Acessibilidade / Reportar erro

Diferenças entre mulheres e homens diabéticos no autocuidado com os pés e estilo de vida1 1 Apoio financeiro da Fundação Araucária, processo nº 08/2009.

RESUMO

Objetivo:

investigar as diferenças no autocuidado com os pés e no estilo de vida entre mulheres e homens diabéticos.

Método:

estudo transversal realizado com uma amostra de 1.515 diabéticos com 40 anos ou mais. Foram utilizados modelos de regressão de Poisson para identificar diferenças entre os sexos na prevalência de déficit de autocuidado com os pés e no estilo de vida, ajustando-se por características socioeconômicas, clínicas, tabagismo e alcoolismo.

Resultados:

a prevalência de déficit de autocuidado com os pés, caracterizada por baixa frequência de secagem dos espaços interdigitais; da não avaliação periódica dos pés; do hábito de andar descalço; de higiene insatisfatória e corte inadequado de unhas foi significativamente maior entre os homens. Contudo, eles apresentaram menor prevalência na prática de escaldar os pés e no uso de calçados inadequados em comparação às mulheres. Em relação ao estilo de vida, os homens também apresentaram comportamentos menos saudáveis pois tem significativamente menor controle alimentar e não realizam os exames laboratoriais referentes ao perfil lipídico na frequência recomendada.

Conclusão:

considerar as diferenças de gênero no autocuidado com os pés e no estilo de vida permite à equipe de enfermagem direcionar atividades educacionais e intervenções nos fatores de risco à ulceração dos pés.

Descritores:
Diabetes Mellitus; Complicações do Diabetes; Pé Diabético; Autocuidado; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to investigate differences with regard to foot self-care and lifestyle between men and women with diabetes mellitus.

Method:

cross-sectional study conducted in a sample of 1,515 individuals with diabetes mellitus aged 40 years old or older. Poisson regression models were used to identity differences in foot self-care deficit and lifestyle between sexes, adjusting for socioeconomic and clinical characteristics, smoking and alcohol consumption.

Results:

foot self-care deficit, characterized by not regularly drying between toes; not regularly checking feet; walking barefoot; poor hygiene and inappropriately trimmed nails, was significantly higher among men, though men presented a lower prevalence of feet scaling and use of inappropriate shoes when compared to women. With regard to lifestyle, men presented less healthy habits, such as not adhering to a proper diet and taking laboratory exams to check for lipid profile at the frequency recommended.

Conclusion:

the nursing team should take into account gender differences concerning foot self-care and lifestyle when implementing educational activities and interventions intended to decrease risk factors for foot ulceration.

Descriptors:
Diabetes Mellitus; Diabetes Complications; Diabetic Foot; Self Care; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

investigar las diferencias en el autocuidado de los pies y estilo de vida entre mujeres y hombres diabéticos.

Método:

estudio transversal realizado con una muestra de 1.515 diabéticos con 40 años o más. Fueron utilizados los modelos de regresión de Poisson para identificar diferencias entre los sexos en la prevalencia de déficit de autocuidado de los pies y estilo de vida, ajustándolas por características socioeconómicas, clínicas, tabaquismo y alcoholismo.

Resultados:

la prevalencia de déficit de autocuidado de los pies, caracterizada por: baja frecuencia de secado de los espacios interdigitales; falta de evaluación periódica de los pies; hábito de andar descalzo; higiene insatisfactoria; y, corte inadecuado de uñas, fue significativamente mayor entre los hombre. Sin embargo, estos presentaron menor prevalencia en la práctica de escaldar los pies y en el uso de calzados inadecuados en comparación a las mujeres. En relación al estilo de vida, los hombres también presentaron comportamientos menos saludables ya que tienen significativamente menor control alimentario y no realizan los exámenes de laboratorio referentes al perfil lipídico, con la frecuencia recomendada.

Conclusión:

considerar las diferencias de género en el autocuidado de los pies y en el estilo de vida, le permite al equipo de enfermería realizar actividades educacionales e intervenciones en los factores de riesgo para la ulceración de los pies.

Descriptores:
Diabetes Mellitus; Complicaciones de la Diabetes; Pie Diabético; Autocuidado; Enfermería

Introdução

No Brasil, em 2014, identificou-se que existiam 11,6 milhões de pessoas com diabetes mellitus (DM),população com idade entre 20 e 79 anos, correspondentes a 8,7% do total de 133,8 milhões de indivíduos nessa faixa etária. Estima-se que o DM foi responsável pela morte de 116.383 pessoas no mesmo ano e 41,7% dessas mortes ocorreu em indivíduos com menos de 60 anos11. International Diabetes Federation. Diabetes Atlas. 6th ed. Brussels: International Diabetes Federation; 2014..

Entre as complicações crônicas do DM, o pé diabético representa a mais comum do DM tipo 2 (DM2) e caracteriza-se pela presença de alterações neurológicas, ortopédicas, vasculares e/ou infecciosas que precedem o surgimento de úlceras de difícil cicatrização22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93.. Esse agravo é um dos principais fatores que predispõe as amputações não traumáticas dos membros inferiores e calcula-se que a taxa média global desse tipo de mutilação em indivíduos com DM seja de 19,03%33. Jiang Y, Ran X, Jia L, Yang C, Wang P, Ma J, et al. Epidemiology of Type 2 Diabetic Foot Problems and Predictive Factors for Amputation in China. Int J Low Extrem Wounds. 2015;8:1-9..

Para a prevenção desse agravo e outras complicações do DM é imprescindível que o diabético mantenha o controle glicêmico adequado, que exige mudanças no seu estilo de vida e a adoção de atitudes de autocuidado44. Bortoletto MS, Andrade SM, Matsuo T, Haddad MC, González AD, Silva AM. Risk factors for foot ulcers - a cross sectional survey from a primary care setting in Brazil. Prim Care Diabetes. 2014;8(1):76-6.-55. Caiafa JS, Castro AA, Fidelis C, Santos VP, Silva ES, Sitrângulo Jr CJ. Atenção integral ao portador de pé diabético. J Vasc Bras. 2011;10(4):1-32.. Essas medidas envolvem o segmento de um plano alimentar, a monitorização glicêmica e do perfil lipídico, a realização de atividades físicas regulares, o uso correto da medicação e cuidados com os pés22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93.. Dorothea Elizabeth Orem, enfermeira, umas das primeiras referências sobre a prática do autocuidado, define-o como sendo a realização de ações que os indivíduos iniciam e executam por si mesmos para manter a vida, a saúde e o bem-estar66. Orem DE, Taylor SG. Reflections on nursing practice science: the nature, the structure, and the foundation of nursing sciences. Nurs Sci. Q. 2011;24(1):35-41.. Em sua teoria, Orem preconiza que a pessoa que não consegue realizar as atividades necessárias para manutenção da sua saúde apresenta um déficit de autocuidado, o que indica a necessidade de intervenção de profissional66. Orem DE, Taylor SG. Reflections on nursing practice science: the nature, the structure, and the foundation of nursing sciences. Nurs Sci. Q. 2011;24(1):35-41..

As limitações em realizar as mudanças no estilo de vida e nas práticas de autocuidado necessários ao tratamento é um problema conhecido no contexto da assistência ao diabético, o que prejudica a resposta fisiológica do indivíduo a doença, a relação profissional-paciente e aumentam os custos diretos e indiretos do tratamento44. Bortoletto MS, Andrade SM, Matsuo T, Haddad MC, González AD, Silva AM. Risk factors for foot ulcers - a cross sectional survey from a primary care setting in Brazil. Prim Care Diabetes. 2014;8(1):76-6.,77. Yu MK, Lyles CR, Bent-Shaw LA, Young BA. Sex Disparities in Diabetes Process of Care Measures and Self-Care in High-Risk Patients 2. JDR. 2013;2013:1-8.-88. Mansyur CL, Rustveld LO, Nash SG, Jibaja-Weiss ML. Social factors and barriers to self-care adherence in Hispanic men and women with diabetes. Patient Educ Couns. 2015;98(6):805-10.. O processo de mudança é complexo e o sexo do diabético tem sido identificado como um dos fatores que interferem no comportamento e atitude das pessoas que necessitam adotar novos hábitos e medidas de autocuidado. Estudos realizados em pessoas com DM identificaram que as mulheres apresentaram piores resultados relacionados ao controle glicêmico e lipídico77. Yu MK, Lyles CR, Bent-Shaw LA, Young BA. Sex Disparities in Diabetes Process of Care Measures and Self-Care in High-Risk Patients 2. JDR. 2013;2013:1-8.,99. Schroeder EB, Bayliss EA, Daugherty SL, Steiner JF. Gender differences in cardiovascular risk factors in incident diabetes. Womens Health Issues. 2014;24(1):61-8., considerando-se que os homens demonstraram piores condutas relativas aos cuidados com os pés1010. Tang ZQ, Chen HL, Zhao FF. Gender Differences of Lower Extremity Amputation Risk in Patients With Diabetic Foot: A Meta-Analysis. Int J Low Extrem Wounds. 2014;13(3):197-204.

11. Pscherer S, Dippel FW, Lauterbach S, Kostev K. Amputation rate and risk factors in type 2 patients with diabetic foot syndrome under real-life conditions in Germany. Prim Care Diabetes. 2012;6(3):241-6.
-1212. Monteiro-Soares M, Boyko EJ, Ribeiro J, Ribeiro I, Dinis-Ribeiro M. Predictive factors for diabetic foot ulceration: a systematic review. Diabetes Metab Res Rev. 2012;28(7):574-600..

Embora a literatura77. Yu MK, Lyles CR, Bent-Shaw LA, Young BA. Sex Disparities in Diabetes Process of Care Measures and Self-Care in High-Risk Patients 2. JDR. 2013;2013:1-8.

8. Mansyur CL, Rustveld LO, Nash SG, Jibaja-Weiss ML. Social factors and barriers to self-care adherence in Hispanic men and women with diabetes. Patient Educ Couns. 2015;98(6):805-10.

9. Schroeder EB, Bayliss EA, Daugherty SL, Steiner JF. Gender differences in cardiovascular risk factors in incident diabetes. Womens Health Issues. 2014;24(1):61-8.

10. Tang ZQ, Chen HL, Zhao FF. Gender Differences of Lower Extremity Amputation Risk in Patients With Diabetic Foot: A Meta-Analysis. Int J Low Extrem Wounds. 2014;13(3):197-204.

11. Pscherer S, Dippel FW, Lauterbach S, Kostev K. Amputation rate and risk factors in type 2 patients with diabetic foot syndrome under real-life conditions in Germany. Prim Care Diabetes. 2012;6(3):241-6.
-1212. Monteiro-Soares M, Boyko EJ, Ribeiro J, Ribeiro I, Dinis-Ribeiro M. Predictive factors for diabetic foot ulceration: a systematic review. Diabetes Metab Res Rev. 2012;28(7):574-600. demonstre que as diferenças entre os sexos estão associadas ao comportamento do diabético perante a adoção do plano terapêutico, não foram identificados estudos nacionais sobre essas diferenças relacionadas ao estilo de vida e autocuidado para prevenção do pé diabético e outras complicações crônicas. Assim, foi objetivo desse estudo investigar as diferenças no autocuidado com os pés e no estilo de vida entre mulheres e homens diabéticos.

Método

Estudo transversal, realizado com pessoas com DM2, com 40 anos ou mais de idade, residentes em área urbana de um município de grande porte do sul do Brasil. Para a definição da amostra representativa e estratificada por região do município, foi considerada a prevalência de 11% de diabéticos na população com 40 anos ou mais de idade1313. Ferreira CLRA, Ferreira MG. Características epidemiológicas de pacientes diabéticos da rede pública de saúde - análise a partir do sistema HiperDia. Arq Bras Endocrinol Metab. 2009;53(1):80-6.. Primeiramente, estimou-se a população total de diabéticos com mais de 40 anos nas cinco regiões do município (norte, sul, leste, oeste e centro) e em seguida calculou-se o tamanho da amostra em cada uma delas no programa Epi Info versão 3.5.3, adotando-se erro da amostra de 5% e 10% de perdas em cada uma das regiões do município. A soma das amostras calculadas em cada região totalizou 1.515 indivíduos. Após, procedeu-se uma nova estratificação da amostra por unidades básicas de saúde (UBS) de cada uma das regiões. Assim, os participantes do estudo foram selecionados por sorteio dentre aqueles registrados no Sistema de Cadastramento de Hipertensos e Diabéticos (HIPERDIA) de cada unidade. Foram excluídas da pesquisa pessoas com DM em tratamento dialítico, com úlceras ativas nos membros inferiores e indivíduos que não apresentavam capacidade cognitiva preservada, sendo estas substituídas pela próxima do sorteio. Essas informações foram previamente obtidas nos prontuários dos indivíduos selecionados no sorteio e confirmadas com os profissionais da equipe de saúde das UBSs.

Os diabéticos selecionados no sorteio foram convidados a participar do estudo por contato telefônico ou convites impressos entregues por agentes comunitários de saúde. Os dados foram coletados nas UBSs. As pessoas que não compareceram para coleta dos dados após três agendamentos, os que não foram localizados no endereço registrado no prontuário e os que se recusaram a participar do estudo foram substituídos por outro participante, por meio de um novo sorteio e convocação, até que a amostra fosse completada.

Para coleta de dados utilizou-se um instrumento desenvolvido por Bortoletto et al.44. Bortoletto MS, Andrade SM, Matsuo T, Haddad MC, González AD, Silva AM. Risk factors for foot ulcers - a cross sectional survey from a primary care setting in Brazil. Prim Care Diabetes. 2014;8(1):76-6.) e adaptado para a realização desse estudo. Este instrumento é constituído por variáveis socioeconômicas, de estilo de vida, condições clínicas, autocuidado com os pés e exame clínico dos membros inferiores. Foi realizada entrevista com os participantes para identificação das características socioeconômicas e relacionadas ao estilo de vida e autocuidado com os pés. Também foram feitas buscas nos prontuários para identificação das variáveis que compuseram a condição clínica. Após a entrevista, procedeu-se a aferição do peso corporal, da altura e exame clínico dos membros inferiores dos participantes.

As variáveis de interesse foram aquelas relacionadas ao autocuidado com os pés e estilo de vida dos diabéticos. O autocuidado com os pés foi avaliado a partir dos seguintes comportamentos informados pelos entrevistados: hábito de secar os espaços interdigitais dos pés após o banho (sim/não); inspeção/avaliação periódica dos membros inferiores (sim/não); andava descalços frequentemente (sim/não); e se faziam escalda pés (sim/não). Ainda, avaliou-se no momento da entrevista se o calçado utilizado era apropriado (sim/não), a adequação da higiene e do corte de unhas dos pés (sim/não)22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93.,55. Caiafa JS, Castro AA, Fidelis C, Santos VP, Silva ES, Sitrângulo Jr CJ. Atenção integral ao portador de pé diabético. J Vasc Bras. 2011;10(4):1-32.,1414. Morey-Vargas OL, Smith SA. BE SMART: strategies for foot care and prevention of foot complications in patients with diabetes. Prosthet Orthot Int. 2015;39(1):48-60.. O escalda pés consiste em imergi-los em um recipiente com água aquecida. A higiene foi considerada adequada quando o participante apresentava pés limpos, secos e com odor normal. O calçado foi considerado apropriado quando era de modelo fechado, com um centímetro a mais na parte interna do pé, confeccionado em material tipo couro macio ou lona/algodão22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93.,44. Bortoletto MS, Andrade SM, Matsuo T, Haddad MC, González AD, Silva AM. Risk factors for foot ulcers - a cross sectional survey from a primary care setting in Brazil. Prim Care Diabetes. 2014;8(1):76-6.-55. Caiafa JS, Castro AA, Fidelis C, Santos VP, Silva ES, Sitrângulo Jr CJ. Atenção integral ao portador de pé diabético. J Vasc Bras. 2011;10(4):1-32..

Quanto às variáveis relacionadas ao estilo de vida, os participantes foram questionados se realizavam algum tipo de controle alimentar, se praticavam atividade física regular (atividade física realizada no mínimo 30 minutos e acima de três vezes por semana), se eram tabagistas e quanto ao consumo excessivo de álcool (ingestão superior a uma dose por dia para mulheres e duas doses por dia para homens). Ainda, foram interrogadas quanto à realização de exames laboratoriais periódicos para o controle do DM. Recomenda-se que as pessoas diagnosticadas com DM realizem a avaliação da hemoglobina glicada (HbAc1) no mínimo a cada seis meses e do perfil lipídico anualmente22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93.. O perfil lipídico é constituído pela avaliação dos triglicerídeos, colesterol total, lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e lipoproteínas de alta densidade (HDL)22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93.. O peso corporal e a altura também foram aferidos e em seguida, foi determinado o índice de massa corpórea (IMC), sendo esse classificado em acima do peso quando IMC ≥ 25 kg/m2 (22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93..

Em referência às variáveis socioeconômicas, essas incluíram o sexo, idade, estado civil, cor da pele auto referida, anos de estudo e classificação socioeconômica de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)1515. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de classificação econômica Brasil 2014. São Paulo (SP): ABEP; 2014.. A classificação socioeconômica foi categorizada em: classes A e B, classe C e classes D e E.

A condição clínica foi avaliada de acordo com as variáveis de tempo de diagnóstico, tipo de tratamento, presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS) e de complicações crônicas relacionadas ao DM. A presença de complicações crônicas foi determinada quando o indivíduo apresentava: retinopatia diabética, nefropatia diabética, acidente vascular encefálico (AVE), infarto agudo do miocárdio (IAM), neuropatia diabética periférica, doença vascular periférica e/ou deformidades nos pés. As alterações nos membros inferiores foram identificadas por meio do exame clínico dos pés conforme recomendado pela American Diabetes Association22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93..

Para a análise da associação foi utilizada a razão de prevalência (RP). Realizou-se o teste de qui-quadrado de Wald, com nível de significância de 5%, para determinar se havia diferença entre mulheres e homens quanto as variáveis relacionadas ao estilo de vida, a realização dos exames laboratoriais no tempo recomendado e a prática de autocuidados com pés. Posteriormente, essas análises foram ajustadas por aquelas que constituíram o bloco de variáveis socioeconômicas e condições clínicas, em modelos de Regressão de Poisson, sendo que para o ajuste, selecionou-se dentre essas variáveis as que apresentaram valor de p<0,20 na análise bivariada com as variáveis de estilo de vida e autocuidado com os pés. Essas variáveis foram selecionadas para ajustar o modelo considerando-se que esta doença tem relação com as condições de vida das pessoas e se agrava com o aumento do tempo de diagnóstico e aspectos clínicos dos pacientes.

O sexo feminino foi estabelecido como referência, uma vez que pesquisas recentes tem identificado que os homens apresentam, com mais frequência, déficits de autocuidado relacionado ao DM em comparação as mulheres77. Yu MK, Lyles CR, Bent-Shaw LA, Young BA. Sex Disparities in Diabetes Process of Care Measures and Self-Care in High-Risk Patients 2. JDR. 2013;2013:1-8.,1010. Tang ZQ, Chen HL, Zhao FF. Gender Differences of Lower Extremity Amputation Risk in Patients With Diabetic Foot: A Meta-Analysis. Int J Low Extrem Wounds. 2014;13(3):197-204.,1212. Monteiro-Soares M, Boyko EJ, Ribeiro J, Ribeiro I, Dinis-Ribeiro M. Predictive factors for diabetic foot ulceration: a systematic review. Diabetes Metab Res Rev. 2012;28(7):574-600.. As análises estatísticas foram realizadas no programa Statistical Package for the Social Sciences 21.0. Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina, conforme Certificado de Apresentação para Apreciação Ética - CAAE nº 0123.0.268.268-11.

Resultados

Dos 1.515 entrevistados, 954 (63,0%) eram mulheres. A idade variou entre 40 e 84 anos, com média de 65 anos e mediana de 66. Os homens apresentaram a mediana da idade igual a 66 anos e as mulheres 65. Nos dois sexos foi maior a proporção de indivíduos de cor da pele branca, posto que 50,6% das mulheres e 58,6% dos homens se autodenominaram brancos. A maior parte da população possuía menos de oito anos de estudo, 78,4% das mulheres e 66,7% dos homens. Quanto à classificação socioeconômica, 62,8% das mulheres eram da classe econômica C, seguida por 23,0% das classes A/B e 14,2% das classes D/E. Entre os homens, 32,3% eram da classe A/B, 59,0% da classe C e apenas 8,7% das classes econômicas D/E.

No que se refere às condições clínicas, mais da metade dos participantes do estudo receberam o diagnóstico da doença há menos de 10 anos. Desses 54,1% eram mulheres e 52,6% homens. A prevalência do uso de insulina no tratamento foi semelhante entre homens e mulheres (23,8% das mulheres e 22,8% dos homens) e a prevalência de HAS foi elevada em ambos os sexos (81,6% das mulheres e 76,% dos homens).

Quanto ao estilo de vida, verificou-se que a prevalência de atividade física regular foi maior entre os homens (25,0%) em comparação as mulheres (19,9%), considerando-se que a realização de dieta para o controle alimentar foi mais frequente entre as mulheres (77,3%). Observou-se que 83,6% dos homens e 87,8% das mulheres apresentaram IMC classificado como sobrepeso ou obesidade. Ainda, o hábito de fumar e ingerir bebidas alcoólicas em excesso foi mais prevalente em homens, 11,8% e 37,4%, respectivamente, enquanto que apenas 6,5% das mulheres referiram fumar e 11,4% ingeriam álcool em quantidades acima do recomendado. A realização dos exames laboratoriais no período recomendado para o controle do DM foi mais frequente para as mulheres, uma vez que 40,8% realizaram a aferição da HbAc1 nos últimos seis meses e 51,8% coletaram os exames relacionados ao perfil lipídico no último ano em relação a 34,0% e 41,5% entre os homens, respectivamente (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das variáveis relacionadas ao estilo de vida de pessoas com diabetes mellitus segundo o sexo. PR, Brasil, 2012.

Em relação ao autocuidado com os pés, as mulheres apresentaram maior prevalência de cuidados necessários para prevenir lesões. Contudo, os homens demonstraram melhores hábitos relacionados ao calçado adequado (62,0%) e a não realização do escalda-pés, uma vez que apenas 10,7% afirmaram ter esse hábito, enquanto que 40,4% das mulheres admitiram essa prática (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição das variáveis de autocuidado com os pés de pessoas com diabetes mellitus de acordo com o sexo. PR, Brasil, 2012.

Na análise de regressão de Poisson, para identificação das diferenças entre os sexos quanto ao estilo de vida para o controle do DM e autocuidado com os pés, verificou-se que os homens mantiveram maior prevalência, estatisticamente significativa, de déficit no controle alimentar auto referido (RP=1,47/ IC95%=1,22-1,77), da mesma maneira que da não realização dos exames laboratoriais relacionados ao perfil lipídico no último ano (RP=1,15/ IC95%=1,06-1,27), após o ajuste por variáveis socioeconômicas, clínicas do DM, tabagismo e consumo de álcool em excesso (Tabela 3).

Ainda, todas as variáveis relacionadas ao autocuidado com os pés mantiveram-se associadas estatisticamente ao sexo, inclusive após serem ajustadas por características socioeconômicas, clínicas, tabagismo e alcoolismo. Os homens apresentaram maiores déficits dos seguintes cuidados: não secavam os espaços interdigitais dos pés após o banho (RP=1,75/IC95%=1,43-2,15), não avaliavam os pés periodicamente (RP=1,32/IC95%=1,15-1,51), andavam descalços frequentemente (RP=1,31/IC95%=1,10-1,55), apresentavam o corte de unhas inadequado (RP=1,49/IC95%=1,37-1,62) e a higiene inadequada (RP=1,49/IC95%=1,37-1,62). Entretanto, o sexo masculino apresentou-se estatisticamente associado a menores prevalências de déficit de autocuidado relacionado ao calçado adequado (RP=0,49/IC95%=0,44-0,55) e a não realização do escalda-pés (RP=0,33/IC95%=0,25-0,44) em comparação ao sexo feminino (Tabela 3).

Tabela 3
Modelos de Regressão de Poisson para o déficit de autocuidado com as variáveis relacionadas ao estilo de vida desfavorável ao controle do diabetes mellitus e autocuidado com os pés de homens em comparação as mulheres. PR, Brasil, 2012.

Discussão

Nessa pesquisa identificou-se que a maioria das práticas relacionadas às mudanças no estilo de vida necessárias ao controle do DM e o autocuidado com os pés para prevenção das ulcerações estão associadas ao sexo. A realização de algum tipo de controle alimentar foi mais prevalente no sexo feminino, assim como em outro estudo realizado com 4.839 pessoas com DM, no qual as mulheres relataram um consumo diário mais frequente de frutas e verduras e baixa ingestão de alimentos ricos em gordura, em comparação com os homens1010. Tang ZQ, Chen HL, Zhao FF. Gender Differences of Lower Extremity Amputation Risk in Patients With Diabetic Foot: A Meta-Analysis. Int J Low Extrem Wounds. 2014;13(3):197-204..

Em contrapartida, a maior prevalência da prática de atividade física regular apresentou associação com o sexo masculino. Este resultado também foi verificado em outros estudos em que as mulheres com DM tendiam a ser mais fisicamente inativas do que os homens77. Yu MK, Lyles CR, Bent-Shaw LA, Young BA. Sex Disparities in Diabetes Process of Care Measures and Self-Care in High-Risk Patients 2. JDR. 2013;2013:1-8.-88. Mansyur CL, Rustveld LO, Nash SG, Jibaja-Weiss ML. Social factors and barriers to self-care adherence in Hispanic men and women with diabetes. Patient Educ Couns. 2015;98(6):805-10., enquanto que eles eram menos aderentes às recomendações sobre a dieta(7,16) e monitoramento da glicemia77. Yu MK, Lyles CR, Bent-Shaw LA, Young BA. Sex Disparities in Diabetes Process of Care Measures and Self-Care in High-Risk Patients 2. JDR. 2013;2013:1-8..

Quanto ao controle do DM, por meio da realização dos exames laboratoriais da hemoglobina glicada e do perfil lipídico, os homens apresentaram maior prevalência de déficit relacionado a esse cuidado. Esse resultado pode estar associado ao fato de as mulheres serem mais atentas quanto aos sintomas e sinais físicos das doenças e procuram assistência em serviços de saúde com maior frequência que os homens88. Mansyur CL, Rustveld LO, Nash SG, Jibaja-Weiss ML. Social factors and barriers to self-care adherence in Hispanic men and women with diabetes. Patient Educ Couns. 2015;98(6):805-10.,1010. Tang ZQ, Chen HL, Zhao FF. Gender Differences of Lower Extremity Amputation Risk in Patients With Diabetic Foot: A Meta-Analysis. Int J Low Extrem Wounds. 2014;13(3):197-204.. Além disso, outros estudos identificaram que as mulheres retratam maior prevalência de alterações nos valores do perfil lipídico e por isso necessitam de medicações para o tratamento da dislipidemia precocemente22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93.,77. Yu MK, Lyles CR, Bent-Shaw LA, Young BA. Sex Disparities in Diabetes Process of Care Measures and Self-Care in High-Risk Patients 2. JDR. 2013;2013:1-8.,99. Schroeder EB, Bayliss EA, Daugherty SL, Steiner JF. Gender differences in cardiovascular risk factors in incident diabetes. Womens Health Issues. 2014;24(1):61-8..

No que se refere aos autocuidados relacionados à prevenção do pé diabético, os homens apresentaram maiores déficits em comparação às mulheres. Um estudo prospectivo, com sete anos de seguimento, identificou o sexo masculino como um fator de risco para amputação em pacientes com pé diabético, juntamente com outros fatores como o longo tempo de diagnostico, hemoglobina glicada elevada, retinopatia e o uso da insulina no tratamento1717. Laclé A, Valero-Juan LF. Diabetes-related lower-extremity amputation incidence and risk factors: a prospective seven-year study in Costa Rica. Rev Panam Salud Pública. 2012;32:192-8..

Outro dado importante identificado nesta pesquisa refere-se ao fato de que as mulheres apresentaram maior prevalência de cuidados com os pés, como secar os espaços interdigitais dos pés após o banho, avaliar os pés, cortar as unhas de maneira a prevenir o encravamento e lesões, não andar descalço e higiene adequada. A prática dessas ações sugere um conhecimento adquirido pelas mulheres sobre o autocuidado necessário para prevenção de ulceração nos membros inferiores. Os cuidados de secar os espaços interdigitais dos pés e realizar a higiene adequadamente reduzem o risco de infecções bacterianas e fúngicas, uma vez que essas são algumas das principais causas que precedem a amputação de membros inferiores44. Bortoletto MS, Andrade SM, Matsuo T, Haddad MC, González AD, Silva AM. Risk factors for foot ulcers - a cross sectional survey from a primary care setting in Brazil. Prim Care Diabetes. 2014;8(1):76-6.,1212. Monteiro-Soares M, Boyko EJ, Ribeiro J, Ribeiro I, Dinis-Ribeiro M. Predictive factors for diabetic foot ulceration: a systematic review. Diabetes Metab Res Rev. 2012;28(7):574-600.,1414. Morey-Vargas OL, Smith SA. BE SMART: strategies for foot care and prevention of foot complications in patients with diabetes. Prosthet Orthot Int. 2015;39(1):48-60..

Neste momento, os homens apresentaram menor frequência dos déficits relacionados à prática de escaldar os pés e uso de calçado inadequado. O escalda-pés é uma prática comum entre as mulheres por estar relacionado ao hábito estético de fazer esfoliação da pele e a retirada do hiponíquio (cutículas). Além disso, culturalmente, as mulheres utilizam calçados com modelos diferentes, que incluem saltos altos, aberturas laterais e nos calcanhares, que possibilitam a exposição dos dedos. Outra hipótese está relacionada ao fato de que a pessoa pode não ter acesso a outro tipo de calçado devido a dificuldades econômicas. Estudo de caso controle, que analisou os fatores associados a amputações em pessoas com DM, verificou que a probabilidade de amputação em pessoas que não utilizavam sapados adequados era 4,75 vezes maior do que naquelas que utilizavam1818. Kogani M, Mansournia MA, Doosti-Irani A, Holakouie-Naieni K. Risk factors for amputation in patients with diabetic foot ulcer in southwest Iran: a matched case-control study. Epidemiol Health. 2015;37:1-6..

Salienta-se que os indivíduos entrevistados eram em sua maioria pessoas idosas, com baixo grau de escolaridade e, predominantemente, pertencentes à classe econômica C. É fato que as condições socioeconômicas têm relação direta com os fatores de risco para as complicações das Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT), uma vez que interferem no acesso a serviços de saúde, opções de tratamento e medidas de prevenção necessárias para evitar esse tipo de agravo22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93.,1919. Peykari N, Djalalinia S, Qorbani M, Sobhani S, Farzadfar F, Larijani B. Socioeconomic inequalities and diabetes:A systematic review from Iran. J Diabetes Metab Disord. 2015;14(8):1-13.. Em sua teoria, Orem afirma que o engajamento das pessoas nas práticas de autocuidado depende de aspectos culturais e educacionais, habilidades e limitações individuais, experiência de vida, estado de saúde e recursos disponíveis66. Orem DE, Taylor SG. Reflections on nursing practice science: the nature, the structure, and the foundation of nursing sciences. Nurs Sci. Q. 2011;24(1):35-41..

Nesse sentido, os fatores socioeconômicos interferem nos hábitos de vida e prática de autocuidado das pessoas com DM, principalmente, no que diz respeito à compreensão das orientações necessárias para o controle da doença e recursos para uma vida saudável. A baixa escolaridade do indivíduo e as limitações relacionadas às condições sociais e financeiras impõe aos profissionais de saúde um desafio que requer o planejamento de estratégias diferenciadas de orientações para o autocuidado (22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93.,44. Bortoletto MS, Andrade SM, Matsuo T, Haddad MC, González AD, Silva AM. Risk factors for foot ulcers - a cross sectional survey from a primary care setting in Brazil. Prim Care Diabetes. 2014;8(1):76-6.,1212. Monteiro-Soares M, Boyko EJ, Ribeiro J, Ribeiro I, Dinis-Ribeiro M. Predictive factors for diabetic foot ulceration: a systematic review. Diabetes Metab Res Rev. 2012;28(7):574-600..

No acompanhamento da pessoa com DM na atenção básica, a consulta de enfermagem e a visita domiciliar são momentos propícios para identificar os déficits de autocuidado, a capacidade do indivíduo para esse cuidado e a sua rede de apoio familiar. Esses encontros possibilitam ao profissional acompanhar o desempenho das ações de cuidado praticadas pela pessoa ou seu cuidador e a gerir fatores que interferem no desenvolvimento das habilidades de assistência2020. Scain SF, Franzen E, Santos LB, Heldt E. Acura´cia das intervenc¸o~es de enfermagem para pacientes com diabetes mellitus tipo 2 em consulta ambu- latorial. Rev Gau´cha Enferm. 2013;34(2):14-20..

Ainda em relação à consulta do enfermeiro, a avaliação dos membros inferiores e a estratificação do risco de desenvolvimento de úlceras são ações essenciais para prevenção e tratamento precoce do pé diabético22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93.. Estudo que avaliou a efetividade de um programa de cuidados de enfermagem em pessoas com DM, realizado durante dois anos, identificou que essa estratégia proporcionou a redução do risco de ulceração nos membros inferiores dos participantes e a prevenção do surgimento de novas úlceras naqueles com histórico de lesão anterior. As medidas assistenciais que foram implantadas nesse programa incluíam a avaliação periódica dos pés, educação para o autocuidado, tratamento das lesões e micoses, hidratação da pele, encaminhamento a especialidades médicas nos casos mais graves, entre outras2121. Fujiwara Y, Kishida K, Terao M, Takahara M, Matsuhisa M, Funahashi T, et al. Beneficial effects of foot care nursing for people with diabetes mellitus: an uncontrolled before and after intervention study. J Adv Nurs. 2011;67(9):1952-62..

Nesse aspecto, o olhar do profissional é necessário para a identificação de alterações clínicas e necessidades assistenciais para o controle do DM, prevenção das complicações crônicas e tratamento precoce do pé diabético22. American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93.,1414. Morey-Vargas OL, Smith SA. BE SMART: strategies for foot care and prevention of foot complications in patients with diabetes. Prosthet Orthot Int. 2015;39(1):48-60.. Ressalta-se que, nas orientações quanto ao planto terapêutico e capacitação para o autocuidado, é essencial que profissionais de saúde considerem que mulheres e homens possuem diferentes crenças quanto aos benefícios do autocuidado relacionado ao DM. Em outros estudos1616. Alves RF, Silva RP, Ernesto MV, Lima AGB, Souza FM. Gênero e saúde: o cuidar do homem em debate. Psicol. teor. prat. 2013;13(3):152-66.-1717. Laclé A, Valero-Juan LF. Diabetes-related lower-extremity amputation incidence and risk factors: a prospective seven-year study in Costa Rica. Rev Panam Salud Pública. 2012;32:192-8. foi identificado que as mulheres apresentam melhores condições de educação em DM e expectativas mais elevadas de que o autocuidado pode melhorar os resultados de saúde, enquanto que os homens relutam em aceitar os problemas de saúde e a buscar assistência profissional.

Outro estudo relacionado à percepção dos homens sobre sua saúde verificou que, uma grande parte deles, mesmo com diagnóstico de doença crônica, não buscava por assistência médica e tinham como principais justificativas a falta de tempo devido à jornada de trabalho, incompatibilidade entre seu horário e o atendimento dos serviços de saúde, ausência de sintomas graves e por encontrarem maiores dificuldades para atendimento do que as mulheres1616. Alves RF, Silva RP, Ernesto MV, Lima AGB, Souza FM. Gênero e saúde: o cuidar do homem em debate. Psicol. teor. prat. 2013;13(3):152-66.. Quanto as mulheres com DM, pesquisa identificou elas necessitavam de maior apoio profissional e familiar para adesão ao tratamento do que os homens. Esse fato repercutiu inclusive na realização do controle alimentar, uma vez que as mulheres tendiam a não cozinhar alimentos que a família não apreciava e que seriam necessários a sua dieta, tais como a restrição de sal e açúcares. Também, aquelas com dificuldades financeiras, consideraram um ato de egoísmo comprar alimentos exclusivos a suas necessidades88. Mansyur CL, Rustveld LO, Nash SG, Jibaja-Weiss ML. Social factors and barriers to self-care adherence in Hispanic men and women with diabetes. Patient Educ Couns. 2015;98(6):805-10..

Portanto, é possível verificar alguns dos aspectos culturais, sociais e comportamentais que envolvem o estilo de vida e a prática de autocuidado de homens e mulheres com DM e esses resultados não podem ser ignorados na elaboração do plano terapêutico e apoio assistencial por profissionais da atenção primária a saúde. Muitas vezes, os profissionais de saúde julgam as pessoas e seus familiares, que são taxados como desleixadas ou irresponsáveis, por não seguir as recomendações realizadas sem conhecerem o contexto em que vivem esses indivíduos. O estabelecimento do vínculo e acolhimento das necessidades das pessoas diagnosticadas com DCNT devem ser um dos primeiros passos para a intervenção nos fatores de risco e controle desses agravos. O acompanhamento dos indivíduos com DM, com vistas não só no tratamento, mas também em melhorar a qualidade de vida, requer um olhar holístico dos profissionais sobre as questões intervenientes a adesão terapêutica e a capacitação para o autocuidado.

Cabe destacar que a saúde do homem e os aspectos envolvidos com o seu controle é um desafio para os profissionais de saúde, que necessitam de estratégias que proporcionem uma maior busca e adesão desses indivíduos por ações de prevenção e controle das DCNT.

Conclusão

Esse estudo apresentou limitações relacionadas aos dados auto referidos sobre a prática de autocuidado com os pés e estilo de vida e por isso podem estar subestimados no que refere-se ao diagnóstico de complicações crônicas ou superestimados quanto aos hábitos alimentares, prática de atividade física e cuidados com os pés. Além disso, destaca-se a impossibilidade do estabelecimento de relação entre causa e efeito entre a variável dependente e as independentes devido ao delineamento transversal da pesquisa. Ressalta-se ainda as diferenças relacionadas às características socioculturais das diferentes populações, que exercem forte influência no comportamento do indivíduo perante a sua doença e que poderiam ser melhor abordadas em estudos qualitativos.

Os resultados demonstraram diferenças estatisticamente significativas no estilo de vida e na prática de autocuidado relacionado ao DM entre mulheres e homens. A população em estudo apresentou déficits de autocuidado necessários à prevenção de complicações crônicas do DM. Nessa perspectiva, acredita-se que a análise do comportamento de homens e mulheres com DM, no que se refere ao autocuidado e estilo de vida, verificada nesse estudo, pode contribuir com o planejamento e implementação da assistência as pessoas com DCNT, objetivando a redução dos indicadores relacionados a mortalidade e incapacidades resultantes das complicações dessa doença.

References

  • 1
    International Diabetes Federation. Diabetes Atlas. 6th ed. Brussels: International Diabetes Federation; 2014.
  • 2
    American Diabetes Association (ADA). Standards of medical care in diabetes-2015. Diabetes Care. 2015;38 suppl:1-93.
  • 3
    Jiang Y, Ran X, Jia L, Yang C, Wang P, Ma J, et al. Epidemiology of Type 2 Diabetic Foot Problems and Predictive Factors for Amputation in China. Int J Low Extrem Wounds. 2015;8:1-9.
  • 4
    Bortoletto MS, Andrade SM, Matsuo T, Haddad MC, González AD, Silva AM. Risk factors for foot ulcers - a cross sectional survey from a primary care setting in Brazil. Prim Care Diabetes. 2014;8(1):76-6.
  • 5
    Caiafa JS, Castro AA, Fidelis C, Santos VP, Silva ES, Sitrângulo Jr CJ. Atenção integral ao portador de pé diabético. J Vasc Bras. 2011;10(4):1-32.
  • 6
    Orem DE, Taylor SG. Reflections on nursing practice science: the nature, the structure, and the foundation of nursing sciences. Nurs Sci. Q. 2011;24(1):35-41.
  • 7
    Yu MK, Lyles CR, Bent-Shaw LA, Young BA. Sex Disparities in Diabetes Process of Care Measures and Self-Care in High-Risk Patients 2. JDR. 2013;2013:1-8.
  • 8
    Mansyur CL, Rustveld LO, Nash SG, Jibaja-Weiss ML. Social factors and barriers to self-care adherence in Hispanic men and women with diabetes. Patient Educ Couns. 2015;98(6):805-10.
  • 9
    Schroeder EB, Bayliss EA, Daugherty SL, Steiner JF. Gender differences in cardiovascular risk factors in incident diabetes. Womens Health Issues. 2014;24(1):61-8.
  • 10
    Tang ZQ, Chen HL, Zhao FF. Gender Differences of Lower Extremity Amputation Risk in Patients With Diabetic Foot: A Meta-Analysis. Int J Low Extrem Wounds. 2014;13(3):197-204.
  • 11
    Pscherer S, Dippel FW, Lauterbach S, Kostev K. Amputation rate and risk factors in type 2 patients with diabetic foot syndrome under real-life conditions in Germany. Prim Care Diabetes. 2012;6(3):241-6.
  • 12
    Monteiro-Soares M, Boyko EJ, Ribeiro J, Ribeiro I, Dinis-Ribeiro M. Predictive factors for diabetic foot ulceration: a systematic review. Diabetes Metab Res Rev. 2012;28(7):574-600.
  • 13
    Ferreira CLRA, Ferreira MG. Características epidemiológicas de pacientes diabéticos da rede pública de saúde - análise a partir do sistema HiperDia. Arq Bras Endocrinol Metab. 2009;53(1):80-6.
  • 14
    Morey-Vargas OL, Smith SA. BE SMART: strategies for foot care and prevention of foot complications in patients with diabetes. Prosthet Orthot Int. 2015;39(1):48-60.
  • 15
    Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de classificação econômica Brasil 2014. São Paulo (SP): ABEP; 2014.
  • 16
    Alves RF, Silva RP, Ernesto MV, Lima AGB, Souza FM. Gênero e saúde: o cuidar do homem em debate. Psicol. teor. prat. 2013;13(3):152-66.
  • 17
    Laclé A, Valero-Juan LF. Diabetes-related lower-extremity amputation incidence and risk factors: a prospective seven-year study in Costa Rica. Rev Panam Salud Pública. 2012;32:192-8.
  • 18
    Kogani M, Mansournia MA, Doosti-Irani A, Holakouie-Naieni K. Risk factors for amputation in patients with diabetic foot ulcer in southwest Iran: a matched case-control study. Epidemiol Health. 2015;37:1-6.
  • 19
    Peykari N, Djalalinia S, Qorbani M, Sobhani S, Farzadfar F, Larijani B. Socioeconomic inequalities and diabetes:A systematic review from Iran. J Diabetes Metab Disord. 2015;14(8):1-13.
  • 20
    Scain SF, Franzen E, Santos LB, Heldt E. Acura´cia das intervenc¸o~es de enfermagem para pacientes com diabetes mellitus tipo 2 em consulta ambu- latorial. Rev Gau´cha Enferm. 2013;34(2):14-20.
  • 21
    Fujiwara Y, Kishida K, Terao M, Takahara M, Matsuhisa M, Funahashi T, et al. Beneficial effects of foot care nursing for people with diabetes mellitus: an uncontrolled before and after intervention study. J Adv Nurs. 2011;67(9):1952-62.
  • 1
    Apoio financeiro da Fundação Araucária, processo nº 08/2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2015
  • Aceito
    12 Fev 2016
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br