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Desempenho da triagem rápida realizada por enfermeiros na porta de emergência* * Artigo extraído da dissertação de mestrado “Desempenho da ‘triagem rápida’ realizada por enfermeiros na porta de emergência e sinais e sintomas associados à classificação de pacientes graves”, apresentada à Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

Objetivo:

comparar o desempenho da triagem rápida realizada pelos enfermeiros na porta de emergência e do Sistema Manchester de Classificação de Risco (SMCR) na identificação do nível de prioridade de atendimento dos pacientes de demanda espontânea e predição de variáveis relacionadas à internação hospitalar.

Método:

estudo transversal realizado em um Pronto Socorro (PS) de hospital universitário em São Paulo. Os níveis de prioridade estabelecidos na triagem rápida realizada pelos enfermeiros foram alta prioridade (pacientes de demanda espontânea direcionados à sala de emergência) ou baixa prioridade (aqueles encaminhados ao fluxo habitual da instituição). Medidas de acurácia diagnóstica foram calculadas para avaliar o desempenho dos índices.

Resultados:

dos 173 pacientes (52,0% sexo feminino; idade média 60,4±21,2 anos) avaliados, observou-se que a triagem rápida foi mais inclusiva para alta prioridade e apresentou melhor sensibilidade e pior especificidade do que o SMCR. A probabilidade de pacientes não graves serem admitidos na observação da emergência foi menor pela triagem rápida. Para a predição das outras variáveis, os sistemas apresentaram resultados insatisfatórios.

Conclusão:

os enfermeiros superestimaram a classificação de pacientes como alta prioridade e a triagem rápida obteve melhor desempenho que o SMCR na predição de admissão na sala de observação do PS.

Descritores:
Triagem; Gravidade do Paciente; Emergências; Serviços Médicos de Emergência; Enfermagem; Eficiência


Objective:

to compare the performance of the rapid triage conducted by nurses at the emergency entrance and of the Manchester Triage System (MTS) in identifying the priority level of care for patients with spontaneous demand and predicting variables related to hospitalization.

Method:

a cross-sectional study carried out in an Emergency Department (ED) of a university hospital in São Paulo. The priority levels established in the rapid triage performed by nurses were high priority (patients of spontaneous demand directed to the emergency room) or low priority (those referred to the institution’s usual flow). Diagnostic accuracy measures were calculated to assess the performance of the indexes.

Results:

of the 173 patients (52.0% female, with mean age of 60.4 ± 21.2 years old) evaluated, it was observed that rapid triage was more inclusive for high priority and had better sensitivity and worse specificity than the MTS. The probability of non-severe patients being admitted to the emergency observation unit was lower due to the rapid triage. For the prediction of the other variables, the systems presented unsatisfactory results.

Conclusion:

the nurses overestimated the classification of patients as high priority, and rapid triage performed better than MTS in predicting admission to the emergency observation unit.

Descriptors:
Triage; Patient Acuity; Emergencies; Emergency Medical Services; Nursing; Efficiency


Objetivo:

comparar el desempeño del triaje rápido realizado por el personal de enfermería en la puerta de emergencias y del Manchester Triage System (MTS) al identificar el nivel de prioridad de atención a los pacientes de demanda espontánea y la predicción de las variables relacionadas con la internación.

Método:

estudio transversal realizado en un Servicio de Emergencias (SE) de un hospital universitario de São Paulo. Los niveles de prioridad establecidos en el triaje rápido realizado por los enfermeros fueron de alta prioridad (pacientes de demanda espontánea dirigidos a la sala de emergencias) o de baja prioridad (los remitidos al flujo habitual de la institución). Se calcularon medidas de exactitud diagnóstica para evaluar el desempeño de los índices.

Resultados:

de los 173 pacientes (52,0% mujeres; edad promedio 60,4±21,2 años) evaluados, se observó que el triaje rápido fue más inclusivo en casos de alta prioridad y presentó mejor sensibilidad y peor especificidad que el MTS. La probabilidad de que los pacientes no graves fueran admitidos en el área de observación del servicio de emergencias fue menor gracias al procedimiento de triaje rápido. En cuanto a la predicción de las demás variables, los sistemas presentaron resultados no satisfactorios.

Conclusión:

los enfermeros sobrestimaron la clasificación de los pacientes como alta prioridad y el triaje rápido obtuvo un mejor desempeño que el MTS para predecir el ingreso en la sala de observación del SE.

Descriptores:
Triaje; Gravedad del Paciente; Urgencias Médicas; Servicios Médicos de Urgencia; Enfermería; Eficiencia


Introdução

A superlotação nos serviços de emergência é realidade em muitas instituições. Nesse cenário, a Classificação de Risco (CR) surgiu como uma ferramenta para otimizar o atendimento nas emergências e identificar pacientes que necessitam ter prioridade na assistência e no tratamento, por meio de um processo dinâmico de avaliação(11 Anziliero F, Dal Soler BE, Silva BA, Tanccini T, Beghetto MG. Manchester System: time spent on risk classification and priority of care at an emergency medical service. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(4):e64753. doi: 10.1590/1983-1447.2016.04.64753
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
-22 Steirner D, Renetseder F, Kutz A, Haubitz S, Faessler L, Anderson JB, et al. Performance of the Manchester Triage System in adult medical emergency patients: a prospective cohort study. J Emerg Med. 2016;50(4):678-89. doi: 10.1016/j.jemermed.2015.09.008
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).

Entre os diferentes sistemas de CR aplicados nos serviços de emergência, destaca-se o Sistema Manchester de Classificação de Risco (SMCR)(33 Mackway-Jones K, Marsden J, Windle J. Emergency triage/Manchester triage group. 3rd ed. Cowley: BMJ Books; 2014.) como um dos mais utilizados nas instituições brasileiras. O SMCR é baseado na identificação da queixa principal do paciente e estabelece, por meio de fluxogramas de decisão e discriminadores, o tempo máximo para a primeira avaliação médica(33 Mackway-Jones K, Marsden J, Windle J. Emergency triage/Manchester triage group. 3rd ed. Cowley: BMJ Books; 2014.). Assim, pacientes classificados pelo SMCR como cor vermelha (emergência) necessitam de atendimento imediato, cor laranja (muito urgente) em até 10 minutos, amarelo (urgente) em no máximo 60 minutos, verde (pouco urgente) e azul (não urgente) em até 120 e 240 minutos, respectivamente(33 Mackway-Jones K, Marsden J, Windle J. Emergency triage/Manchester triage group. 3rd ed. Cowley: BMJ Books; 2014.).

Apesar da importância comprovada da CR na organização dos serviços de emergência, o tempo de espera decorrido entre a abertura da ficha de atendimento e a CR pode variar de acordo com a demanda do momento, sendo possível enfrentar filas, o que, para alguns pacientes, significa sérios agravos à saúde em decorrência do atraso no início do tratamento(22 Steirner D, Renetseder F, Kutz A, Haubitz S, Faessler L, Anderson JB, et al. Performance of the Manchester Triage System in adult medical emergency patients: a prospective cohort study. J Emerg Med. 2016;50(4):678-89. doi: 10.1016/j.jemermed.2015.09.008
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). Além disso, estudo que analisou doentes classificados na categoria vermelho segundo o SMCR identificou, na casuística, tempo médio entre a chegada na instituição e o término da classificação de 8 minutos, o que pode representar um gasto de tempo valioso para este tipo de paciente(11 Anziliero F, Dal Soler BE, Silva BA, Tanccini T, Beghetto MG. Manchester System: time spent on risk classification and priority of care at an emergency medical service. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(4):e64753. doi: 10.1590/1983-1447.2016.04.64753
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).

Ainda se tratando dos pacientes classificados na categoria vermelho, pesquisas mostram que, em alguns serviços de emergência, os pacientes graves são geralmente atendidos antes mesmo da abertura da ficha de registro hospitalar e a CR é realizada de forma retroativa, após a estabilização clínica do doente(11 Anziliero F, Dal Soler BE, Silva BA, Tanccini T, Beghetto MG. Manchester System: time spent on risk classification and priority of care at an emergency medical service. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(4):e64753. doi: 10.1590/1983-1447.2016.04.64753
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,44 Lauks J, Mramor B, Baumgartl K, Maier H, Nickel CH, Bingisser R. Medical team evaluation: effect on emergency department waiting time and length of stay. PLoS One. 2016;11(4):e0154372. doi: 10.1371/journal.pone.0154372
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-55 Chianca TCM, Costa RM, Vidigal MV, Silva LCR, Diniz GA, Araújo JHV, et al. Waiting time for assistance using the Manchester Triage System in an emergency hospital. Rev Min Enferm. 2016;20:e988. doi: 10.5935/1415-2762.20160058
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).

Portanto, é perceptível que a implantação de um protocolo de CR não garante o atendimento nos tempos preconizados, sendo assim indispensável a organização de fluxos gerenciais e assistenciais que agilizem o acesso do paciente ao serviço, atendimento e tratamento nos tempos adequados de acordo com o seu nível de gravidade(55 Chianca TCM, Costa RM, Vidigal MV, Silva LCR, Diniz GA, Araújo JHV, et al. Waiting time for assistance using the Manchester Triage System in an emergency hospital. Rev Min Enferm. 2016;20:e988. doi: 10.5935/1415-2762.20160058
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). É o caso de pacientes de alta prioridade (emergências e muito urgentes), por exemplo, que necessitam, muitas vezes, de uma rápida avaliação profissional (neste estudo denominada “triagem rápida”), ainda na porta de emergência do hospital, para que seja possível detectar precocemente a gravidade e proceder o encaminhamento para o atendimento imediato na sala de emergência.

Na presente pesquisa, a triagem rápida, aplicada somente aos pacientes que chegam ao serviço referindo gravidade na porta de emergência, é realizada de maneira empírica, sem protocolos e ou sistemas de CR, ou seja, o enfermeiro faz uma rápida avaliação do estado geral e queixa do paciente, ainda no veículo de transporte, para determinar se está diante de uma emergência e necessita de cuidados imediatos (encaminhamento para sala de emergência) ou se o mesmo pode realizar o fluxo normal da instituição (abertura da ficha de registro hospitalar e espera pela CR em setor não crítico).

Vale salientar que o objetivo da triagem rápida na porta da emergência é identificar, dentre os pacientes de demanda espontânea, aqueles com potencial risco à vida e, para tanto, exige tomada de decisão imediata do profissional da saúde (médico ou enfermeiro) que atua no serviço de emergência, a partir de dados clínicos, informações subjetivas e experiência prévia(66 Souza CC, Chianca TCM, Cordeiro Júnior W, Rausch MCP, Nascimento GFL. Reliability analysis of the Manchester Triagem System: inter-observer and intra-observer agreement. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2018;26:e3005. doi: 10.1590/1518-8345.2205.3005
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), além do uso de processos cognitivos e intuitivos. Esta situação difere daqueles pacientes encaminhados ao hospital por viaturas do serviço pré-hospitalar ou ambulâncias particulares, uma vez que estão assistidos por um profissional de saúde e já receberam os cuidados iniciais.

Por fim, a correta identificação de pacientes com alta prioridade por meio da triagem rápida potencializa as chances de sobrevida. Por outro lado, a identificação dos pacientes com baixa prioridade (urgente, pouco urgente ou sem urgência) evita a superlotação do setor de emergência, impedindo que recursos humanos e materiais sejam desviados para a assistência daqueles sem reais condições de gravidade e que poderiam ser avaliados em setores menos críticos(22 Steirner D, Renetseder F, Kutz A, Haubitz S, Faessler L, Anderson JB, et al. Performance of the Manchester Triage System in adult medical emergency patients: a prospective cohort study. J Emerg Med. 2016;50(4):678-89. doi: 10.1016/j.jemermed.2015.09.008
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).

Diante do exposto, surgiu a inquietação a respeito da triagem rápida realizada por enfermeiros em casos de pacientes provenientes de demanda espontânea e que chegam à porta da emergência referindo gravidade. Algumas perguntas nortearam esta inquietação: se os mesmos pacientes fossem triados pelo protocolo do SMCR teriam a mesma classificação? Qual o desempenho da triagem rápida em comparação ao SMCR na predição de diferentes variáveis relacionadas à admissão hospitalar dos pacientes?

Neste sentido, o objetivo desta pesquisa foi comparar o desempenho da triagem rápida realizada pelos enfermeiros na porta de emergência e do SMCR na identificação do nível de prioridade (alta ou baixa) de atendimento dos pacientes de demanda espontânea e predição de variáveis relacionadas à internação hospitalar.

Método

Trata-se de um estudo observacional, descritivo, transversal, de abordagem quantitativa desenvolvido no Pronto Socorro (PS) adulto de um hospital universitário, de nível secundário, localizado na cidade de São Paulo. O hospital atende pacientes de demanda espontânea, além daqueles encaminhados pelo serviço pré-hospitalar ou referenciados da rede pública de saúde. Clínica médica, cirurgia geral, ortopedia, otorrinolaringologia, bucomaxilofacial, ginecologia e obstetrícia são as especialidades médicas presentes na instituição.

Quanto ao fluxo de atendimento do hospital, os pacientes que procuram o serviço de urgência e emergência necessitam retirar uma senha para abertura de ficha de registro hospitalar na recepção. Após este procedimento, aguardam na sala de espera (setor não crítico) para a CR que é realizada por enfermeiros habilitados segundo o protocolo do SMCR. Nos casos de doentes que chegam ao serviço por demanda espontânea referindo gravidade na porta de emergência, a triagem rápida é realizada pelo enfermeiro da sala de emergência e, se o paciente for classificado como de alta prioridade, o atendimento médico é imediatamente iniciado no setor crítico e a ficha de registro hospitalar é aberta posteriormente pelo familiar ou acompanhante. Ressalta-se que todos os enfermeiros do PS da instituição possuem treinamento sobre CR segundo o protocolo do SMCR.

A amostra, por conveniência, foi composta pelas avaliações (triagens), realizadas pelos enfermeiros do PS, de pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, provenientes de demanda espontânea, trazidos em veículos particulares e que chegaram à porta de emergência referindo gravidade no período de 1º de maio a 13 de dezembro de 2017 e no horário em que o SMCR é aplicado no hospital (das 7 h às 19 h).

Foram excluídos da pesquisa pacientes em intercorrências obstétricas ou em trabalho de parto pois, nesses casos, as mesmas são encaminhadas diretamente ao PS obstétrico, não sendo avaliadas pelo enfermeiro do PS adulto.

Para caracterizar os pacientes, foram analisadas as variáveis sexo, idade, número e tipo de comorbidades, clínica responsável pelo primeiro atendimento médico e diagnóstico médico de saída. O nível de prioridade atribuído pelos enfermeiros após a triagem rápida foi identificado como alta prioridade (pacientes direcionados à sala de emergência, sala do trauma ou setor de observação do PS) ou baixa prioridade (pacientes encaminhados ao fluxo normal da CR da instituição). Para o SMCR(77 Becker JB, Lopes MCBT, Pinto MF, Campanharo CRV, Barbosa DA, Batista REA. Triage at the Emergency Department: association between triage levels and patient outcome. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(5):783-9. doi: 10.1590/S0080-623420150000500011
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), as categorias de prioridade foram definidas como alta (cores vermelha ou laranja) ou baixa prioridade (cores amarelo, verde ou azul) determinadas segundo fluxograma e discriminador identificados a partir da queixa principal do paciente ou familiar.

Em relação às variáveis de internação hospitalar, foram analisadas a admissão do paciente na observação do PS, o tempo de permanência hospitalar, a admissão em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e a condição de saída hospitalar (sobrevivente ou não sobrevivente).

Para a coleta de dados foram utilizados três instrumentos elaborados pelos pesquisadores e submetidos a pré-teste por um período de 15 dias que antecedeu o início da coleta de dados. Ao término do pré-teste, não foi necessária nenhuma alteração nos instrumentos inicialmente propostos.

O primeiro instrumento, denominado “Formulário de triagem rápida”, era composto pelas seguintes informações: data e hora da triagem, dados do paciente (data de nascimento e sexo), número do registro hospitalar, queixa principal referida pelo doente, sinais e sintomas identificados pelo enfermeiro segundo as categorias respiração/ventilação, pulso, disfunção neurológica, perfusão, dor, hemorragias, ferimentos e deformidades, além do encaminhamento dado ao paciente: alta ou baixa prioridade. As informações sobre sexo, sinais e sintomas e encaminhamento dado ao paciente eram disponibilizadas no formato checklist. Além disso, o instrumento continha espaços adicionais para a inserção descritiva da queixa principal do paciente e de outros sinais e sintomas não contemplados nas categorias descritas anteriormente.

O segundo instrumento, denominado “Formulário de CR adaptado do Sistema Manchester”, foi utilizado para registrar os dados pertinentes a CR realizada pela pesquisadora segundo o SMCR. Este instrumento contemplava informações sobre o registro hospitalar do paciente, data e hora da CR, situação/queixa de apresentação e os dados do SMCR (fluxograma, discriminador, sinais vitais e nível de prioridade atribuída segundo o sistema).

Por fim, o terceiro instrumento “Formulário de caracterização da evolução dos pacientes” foi utilizado para a coleta de dados referentes ao desfecho dos pacientes que foram avaliados durante a triagem rápida. O instrumento continha dados sobre o número do registro hospitalar, comorbidades apresentadas pelo paciente, clínica responsável pelo atendimento, diagnóstico médico de saída e tempo de permanência hospitalar. Além disso, no formato checklist, informações sobre admissão na sala de observação do PS, internação em enfermaria, admissão na UTI e desfecho clínico (alta, óbito, evasão ou transferência) do paciente eram contempladas neste instrumento.

A coleta de dados foi realizada em duas etapas. Na primeira, as informações sobre o nível de prioridade atribuído aos pacientes de demanda espontânea trazidos em veículos particulares foram identificadas a partir da observação direta da triagem rápida realizada pelos enfermeiros na porta de emergência do hospital. Para tanto, ao final de cada avaliação, o pesquisador perguntava ao enfermeiro triador qual a classificação dada ao paciente (alta ou baixa prioridade). Esses dados possibilitaram o preenchimento do instrumento “Formulário de triagem rápida”. Concomitantemente à triagem rápida, mas de forma independente para garantir que não houvesse influência na avaliação do enfermeiro, o pesquisador (também habilitado pelo SMCR) realizava a classificação desses pacientes (alta ou baixa prioridade), aplicando o SMCR e inseria as informações no “Formulário de CR adaptado do Sistema Manchester”. Na segunda etapa, foi preenchido o “Formulário de caracterização da evolução dos pacientes” a partir dos dados resgatados dos prontuários dos pacientes relacionados ao atendimento na emergência, a internação hospitalar e ao desfecho clínico. Destaca-se que, para a coleta dos dados desta pesquisa, não houve qualquer tipo de alteração no fluxo de pacientes na instituição.

A análise do desempenho da triagem rápida e do SMCR foi avaliada por meio da identificação da sensibilidade, especificidade, acurácia, valor preditivo positivo (VPP), valor preditivo negativo (VPN), razão de verossimilhança positiva (RVP) e razão de verossimilhança negativa (RVN).

Devido à falta de clareza na literatura sobre um padrão-ouro para a triagem rápida realizada na porta de emergência, as variáveis tempo de permanência hospitalar superior a 24 horas, admissão na observação do PS, admissão em UTI e óbito foram testadas para a condição real de saúde (grave como alta prioridade ou não grave como baixa prioridade). Os conceitos de undertriage (pacientes classificados como baixa prioridade e que apresentam uma condição real de saúde grave) e overtriage (pacientes classificados como alta prioridade e que não apresentam uma condição real de saúde grave) foram aplicados.

O estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (parecer nº 1.969.864) e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi obtido dos enfermeiros e dos pacientes (ou representantes legais) que participaram da pesquisa.

Resultados

Durante o período do estudo, 173 pacientes de demanda espontânea foram avaliados e triados por enfermeiros na porta de emergência do PS adulto. Nove pacientes foram avaliados em duas ocasiões diferentes no período do estudo (casos de readmissão na instituição), caracterizando duas avaliações distintas e totalizando 182 atendimentos (avaliações).

Entre os pacientes triados, prevaleceu o sexo feminino (52,0%) com média de idade de 60,4 (±21,2) anos. A hipertensão arterial sistêmica (44,5%) foi a comorbidade mais frequente e os pacientes apresentavam, em média, aproximadamente duas comorbidades.

Os atendimentos dos pacientes (n=182) foram, em sua maioria, clínicos (72,0%), sendo que o principal diagnóstico de saída hospitalar foi representado por sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte (24,2%). A maioria dos pacientes (67,6%) permaneceu por menos de 24 horas na instituição e/ou foi admitida na observação do PS (56,0%). A taxa de sobrevida foi de 86,8%.

O encaminhamento e a condição de saída dos pacientes na instituição após classificação na triagem rápida (alta ou baixa prioridade) estão descritos na Figura 1. Observa-se que, dentre os pacientes classificados como alta prioridade e que evoluíram a óbito (n=23), nove (39,2%) morreram durante o primeiro atendimento na sala de emergência. Os óbitos restantes (n=14) aconteceram na observação do PS (34,8%), na enfermaria (13,0%) e na UTI (13,0%). Um paciente classificado como baixa prioridade pelo enfermeiro na triagem rápida morreu posteriormente na UTI.

Figura 1
Fluxograma do encaminhamento e condição de saída dos pacientes na instituição após classificação na triagem rápida. São Paulo, SP, Brasil, 2017

*PS = Pronto-Socorro; UTI = Unidade de Terapia Intensiva


Na comparação da triagem rápida com o SMCR, houve discordância em 20,9% na categorização da prioridade dos pacientes, sendo a primeira mais inclusiva para alta prioridade, conforme mostra a Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição dos atendimentos (n=182), segundo categorias de gravidade (alta ou baixa prioridade) identificadas pela triagem rápida e pelo Sistema Manchester de Classificação de Risco (SMCR). São Paulo, SP, Brasil, 2017

Conforme descrito anteriormente, foi necessário testar algumas variáveis, uma vez que o padrão-ouro para a triagem rápida realizada na porta de emergência não é claramente definido. Na análise do desempenho dos dois sistemas na predição das diferentes variáveis testadas (Tabela 2), a triagem rápida apresentou melhor sensibilidade e pior especificidade do que o SMCR. Além disso, os VPN foram melhores que os VPP, mostrando que tanto a triagem rápida quanto o SMCR, quando classificam um paciente como de baixa prioridade, retratam menor probabilidade do mesmo apresentar a condição dada, ou seja, permanecer por mais de 24 horas no hospital, ser admitido na sala de observação do PS ou na UTI e/ou evoluir a óbito.

Tabela 2
Desempenho da triagem rápida (TR) e do Sistema Manchester de Classificação de Risco (SMCR) na predição das variáveis tempo de permanência hospitalar, admissão na observação do pronto-socorro (PS), admissão em unidade de terapia intensiva (UTI) e óbito. São Paulo, SP, Brasil, 2017

Para a variável admissão na observação do PS, os melhores valores de desempenho dos sistemas foram identificados em comparação às outras variáveis investigadas, especialmente pela triagem rápida. Os valores de VPP e RVP na predição de admissão na sala de observação do PS foram bastante semelhantes entre os sistemas (Tabela 2). Entretanto, ao analisar os resultados de VPN, nota-se que a probabilidade de pacientes não graves serem admitidos na observação do PS foi menor pela triagem rápida (100,0% - 78,6% = 21,4%) do que pelo SMCR (100,0% - 66,0% = 34,0%) e isto é decorrente da boa RVN associada à classificação de baixa prioridade pela triagem rápida. Destaca-se ainda que a triagem rápida apresentou menor taxa de undertriage e maior taxa de overtriage que o SMCR em todos os cenários avaliados.

Discussão

A CR é essencial para qualquer serviço de saúde, especialmente em locais onde a superlotação na emergência faz parte da rotina dos profissionais. Algumas situações especiais, como a realização da triagem rápida por enfermeiros para avaliação de pacientes de demanda espontânea, são necessárias, considerando as especificidades de cada serviço. Desse modo, conhecer o desempenho dessa triagem rápida é um importante passo para direcionar estratégias de melhorias na identificação precoce de pacientes graves que chegam na porta de emergência e na organização de fluxos de atendimento, com o objetivo de aumentar a sobrevida desta população.

No que diz respeito às características dos pacientes avaliados, a maior frequência do sexo feminino corrobora com a maioria dos achados de estudos realizados em serviços de emergência(11 Anziliero F, Dal Soler BE, Silva BA, Tanccini T, Beghetto MG. Manchester System: time spent on risk classification and priority of care at an emergency medical service. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(4):e64753. doi: 10.1590/1983-1447.2016.04.64753
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
,88 Santos AP, Freitas P, Martins MG. Manchester Triage System version II and resource utilisation in the emergency department. Emerg Med J. 2014;31(2):148-52. doi: 10.1136/emermed-2012-201782
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10 McMullen ME, Pines JM. Assessing severity, immediacy, and ideal setting in ED patients: a pilot study on interrater reliability. Am J Emerg Med. 2016;34(7):1276-80. doi: 10.1016/j.ajem.2016.04.031
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11 Alexander D, Abbott L, Zhou Q, Staff I. Can triage nurses accurately predict patient dispositions in the emergency department? J Emerg Nurs. 2016;42(6):513-8. doi: 10.1016/j.jen.2016.05.008
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12 Song M, Jin X, Ko HN, Tak SH. Chief complaints of elderly individuals on presentation to emergency department: a retrospective analysis of South Korean National Data 2014. Asian Nurs Res (Korean Soc Nurs Sci). 2016;10(4):312-7. doi: 10.1016/j.anr.2016.10.001
https://doi.org/10.1016/j.anr.2016.10.00...
-1313 Amina S, Barrati A, Sadeghifar J, Sharifi M, Toulideh Z, Gorji HA, et al. Measuring and analyzing waiting time indicators of patients' admitted in emergency department: a case study. Glob J Health Sci. 2015;8(1):143-9. doi: 10.5539/gjhs.v8n1p143
https://doi.org/10.5539/gjhs.v8n1p143...
), ao passo que a média da idade identificada foi mais elevada do que os resultados de outras pesquisas(11 Anziliero F, Dal Soler BE, Silva BA, Tanccini T, Beghetto MG. Manchester System: time spent on risk classification and priority of care at an emergency medical service. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(4):e64753. doi: 10.1590/1983-1447.2016.04.64753
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,44 Lauks J, Mramor B, Baumgartl K, Maier H, Nickel CH, Bingisser R. Medical team evaluation: effect on emergency department waiting time and length of stay. PLoS One. 2016;11(4):e0154372. doi: 10.1371/journal.pone.0154372
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,88 Santos AP, Freitas P, Martins MG. Manchester Triage System version II and resource utilisation in the emergency department. Emerg Med J. 2014;31(2):148-52. doi: 10.1136/emermed-2012-201782
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9 Gonçales PC, Pinto D Júnior, Salgado PO, Chianca TC. Relationship between risk stratification in emergency medical services, mortality and hospital length of stay. Invest Educ Enferm. 2015;33(3):424-31. doi: 10.17533/udea.iee.v33n3a05
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10 McMullen ME, Pines JM. Assessing severity, immediacy, and ideal setting in ED patients: a pilot study on interrater reliability. Am J Emerg Med. 2016;34(7):1276-80. doi: 10.1016/j.ajem.2016.04.031
https://doi.org/10.1016/j.ajem.2016.04.0...
-1111 Alexander D, Abbott L, Zhou Q, Staff I. Can triage nurses accurately predict patient dispositions in the emergency department? J Emerg Nurs. 2016;42(6):513-8. doi: 10.1016/j.jen.2016.05.008
https://doi.org/10.1016/j.jen.2016.05.00...
).

Dentre as comorbidades prévias apresentadas pelos pacientes, a prevalência de hipertensão arterial sistêmica também foi identificada por pesquisadores que analisaram o desempenho do SMCR em uma população de adultos(22 Steirner D, Renetseder F, Kutz A, Haubitz S, Faessler L, Anderson JB, et al. Performance of the Manchester Triage System in adult medical emergency patients: a prospective cohort study. J Emerg Med. 2016;50(4):678-89. doi: 10.1016/j.jemermed.2015.09.008
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). A elevada frequência de comorbidades apresentadas pelos pacientes parece refletir no predomínio da clínica médica como responsável pelo primeiro atendimento médico na casuística. Além disso, a idade avançada dos pacientes da pesquisa também pode ter contribuído para essa predominância de atendimentos clínicos. Estudo coreano(1212 Song M, Jin X, Ko HN, Tak SH. Chief complaints of elderly individuals on presentation to emergency department: a retrospective analysis of South Korean National Data 2014. Asian Nurs Res (Korean Soc Nurs Sci). 2016;10(4):312-7. doi: 10.1016/j.anr.2016.10.001
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) que avaliou as queixas de idosos na chegada à emergência mostrou que 80,7% das consultas foram relacionadas à própria doença clínica associada à comorbidade do paciente e apenas 18,5% à ocorrência de condições agudas.

O principal diagnóstico de saída dos pacientes englobou a categoria sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte, resultado que difere do estudo desenvolvido na Suíça que identificou, na análise de 2.407 pacientes admitidos no setor de emergência, que os principais diagnósticos estavam relacionados às afecções neurológicas (26,4%) e cardiovasculares (25,2%)(22 Steirner D, Renetseder F, Kutz A, Haubitz S, Faessler L, Anderson JB, et al. Performance of the Manchester Triage System in adult medical emergency patients: a prospective cohort study. J Emerg Med. 2016;50(4):678-89. doi: 10.1016/j.jemermed.2015.09.008
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).

A taxa de mortalidade na casuística foi substancialmente maior que as encontradas na literatura(88 Santos AP, Freitas P, Martins MG. Manchester Triage System version II and resource utilisation in the emergency department. Emerg Med J. 2014;31(2):148-52. doi: 10.1136/emermed-2012-201782
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,1414 Marconato RS, Monteiro MI. Risk classification priorities in an emergency unit and outcomes of the service provided. Ver. Latino-Am. Enfermagem. 2017;25:e2974. doi: 10.1590/1518-8345.2345.2974
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). Entretanto, vale salientar que a amostra foi composta somente por pacientes que referiram gravidade ao chegar no serviço de emergência e, assim, eram potencialmente mais graves do que a população em geral que procura o PS, frequentemente investigadas em outras pesquisas.

Destaca-se a ocorrência de um óbito dentre aqueles que foram triados como baixa prioridade pelos enfermeiros durante a triagem rápida. Para este caso, o SMCR classificou como laranja e o paciente faleceu após 18 dias de internação hospitalar. Mortes como esta, consideradas inesperadas ou evitáveis, devem ser avaliadas quanto às possíveis causas, para identificar se houve ou não falha no processo de triagem e/ou do tratamento.

Quando comparada a triagem rápida com o SMCR, foi possível notar concordância em 68,1% dos atendimentos classificados como alta prioridade, ou seja, tais pacientes eram graves na perspectiva dos dois métodos de atribuição de prioridade. A triagem rápida, entretanto, foi mais inclusiva para alta prioridade e algumas hipóteses podem ser levantadas: o possível receio do enfermeiro triador em subestimar a gravidade do paciente e/ou a presença da ansiedade ou pressão dos familiares para o atendimento médico imediato. Estudos reforçam tais suposições ao identificarem que as maiores dificuldades encontradas pelos profissionais na CR são o desconhecimento da população sobre o sistema de classificação e a importância dos diferentes níveis de prioridade(1515 Bohn ML, Lima MA, Duro CL, Abreu KP. Percepção de enfermeiros sobre utilização do protocolo do sistema de classificação de risco Manchester. Cienc Cuid Saude. 2015;14(2):1004-10. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v14i2.21359
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) e o incômodo do profissional perante o sofrimento do paciente/familiar que, algumas vezes, por empatia, atribui maior gravidade ao doente durante a CR para agilizar o atendimento e abreviar tal sofrimento/angústia(1616 Savieto RM, Mercer S, Matos CCP, Leão ER. Nurses in the triage of the emergency department: self-compassion and empathy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2019;27:e3151. doi: 10.1590/1518-8345.3049.3151
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). Há ainda a insegurança dos profissionais em relação à possibilidade de deterioração do estado clínico do paciente que aguarda atendimento e as tensões oriundas de atos hostis de pacientes e/ou familiares.

Quanto ao desempenho dos dois sistemas, a triagem rápida foi mais sensível e menos específica que o SMCR em todas as variáveis analisadas. É difícil dizer qual nível de sensibilidade ou especificidade é aceitável para concluir que um determinado sistema de CR seja seguro, uma vez que, para alcançar uma alta sensibilidade (ou seja, um grau de undertriage aceitável), a especificidade deve ser tão baixa que o potencial para economizar recursos seria insignificante(1717 Storm-Versloot MN, Ubbink DT, Kappelhof J, Luitse JS. Comparison of an informally structured triage system, the emergency severity index, and the Manchester Triage System to distinguish patient priority in the emergency department. Acad Emerg Med. 2011;18(8):822-9. doi: 10.1111/j.1553-2712.2011.01122.x.
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).

No que se refere ao tempo de permanência hospitalar, os valores de VPP dos dois sistemas são considerados baixos. Isso pode ser justificado pela eficácia do tratamento realizado e, assim, pelo menor tempo de permanência hospitalar. Como exemplo: uma crise asmática moderada ou grave (paciente classificado como alta prioridade), se atendida com eficácia e rapidez, pode ser solucionada com presteza, não necessitando de permanência hospitalar superior a 24 horas. Ou ainda, um paciente com rebaixamento do nível de consciência por hipoglicemia, após a correção endovenosa dos níveis de glicose sanguínea, pode, na maioria das vezes, receber alta hospitalar precoce apenas com orientações da equipe.

Desse modo, existem pacientes com alto risco para a deterioração clínica e que, se atendidos em tempo hábil, receberão alta hospitalar em menos de 24 horas − e, em alguns casos, nem mesmo serão admitidos na observação do PS. Estudo brasileiro(1818 Acosta AM, Lima MA. Frequent users of emergency services: associated factors and reasons for seeking care. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(2):337-44. doi: 10.1590/0104-1169.0072.2560
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) reforça a elevada frequência de pacientes que procuram assistência no serviço de emergência devido à descompensação de doenças crônicas, como crises hipertensivas, asmáticas e hipoglicêmicas, frequentemente revertida durante o atendimento inicial na sala de emergência.

Quanto à admissão em UTI, apesar de o SMCR ter apresentado maior acurácia em relação à triagem rápida, ainda que acurácia de ambos seja baixa, os valores do SMCR pertinentes à RVP (0,8) e RVN (1,7) são contraditórios. Entende-se que pacientes classificados como alta prioridade por esse sistema tiveram menos chances de serem internados em UTI, e pacientes classificados como baixa prioridade tiveram mais chances de serem admitidos na unidade crítica. O SMCR também apresentou taxa de 2,2% de undertriage e quase metade dos pacientes que foram internados na UTI foi classificada como baixa prioridade. Assim, a probabilidade de um paciente classificado como alta prioridade internar em UTI foi de apenas 3,8% (VPP) pelo SMCR. Duas suposições podem ser levantadas para explicar tal achado: o SMCR apresenta desempenho inadequado para identificar corretamente os doentes que necessitam de cuidados intensivos, e o número limitado de leitos de UTI (n=12) na instituição do estudo pode ter acarretado em alocação de pacientes graves no PS para tratamento. Estudo(1919 Zachariasse JM, Seiger N, Rood PP, Alves CF, Freitas P, Smit FJ, et al. Validity of the Manchester Triage System in emergency care: a prospective observational study. PLoS One. 2017;12(2):e0170811. doi: 10.1371/journal.pone.0170811
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) multicêntrico realizado na Europa detectou, em números absolutos, que o SMCR classifica 14 a 20% dos adultos que necessitam de internação na UTI como baixa prioridade, indicando que a melhoria do sistema ainda é necessária.

Na análise do desempenho da triagem rápida na predição de admissão na observação do PS, este sistema apresentou maior taxa de overtriage e menor de undertriage do que o SMCR. Para o SMCR, esses valores foram melhores do que o encontrado em estudo que analisou 900 vítimas de trauma admitidas na emergência(1818 Acosta AM, Lima MA. Frequent users of emergency services: associated factors and reasons for seeking care. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(2):337-44. doi: 10.1590/0104-1169.0072.2560
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).

Nesse contexto, a inclusão de pacientes não verdadeiramente graves na categoria de alta prioridade (overtriage) pode acarretar em superlotação na área crítica de atendimento e prejudicar a dinâmica de trabalho, além de utilizar recursos desnecessariamente(22 Steirner D, Renetseder F, Kutz A, Haubitz S, Faessler L, Anderson JB, et al. Performance of the Manchester Triage System in adult medical emergency patients: a prospective cohort study. J Emerg Med. 2016;50(4):678-89. doi: 10.1016/j.jemermed.2015.09.008
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). Em casos de undertriage (inclusão de pacientes graves na baixa prioridade), ocorre maior tempo entre a chegada do paciente no serviço de emergência e o primeiro atendimento médico, podendo acarretar em agravamento clínico do doente e pior prognóstico(22 Steirner D, Renetseder F, Kutz A, Haubitz S, Faessler L, Anderson JB, et al. Performance of the Manchester Triage System in adult medical emergency patients: a prospective cohort study. J Emerg Med. 2016;50(4):678-89. doi: 10.1016/j.jemermed.2015.09.008
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). Estudo americano(2020 Houston C, Sanchez LD, Fischer C, Volz K, Wolfe R. Waiting for triage: unmeasured time in patient flow. West J Emerg Med. 2015;16(1):39-42. doi: 10.5811/westjem.2014.11.22824
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) que analisou 50.576 pacientes identificou número significativo de doentes que aguardaram por mais de 10 minutos a CR, e os pesquisadores reforçam o possível impacto desta demora na qualidade do cuidado prestado.

Os VPN para os dois sistemas foram melhores que os VPP, demonstrando que os sistemas foram mais assertivos na atribuição da baixa prioridade do que da alta prioridade para a variável admissão na observação do PS. Além disso, os pacientes que foram classificados como baixa prioridade pela triagem rápida (RVN 0,2) tiveram menos chances de serem admitidos na observação do PS, do que aqueles classificados como baixa prioridade pelo SMCR (RVN 0,4). Neste sentido, pode-se afirmar que a triagem rápida realizada pelos enfermeiros na porta da emergência apresentou melhor desempenho do que o SMCR na predição da não admissão do paciente de baixa prioridade na observação do PS.

Quanto ao desfecho óbito, os dois sistemas apresentaram valores semelhantes na maioria das análises realizadas. Pesquisadores que investigaram a CR dada por um protocolo institucional com os desfechos de pacientes atendidos em uma unidade de emergência no interior de São Paulo identificaram que, dentre os pacientes considerados graves, a taxa de óbito correspondeu a 66,7% e, no grupo de baixa prioridade de atendimento, tal taxa foi de 1,7%(1414 Marconato RS, Monteiro MI. Risk classification priorities in an emergency unit and outcomes of the service provided. Ver. Latino-Am. Enfermagem. 2017;25:e2974. doi: 10.1590/1518-8345.2345.2974
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). Houve ainda um grupo de pacientes que não foi classificado pelo protocolo institucional, devido a situações de gravidade extrema e, portanto, foram encaminhados diretamente à sala de emergência, onde apresentaram taxa de óbito de 31,4%(1414 Marconato RS, Monteiro MI. Risk classification priorities in an emergency unit and outcomes of the service provided. Ver. Latino-Am. Enfermagem. 2017;25:e2974. doi: 10.1590/1518-8345.2345.2974
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). Outro estudo identificou que pacientes classificados como alta prioridade de atendimento pelo SMCR possuem 5,58 vezes maior chance de evoluírem a óbito do que a aqueles classificados como de baixa prioridade(88 Santos AP, Freitas P, Martins MG. Manchester Triage System version II and resource utilisation in the emergency department. Emerg Med J. 2014;31(2):148-52. doi: 10.1136/emermed-2012-201782
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). No presente estudo, tanto a triagem rápida quanto o SMCR obtiveram melhor desempenho na predição do não óbito para pacientes do grupo de baixa prioridade (RVN 0,2 e 0,3, respectivamente) do que a predição de óbito para pacientes do grupo de alta prioridade (RVP 1,2 e 1,3, respectivamente).

Assim, é possível afirmar que os melhores valores dos testes de desempenho dos dois sistemas (triagem rápida e SMCR) foram identificados na predição de admissão do paciente na observação do PS, dentre todas as variáveis analisadas. Tal achado pode estar relacionado às características do serviço (por exemplo: baixa disponibilidade de leitos de UTI, dinâmica das unidades etc.) e do tratamento (por exemplo: qualidade da assistência, excelência dos profissionais, etc.) que, possivelmente, exerceram influência nos outros desfechos e/ou variáveis analisados.

É essencial que os gestores e profissionais que atuam nos serviços de emergência compreendam o impacto que a undertriage ou a overtriage pode ter na dinâmica do trabalho e/ou evolução clínica dos pacientes. Logo, a constante avaliação dos processos referentes a CR deve ser objeto de atenção e investigação desses profissionais com o objetivo de melhorar os fluxos de atendimento e, consequentemente, otimizar recursos e garantir a qualidade da assistência prestada ao paciente que procura o serviço de emergência.

Por fim, o presente trabalho não teve a intenção de indicar o melhor instrumento de CR (triagem rápida ou SMCR), mas sim evidenciar achados que possam contribuir para o aperfeiçoamento do processo de triagem e organização de fluxos gerenciais e assistenciais nos serviços de emergência que agilizem o acesso do paciente grave ao serviço.

Algumas limitações da pesquisa devem ser ressaltadas: o estudo foi realizado em um único centro de emergência de hospital secundário e tal fato deve ser considerado na generalização dos resultados. Ademais, observou-se dificuldade em identificar um padrão-ouro confiável para avaliar o desempenho dos sistemas, embora diferentes variáveis tenham sido testadas.

Conclusão

A triagem rápida foi mais inclusiva na identificação de doentes com alta prioridade de atendimento e obteve melhor desempenho que o SMCR na predição de admissão na observação do PS dos pacientes de demanda espontânea que referiram gravidade na chegada ao serviço de emergência.

Para os enfermeiros que realizam a triagem rápida, a classificação dos pacientes como baixa prioridade parece estar clara (menor undertriage), mas eles ainda superestimam outros, classificando-os como alta prioridade (maior overtriage).

Portanto, os resultados deste estudo podem contribuir para a organização de fluxos gerenciais e assistenciais voltados ao processo de triagem rápida realizado pelo enfermeiro na porta da emergência e indicam a necessidade de mais evidências sobre os principais sinais e sintomas que reflitam a real gravidade dos pacientes, contribuindo para redução da overtriage, otimização do uso de recursos e segurança na classificação dos doentes.

  • *
    Artigo extraído da dissertação de mestrado “Desempenho da ‘triagem rápida’ realizada por enfermeiros na porta de emergência e sinais e sintomas associados à classificação de pacientes graves”, apresentada à Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem, São Paulo, SP, Brasil.

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Editado por

Editora Associada: Andrea Bernardes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2019
  • Aceito
    28 Jun 2020
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