidez na Adolescência; Epidemiologia; Enfermagem; Saúde Mental.

Introdução

O consumo de álcool traz consigo forte simbolismo cultural por estar circunscrito a rituais religiosos, comemorações e confraternizações em geral, originando dependências na humanidade, pois é um hábito que não respeita etnia, religião, gênero, condição social.

Dados do I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, realizado em 2001, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), envolvendo a população das 107 maiores cidades do país, indicaram prevalência do uso do álcool na vida de 68,7% da população brasileira, entre 12 e 65 anos, sendo maior no sexo masculino (77,3%) do que para o feminino (60,6%), indicando ainda que 11,2% da população era dependente do álcool. Já no II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, realizado em 2005 pelo mesmo centro, nas 108 maiores cidades do país, verificou-se que a prevalência do uso de álcool na vida aumentou para 74,6%, estimando-se para o sexo masculino percentual de 83,5% e no feminino de 68,3%, com taxa de dependência da população pesquisada ficando em torno de 12,3%(1-2).

Os dados apontam incremento no consumo de bebidas alcoólicas pela população feminina, a qual carrega consigo especificidades de caráter biopsicossocial que fazem do comportamento de beber, em mulheres, fenômeno complexo, tanto pelo contexto social que se desenvolve como pelas consequências à sua saúde e às suas relações sociais.

Ademais, com o aumento do uso de álcool por mulheres, também se verifica o início cada vez mais precoce desse uso, muitas vezes associado a comportamento de risco no aspecto do exercício da sexualidade, expondo as adolescentes a eventual gravidez precoce e não planejada(3).

Em algumas situações, para a adolescente, a descoberta da gestação não se constitui, entretanto, motivo para a interrupção do consumo de álcool, esquecendo-se que esse comportamento produz danos não só para si, mas para a vida que está sendo gerada. Estudo sobre o perfil sociodemográfico de gestantes adolescentes, mostra que, em relação à ingestão de álcool, 26,6% admitiram ter ingerido, pelo menos em uma ocasião, durante a gestação, sendo 2,8% de forma abusiva(4).

O uso abusivo do álcool nas primeiras semanas de gestação pode estar relacionado aos casos de abortamento espontâneo, e seu consumo entre a terceira e a oitava semana de gestação pode causar maior risco de deformações físicas no feto. Já o efeito do álcool no recém-nascido é manifestado através da Síndrome Fetal Alcoólica (SAF), caracterizada por alterações na coordenação motora, anomalias articulares, malformações cardíacas, redução da capacidade intelectual, entre outros, que afeta 33% das crianças nascidas de mães que fizeram uso de mais de 150g de etanol por dia. Além disso, filhos de mulheres que consumiram moderadamente bebida alcoólica podem apresentar agitação, deficiência de sucção, durante o aleitamento, irritabilidade, sudorese e padrões anormais de sono, caracterizando um quadro de síndrome de abstinência(5).

O uso de álcool na gestação está relacionado a alguns fatores como não possuir companheiro, não ter religião, presença de episódios depressivos e episódios de violência, os quais favoreceriam a aquisição ou intensificação do hábito(6-9).

Nesse contexto, o presente estudo torna-se pertinente uma vez que o consumo de bebidas alcoólicas, durante a gestação, é agravo que traz sérias repercussões para a gestante e o feto. Investigar a prevalência, a caracterização desse consumo e os fatores que estariam associados tornam-se necessários para a visibilidade do problema, bem como para a formulação de estratégias para redução e prevenção de uso de álcool durante a gestação e para o conhecimento dos profissionais de saúde, que precisam estar sensibilizados e capacitados para criarem espaços e oportunidades nos quais a gestante revele a presença do alcoolismo e a identificação dos grupos de risco, elaboração de procedimentos de detecção desse problema, durante a consulta de pré-natal, garantindo melhor qualidade da assistência à gestante e ao feto, além de contribuir para a diminuição dos coeficientes de morbimortalidade materna e infantil e na incidência de prematuridade

Dessa forma, o objetivo deste estudo foi identificar o uso de álcool em adolescentes grávidas em um município do Nordeste do Brasil e avaliar os fatores associados a esse uso.

Método

Trata-se de estudo transversal, realizado em todas as unidades básicas de saúde nas quais funciona a Estratégia Saúde da Família em Teresina, Piauí, Brasil. A população fonte foi constituída por 658 gestantes menores de 20 anos (média mensal do ano 2009), inseridas no relatório do Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab) do município de Teresina. Foram considerados critérios de inclusão na pesquisa: gestante de 10 a 19 anos, 11 meses e 29 dias (faixa etária adolescente segundo a OMS), que estivessem realizando pré-natal e que a mesma ou o responsável consentissem em participar da pesquisa (nos casos daquelas menores de 18 anos).

Para o cálculo do tamanho da amostra, levou-se em consideração prevalência presumida de 26,6%(4), erro tolerável de 4% e nível de confiança de 95%, obtendo-se uma amostra de 280, a qual foi submetida a amostragem probabilística estratificada proporcional, segundo a coordenação de saúde onde essas gestantes estavam vinculadas: Regional Sul (33,4%), Regional Centro/Norte (33,6%) e Regional Leste/Sudeste (33%).

A coleta de dados foi realizada por meio do preenchimento de formulários divididos em duas partes: na primeira constavam questões referentes às variáveis sociodemográficas, gestacionais, características do consumo de álcool e especificidades do uso de álcool na gestação; na segunda estava inserido o Alcohol Use Desorders Identification Test (AUDIT), instrumento desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde como método simples para rastreio do uso excessivo de álcool(10).

Foram aplicados 256 formulários, no período de maio a julho de 2010, majoritariamente no dia da consulta de pré-natal, em sala privativa, respeitando-se a privacidade da gestante. Entretanto, foi necessária, em alguns casos, a busca ativa das gestantes nos domicílios. A perda de 8,6% do estudo deveu-se, principalmente, a mudanças de endereço entre as gestantes e recusa em participar da pesquisa.

Para análise estatística, utilizou-se o programa SPSS 12.0 para Windows. A variável dependente do estudo foi o uso de álcool na gestação atual, classificada dicotomicamente (sim/não). As variáveis quantitativas foram mensuradas por meio de média e desvio-padrão e as variáveis qualitativas por meio de frequências absolutas e relativas.

Posteriormente, algumas variáveis categóricas foram transformadas em dicotômicas para realização de testes: escolaridade (até 4 anos de estudo/acima de 4 anos de estudo), situação conjugal (com companheiro/sem companheiro), religião (com religião/sem religião), número de consultas pré-natal (até 3 consultas/acima de 3 consultas). O teste do qui-quadrado de Pearson e Odds Ratio (OR) foram empregados para avaliar a força de associação das variáveis que apresentaram correlação com a variável dependente (p<0,05).

O estudo foi autorizado pela Comissão de Ética Médica da Fundação Municipal de Saúde de Teresina e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (CAAE nº0208.0.045.000-09). Por se tratar de pesquisa que envolve seres humanos, foram cumpridas as exigências das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, regidas pela Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, tendo os sujeitos ou seus responsáveis assinado termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

A amostra se constituiu de adolescentes grávidas com idade entre 13 e 19 anos (X=17,0 e s=1,63). A prevalência de consumo de bebida alcoólica em algum momento da vida entre as adolescentes foi de 73,8% (n=189), com a idade de início do uso, em média, de 14,20 (s=2,00) e a prevalência de uso de álcool por adolescentes durante a gravidez foi 32,4% (n=83). Destaca-se que entre as adolescentes que afirmaram o uso de álcool, em algum momento na vida (n= 189), houve continuidade desse hábito durante a gestação em 43,9%.

A Tabela 1 apresenta a distribuição das adolescentes grávidas que fizeram uso ou não de álcool durante a gestação, quanto a variáveis socioeconômicas. Verifica-se que há predominância do uso de álcool durante a gestação na faixa etária de 17-19 anos (57,8%), escolaridade acima de 4 anos de estudo (84,3%), solteiras (69,9%), renda familiar de até um salário-mínimo (77,1%) e sem renda própria (96,4%), religião católica (75,9%) e procedentes da capital (67,5%). Vale salientar que, dentre as gestantes que declararam não ter religião, 56,2% fizeram uso de álcool nessa gestação.

Quanto às variáveis gestacionais, a Tabela 2 mostra que as gestantes que fizeram uso de álcool nesta gestação estavam no 3º trimestre da gestação (79,5%), eram primigestas (68,7%), não apresentaram histórico de aborto (83,1%), não planejaram a gravidez atual (91,6%), embora 69,9% afirmassem a utilização de métodos contraceptivos. Quanto às consultas de pré-natal, 53,0% das adolescentes grávidas realizaram até 3 consultas e 50,6% informaram intercorrências na gestação.

Quanto à caracterização do consumo de álcool durante a gestação, observa-se, na Tabela 3, que há predomínio de início do consumo no ambiente privado (49,3%) e em 50,6% dos casos a oferta foi feita por amigos. Em relação ao local de consumo atual, a bebida alcoólica é consumida mais frequentemente em locais públicos (59%) e a bebida mais consumida foi a cerveja (78,3%). Quanto a ter histórico familiar de consumo de bebida alcoólica, 75,9% responderam afirmativamente. O uso de outro tipo de droga foi referido por 10,8% das adolescentes grávidas, uso esse durante o período gestacional, 63,9% negaram o envolvimento em algum tipo de violência em função do consumo de bebida alcoólica, 37,4% já abandonaram atividades cotidianas em virtude do uso de álcool e 41% disseram ter tido algum problema físico e/ou social em função do uso de álcool. Dentre os motivos referidos para o consumo de bebida alcoólica destaca-se a influência de amigos/família/mídia (41,0%).

A Figura 1 mostra a distribuição das adolescentes grávidas que usaram álcool na gestação atual, segundo a zona em que foram classificadas no AUDIT. É possível verificar que 36,1% apresentaram uso de risco, 27,7% possível dependência, 25,3% uso nocivo e 10,8% baixo risco.


A Tabela 4 traz a correlação do uso de álcool na gestação com variáveis socioeconômicas, gestacionais e de consumo, das quais apresentaram significância: possuir companheiro (p<0,001), renda de até 1 salário-mínimo (p<0,001), não ter religião (p<0,002), ser primigesta (p<0,039), planejamento da gravidez (p<0,000), realizar até 3 consultas de pré-natal (p<0,045), presença de intercorrências na gestação (p<0,046), idade inferior a 14 anos no início do consumo de álcool (p<0,014), ter sofrido violência (p<0,001), não ter abandonado hábitos diários em função do uso de álcool (p<0,001), não ter tido problemas físicos e/ou sociais em função do uso de álcool (p<0,001) e uso de álcool em gestações anteriores (p<0,001).

Discussão

A prevalência do uso de bebida alcoólica na vida pelas adolescentes deste estudo é superior ao apresentado pelo Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes de Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública, realizado em 2004, em 27 capitais brasileiras, em que se observou a prevalência de uso de álcool na vida de 65,2%(11). Já a média de idade de início de consumo de álcool encontrada é semelhante à de estudos nos quais é relatado que as primeiras experiências com o álcool ocorrem por volta dos 10 a 15 anos de idade(12-13). Tal comportamento, associado à postura permissiva da sociedade, é uma clara demonstração de que as leis não estão sendo cumpridas; além disso, há estímulo ao consumo, desencadeado principalmente pelas propagandas comerciais sobre bebidas alcoólicas, o que indica a necessidade de revisão da legislação sobre as mesmas.

A prevalência do uso de álcool durante a gestação encontrada neste estudo também foi superior ao estudo sobre o perfil sociodemográfico de gestantes adolescentes, cuja prevalência foi de 26,6%, sendo 2,8% de forma abusiva(4). Esse fato caracteriza situação de vulnerabilidade, necessitando de abordagens específicas e urgentes para se promover mudanças no panorama encontrado. Destaca-se, ainda, neste estudo, que as adolescentes gestantes com antecedentes de uso de álcool na gestação possuíam 3,85 vezes mais chances de repetir o hábito do que as que não fizeram uso em gestações anteriores.

Os resultados deste estudo, ao mostrar a situação conjugal solteira como condição de risco para o consumo de álcool no período gestacional, corrobora dados da literatura científica que aponta ocorrência três vezes maior de consumo de bebida alcoólica durante a gravidez entre mulheres solteiras ao compará-las com casadas(6), provavelmente porque a gestação em mulheres solteiras, em geral, está associada a outros fatores de risco para o consumo de bebida alcoólica, como baixa escolaridade, baixo nível socioeconômico e gravidez indesejada.

No tocante ao baixo nível socioeconômico, além de predominante entre as adolescentes grávidas que fizeram uso de álcool durante a gestação, a renda abaixo de 1 salário-mínimo apresentou-se como fator de risco. Essa correlação entre nível econômico e consumo de álcool foi demonstrada em outro estudo, o qual verificou que é entre as classes mais baixas que o uso nocivo de álcool se apresenta mais expressivo(14).

A variável religião mostrou ter associação significativa, tendo as gestantes adolescentes sem religião 3,15 vezes mais chances de usar álcool na gestação. A religiosidade vem sendo apontada como importante fator de proteção para a saúde(7).

O planejamento da gravidez apresentou-se como fator de proteção para o consumo de álcool durante a gestação. A gravidez na adolescência é, na maioria das vezes, não planejada e está associada ao alto nível de desinformação, resultado da falta de educação sexual de qualidade, a não abordagem desse tema no núcleo familiar e pela ausência de programas educativos em escolas e instituições de saúde(15). Soma-se, ainda, o fato de que o consumo de bebida alcoólica alguma vez na vida aumenta em 2,5 vezes o risco de a adolescente apresentar comportamento de risco para a saúde sexual e reprodutiva, podendo levar a uma gravidez indesejada(16).

Na análise da estimativa de risco, ficou demonstrada associação entre o consumo de álcool e a ocorrência de intercorrências na gestação. A exposição ao álcool durante a gestação pode aumentar o risco de mortalidade e incidência de diferentes agravos à saúde da mulher e ao curso da gestação, bem como acarretar consequências ao recém-nascido, como malformações, baixo peso ao nascer, mortalidade perinatal e síndrome do alcoolismo fetal(5).

Além disso, torna-se relevante, no contexto deste estudo, os dados apontados pela análise do AUDIT sobre o padrão de consumo de risco apresentado pela maioria das adolescentes grávidas. O consumo de álcool por adolescentes costuma ser feito de maneira pesada, apresentando episódios de abuso (binge drinkking), comportamento esse que aumenta o risco de uma série de problemas sociais e de saúde(17-18).

Denota-se, ainda, a relação apresentada entre episódios de violência e o consumo de álcool por adolescentes grávidas, com o risco de 5,47 vezes maior de consumir álcool no período gestacional entre aquelas vítimas de violência. Esse dado reafirma estudo sobre o impacto da violência na gestação, mostrando que as adolescentes vitimadas estavam mais propícias ao tabagismo, uso de bebidas alcoólicas e drogas(19).

Quanto à assistência pré-natal, verificou-se nesta pesquisa que o baixo número de consultas (até 3) apresentou-se como fator de risco para o consumo de álcool durante a gestação. A não adesão ao pré-natal dificulta a identificação e intervenção sobre esse comportamento de risco durante a gestação, devendo essas ações figurarem como prioritárias na agenda dos profissionais de saúde. Dentre as estratégias a serem utilizadas para esse fim, deve-se considerar, como ferramenta importante para o planejamento de ações preventivas e de intervenção, a utilização de instrumentos de rastreamento, que permitam a detecção do problema logo na primeira consulta de pré-natal.

Estudo realizado com equipes de saúde da família concluiu que o rastreio e intervenções breves para o uso de álcool podem ser aplicados efetivamente dentro de uma rotina de pré-natal, em que os profissionais o utilizam não só como diagnóstico, mas, também, para a identificação de fatores de risco(20).

Conclusões

O estudo mostra alta prevalência de uso de álcool por adolescentes grávidas, estando esse consumo relacionado significativamente com baixo nível econômico, instabilidade nas relações conjugais, não religiosidade, multiparidade, início precoce do consumo de álcool, baixa adesão às consultas de pré-natal, uso do álcool em gestação anterior, episódios de violência, bem como abandono de hábitos cotidianos e a ocorrência de problemas físicos e/ou sociais em função do uso de álcool, condições essas verificadas como fatores de risco para o consumo de álcool durante a gestação.

Destacam-se, ainda, os achados quanto ao padrão de consumo de álcool que mostram altos percentuais de uso pesado de álcool, classificando-se mais de 50% nas zonas de uso nocivo e de possível dependência, tendo sido demonstrada, neste estudo, associação dose/dependente com a ocorrência de complicações durante a gravidez.

A baixa cobertura de pré-natal como fator de risco sugere a necessidade de reformulação das práticas de atenção ao pré-natal, haja vista a carência de rotinas e instrumentos que auxiliem os profissionais de saúde nas ações de prevenção e diagnóstico precoce do consumo de álcool na gestação. A avaliação adequada desse consumo é condição essencial para a prevenção da Síndrome Fetal do Álcool e dos efeitos tardios do desenvolvimento neurológico em filhos de gestantes que consumiram álcool.

Esses achados podem ter diversas implicações para os enfermeiros, notadamente para aqueles cuja prática cotidiana se faz com atenção pré-natal, no sentido de incluir essas novas tecnologias de rastreio para a detecção precoce do consumo de álcool no período gestacional, bem como para aqueles que trabalham junto a grupos de adolescentes, com a adoção de condutas preventivas frente ao consumo de álcool.

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  • Corresponding Author:
    Claudete Ferreira de Souza Monteiro
    Universidade Federal do Piauí Campus Universitário Ministro Petrônio Portella
    Bairro Ininga
    CEP: 64049-550, Teresina, PI, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from Doctoral Dissertation "Uso de álcool por adolescentes grávidas: prevalência e fatores associados" presented to Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Jul 2012
    • Aceito
      03 Dez 2012
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