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A experiência da perda perinatal a partir da perspectiva dos profissionais de saúde

Resumos

O objetivo deste artigo foi conhecer a experiência dos profissionais de saúde em casos de morte perinatal e o pesar decorrente e, ainda, descrever as estratégias de ação frente à perda perinatal. Trata-se de estudo qualitativo com abordagem fenomenológica, por meio de entrevista com 19 profissionais. Três categorias temáticas foram identificadas: a prática de cuidados de saúde, os sentimentos despertados pela perda perinatal e o significado e crenças sobre perda e pesar perinatal. Os resultados mostram que a falta de conhecimento e recursos para lidar com a perda perinatal torna inadequada as atitudes nessas situações, gerando sensação de desamparo, ansiedade e frustração que compromete a competência profissional. Conclui-se que é fundamental promover programas de treinamento para adquirir conhecimentos, aptidões e habilidades em pesar perinatal e desenvolver uma diretriz de prática clínica para o cuidado da perda perinatal.

Morte Fetal; Pesar; Competência Profissional; Atitude Frente a Morte


The purpose of this paper is to know the experience of health professionals in situations of perinatal death and grief and to describe their action strategies in the management of perinatal loss. A qualitative study with a phenomenological approach was carried out through interviews conducted with 19 professionals. Three thematic categories were identified: Healthcare practice, feelings aroused by perinatal loss and meaning and beliefs about perinatal loss and grief. The results revealed that the lack of knowledge and skills to deal with perinatal loss are identified as the main reason behind unsuitable attitudes that are usually adopted in these situations. This generates anxiety, helplessness and frustration that compromise professional competency. The conclusion reached is that the promotion of training programs to acquire knowledge, skills and abilities in management of perinatal bereavement and the development of a clinical practice guideline for perinatal loss are necessary.

Fetal Death; Grief; Professional Competence; Attitude to Death


El objetivo de este artículo es conocer la experiencia vivida por los profesionales de la salud en situaciones de muerte y duelo perinatal y describir las estrategias de actuación ante la pérdida perinatal. Se trata de un estudio cualitativo con un enfoque fenomenológico realizado a 19 profesionales a través de entrevistas. Se identificaron 3 categorías temáticas: la práctica asistencial, los sentimientos que despierta la pérdida perinatal y significado y creencias sobre la pérdida y el duelo perinatal. Los resultados ponen de manifiesto que la falta de conocimientos y de recursos para enfrentar la pérdida perinatal hace que se adopten actitudes poco adecuadas en estas situaciones, generando una sensación de ansiedad, impotencia y frustración que compromete la competencia profesional. Se concluye que es fundamental promover programas de formación para adquirir conocimientos y destrezas sobre el duelo perinatal y elaborar una guía de práctica clínica para la atención a la pérdida perinatal.

Muerte Fetal; Pena; Competencia Profesional; Actitud Frente a la Muerte


ARTIGO ORIGINAL

A experiência da perda perinatal a partir da perspectiva dos profissionais de saúde1

Sonia María Pastor MonteroI ; José Manuel Romero SánchezII; César Hueso MontoroIII; Manuel Lillo CrespoIV; Ana Gema Vacas JaénV; María Belén Rodríguez TiradoV

IEnfermera, Estudiante de Doctorado en Enfermería, Universidad de Alicante, España. Hospital de Montilla, Agencia Pública Empresarial Sanitaria Alto Guadalquivir, Córdoba, España. E-mail: smpastor@ephag.es

IIEnfermero, Estudiante de Doctorado en Ciencias de la Enfermería, Universidad de Cádiz, España. E-mail: jose.romerosanchez@mail.uca.es

IIIEnfermero, Licenciado en Antropología Social y Cultural, Doctor en Enfermería, Profesor, Facultad Ciencias de la Salud, Universidad de Granada, España. E-mail: cesarhueso@ugr.es

IVEnfermero, Licenciado en Antropología Social y Cultural, Doctor en Antropología Biológica y de la Salud, Profesor Asociado, Escuela Universitária de Enfermería, Universidad de Alicante, Valencia, España. E-mail: manuellillo@ua.es

VEnfermeras, Hospital de Montilla, Córdoba, España. E-mail: Ana Gema - agvacas@ephag.es, Maria Belén - mbrodriguez@ephag.es

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo deste artigo foi conhecer a experiência dos profissionais de saúde em casos de morte perinatal e o pesar decorrente e, ainda, descrever as estratégias de ação frente à perda perinatal. Trata-se de estudo qualitativo com abordagem fenomenológica, por meio de entrevista com 19 profissionais. Três categorias temáticas foram identificadas: a prática de cuidados de saúde, os sentimentos despertados pela perda perinatal e o significado e crenças sobre perda e pesar perinatal. Os resultados mostram que a falta de conhecimento e recursos para lidar com a perda perinatal torna inadequada as atitudes nessas situações, gerando sensação de desamparo, ansiedade e frustração que compromete a competência profissional. Conclui-se que é fundamental promover programas de treinamento para adquirir conhecimentos, aptidões e habilidades em pesar perinatal e desenvolver uma diretriz de prática clínica para o cuidado da perda perinatal.

Descritores: Morte Fetal; Pesar; Competência Profissional; Atitude Frente a Morte.

Introdução

A imagem da maternidade, culturalmente, é amplamente conhecida como sinônimo de sucesso(1). O nascimento de um filho é considerado um acontecimento feliz para as famílias, mas, infelizmente, algumas gravidezes terminam em perda.

Os grandes avanços científicos e a qualidade da assistência de saúde às gestantes e aos recém-nascidos têm conseguido diminuir o índice de mortalidade perinatal(2). Na Espanha, o índice corresponde a 4,47 por mil nascidos vivos(3). Um dos fenômenos que explica as causas pelas quais atualmente a perda de um filho desejado tem tanta repercussão nos pais é a diminuição do número de filhos por casal, devido às mudanças sociais, econômicas e culturais ocorridas na sociedade espanhola, no final do século XX(1). Essa modificação no padrão reprodutivo coloca a Espanha como um dos países com o menor nível de fecundidade, com taxa de 1,4 filhos por mulher(3).

O conceito de perda perinatal inclui as perdas ocorridas a qualquer momento da gestação até o primeiro mês de vida do bebê e a cessão de uma criança para adoção(4).

A perda perinatal é experiência indescritível para os pais, difícil de assimilar, considerando que os bebês representam o início da vida e não o fim. Após sofrer uma perda, tem início uma série de tarefas, chamada processo de elaboração do luto. O luto é a resposta normal e saudável a uma perda(5). Os pais vivenciam as mesmas reações que aquelas observadas em outras situações de luto, tais como sentimentos de vazio interior, culpabilidade, irritabilidade, pesar esmagador, temor de uma nova gravidez, raiva, incredulidade e apatia(4,6). Aproximadamente, 20% das mães sofrem de algum transtorno psicológico, como depressão ou ansiedade, dentro de um ano após a perda, e podem desenvolver distúrbios psiquiátricos com capacidade para influenciar eventuais gravidezes posteriores e o relacionamento com o bebê seguinte(6).

Em nível profissional, a morte é um tema tabu e provoca sentimentos negativos como frustração, decepção, derrota e tristeza(7). Na Espanha, existem poucos centros hospitalares onde foram propostos guias de atuação diante da perda perinatal. Assim, as intervenções, a assistência e a formação para a prestação de cuidados nessas situações representam uma questão pendente(8).

Tratar da perda perinatal é tarefa delicada. Essa experiência não deixa indiferentes os profissionais, que não sabem como devem se comportar, nem como acompanhar e cuidar da mulher e seu companheiro, após sofrerem uma perda. Portanto, deve-se saber como interpretar e abordar as perdas perinatais e as percepções relacionadas a esse fenômeno.

A partir do arcabouço conceitual do holismo, a investigação qualitativa enfoca os fenômenos que acontecem com as pessoas, destacando os processos e significados da experiência humana ou de fenômenos relacionados a ela; portanto, para entender as experiências humanas, é necessário um referencial teórico com abordagem sistemática e subjetiva que permita descrever e significar as experiências de vida(9).

O objetivo do estudo foi conhecer a experiência vivida pelos profissionais de saúde da Unidade Materno-Infantil de um hospital público terciário, na Espanha, em situações de morte e luto perinatal, conhecer quais eram seus sentimentos, suas emoções, suas preocupações, em suma, suas respostas humanas e descrever as estratégias de atuação diante da perda perinatal, além das dificuldades enfrentadas na sua abordagem.

Métodos

Trata-se de estudo qualitativo descritivo com enfoque fenomenológico(10). Dentro do paradigma construtivista, será utilizada, como estratégia de pesquisa, a fenomenologia, por se aproximar mais do propósito desta investigação. A fenomenologia é tanto uma filosofia quanto um método de investigação e, concretamente, a fenomenologia fundamentada em Husserl permite compreender uma vivência, tratando de desvelar a essência da experiência.

O estudo foi desenvolvido na Unidade Materno-Infantil do Hospital de Montilla, de Córdoba, Espanha, que oferece assistência de saúde a 63.354 habitantes. É um centro regional que pertence à rede de hospitais da Agencia Pública Empresarial Sanitaria Hospital Alto Guadalquivir e faz parte do Sistema Público de Saúde da Comunidade Autônoma de Andalucía. A Área Materno-Infantil conta com 22 camas, distribuídas entre pacientes de ginecologia, obstetrícia e pediatria; a Unidade Neonatal possui três incubadoras e dois berços térmicos e o Bloco Cirúrgico contém cinco salas de cirurgia, duas salas de parto e uma sala de dilatação.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Pesquisa do Hospital de Montilla e pelo Instituto de Consulta y Especialización de Bioética. Os aspectos éticos foram respeitados, explicando-se o objetivo do estudo e informando sobre a coleta das informações antes de solicitar o consentimento informado, que foi assinado por todos os profissionais. A todo momento o anonimato, a confidencialidade dos dados e a participação voluntária foram respeitados.

Os critérios de inclusão foram: profissionais da saúde da Área Materno-Infantil que tivessem assistido a algum caso de perda perinatal no Hospital de Montilla, cujo contrato profissional não fosse temporário e, ainda, que participasse desta pesquisa voluntariamente. A seleção do grupo de participantes foi intencional. O número de profissionais foi determinado de acordo com o princípio de saturação teórica(9), de acordo com a representatividade dos conceitos que surgiram durante a análise dos dados.

A estratégia de coleta de dados foi a entrevista em profundidade com roteiro semiestruturado. O roteiro foi elaborado mencionando várias áreas temáticas, introduzindo cada uma delas com uma pergunta aberta, baseada na teoria e visando complementar os objetivos do estudo(9). O roteiro abrangeu as perguntas orientadoras, mostradas a seguir.

Você poderia descrever sua experiência com alguma situação de perda perinatal na sua prática profissional? Como você se sente quando tem que enfrentar essas situações? O que significa a perda perinatal para você? De que forma suas crenças sobre a perda perinatal afetam as experiências de morte e luto dos pais? Como você acredita que os pais vivenciam essa experiência?

Todas as entrevistas foram gravadas com a aprovação dos participantes e transcritas literalmente. Tiveram duração de 60 a 90 minutes e foram realizadas no centro de trabalho entre os meses de abril de 2007 e fevereiro de 2008. A data e o local exatos foram escolhidos pelos participantes, determinando-se ambientes tranquilos, livres de interrupções e que garantissem a privacidade. Durante a entrevista, foram elaboradas notas de campo que faziam referência não só à entrevista, mas, também, ao que foi observado durante a entrevista, especificamente, os aspectos da comunicação não verbal, tais como gestos, expressão facial, posturas, tom de voz e silêncios diante de determinados temas(9). Esses matizes foram indicados com o uso de colchetes nos discursos dos informantes. Todas essas observações eram anotadas em um diário de pesquisa, junto com notas de análise, metodológicas e pessoais dos autores desses diários.

O conteúdo das entrevistas foi validado pelos entrevistados. Após a transcrição da entrevista, os informantes a receberam de volta para revisão e verificação do conteúdo.

A análise foi elaborada de acordo com a proposta de Taylor & Bogdan(9). Depois de ler sucessivamente as entrevistas transcritas e notas de campo, as unidades de significado foram identificadas e agrupadas em temas comuns. Finalmente, as categorias e subcategorias foram elaboradas na tentativa de captar o significado dos discursos, considerando o contexto em que foram coletados. A identificação de unidades de significado e seu agrupamento em temas foram realizados tendo em conta o roteiro prévio de dimensões estabelecidas, apesar de deixar aberta a possibilidade de incluir novas dimensões, além daquelas consideradas previamente. Para essa análise foi utilizada como ferramenta o software NVivo 9.

O rigor científico foi garantido através da confiabilidade, validade e reprodutibilidade do estudo(9). No presente estudo contribuíram para esse fim a descrição minuciosa da metodologia utilizada, a transcrição de todas as entrevistas, a saturação teórica e a triangulação de dados e pesquisadores. Para triangular os dados, estabeleceu-se sua coleta em diferentes momentos do estudo, em diferentes seções da Unidade Materno-Infantil, tais como a Sala de Parto, a Unidade Neonatal e a Ala de Hospitalização, por diferentes entrevistadores, comparando-se os relatos dos diferentes informantes. A triangulação dos investigadores foi baseada no trabalho em equipe, consistindo de três membros da equipe investigadora que serviram como entrevistadores, enquanto toda a equipe investigadora analisou os dados, de acordo com a metodologia proposta anteriormente.

Resultados e discussão

Participaram do estudo 19 profissionais da saúde, dos quais 16 eram mulheres e 3 homens, com idade entre 26 e 48 anos. Os profissionais pertencem a quatro categorias profissionais distintas, com nove enfermeiras, três parteiras, cinco auxiliares de enfermagem e dois obstetras. O tempo de experiência profissional variou entre 5 e 20 anos.

Não foi possível entrevistar nenhum neonatologista durante a realização da pesquisa porque não ocorreu nenhuma morte neonatal dentro dos primeiros 28 dias de vida no Hospital de Montilla. Isso se deve ao fato de que esse centro hospitalar regional não conta com Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (Ucin) e os recém-nascidos que precisavam desses cuidados eram transferidos ao hospital de referência, onde posteriormente faleciam. Esse aspecto significou uma limitação do estudo.

Três temas essenciais interligados foram identificados: a prática assistencial, os sentimentos que a perda perinatal desperta e o significado e crenças sobre a perda e o luto perinatal. Também foram detectados vários subtemas, tais como a formação sobre o luto perinatal, conhecimentos sobre as perdas e o luto perinatal, estratégias emocionais, manuais de atuação, sensibilização, assertividade, humanização e prática baseada em evidência. A prática assistencial foi o tema principal.

Na exposição dos resultados e da discussão, menciona-se a categoria temática, explicando os achados mais relevantes e ilustrando tais achados com trechos literais das entrevistas, identificando-se o tipo de profissional por um código, para garantir o anonimato e a confidencialidade dos dados registrados, e, finalmente, comparando-se os dados com a literatura científica encontrada a respeito.

A prática assistencial

Um fato que se constata em todas as entrevistas é que o episódio assistencial é vivenciado de forma distinta, de acordo com a categoria profissional. Habitualmente, os profissionais do estudo tendem a enfocar os cuidados físicos, evitando o aspecto emocional no intuito de diminuir sua angústia. Por isso, põem em prática diferentes mecanismos, atitudes e comportamentos na vivência dessas situações. Assim, em muitas ocasiões, sua atuação não é a mais correta, reagindo de maneira distante, quase fria, e negando a gravidade da perda, principalmente em gestações precoces. Evidencia-se a falta de estratégias, de destrezas e de recursos dos profissionais entrevistados para enfrentar essas situações e dar resposta às demandas dos pais. Não têm consciência de que uma atitude profissional inadequada pode influenciar a evolução correta do luto dos pais e se sentem pouco preparados para estabelecer relação de empatia.

Não costumo entrar no quarto da mulher exceto quando tenho que verificar os sinais vitais, canalizar uma via ou colocar medicação, daí entro [abaixa mais a voz], mas não lhe pergunto nada. Sinto vergonha por não saber o que falar, [silêncio], não estou preparada para abordar os aspectos emocionais (EP10, enfermeira).

Entro pouco no quarto porque acho que posso incomodá-la, mas [abaixa o olhar] é a desculpa que invento (EP8, auxiliar de enfermagem).

Na maioria das vezes esqueça do aspecto psicológico e te centra nos aspectos físicos, mas é porque te faltam destrezas na hora de enfrentar a situação e não sabe como agir, o que falar, nos falta muita empatia com a mulher e seu parceiro (EP03, parteira).

Aqui entra muito a capacidade individual da relação médico/paciente, eu posso ter mais ou menos humanidade, mas não domino o tema. É como quando estou diante de uma paciente terminal e o que você faz? Você pensa em como enfocá-lo, o que falar, como falar, mas claro, um mau resultado obstétrico não é comum e tem aspectos emocionais que não domino (EP12, obstetra).

Você tenta tratar esses pais um pouco diferente, especial; mas nunca pensei no fato de que o jeito de eu tratá-la vai modificar seu processo de luto (EP05, obstetra).

O momento de comunicar a má notícia gera ansiedade no profissional responsável por passar a informação, o obstetra, que, às vezes, compromete sua competência e seu valor humano ao ignorar até que ponto a forma em que a notícia foi comunicada ajudará ou dificultará o processo de luto e influenciará futuras relações médico/paciente.

A pessoa que informa sempre é o médico e, dependendo de sua personalidade, informa com mais ou menos delicadeza (EP17, enfermeira).

Quando coloca o monitor e não escuta o batimento fetal sua cara muda e as mulheres notam isso. Eu lhes acalmo, dizendo que às vezes não dá para notar o batimento devido à posição em que se encontra o coração da criança e que vou avisar o médico para fazer um ultrassom, mas não informo sobre minhas suspeitas, isso é para o médico (EP07, parteira).

Eles observam o pesar no seu gesto e você fala para eles que o feto não tem batimento, que está morto. Depois disso já não te escutam porque começam a chorar e sempre o primeiro é a pergunta do porquê e depois buscam um culpado (EP12, obstetra).

Você recebe o primeiro impacto, porque você tem que dar a má notícia, você não se acostuma com isso e, portanto, a maneira de dar a notícia depende da individualidade de cada profissional (EP05, obstetra).

Uma pesquisa(11) destaca essas características, afirmando que, apesar de os profissionais se esforçarem para oferecer atenção integral e holística à mulher e seu parceiro, questões emocionais ou de conhecimento fazem com que as condutas da prática habitual sejam, às vezes, contrárias aos modos humanistas, baseados na relação de ajuda.

Os problemas e dificuldades que podem afetar a qualidade dos cuidados estão relacionados ao desconhecimento das peculiaridades dos pais vítimas de uma perda. Nesse sentido, expressam que a formação lhes proporcionaria conhecimentos sobre a melhor evidência disponível para acompanhar os pais nesse processo.

Durante o curso não te ensinam as estratégias necessárias para apoiar nessas situações e a experiência não é suficiente nesses casos, necessitamos de formação (EP15, enfermeira).

Um manual de atuação seria útil, isso favoreceria o consenso e o trabalho em equipe (EP03, parteira).

Oficinas e cursos onde seriam dadas informação e formação sobre o que fazer e o que não fazer (EP13, auxiliar de enfermagem).

Não acredito que a formação seja necessária, porque você não sabe como lidar com essa situação (EP05, obstetra).

A formação, portanto, aparece como desafio a ser enfrentado na área da assistência perinatal, sendo uma questão transversal a muitas outras facetas da atuação profissional, com relação à segurança do paciente, por exemplo(12).

No que diz respeito à assistência ao parto de um feto morto, a estratégia seguida é a humanização de todo o processo de parto, diminuindo as intervenções desnecessárias e respeitando as decisões da mulher e do seu parceiro quanto à intimidade, acompanhamento e plano do parto. Para as parteiras entrevistadas, torna-se difícil, na prática diária, ser testemunha de uma morte fetal, principalmente quando de gestação a termo.

Tem que humanizar o parto e facilitar na medida do possível que a mulher se sinta confortável, apoiada e informada pela parteira e pelo ginecologista e ser o menos intervencionista possível (EP12, obstetra).

Temos que estar abertos às suas necessidades e oferecer-lhes todas as possibilidades como analgesia, posição no parto, acompanhamentp etc., e que seja a mulher quem tome as decisões (EP18, parteira).

O parto de um feto morto em gestações avançadas é muito duro, não é uma situação agradável (EP05, obstetra).

O choro é o que mais sinto falta [olhar triste] acostumada como estou a escutar a criança chorar, assim que nasce, fica difícil, me agonia (EP07, parteira).

Um estudo(13) revela que quando a mulher e seu parceiro têm a opção de decidir questões sobre a indução do parto, o controle da dor, ou a posição no parto, contribuem para o desenvolvimento normal do trabalho de luto e que, portanto, não há uma decisão correta nessas questões, exceto a sedação excessiva, que deveria ser evitada.

A partir da pesquisa, revela-se um elemento central no âmbito das suas ações, que é o respeito pela decisão dos pais em relação a ver e tocar seu filho.

São os pais que têm que decidir, dizem que é melhor mostrá-lo, mas, se ela não quiser, eu respeito isso (EP03, parteira).

Devem se despedir e a forma de se despedir é vendo e tocando o bebê (EP04, enfermeira).

A mãe vê a criança muito poucas vezes, o pai mais, apesar de que respeito sua decisão de vê-lo, sempre espero para ver como nasce (EP07, parteira).

Eu sempre ofereço para vê-lo, às vezes os pais não querem e são os avós ou os tios que o veem e, além disso, prefiro que alguém o veja para evitar suspeitas sobre se estava realmente morto ou não (EP12, obstetra).

Foram encontradas diferentes reações no que diz respeito a providenciar lembranças do bebê, indicando que desconhecem até que ponto essas opções podem ajudar os pais a aguentar melhor o luto.

Não sei como oferecer essas coisas, mas se a mulher tem a idéia, então sim (EP12, obstetra).

Esse tema é mais da parteira, de qualquer forma, desconheço como isso pode beneficiar os pais, eu não faria, mas respeito outras decisões (EP05, obstetra).

Acredito que as fotografias não são adequadas, mas eu faria o que os pais me pedissem, aquilo do pacotinho de lembranças não me parece ruim, mas é claro que são os pais que têm que decidir sobre estas questões (EP18, parteira).

Me parece um pouco macabro e desagradável fazer fotografias, vestir-lhes e fazer um velório com toda a família [indica estar incomodada com essas questões], eu não gostaria que toda minha família visse meu bebê macerado e muito menos que tirassem fotos dele, não me sentiria bem (EP07, parteira).

Tem muitos preconceitos sobre tudo isso, mas porque tem muita falta de conhecimento sobre o tema (EF9, enfermeira).

As recomendações encontradas na literatura científica evidenciam que ver e segurar o bebê e guardar lembranças como fotos, impressões dos pés ou das mãos, ou uma mecha de cabelo favorece a superação do luto(13).

Sentimentos despertados pela perda perinatal

Os participantes não só mencionaram se sentir transbordados pela pena, pela frustração e pela impotência sentidas pelos pais que passam por uma situação de perda perinatal, mas isso também foi revelado através da leitura dos seus gestos e expressões. Essas situações geram grande impacto emocional, já que não só têm que enfrentar seus próprios sentimentos, mas também aqueles dos pais, e, frequentemente, a resposta emocional é evitar a situação para controlar o estresse profissional.

Significa enfrentar a morte [fica muito pensativa e baixa a voz] e é difícil (EP01, enfermeira).

Tento não olhar nos seus olhos [silêncio], nunca, sinto muita coisa, quando a criança já nasceu olhar nos olhos da mãe me faz sentir um monte (EF19, auxiliar de enfermagem).

Nossos sentimentos não transcendem, mas a dor que eles passam me causa impacto [toca o peito com sua mão direita] (EP07, parteira).

Muitos pais se queixam da solidão com que vivem estas situações, o que ocorre é que os profissionais reagem distanciando-se (EF05, obstetra).

Também existe relação significativa entre as atitudes, reações e sentimentos implicados no processo de perda e nas semanas de gestação.

Um aborto não é o mesmo que um feto maior (EP06, auxiliar).

Quando já é uma gestação avançada, o fato em si já causa impacto (EP09, enfermeira).

Se é um aborto espontâneo de poucas semanas, costumo consolar a mulher dizendo [muda para um tom de voz mais doce] "não te preocupe, é melhor assim, poderia ter uma malformação", mas com fetos maiores [indica agitação, angústia] não sei o que fazer nem o que falar (EP03, parteira).

Os abortos espontâneos acontecem tão rotineiros que às vezes não lhes damos a importância que têm, nem mostramos isso (EP12, obstetra).

A bibliografia consultada mostra que a perda perinatal exerce grande impacto emocional, não só nos pais e no seu ambiente, mas também nos profissionais que os atendem(4). A abordagem dos resultados perinatais adversos pelos profissionais da saúde é difícil e requer alto nível de competência emocional(14).

Os sentimentos manifestados pelos profissionais entrevistados são de pena, ansiedade, insegurança, ressentimento, culpa, raiva, sensação de fracasso e impotência e estão relacionados principalmente ao não saber enfrentar e manejar essas situações.

Me faz sentir muita impotência não saber o que lhes falar nessa situação (EP02, enfermeira).

Me dá muita pena, sinto uma grande tristeza (EP13, auxiliar de enfermagem).

É uma mescla de tudo um pouco, ansiedade, raiva, angústia, impotência e, assim, você fica uma semana revivendo o caso, pensando se você o fez bem (EP07, parteira).

Esse achado coincide com a contribuição de outro trabalho(15) quando, por sua vez, indica que as situações de perda perinatal obrigam os profissionais a recorrer a mecanismos de defesa, tais como distanciarem-se dos pais desolados para proteger sua própria vulnerabilidade emocional, sentindo-se incapazes de acompanhar e cuidar da mulher e do seu parceiro nesse tipo de perdas.

A sensação de fracasso e culpa são sentimentos que os obstetras no estudo enfrentam e estão muito vinculados tanto com as semanas de gestação como à relação médico/paciente. O sentimento de culpa aumenta com as semanas de gestação, de maneira que, quanto mais adiantada a gravidez, mais aumenta a experiência de culpa.

Os maus resultados perinatais são uma experiência ruim [abaixa o olhar], é um sentimento de raiva, de frustação mais do que tudo, você sente muita impotência pelo que você tem passado e se pergunta se poderia ter feito algo para mudar essa situação e você fica revivendo o caso, perguntando-se o que pode ter ocorrido. Além disso, quanto mais próximo do parto está a perda, mais culpado você pode se sentir, e também exercem influência outros fatores como o grau de envolvimento que teve durante a gravidez, porque não é o mesmo uma paciente que você vê pela primeira vez durante um plantão e quando você a acompanhou durante a gestação, neste último caso você se envolve emocionalmente e fica sentindo mais frustração e sentimentos de culpa e, durante alguns dias, você fica agitado [faz gestos com as mãos sobre o abdômen]. Até que você digira esta coisa ruim sua moral fica mais baixa, fica um pouco desanimado, mas o principal é a impotência porque fez tudo corretamente e aconteceu (EP12, obstetra).

Muito pouco se conhece como as perdas perinatais afetam os obstetras. Em um estudo realizado com obstetras americanos, constatou-se que, durante um ano, esses profissionais poderiam atender 12 mulheres com aborto espontâneo e um ou dois casos de morte antes do parto ou de falecimento de um recém-nascido. Essa investigação destacou a repercussão emocional das perdas sobre os obstetras, destacando o sentimento de culpa, principalmente em casos de causa de morte não justificada(16).

Significado e crenças sobre a perda e o luto perinatal

Os participantes percebem o aborto espontâneo e o parto de um feto morto como perda real para os pais. O significado da perda perinatal está relacionado à idade gestacional, motivo pelo qual uma perda na fase inicial não é considerada como a morte de um bebê, mas como a perda de ilusões e expectativas. Como é uma situação mais comum, não recebe a importância devida. As perdas tardias, ao contrário, são consideradas experiências muito dolorosas para os pais.

Tem muito mais impacto quanto mais próximo do parto chegou (EP05, obstetra).

Às gestações em fase inicial não é dada tanta importância [move os ombros e faz gestos indicando essa nuance], mas custa muito trabalho assimilar como uma criança a ponto de nascer pode morrer (EP03, parteira).

É uma perda importante, mas depende do mês de gestação em que está (EP14, auxiliar de enfermagem).

É uma frustração de algumas expectativas, uma sensação de vazio e muito difícil para o casal (EP04, enfermeira).

A literatura mostra que os pais vão elaborando determinadas expectativas, promessas, fantasias, sonhos e ilusões com a chegada do bebê e que os avanços tecnológicos possibilitam a formação precoce de vínculo entre os pais e seu filho(11).

Os discursos dos entrevistados mostraram que o luto perinatal é um processo que os pais levam a cabo para superar a perda. É um processo natural, necessário, e cada mãe e pai irão vivê-lo de forma distinta, de acordo com a idade gestacional, as dificuldades para conceber e a própria personalidade dos pais e da família. A duração e as manifestações do luto estão de acordo com as semanas de gestação.

A vivência é distinta de acordo com as semanas de gestação (EP08, auxiliar de enfermagem).

É a resposta dos pais e da família em volta dessa criança que morre, como responde diante disso (EP10, enfermeira).

Depende de muitas variáveis, não é o mesmo quando é sua primeira gravidez ou quando já tem mais crianças ou quando já teve outros abortos e pensa que não possa ter mais filhos (EP18, parteira).

A duração depende das semanas de gestação, tem abortos espontâneos que são inconsoláveis, mas, conforme a gravidez avança e a perda perinatal ocorra mais próxima ao parto, o luto é muito maior e mais profundo (EP12, obstetra).

O impacto psicossocial da perda perinatal tem sido amplamente estudado nos últimos 25 anos. Esses pais vivenciam as mesmas reações de aflição observadas em outras situações de luto, e inclusive podem chegar a ser mais intensas pela falta de visibilidade social do luto perinatal(4). O aborto espontâneo e a morte fetal são experiências devastadoras para os pais e algumas mulheres têm grandes dificuldades para se recuperarem após a perda(6).

Considerações finais

Esta investigação proporcionou a compreensão do fenômeno das perdas perinatais a partir da experiência dos profissionais envolvidos na sua atenção, revelando facetas de sua abordagem.

Cabe destacar que, quando ocorre uma perda perinatal, todos os profissionais da Unidade Materno-Infantil ficam envolvidos no processo, o que indica o caráter multidisciplinar implícito nesse tipo de fenômeno.

Nesse sentido, acompanhar e cuidar dos pais que sofreram perda perinatal não é algo que se deva improvisar. Por isso, é necessária formação específica sobre o pesar perinatal, habilidades de comunicação e técnicas de relacionamento de ajuda. A formação representa a chave que permitirá aos profissionais da saúde gerenciar, de modo construtivo, a perda perinatal.

Este estudo deve ser objeto de reflexão e servir de incentivo para elaborar um guia de assistência para a abordagem da perda perinatal que reduza a ansiedade dos profissionais e ofereça atenção mais sensível e empática aos pais.

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  • Corresponding Author:
    Sonia María Pastor Montero
    A 309, Ctra. Montoro-Puente Genil, km. 63,350
    Montilla
    14550, Córdoba, España
    E-mail:
  • 1
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      17 Nov 2010
    • Aceito
      11 Out 2011
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