Acessibilidade / Reportar erro

Cuidar do recém-nascido na presença de seus pais: vivência de enfermeiras em unidade de cuidado intensivo neonatal

Resumos

A enfermeira tem papel fundamental no envolvimento dos pais no cuidado ao recém-nascido, na unidade de terapia intensiva neonatal. O objetivo deste estudo foi compreender como as enfermeiras vivenciam o cuidado prestado ao recém-nascido, na presença dos pais. Usou-se a pesquisa qualitativa com abordagem da fenomenologia social, como metodologia. Participaram deste estudo sete enfermeiras, entrevistadas no período de janeiro e fevereiro de 2009. Como resultado tem-se que a enfermeira percebe as necessidades dos pais; tem expectativas positivas em relação ao cuidado realizado e reconhece ser o elo entre eles, ajudando-os a conviver com o filho internado. Contudo, em situações de emergência, tem dificuldades para cuidar do neonato na presença dos pais. Pode-se concluir que a enfermeira avalia positivamente a presença dos pais na unidade de terapia intensiva neonatal, envolvendo-os permanentemente no cuidado ao recém-nascido. O estudo evoca a emergência de um contexto de cuidado (enfermeira/neonato/seus pais) que precede a aproximação entre os sujeitos e as demandas por eles apresentadas.

Enfermagem; Recém-Nascido; Relações Pais-Filho; Terapia Intensiva Neonatal; Pesquisa Qualitativa


The nurse has a key role in involving parents in the care of newborns in the neonatal intensive care unit. The aim of this study was to comprehend how the nurses experience the care provided to newborns in the presence of the parents. This is a qualitative study using social phenomenology, with the participation of seven nurses, interviewed between January and February 2009. The nurses perceived the needs of parents; had positive expectations regarding the care provided and acknowledge themselves to be the link between them, helping them to live with the hospitalized child. However, in emergencies, the nurses had difficulties in caring for the neonate in the presence of the parents. The nurses positively evaluated the presence of parents in the neonatal intensive care unit, involving them permanently in the care of the newborn. The study evokes the emergence of a care context (nurse/neonate/parents) that precedes the proximity between the subjects and the demands presented by them.

Nursing; Infant; Newborn; Parent-Child Relations; Intensive Care; Neonatal; Qualitative Research


La enfermera tiene un papel fundamental en el envolvimiento de los padres en el cuidado al recién nacido en la unidad de terapia intensiva neonatal. El objetivo del estudio fue comprender como las enfermeras experimentan el cuidado prestado al recién nacido en la presencia de los padres. Se trata de una investigación cualitativa con abordaje de la fenomenología social; tuvo la participación de siete enfermeras, entrevistadas en los meses de enero y febrero de 2009. Se encontró que la enfermera percibe las necesidades de los padres, tiene expectativas positivas en relación al cuidado realizado y reconoce ser el eslabón entre ellos, ayudándolos a convivir con el hijo internado. Sin embargo, en situaciones de emergencia, tiene dificultades en cuidar al neonato en la presencia de los padres. Concluimos que la enfermera evalúa positivamente la presencia de los padres en la unidad de terapia intensiva neonatal, envolviéndolos permanentemente en el cuidado del recién nacido. El estudio evoca la emergencia de un contexto de cuidado (enfermera/neonato/sus padres) que precede a la aproximación entre los sujetos y las demandas por ellos presentadas.

Enfermería; Recién Nacido; Relaciones Padres-Hijo; Cuidado Intensivo Neonatal; Investigación Cualitativa


ARTIGO ORIGINAL


Cuidar do recém-nascido na presença de seus pais: vivência de enfermeiras em unidade de cuidado intensivo neonatal

Miriam Aparecida Barbosa MerighiI ; Maria Cristina Pinto de JesusII; Karine Ribeiro SantinIII; Deíse Moura de OliveiraIV

IEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: merighi@usp.br

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: cristina.pinto@acessa.com

IIIAluna de graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. Bolsista de iniciação científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: kasantin@gmail.com

IVEnfermeira, Doutoranda em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: deisemoura@hotmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

A enfermeira tem papel fundamental no envolvimento dos pais no cuidado ao recém-nascido, na unidade de terapia intensiva neonatal. O objetivo deste estudo foi compreender como as enfermeiras vivenciam o cuidado prestado ao recém-nascido, na presença dos pais. Usou-se a pesquisa qualitativa com abordagem da fenomenologia social, como metodologia. Participaram deste estudo sete enfermeiras, entrevistadas no período de janeiro e fevereiro de 2009. Como resultado tem-se que a enfermeira percebe as necessidades dos pais; tem expectativas positivas em relação ao cuidado realizado e reconhece ser o elo entre eles, ajudando-os a conviver com o filho internado. Contudo, em situações de emergência, tem dificuldades para cuidar do neonato na presença dos pais. Pode-se concluir que a enfermeira avalia positivamente a presença dos pais na unidade de terapia intensiva neonatal, envolvendo-os permanentemente no cuidado ao recém-nascido. O estudo evoca a emergência de um contexto de cuidado (enfermeira/neonato/seus pais) que precede a aproximação entre os sujeitos e as demandas por eles apresentadas.

Descritores: Enfermagem; Recém-Nascido; Relações Pais-Filho; Terapia Intensiva Neonatal; Pesquisa Qualitativa.

Introdução

Na unidade de terapia intensiva neonatal (Utin), o foco da assistência tem sido os aspectos biológicos, contudo, esse tema vem sendo discutido entre profissionais de saúde, com a finalidade de transformar essa realidade, ampliando e centrando a assistência não apenas na doença do recém-nascido, mas, também, nas dimensões sociais, emocionais e psicológicas da família(1).

A enfermeira assume papel importante no contexto da Utin, pois desenvolve trabalhos colaborativos com o médico nas estratégias e decisões, presta cuidados diretos ao neonato e dá suporte para sua família(2). No entanto, são muitas as dificuldades que a enfermeira enfrenta no que se refere à interação, especialmente em relação às necessidades de os pais do recém-nascido exporem seus sentimentos.

Em virtude das características desses locais, as enfermeiras e demais profissionais de saúde que ali desenvolvem suas atividades se encontram quase sempre muito envolvidos em procedimentos de alta complexidade. Nesse sentido, as relações interpessoais podem ser comprometidas(3).

A enfermeira tem papel fundamental quanto ao envolvimento dos pais nas atividades da Utin, principalmente a partir de orientações na primeira visita. Essa profissional deve propiciar subsídios a fim de diminuir a ansiedade e o medo que os pais do neonato sentem, oferecendo condições mínimas de conforto, tentando responder às preocupações e fornecendo informações sobre o estado de saúde do neonato, o tratamento e equipamentos utilizados(4).

No ciclo familiar, não existe estágio que provoque mudança mais profunda que o nascimento de uma criança, e, com o nascimento de um recém-nascido de risco, a família fica diante de experiência desgastante e desafiadora(1). Nesse momento, os pais dos bebês vivenciam experiência difícil e única, cabendo à enfermeira envolvê-los no cuidado, apoiando-os e compartilhando de suas dúvidas, medos e incertezas e, consequentemente, gerando a afetividade e segurança.

É necessário que a enfermeira utilize abordagem centrada na criança e nos familiares dessa, a partir de uma visão holística, identificando a família do neonato como a primeira responsável pelos cuidados de saúde de seus membros. Portanto, deve considerar os problemas, necessidades, interesses, recursos, potencialidades e expectativas de toda a família no cuidado à saúde da criança hospitalizada(5).

A comunicação, o conhecimento e a compreensão do contexto familiar, inseridos em uma situação física, social e cultural, devem ser priorizados. Não basta a competência técnico-científica para atender essa compreensão integral do ser humano. A enfermeira necessita também aprimorar seus conhecimentos e habilidades no relacionamento interpessoal, pois a arte do cuidar está em encontrar forma que permita à pessoa doente expressar suas necessidades. Desse modo, os cuidadores devem ser capazes de ouvir as pessoas em situação de doença e responder às suas necessidades de saúde e bem-estar, do modo mais amplo possível(6).

Considerando esse pressuposto, no ato de cuidar de pessoas, e mediante observações do cotidiano na Utin – geradoras de reflexões sobre o cuidado realizado por enfermeiras na presença dos pais de recém-nascidos –, emergiram as seguintes inquietações: como é para as enfermeiras assistir os recém-nascidos internados na Utin quando os pais estão presentes? O que as enfermeiras têm em vista quando cuidam do recém-nascido e os pais desses estão presentes?

Embora várias investigações abordem a participação dos pais de crianças recém-nascidas, internadas em Utin(4,7-12), o presente estudo fundamenta-se no fato de a literatura pesquisada pouco enfatizar as temáticas que buscam a compreensão dessa vivência sob a ótica da enfermeira.

A presente pesquisa objetivou compreender como as enfermeiras vivenciam o cuidado prestado na Utin frente à presença dos pais dos recém-nascidos. Considerando que, em uma Utin, a presença dos pais configura uma âncora matricial de cuidado, torna-se fundamental compreender como a enfermeira desse cenário de prática vivencia suas ações de cuidado frente à presença dos pais, os quais possuem também necessidades que devem ser incluídas no planejamento e execução das ações voltadas ao neonato.

Referencial teórico-metodológico

Trata-se de pesquisa com abordagem compreensiva de fenômenos humanos, a partir de uma experiência concreta, vivenciada no mundo cotidiano. Tem como fio condutor a fenomenologia social que permite melhor compreensão da vivência da enfermeira que cuida do recém-nascido na presença dos pais desse, sendo essa experiência tomada não somente como única e singular, mas, também, dotada de significado social, circunscrito ao contexto de cuidado que emana da relação enfermeira/recém-nascido/seus pais.

A fenomenologia social, tal como preconizada por Alfred Schütz, visa compreender o mundo com os outros em seu significado intersubjetivo. Tem como proposta a análise das relações sociais, admitidas como relações mútuas que envolvem pessoas. Estrutura-se nos significados da vivência intersubjetiva da relação social e se volta ao atendimento das ações sociais que têm significado contextualizado e que configuram um sentido social(13).

A relação social intersubjetiva é, fundamentalmente, uma forma de expressão comunicativa. Para captar o ponto de vista subjetivo, faz-se necessário reportar-se à interpretação que os sujeitos atribuem à ação em termos de projetos, meios disponíveis, motivos, significados(13).

A ação social é conduta dirigida para a realização de um determinado fim, e essa ação só pode ser interpretada pela subjetividade da pessoa, pois somente ela pode definir seu projeto de ação, seu desempenho social. Nesse sentido, a compreensão do social volta-se para o comportamento social em relação aos motivos, para as intenções que orientam a ação e para as suas significações, a partir do ponto de vista do ator da ação(13).

Motivo refere-se a um estado de coisas, o objetivo que se pretende alcançar com a ação. "Motivo porque" refere-se às vivências passadas (categoria objetiva), acessíveis ao pesquisador. O contexto de significado do verdadeiro "motivo porque" é sempre uma explicação que justifica dado acontecimento. "Motivo para" é a orientação para a ação futura, portanto, um contexto de significados que é construído sobre o contexto de experiências disponíveis no momento da projeção (categoria subjetiva). Só se pode captar a vivência de um sujeito se se encontrar seu "motivo para" – ato antecipado, imaginado, significado subjetivo da ação(13).

O significado subjetivo da ação possibilita construir o tipo vivido – expressão de uma estrutura vivida na dimensão social, uma característica de um grupo social, um conceito expresso pela inteligência, cuja natureza vivida é invariante. Chega-se ao tipo vivido a partir da análise das relações sociais(13).

A Utin, campo do estudo, pertence a um hospital escola da cidade de São Paulo. Foram incluídas na pesquisa enfermeiras que atuavam na Utin dessa instituição no cuidado ao recém-nascido, na presença de seus pais. Não foram considerados idade, tempo de formação e atuação nessa área, na medida em que o estudo buscava a experiência vivenciada.

Foram entrevistadas sete enfermeiras, de diferentes turnos de trabalho, entre 24 e 43 anos de idade. Quatro realizaram curso de aprimoramento/especialização na área; três trabalhavam em Utin entre dez e 15 anos, duas de um a nove anos e duas há menos de um ano.

O número de participantes não foi preestabelecido, tendo sido definido a partir do momento em que os depoimentos desvelaram o fenômeno investigado, as indagações foram respondidas e os objetivos alcançados.

A coleta de dados deu-se no período de janeiro e fevereiro de 2009, por meio da entrevista semiestruturada, com as seguintes questões orientadoras: como é, para você, cuidar do recém-nascido internado na Utin, quando os pais estão presentes? O que você tem em vista quando cuida do recém-nascido e os pais estão presentes?

Os discursos foram identificados com a letra D, seguida dos números de 1 a 7, sequencialmente. As enfermeiras foram contatadas no hospital, e as entrevistas realizadas nas dependências do mesmo, em local e hora apropriados para as profissionais.

Para a análise dos dados, utilizaram-se os modelos sugeridos por estudiosos da fenomenologia social de Alfred Schütz(7,14): transcrição das entrevistas, leitura dos discursos das enfermeiras, objetivando a apreensão da vivência motivada dos sujeitos participantes;, releitura das transcrições, identificando as categorias concretas, isto é, locuções de efeito que expressam aspectos significativos da compreensão e vivência dos "motivos para" e dos "motivos porque"; agrupamento das unidades de significado extraídas dos discursos e que representam convergências de conteúdo dos relatos que compõem as categorias; estabelecimento dos significados da vivência pelo típico dos discursos, para obter a tipologia vivida; análise compreensiva dos agrupamentos de significados.

Da análise, emergiram as seguintes categorias: "reconhecendo as necessidades dos pais", "sentindo dificuldade em situação de emergência" e "sendo elo na aproximação de filhos e pais".

Todos os procedimentos para a execução do estudo seguiram as normas exigidas pela Resolução nº196/96, do Conselho Nacional de Saúde(15). O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do hospital, campo de estudo (Processo nº846/08 CEP/HU-USP).

Resultados e Discussão

Tendo como diretrizes as questões norteadoras deste estudo, procurou-se observar, de forma atenta, aquilo que se apresentava de comum, isto é, buscando os invariantes dos "motivos para" e dos "motivos porque" nas entrevistas, identificando as convergências dos sentimentos e desejos das enfermeiras nas ações do cuidado.

Categoria - Reconhecendo as necessidades dos pais (motivos porque)

As enfermeiras reconhecem as necessidades de cuidado dos pais e, nesse sentido, percebem a importância da orientação em relação aos procedimentos e ao estado de saúde do filho, valorizam sua presença, vendo-os como participantes e não como espectadores.

[...] para eles o primeiro momento que chegam na UTI, diariamente, querem saber quem está cuidando do bebê, é uma ansiedade muito grande que eles têm em relação a isso e eu percebo que, dependendo de quem seja o profissional, do vínculo que ele tenha com este profissional, eles vão ficar menos ansiosos (D6).

O ato de cuidar, executado pela enfermeira, não é somente emoção, preocupação e atitude, é mais amplo, complexo e requer ações concretas em esferas humanísticas, sociais, éticas, biológicas e espirituais, principalmente quando se prestam cuidados dentro de uma Utin, envolvendo não somente o profissional, mas também pais de recém-nascidos(16).

No mundo de senso comum, os atores ocupam o cenário da realidade de vida cotidiana, não como um mundo privado, mas sim compartilhado com outros homens desde o começo: um mundo intersubjetivo(13). Nesse cenário, as enfermeiras, pais e recém-nascidos de risco vivenciam o atuar, situar e interpretar suas ações, munidos de perspectivas, cada um com sua bagagem de conhecimentos e situação biográfica.

A enfermeira esclarece dúvidas dos pais e essa ação origina-se na consciência dessa profissional, é voluntária e se projeta em direção ao propósito de diminuir a ansiedade, facilitar-lhes estar com o filho para que possam se sentir confiantes e integrantes no papel de pai e mãe que auxiliam na recuperação da criança.

[...] ele entra, olha e, normalmente, fica muito preocupado. Quando ele está saindo, se eu estou presente, procuro ficar do lado. Você viu o bebê? Como ele vai se chamar? Quais as dúvidas que esse pai tem em relação a tudo isto? Você acaba formando um vínculo com esta família [... ] (D6).

É preciso estabelecer formas de comunicação e interação com os familiares dos bebês internados em terapia intensiva, promovendo a participação dos pais na assistência, orientando e incentivando-os a tocar em seus filhos. Com esse enfoque, constrói-se um processo de cuidado, preservando a singularidade e a individualidade da criança e de seus pais(16-17).

Sendo o cuidar essencial para a humanização da assistência, há que se trazer para o cotidiano do trabalho afeto, convívio com pessoas significativas, segurança, responsabilidade, trocas e crescimento. Percebe-se que, para responder pela participação dos pais na Utin, é necessário não só repensar as relações interpessoais próprias desse contexto, mas, também, a importância do cuidado integral. Nesse sentido, o típico da ação da enfermeira, em relação aos pais de recém-nascido internado em unidade de terapia intensiva neonatal, mostra-se na perspectiva da interação e participação da família no cuidado à criança(18-19).

Percebe-se reciprocidade de perspectivas entre profissionais e família quando a enfermeira cuida com o intuito de atender as necessidades integrais, não somente dos recém-nascidos, mas, também, de seus pais:

[...] eu sei dessa tristeza, dessa dificuldade [...] é onde, nas primeiras visitas, tento resgatar [...], chamo a psicóloga, muitas vezes a assistente social também está perto, os médicos, enfermeiros para poder estarmos dando todo apoio para esta mãe (D1).

A atenção recebida, o relacionamento interpessoal entre enfermeiras e pais, o fato de ser permitido que tenham contato com o filho e de serem informados sobre o seu estado clínico geram conforto e sentimento de segurança e confiança(16,20).

Os pressupostos teóricos levam a enfermeira a reconhecer a importância dos pais na participação do cuidado ao recém-nascido de risco, mas, diante de uma situação de emergência, prioriza os procedimentos técnicos em detrimento de atitudes humanísticas, o que é evidenciado na categoria seguinte.

Categoria - Sentindo dificuldade em situação de emergência (motivos porque)

Algumas enfermeiras preocupam-se com a presença dos pais em determinadas situações, principalmente nas emergenciais, e verbalizam preferir que os pais não estejam na Utin.

[...] só em momento que a situação é muito emergencial, muita urgência, eles acabam ficando muito ansiosos [...] em alguns momentos, a gente pede pra sair, porque eles acabariam atrapalhando de uma forma que a gente um pouco iria perder o controle (D2).

Dificulta um pouco se a criança está muito grave e a mãe está muito ansiosa [...] porque aí elas ficam questionando muito coisa [...] às vezes, é um momento que não dá pra você parar e ficar explicando direito o procedimento que você está fazendo, nisso dificulta (D5).

Os resultados de um estudo realizado em uma Utin apontam que as enfermeiras mencionaram que, diante dos pais do recém-nascido, ficam tensas, não se sentem à vontade ao realizarem procedimentos invasivos, no neonato grave, e acreditam que eles não estão preparados para acompanhar o filho em uma situação complexa. Elas conseguem distinguir nitidamente as situações que são permissíveis aos pais, como a troca de fralda, o toque e outros. Embora saibam da importância da aproximação entre eles, não sentem a necessidade de sua presença em tempo integral(7).

Importante também demarcar, nesse contexto, a realização de estudo que buscou perceber as crenças da enfermeira no tocante à presença dos pais de recém-nascidos, em unidades neonatais de alto risco. Os resultados apontaram que, para essa profissional, a presença deles, em determinadas situações, configura-se como fator que traz implicações ao desenvolvimento de certas ações pela equipe e que podem interferir no andamento do serviço(8).

Por outro lado, observa-se que a presença dos pais pode também ser vista sob outra perspectiva, que envolve o reconhecimento dessa presença como terapêutica para os neonatos. Nesse sentido, as enfermeiras deste estudo têm a expectativa de realizar ações que favoreçam a aproximação dos pais e filhos e se sentem responsáveis por essa proximidade, como está explicitado na próxima categoria.

Categoria - Sendo elo na aproximação de pais e filhos (motivos para)

A enfermeira facilita o contato precoce entre pais e bebês prematuros, visando estabelecer o vínculo e apego, tendo em mente que esse é processo gradual que pode levar dias ou semanas do período pós-natal.

[...] a gente, de alguma forma, tenta aliviar, e, daí, é no corpo a corpo mesmo, é conversando, é estando junto, mostrando que você tem não só uma competência técnica [...], mas tem uma competência afetiva também [...] a gente vai explicando, o que esta acontecendo, e eles vão vendo, toda a participação efetiva da equipe [...] vão aprendendo a entender que a gente gosta do que faz que a gente respeita a criança, respeita eles, e eles vão tendo mais confiança na gente (D2).

O cuidado baseado na compreensão do outro, no interagir socialmente, partilhando das angústias dos pais que têm seus bebês internados na Utin, é que mostra a ação da enfermeira na formação de vínculo afetivo entre filhos e pais(7).

Os discursos das enfermeiras da Utin mostram que permitir que os pais permaneçam junto ao recém-nascido (RN)– dando-lhe carinho, tocando-o, acompanhando-o de perto – é ação que pode ajudar esses pais a fortalecer o vínculo afetivo com a criança.

[...] tudo o que você puder fazer para poder estar aproximando este vínculo mãe e filho é o que nós temos para fazer e dá certo [...] esta atuação do enfermeiro eu acredito que seja muito importante [...] nós estamos mais próximos deles, eu acho que tem que partir mesmo de nós estarmos aumentando este vínculo mãe e bebê (D1).

A necessidade da formação do vínculo com o recém-nascido e a família na Utin é reconhecida em outros estudos que enfatizam a assistência aos pais e a participação da família nos cuidados hospitalares dos neonatos nos serviços de neonatologia. O longo período de internação dos bebês e a privação do ambiente aumentam o estresse dos pais, o que pode prejudicar o estabelecimento do vínculo e apego. A criança necessita da mãe e não existe sozinha, portanto, as habilidades e/ou dificuldades dos pais tornam-se integrantes da assistência à saúde na Utin(11-12,21).

O tipo vivido do grupo social "enfermeira que vivencia o cuidado prestado ao recém-nascido frente à presença dos pais desse" pode ser descrito como sendo aquele que percebe as necessidades dos pais; tem expectativas positivas em relação ao cuidado realizado e reconhece ser o elo entre eles, ajudando-os a aceitarem e a conviverem com o filho internado. Contudo, esses profisionais têm dificuldades para cuidar do recém-nascido nas situações de emergência, quando os pais estão presentes na Utin.

Considerações finais

Os resultados deste estudo mostram a importância da atuação da enfermeira na Utin como fator de envolvimento dos pais no cuidar do recém-nascido, dando ênfase à relação de cuidado identificada e estabelecida entre a enfermeira, o neonato e os pais desse.

A compreensão da vivência de enfermeiras frente ao cuidado ao recém-nascido, cujos pais estão presentes no contexto da Utin, provoca um olhar não somente para a importância de mantê-los junto aos seus filhos, mas, também, de reconhecê-los como potenciais sujeitos que precisam ser percebidos e cuidados pela equipe de saúde.

Assim, a compreensão dessa vivência pela enfermeira da Utin permite perceber que, nesse cenário de prática, não existe cuidado unidirecional – ao neonato –, mas, sim, um contexto de cuidado – neonato/seus pais/enfermeira – que deve ser considerado no planejamento e na execução da assistência ao recém-nascido.

Desse contexto de cuidado, portanto, emana relação afetiva que vincula a tríade de sujeitos nela inscrita, os quais exercem ações e reações mútuas, reconfigurando permanentemente o cenário da assistência e, por conseguinte, suas próprias relações. Isso explicita, inclusive, o porquê de a presença dos pais não ser desejada pelas enfermeiras em situações de caráter emergencial, uma vez que a reação que tal acontecimento provoca permite reconfiguração das relações entre os sujeitos (enfermeira/pais dos recém- nascidos).

O estudo permite elucidar que a enfermeira percebe a presença dos pais na Utin de modo majoritariamente positivo, envolvendo-os permanentemente no cuidado ao neonato. Isso denota a necessidade de se pensar que a captação dessa vivência aponta novos rumos para se pensar o cuidar na Utin, considerando todos os sujeitos envolvidos.

Espera-se que esta pesquisa suscite outros estudos que possam se debruçar sob as mais diversas perspectivas possíveis de se olhar esse contexto de cuidado. Espera-se, também, que possa ecoar no cenário da Utin, a fim de que seja permanentemente pensada – e repensada – essa relação de cuidado (enfermeira/neonato/seus pais), buscando a aproximação entre os sujeitos e as demandas por eles apresentadas.

Referências

  • 1. Vasconcelos MGL, Leite AM, Scochi CGS. Significados atribuídos ŕ vivęncia materna como acompanhante do recém-nascido pré-termo e de baixo peso. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2006;6(1):47-57.
  • 2. Hendricks-Muńoz KD, Prendergast CC. Barriers to provision of developmental care in the neonatal intensive care unit: neonatal nursing perceptions. Am J Perinatol. 2007;24(2):71-7.
  • 3. Campos ACS. O significado de ser măe de um recém-nascido sob fototerapia: uma abordagem humanista. [Mestrado]. Fortaleza (CE): Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduaçăo de Enfermagem; 2005.
  • 4. Gaíva MAM, Scochi CGS. A participaçăo da família no cuidado ao prematuro em UTI neonatal. Rev Bras Enferm. 2005;58(4):444-8.
  • 5. Schmitz EM. A enfermagem em Pediatria e Puericultura. Săo Paulo (SP): Atheneu; 2006.
  • 6. Pires VMMM, Rodrigues VP, Nascimento MAA. Sentidos da integralidade do cuidado na saúde da família. Rev Enferm UERJ. 2010;18(4):622-7.
  • 7. Conz CA, Merighi MAB, Jesus, MCP. Promoting affective attachment at the neonatal intensive care unit: a challenge for nurses. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(4):849-55.
  • 8. Rossato-Abéde LM, Angelo M. Beliefs determining the nurses intention concerning the presence of parents in neonatal intensive care units. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2002;10(1):48-54.
  • 9. Araújo BBM, Rodrigues BMRD. Mothers experiences and perspectives regarding their premature infants stay at the Neonatal Intensive Care Unit. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(4):865-72.
  • 10. Araújo BBM, Rodrigues BMRD. O alojamento de măes de recém-nascidos prematuros: uma contribuiçăo para a açăo da enfermagem. Esc Anna Nery. 2010;14(2):284-92.
  • 11. Guimarăes GP, Monticelli M. Attachment formation between parents/pre-term newborns and/or low birth weigth children using the kangaroo mother method: a contribution to nursing. Texto Contexto Enferm. 2007;16(4):626-35.
  • 12. Molina RCM, Fonseca EL, Waidman MAP, Marcon SS. The familys perception of its presence at the pediatric and neonatal intensive care unit. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(3):630-8.
  • 13. Schütz A. El problema de la realidad social. Escritos I. 2ed. Buenos Aires (AR): Amorrortu; 2003.
  • 14. Carvalho GM, Merighi MAB, Jesus MCP. The experience of repeated fatherhood during adolescence. Midwifery. 2010;26(4):469-74.
  • 15. Conselho Nacional de Saúde (BR). Resoluçăo n. 196, de 10 de outubro de 1996. Dispőe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Bioética. 1996;4(2 Supl):15-25.
  • 16. Baker BJ, Mcgrath J. Parent Education: The Cornerstone of Excellent Neonatal Nursing Care. Newborn Infant Nurs Rev. 2011;11(1):6-7.
  • 17. Rolim KMC, Cardoso MVLML. Discourse and practice of care to newborns at risk: reflecting about humanized care. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2006;14(1):85-92.
  • 18. Butter C, Gahin K. Parents´ perceptions of staff competency on a neonatal intensive care unit. J Clin Nurs. 2003;12:752-61.
  • 19. Gooding JS, Cooper LG, Blaine AI, Franck LS, Howse JL, Berns SD. Family Support and Family-Centered Care in the Neonatal Intensive Care Unit: Origins, Advances, Impact. Semin Perinatol. 2011;35(1):20-8.
  • 20. Barbosa ECU, Rodrigues BMRD. Humanizaçăo nas relaçőes com a família: um desafio para a enfermagem em UTI pediátrica. Acta Scientiarum Health Sci. 2004;1(26):205-12.
  • 21. Pinheiro EM, Silva MJP, Ângelo M, Ribeiro CA. The meaning of interaction between nursing professionals and newborns/families in a hospital setting. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008; 16(6):1012-8.
  • Corresponding Author:
    Deise Moura de Oliveira
    Rua Nestor Vasconcelos, 55
    Bairro: Quintas da Avenida
    CEP: 36046-630, Juiz de Fora, MG, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      09 Nov 2010
    • Aceito
      30 Maio 2011
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br