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Análise psicométrica da escala de predisposição à ocorrência de eventos adversos no cuidado de enfermagem em UTI

Resumos

OBJETIVO: apresentar os resultados do estudo de validade e fidedignidade da Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos (EPEA). MÉTODO: o estudo da validade de construto ocorreu pela técnica de análise de componentes principais. RESULTADOS: o exame da fidedignidade da EPEA por intermédio do alfa de Cronbach indicou boa confiabilidade (estrutura α=0,80; processo α=0,92). CONCLUSÃO: tendo por base seus indicadores psicométricos, a EPEA pode ser considerada uma medida válida para avaliar as atitudes dos enfermeiros frente aos fatores que podem predispor à ocorrência dos eventos adversos em UTI.

Qualidade da Assistência à Saúde; Doença Iatrogênica; Cuidados de Enfermagem; Psicometria; Estudos de Validação


OBJECTIVE: to present the result of the validity and reliability studies concerning the Scale for the Predisposition to the Occurrence of Adverse Events (EPEA). METHOD: construct validity was based on Principal Components Analysis. RESULTS: reliability verified through Cronbach's alpha indicated good reliability (structure α=0.80; process α=0.92). CONCLUSION: based on its psychometric indicators, the EPEA can be considered a valid measure to assess the attitudes of nurses in relation to factors that potentially lead to the occurrence of adverse events in ICUs.

Quality of Health Care; Iatrogenic Disease; Nursing Care; Psychometrics; Validation Studies


OBJETIVO: presentar los resultados del estudio de validez y confiabilidad de la Escala de Predisposición a la Ocurrencia de Eventos Adversos (EPEA). MÉTODO: el estudio de la validez de constructo se realizó con la técnica de análisis de componentes principales. RESULTADOS: el examen de confiabilidad de la EPEA a través del Alpha de Cronbach indicó buena confiabilidad (estructura α=0,80; proceso α=0,92). CONCLUSIÓN: teniendo como base sus indicadores psicométricos, la EPEA puede ser considerada una medida válida para evaluar las actitudes de los enfermeros frente a los factores que puede predisponer a la ocurrencia de los eventos adversos en UTI.

Calidad de la Atención de Salud; Enfermedad Iatrogénica; Atención de Enfermería; Psicometría; Estudios de Validación


ARTIGO ORIGINAL

Análise psicométrica da Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos no cuidado de enfermagem em UTI

William Mendes LobãoI; Igor Gomes MenezesII

IMSc, Enfermeiro, Hospital Geral do Estado, Salvador, BA, Brasil

IIPhD, Professor Adjunto, Instituto de Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: William Mendes Lobão Rua Vital Soares, 329, Apto. 1202 Edifício Girassol, Condomínio Vale das Flores Bairro: Brotas CEP: 40286-350, Salvador, BA, Brasil E-mail: willobao@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: apresentar os resultados do estudo de validade e fidedignidade da Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos (EPEA).

MÉTODO: o estudo da validade de construto ocorreu pela técnica de análise de componentes principais.

RESULTADOS: o exame da fidedignidade da EPEA por intermédio do alfa de Cronbach indicou boa confiabilidade (estrutura α=0,80; processo α=0,92).

CONCLUSÃO: tendo por base seus indicadores psicométricos, a EPEA pode ser considerada uma medida válida para avaliar as atitudes dos enfermeiros frente aos fatores que podem predispor à ocorrência dos eventos adversos em UTI.

Descritores: Qualidade da Assistência à Saúde; Doença Iatrogênica; Cuidados de Enfermagem; Psicometria; Estudos de Validação.

Introdução

A preocupação internacional com a segurança do paciente começa a tornar-se mais evidente após a publicação, em 1999, do relatório "Errar é Humano: construindo um sistema de saúde mais seguro"(1). O relatório foi elaborado com base em dados de duas pesquisas que constataram a ocorrência de 2,9% de eventos adversos nas internações hospitalares no Colorado e Utah e de 3,7% das internações ocorridas nos hospitais de Nova York. Ao extrapolar esses dados para o total de 33.600.000 internações que ocorreram nos EUA, em 1997, estima-se que pelo menos 98.000 pacientes tenham morrido em Nova York e 44.000, no Colorado e em Utah, em decorrência de erros na assistência à saúde.

"O erro pode ser definido como o uso não intencional de um plano incorreto para alcançar um objetivo, ou à não execução a contento de uma ação planejada"(2). Dados internacionais apontam que os erros em saúde afetam um em cada dez pacientes em todo o mundo e que "o conhecimento mais importante no campo da segurança dos pacientes é a forma de impedir que o dano aconteça durante o tratamento e cuidados"(3).

O evento adverso é definido como "ocorrências clínicas desfavoráveis que resultem em morte, risco de morte, hospitalização ou prolongamento de uma hospitalização preexistente, incapacidade significante, persistente ou permanente"(4). A ocorrência desses eventos adversos, durante o cuidado de enfermagem em UTI, está associada com o prolongamento significativo da permanência no hospital e aumento nas despesas médicas(5).

De modo geral, a qualidade do cuidado tem sido avaliada por meio do indicador de resultado(6) como, por exemplo, avaliar o êxito de um cuidado de enfermagem baseando-se na ocorrência de um evento adverso. Entretanto, a qualidade do cuidado de enfermagem em UTI deve ser estudada como um produto entre as condições ideais de trabalho (estrutura e processo), derivadas de recomendações nacionais e internacionais de promoção da qualidade e segurança do paciente em UTI e os riscos e benefícios decorrentes da falibilidade do ser humano ao prestar o cuidado.

Tal falibilidade pode ser proveniente de diferentes percepções que os enfermeiros possuem acerca do seu ambiente de trabalho e protocolos de cuidado, percepções essas que podem interferir em suas atitudes e afetar determinadas condições, o que, consequentemente, pode predispor à ocorrência de evento adverso. Os psicólogos sociais discutem a atitude a partir de importantes questões(7): a) até que ponto as atitudes mentais internas estão relacionadas ao comportamento manifesto?; b) em que medida os indivíduos têm suas visões de mundo internamente organizadas, apoiando-se em uma seleção sistemática de pontos de vista? e c) por que em algum momento pessoas diferentes partilham da mesma opinião sobre questões específicas?

No contexto deste trabalho, a atitude consiste em uma disposição para uma ação ou omissão, que influencia diretamente a qualidade do cuidado prestado pelo enfermeiro, em unidades de terapia intensiva (UTI). Assim, pode-se considerar que "as atitudes, são predisposições para reagir negativa ou positivamente a certos objetos, instituições, conceitos ou outras pessoas"(8) e que essas são similares tanto em relação aos interesses quanto em relação às opiniões. Um dos atributos mais importantes das atitudes é a sua subjetividade, por refletir a forma como as pessoas veem um objeto e não necessariamente como ele realmente existe(9). Portanto, por fazer parte da subjetividade do indivíduo, as atitudes estão associadas a pensamentos, sentimentos e ações que dirigem o modo como as pessoas vivem.

A literatura é carente quanto a instrumentos de análise das atitudes dos enfermeiros, sobretudo em relação aos aspectos da estrutura e processo que podem comprometer a qualidade do cuidado de enfermagem em UTI, tendo como indicador de resultado o evento adverso e, por esse se tratar de um construto psicológico, nem sempre passível de observação direta, foi construída a Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos (EPEA).

As escalas psicométricas "têm como objetivo estabelecer uma relação de função entre estímulos ambientais (físicos, sociais) e o comportamento do indivíduo"(10), ao avaliar em que medida um dado estímulo consegue imprimir respostas sobre esse, possibilitando, como no caso da EPEA, a mensuração das atitudes dos enfermeiros diante de fatores que podem predispor à ocorrência de eventos adversos.

A construção da EPEA baseou-se em três grandes polos(10): a) o teórico, que se refere à teoria sobre o construto que deve subsidiar a construção do instrumento, b) o empírico, etapa em que são definidos os procedimentos de aplicação do instrumento e coleta propriamente dita da informação e c) o analítico, que estabelece os procedimentos de análise estatística a serem empregados em um instrumento psicométrico, com a finalidade de testar sua validade de construto.

A validade de um teste psicométrico(11) diz respeito tanto ao fato de um teste medir aquilo a que se propõe como ao grau com que essa mensuração pode ser alcançada. Todo o processo de validação busca garantir o isomorfismo, ou seja, a equivalência entre as propriedades do atributo psicológico e a representação desse objeto na forma de um instrumento de medida. Ela pode ser estudada apoiando-se em três tipos distintos: validade de conteúdo, validade de critério e validade de construto(12).

A EPEA, como uma medida psicológica por teoria e referente a construto e por representar um traço latente (atitude), teve sua validade de conteúdo assegurada por meio das técnicas de análise de juízes e análise semântica(13), assegurando assim que seus itens estão situados dentro da abordagem teórica referente à qualidade do cuidado de enfermagem em UTI. Concluída essa etapa, a versão final do instrumento ficou composta por 64 itens agrupados em duas dimensões: estrutura (18 itens) e processo (46 itens).

A validade de critério é definida(11) como sendo a qualidade de uma escala ou teste funcionar como preditor, presente ou futuro, de uma variável, operacionalmente independente, chamada critério. Esse critério pode ser um comportamento exibido em uma situação experimental ou não experimental, um desempenho futuro dentro de uma determinada área ou profissão, ou outro instrumento já validado e que avalie o mesmo construto. Como não foram identificados outros instrumentos validados semelhantes à EPEA, assim como não existem comportamentos diretamente observáveis que sirvam como avaliadores dessas atitudes, não foram empregadas técnicas de validade de critério para o exame da escala.

A validade de construto considera o grau com que um determinado instrumento psicológico avalia o construto que foi designado teoricamente. Esse procedimento é responsável por conferir validade ao instrumento, tendo-se por base a análise de seus itens, possibilitando avaliar a sua qualidade psicométrica.

Dessa forma, o presente estudo teve por objetivo apresentar os resultados dos estudos de validade e fidedignidade da Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos.

Método

Trata-se de um estudo de desenho metodológico voltado para o desenvolvimento e teste da confiabilidade e validade de instrumentos de medida.

Locais de investigação e participantes

Os locais da investigação foram 6 unidades de terapia intensiva de alta complexidade, de hospitais gerais e de ensino, 3 (três) hospitais públicos e 3 (três) hospitais filantrópicos, localizados no município de Salvador, Bahia. Essas UTIs possuíam, em média, 14,54 (DP=6,08) leitos, com média de 4,03 (DP=1,58) enfermeiros por turno.

A proposta inicial do estudo foi de base populacional. Contudo, pela ocorrência do limitado número de UTIs públicas e filantrópicas do município de Salvador que concordaram em participar da pesquisa, juntamente ao múltiplo vínculo empregatício dos enfermeiros que atuavam nessas unidades, associado à impossibilidade de participar da pesquisa mais de uma vez, optou-se por um método amostral por conveniência. A amostra do estudo de validação da EPEA compreendeu, então, 128 enfermeiros, desses, 49,2% trabalhavam em UTI pública e 50,8% em unidade filantrópica.

Instrumentos

A Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos (EPEA) se propõe a avaliar não só o nível de importância que os enfermeiros atribuem aos aspectos da estrutura e processo (nível ideal), como, também, a percepção sobre a existência desses aspectos no seu ambiente de trabalho (nível real), os quais podem comprometer a qualidade do cuidado de enfermagem em UTI, tendo como indicador de resultado o evento adverso (EA).

Para a avaliação das atitudes dos enfermeiros em relação a esses aspectos, foi solicitado que se posicionassem frente a essas situações, a fim de se estabelecer uma relação entre esses estímulos e suas atitudes. Assim, em cada item da EPEA (Figura 1), buscou-se articular atitudes e comportamentos que funcionam como preditores dos eventos adversos. Foi utilizada uma escala do tipo Likert, contendo cinco intervalos de resposta, variando de discordo totalmente a concordo totalmente. Além dos itens da EPEA, foi utilizado um questionário sociodemográfico para o conhecimento do perfil pessoal e profissional dos respondentes, tais como sexo, idade, número de vínculos, formação profissional, dentre outros.


Procedimentos de coleta de dados

A coleta foi realizada por meio da técnica de survey, utilizando-se um instrumento estruturado, autoadministrado individualmente em local tranquilo e livre de distrações, no horário de trabalho.

No que diz respeito ao planejamento da coleta de dados, as instruções ao preenchimento do instrumento estão localizadas após os dados sociodemográficos e logo acima dos itens da EPEA, de forma que se favoreçam a correta interpretação da medida e o entendimento adequado da técnica de escalonamento do tipo Likert que será adotada.

Procedimentos para a análise de dados

Dentre as diferentes técnicas estatísticas utilizadas para o estudo da validade de construto, destaca-se a análise de componentes principais (ACP), que busca investigar a dimensionalidade de um construto, ou seja, quantos fatores realmente o instrumento está medindo. A ACP permite determinar quantas e quais seriam as dimensões propostas para a caracterização do construto, além de se poder identificar um possível padrão de correlacionamento que possibilite a explicação das variações ocorridas nas variáveis analisadas isoladamente para cada uma das abordagens (estrutura e processo) da avaliação da qualidade do cuidado de enfermagem em UTI.

A EPEA se constitui por duas escalas politômicas (graduadas) paralelas (ideal e real) para cada item, Nessa análise, o primeiro passo consistiu na ordenação dos itens, segundo as duas escalas distintas para que, posteriormente, cada item pudesse ser correlacionado com o escore total, e se pudesse determinar, em relação à mesma atitude, o grau que, supostamente, se refere aos outros itens. Após a reordenação, os itens que possuíam resposta invertida foram recodificados, de modo que uma resposta assinalada como: discordo totalmente (escore 1) foi transformada em concordo totalmente (escore 5); discordo levemente (escore 2) em concordo levemente (escore 4); a resposta não concordo, nem discordo, que assinala uma posição neutra (escore 3) não foi modificada; concordo levemente (escore 4) foi convertida em discordo levemente (escore 2) e as respostas assinaladas como concordo totalmente (escore 5) foram recodificadas em discordo totalmente (escore 1).

O passo seguinte foi a construção das variáveis dif_est_"x" (x= 1 a 18) e dif_proc_"x" " (x= 1 a 46), para os itens das escalas estrutura e processo, respectivamente, que representam a diferença dos resultados entre o ideal e o real para cada um dos itens das abordagens. Dessa forma, os escores totais puderam ser obtidos para cada indivíduo através da soma dos escores de cada item.

Foi conduzida uma análise dos componentes principais para os 64 itens, com rotação ortogonal varimax individualmente para cada uma das duas abordagens (estrutura e processo), com os objetivos de maximizar a variância das cargas dentro dos fatores e encontrar fatores independentes, confirmando-se o pressuposto teórico de que os fatores não estão correlacionados, além de se identificar a estrutura fatorial que responde pela melhor variância explicada do construto. Esse enfoque corrobora a teoria clássica dos testes (TCT) que busca definir a qualidade psicométrica dos mesmos, como estímulos comportamentais, em termos de critérios como os comportamentos (variáveis) presentes ou futuros(10). Por ser orientada pelo comportamento (t = tau), a TCT estuda realidades físicas observáveis como resultado dos testes empregados (critério da medida).

Para medida do nível da consistência interna, que é baseada na correlação entre os diferentes itens do mesmo teste, foi utilizado o alfa de Cronbach, que avalia se os itens propostos a medir o mesmo construto produzem resultados semelhantes. Foram considerados como satisfatórios um valor para o alfa de Cronbach superior a 0,70(14). A medida da consistência interna (correlação item-total) ao determinar o grau de precisão da medida permite a avaliação da fidedignidade do instrumento.

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi submetido à avaliação do Comitê de Ética da Universidade Federal da Bahia, Protocolo nº14/2011 - FR 412506, tendo sido considerado aprovado sem restrições.

Resultados

Os resultados da análise de componentes principais (ACP) para a dimensão estrutura apresentaram um determinante da matriz de correlação de ≈ 0,003, possibilitando a sua inversão e a utilização da matriz de correlação para a análise. O uso da ACP corroborou o teste KMO, o qual foi de 0,726, mostrando boa adequação da amostra utilizada. O teste de esfericidade de Bartlett apresentou valor significativo com c2(153)=614,477 e p<0,001, indicando que as correlações entre os itens são suficientes para a realização da análise. A variância explicada para uma dimensão foi de 22,85%.

Utilizando-se a análise de componentes principais (ACP) como método de extração, considerando-se os dezoito itens inicialmente propostos para avaliar a dimensão estrutura, foram mantidos doze itens por apresentarem cargas fatoriais superiores a 0,30 (Tabela 1).

O determinante da matriz apontou a fatorabilidade da dimensão processo apresentando um valor diferente de zero (d ≈0,001). O teste de Kaiser-Meyer-Olkin verificou a adequação amostral para a análise (KMO=0,714) e o teste de esfericidade de Bartlett apresentou valor significativo com c2 (903)=2381,566 e p<0,001, indicando que as correlações entre os itens são suficientes para a realização da análise. A variância explicada para uma dimensão foi de 23,89%.

O método de extração da análise de componentes principais, a partir dos quarenta e três itens inicialmente propostos para avaliar a dimensão processo, indicou que trinta e quatro itens apresentaram cargas fatoriais superiores a 0,30 (Tabela 2).

Uma vez garantida a validade de construto pela TCT, procedeu-se ao exame da fidedignidade através do alfa de Cronbach, que avalia a correlação entre os escores obtidos em cada item do teste (consistência interna). A medida do nível da consistência interna da EPEA obteve como resultados os seguintes coeficientes: 0,80 indicando boa confiabilidade para os 12 itens da escala estrutura, e 0,92 indicando ótima confiabilidade para 34 itens da escala processo. Tais resultados demonstram bom nível de consistência interna do instrumento, indicando coerência entre os resultados de itens semelhantes.

Do total de 64 itens do instrumento inicialmente proposto, após a ACP, foram retirados 15 itens por apresentarem cargas fatoriais inferiores a 0,30 (Figura 2), sendo seis itens da dimensão estrutura e nove da dimensão processo.


Discussão

Considerando-se a validade de construto da medida, os itens que foram excluídos das dimensões estrutura e processo após a ACP, apesar de estarem ajustados teoricamente ao construto e à dimensão estudada, possuíam como característica o fato de apresentarem carga fatorial inferior a 0,3 e, portanto, baixa saturação dos mesmos com as dimensões estudadas.

Chamou a atenção o fato de que entre esses itens estava presente uma questão política de grande importância para a profissão, que é o caso da jornada semanal de 30 horas para os profissionais de enfermagem. Contudo, como esse item ainda está em discussão no Congresso Nacional, o estabelecimento de uma jornada semanal de 30 horas ainda não representa uma realidade vivida pelos profissionais que participaram da pesquisa, sendo prejudicada a sua saturação com o fator geral da qualidade do cuidado.

A baixa carga fatorial dos itens dif_est_15 e dif_est_16 pode estar relacionada ao fato de já ser condição de trabalho comum aos participantes, evidenciada pela média de 3,6 (DP=1,03) leitos por enfermeiro e não ter sido então avaliada pelos participantes como fator de predisposição à ocorrência de eventos adversos. Essa condição de trabalho, quando não atendida, tem sido relacionada com o Burnout e a insatisfação no trabalho que resultam em alta rotatividade, aumento da mortalidade por complicações (failure to rescue), maior incidência de infecções e de eventos adversos(5).

Os itens de validação (dif_proc20, dif_proc31, dif_proc34), que tinham o objetivo de verificar a consistência das respostas dadas pelos sujeitos, que foram excluídos por baixa saturação, podem representar que os enfermeiros responderam à escala da maneira prevista, ou seja, rejeitando as afirmativas, tendo em vista que elas foram formuladas de modo a apresentar ideias que poderiam ser consideradas absurdas, caso fossem aceitas como prática do enfermeiro em UTI, ao passo que os demais itens da escala apresentam comportamentos positivos ou que indicam ações favoráveis à prevenção da ocorrência de eventos adversos.

A baixa saturação de alguns itens da dimensão estrutura (dif_est_8, dif_est_17 e dif_est_18) e da dimensão processo (dif_proc_32) pode ser justificada pelo fato de que os conteúdos desses itens estavam ligados a aspectos já disponibilizados como rotina para todos os pacientes nas UTIs, não sendo assim avaliados como características que, quando ausentes, podem comprometer a qualidade do cuidado de enfermagem.

A EPEA resultante do processo de ACP, contendo dois fatores (estrutura e processo) e 46 itens (12 da dimensão estrutura e 34 da dimensão processo), mostrou-se confiável, ao demonstrar, em face dos resultados obtidos por meio da análise psicométrica, que apresenta boa correlação (consistência interna) entre seus diferentes itens. Também vale ressaltar que em relação aos dados obtidos por intermédio da ACP não ocorreram itens com valores absolutos de carga fatorial inferiores a 0,30. Da mesma forma, não existiram cargas fatoriais similares em dois ou mais fatores em um mesmo item e as diferenças entre seus valores absolutos das cargas fatoriais dos itens foram maiores do que 0,10.

Conclusão

A construção e validação da Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos (EPEA), ao tencionar avaliar as atitudes dos enfermeiros sobre os aspectos da estrutura e processo que podem comprometer a qualidade do cuidado de enfermagem em UTI, tendo como indicador de resultado o evento adverso, preenche uma lacuna no campo das medidas atitudinais dos enfermeiros em UTI.

A análise de componentes principais (ACP) identificou que os itens da EPEA comportaram-se de acordo com o modelo original proposto, ou seja, as duas dimensões estrutura e processo, individualmente, possuíam características que lhes asseguravam a consistência interna suficiente para lhes proporcionar a possibilidade de medirem as atitudes dos enfermeiros sobre os aspectos da estrutura e processo que podem comprometer a qualidade do cuidado de enfermagem em UTI.

Os resultados obtidos a partir do estudo de validade de construto da escala confirmaram a hipótese de que os itens da EPEA medem o construto que foi designado teoricamente, e lhe confere a capacidade de realizar inferências e interpretações corretas das pontuações que serão obtidas a partir de sua aplicação.

Uma limitação do estudo diz respeito ao tamanho restrito da população, o qual gerou um tamanho amostral limitado (n=128). Uma das possíveis razões de não se conseguir uma quantidade maior de enfermeiros deve-se ao fato de que um mesmo profissional trabalha em mais de uma UTI pesquisada, o que pode ser verificado com base na variável média de vínculos (1,69; DP=0,57). Além disso, o tamanho da amostra foi prejudicado pela recusa de participação de um hospital filantrópico de grande porte, que reunia uma quantidade significativa de enfermeiros.

A dificuldade de se encontrar hospitais na cidade de Salvador, em face dos critérios estabelecidos, que notifiquem e monitorem de forma sistemática a ocorrência de eventos adversos, também pode ser considerada uma das limitações desse estudo, por impossibilitar a comparação entre o índice de eventos adversos no cuidado de enfermagem em UTI e a atitude dos enfermeiros diante de fatores que podem predispor à ocorrência de tais eventos.

Com o objetivo de verificar a validade da EPEA para além da amostra utilizada, considera-se a necessidade de aplicá-la em contextos diferentes, ou seja, UTIs de hospitais tanto públicos quanto privados, que participaram ou não de processos de acreditação e em outros Estados, a fim de estabelecer uma comparação entre os resultados obtidos e possibilitar ampliação da compreensão da atitude dos enfermeiros, frente aos aspectos da estrutura e processo que podem deflagrar a ocorrência do evento adverso, durante o cuidado de enfermagem em UTI.

Referências

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Recebido: 10.5.2012

Aceito: 3.12.2012

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  • Endereço para correspondência:

    William Mendes Lobão
    Rua Vital Soares, 329, Apto. 1202
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    CEP: 40286-350, Salvador, BA, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Maio 2012
    • Aceito
      03 Dez 2012
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