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Autogerindo o tratamento da osteoporose no regaste do bem-estar, mediado pela (in)visibilidade de indicadores da doença

Resumos

O presente estudo teve como objetivo compreender a experiência dos pacientes com o tratamento da osteoporose. Os referenciais metodológico e teórico foram, respectivamente, a Grounded Theory e o Interacionismo Simbólico. A amostra desta pesquisa foi composta por 12 pacientes, acompanhados em um ambulatório especializado. Dos depoimentos obtidos, após transcritos e analisados, obteve-se uma síntese dos temas descritos. Do processo de análise, emergiram dois fenômenos: “autoavaliando o estado de saúde, segundo os indicadores da doença” e “tomando a decisão quanto ao tratamento, tendo como meta o bem-estar”. O realinhamento e a inter-relação de componentes, pertencentes a esses fenômenos (temas, categorias e subcategorias), possibilitaram identificar a categoria central, denominada “autogerindo o tratamento da osteoporose no regaste do bem-estar, mediado pela (in)visibilidade de indicadores da doença”. Ademais, permitiu elaborar um modelo teórico referente ao processo empreendido pelo ator no seu movimento cíclico da experiência, entre a adesão e o relaxamento quanto ao tratamento da osteoporose.

Osteoporose; Cooperação do Paciente; Pesquisa Qualitativa; Resultado de Tratamento; Doença Crônica


The present study aimed to understand patients’ experience with osteoporosis treatment. The methodological and theoretical frameworks were, respectively, the Grounded Theory and Symbolic Interactionism. The research subjects were 12 patients monitored in a specialized outpatient unit. The obtained statements were transcribed and analyzed, leading to a synthesis of the described themes. From the analysis process, two phenomena emerged: “self-evaluating health conditions according to the disease signs” and “making a decision about the treatment targeting at well-being”. The realignment and the inter-relationship of the components belonging to these phenomena (themes, categories, and subcategories) allowed to identify the core category: “self-managing osteoporosis treatment for well-being recovery mediated by the (in)visibility of the disease signs”. Furthermore, it allowed for the design of a theoretical model concerning the process used by the player in his cyclic movement of the experience, between adherence to and relaxation from the osteoporosis treatment.

Osteoporosis; Patient Compliance; Qualitative Research; Treatment Outcome; Chronic Disease


Este estudio tuvo como objetivo comprender la experiencia de los pacientes con el tratamiento de la osteoporosis. Los marcos teórico y metodológico fueron, respectivamente, la Grounded Theory y el Interaccionismo Simbólico. Los sujetos fueron 12 pacientes en una clínica especializada. Las declaraciones fueron transcritas y analizadas, habiendo sido obtenida una síntesis de los temas descritos. En el proceso de análisis surgieron dos fenómenos: “auto-evaluando el estado de salud de acuerdo a los indicadores de la enfermedad” y, “tomando una decisión sobre el tratamiento teniendo como meta el bienestar”. La reestructuración y la interrelación de los componentes que pertenecen a estos fenómenos (temas, categorías y subcategorías) permitieron identificar la categoría central, llamada “auto-administrando el tratamiento de la osteoporosis en el rescate del bienestar, por medio de la (in)visibilidad de los indicadores de la enfermedad.” Además, permitió elaborar un modelo teórico referente al proceso emprendido por el actor en su movimiento cíclico da experiencia, entre la adhesión y el relajamiento en lo que se refiere al tratamiento de la osteoporosis.

Osteoporosis; Cooperación del Paciente; Investigación Cualitativa; Resultado del Tratamiento; Enfermedad Crónica


ARTIGO ORIGINAL

Autogerindo o tratamento da osteoporose no regaste do bem-estar, mediado pela (in)visibilidade de indicadores da doença

Luciana Bronzi de SouzaI; Gláucia Maria Ferreira da Silva MazetoII; Silvia Cristina Mangini BocchiIII

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Botucatu, SP, Brasil:

IAluna do curso de graduação em Nutrição, Instituto de Biociências de Botucatu. E-mail: lubronzi@hotmail.com

IIMédica, Doutor, Professor Assistente, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu. E-mail: gmazeto@fmb.unesp.br

IIIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Assistente, Departamento de Enfermagem, Faculdade de Medicina de Botucatu. E-mail: sbocchi@fmb.unesp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo compreender a experiência dos pacientes com o tratamento da osteoporose. Os referenciais metodológico e teórico foram, respectivamente, a Grounded Theory e o Interacionismo Simbólico. A amostra desta pesquisa foi composta por 12 pacientes, acompanhados em um ambulatório especializado. Dos depoimentos obtidos, após transcritos e analisados, obteve-se uma síntese dos temas descritos. Do processo de análise, emergiram dois fenômenos: "autoavaliando o estado de saúde, segundo os indicadores da doença" e "tomando a decisão quanto ao tratamento, tendo como meta o bem-estar". O realinhamento e a inter-relação de componentes, pertencentes a esses fenômenos (temas, categorias e subcategorias), possibilitaram identificar a categoria central, denominada "autogerindo o tratamento da osteoporose no regaste do bem-estar, mediado pela (in)visibilidade de indicadores da doença". Ademais, permitiu elaborar um modelo teórico referente ao processo empreendido pelo ator no seu movimento cíclico da experiência, entre a adesão e o relaxamento quanto ao tratamento da osteoporose.

Descritores: Osteoporose; Cooperação do Paciente; Pesquisa Qualitativa; Resultado de Tratamento; Doença Crônica.

Introdução

Este estudo emergiu da experiência dos autores ao trabalharem com equipe multiprofissional em uma unidade ambulatorial especializada em doenças osteometabólicas, onde a osteoporose tem sido diagnóstico prevalente, contextualizado em um país que tem experimentado o fenômeno do envelhecimento, similarmente a todas outras nações Latino Americanas e Caribenhas(1-2).

Osteoporose é normalmente definida como doença caracterizada pela redução da massa óssea e deterioração da microarquitetura do tecido ósseo, levando ao aumento da fragilidade desse tecido e, consequentemente, ao aumento de risco para fraturas(3). É a doença osteometabólica mais comum e um importante problema de saúde pública em outros países, afetando mais de 200 milhões de mulheres no mundo. Além disso, de acordo com a National Osteoporosis Foundation, 22 milhões de mulheres no período pós-menopausa, com idade acima de 55 anos, apresentam a doença e, dessas, 78% não são diagnosticadas(4). No Brasil, é estimado que cerca de 10 milhões de indivíduos têm osteoporose e que 2,4 milhões sofrem de algum tipo de fratura todos os anos(3).

Tratamentos efetivos contra a osteoporose estão disponíveis há mais de 10 anos. Apesar de a pesquisa clínica mostrar os benefícios de tais métodos terapêuticos, a eficácia é mais baixa em pacientes que não aderem totalmente à terapia. Fundamentados em estudos, esses autores mostram que 50% dos pacientes deixam de aderir após o primeiro ano de terapia e que a baixa persistência e adesão está associada aos elevados índices de fraturas(5).

Estudos, explorando as barreiras que impedem a adesão de indivíduos ao tratamento da osteoporose, mostram que as pessoas não costumam considerar a doença como um problema relevante de cuidado com a saúde, uma vez que ela se desenvolve silenciosamente, diferentemente de outras patologias que são inicialmente apresentadas por manifestações clínicas(6). Soma-se a isso a falta de conhecimento quanto à susceptibilidade de cada um ao envelhecer e a crença de que se trata de processo normal na vida dos mais velhos(7).

A literatura recomenda que os profissionais da área da saúde devem empenhar-se na operacionalização de estratégias que possam contribuir para a redução de tais barreiras(10), baseando-se em processos educacionais continuados(11).

Em vista do envelhecimento populacional brasileiro, a prevalência da doença e a baixa adesão ao tratamento da osteoporose, bem como a importância de realizar estudos a respeito desse assunto(5) e, em uma tentativa de aumentar o conhecimento, que irá proporcionar a base para ações educacionais, decidiu-se, aqui, começar o processo de investigação com a seguinte pergunta: - como é a experiência de um indivíduo, submetido ao tratamento para osteoporose? Por meio deste estudo, pretendeu-se compreender a experiência interacional de indivíduos submetidos ao tratamento da osteoporose, bem como desenvolver um modelo teórico representativo dessa experiência, à luz de referenciais teórico-metodológicos da pesquisa qualitativa.

Método

Esse é um estudo qualitativo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu, Processo nº396/2008-CEP. Foi conduzido em pacientes com osteoporose que estavam sendo acompanhados, por mais de um ano, na Unidade Ambulatorial de Distúrbios do Cálcio da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Brasil.

A coleta de dados foi iniciada após a obtenção da assinatura do consentimento livre e esclarecido de participação em pesquisa. Entrevistas não estruturadas foram conduzidas e gravadas de acordo com a seguinte questão norteadora: - como tem sido a sua experiência com o tratamento da osteoporose? As declarações obtidas foram transcritas e as gravações, posteriormente, destruídas.

A abordagem metodológica utilizada foi a Grounded Theory: descobrindo categorias, ligando-as, desenvolvimento de memorandos e identificação do processo(12). Enfatiza-se que, nessa abordagem metodológica, a coleta de dados se dá simultaneamente ao processo analítico, até que o pesquisador atinja a saturação teórica, ou seja, até que nenhum dado relevante surja da análise, assim, mostrando que as categorias se desenvolveram em termos de propriedades e dimensões e que as relações entre elas estão bem estabelecidas e validadas pelos próprios dados(12). No presente estudo, a saturação teórica ocorreu na análise da 12ª entrevista, com 11 mulheres e um homem com idade variando entre 36 e 79 anos.

A experiência do ator submetido ao tratamento da osteoporose foi analisada sob a luz do Interacionismo Simbólico. Quatro importantes aspectos distinguem essa abordagem teórica das outras em Psicologia: 1 - o Interacionismo Simbólico cria uma imagem mais ativa do ser humano e rejeita a imagem de um organismo passivo e determinado, 2 - o ser humano é compreendido como alguém agindo no presente, que é influenciado não somente pelo que ocorreu no passado, mas também pelo que está acontecendo agora, 3 - a interação não é somente o que está ocorrendo entre as pessoas, mas também algo que está acontecendo dentro dos indivíduos. A definição pode ser influenciada por aqueles com quem se interage. Isso também é resultado da nossa própria definição, nossa interpretação da situação e 4 - o Interacionismo Simbólico descreve o ser humano como mais ativo em seu mundo do que em outras perspectivas. Os conceitos de Interacionismo Simbólico são: símbolo, self, mente, colocar-se no lugar do outro, ação humana e interação social(13).

Resultados: a experiência interacional do indivíduo submetido ao tratamento da osteoporose

A análise dos dados, de acordo com a Grounded Theory, permitiu entender a experiência interacional do indivíduo submetido ao tratamento da osteoporose por meio de dois fenômenos (A e B).

Fenômeno A. Autoavaliação das condições de saúde, segundo os indicadores da doença

É o processo contínuo de autoavaliação conduzido pelo indivíduo sobre suas condições de saúde, baseando-se nas manifestações da osteoporose, que indicarão ao indivíduo a visibilidade ou não da doença em sua vida, bem como o seu comportamento em relação ao tratamento. Enquanto a evidência não se revelar ao indivíduo, ele se percebe bem e, portanto, a doença também continua a ocupar um plano invisível em sua vida cotidiana. O oposto ocorre àqueles que se deparam com a concretização da doença, por meio da difícil experiência de passar a conviver com as manifestações da osteoporose. Esse fenômeno integra dois temas (A1, A2).

Tema A1. Percebendo-se bem ao não vivenciar as manifestações da doença

Trata-se da experiência do indivíduo cuja osteoporose foi diagnosticada, mas, como não a sente por meio de manifestações clínicas, permanece independente nas atividades cotidianas, sem perceber a doença como um problema em seu dia a dia. Esse tema se agrupa em duas categorias (A1.1, A1.2).

Categoria A1.1. Não evidenciando alterações significativas nas atividades da vida diária

São as experiências nas quais o indivíduo não vivencia limitações significativas em suas atividades diárias; portanto, esse indivíduo usufrui de total independência e autonomia perante a doença, ainda configurada como invisível em sua vida. [...] Eu evito pegar peso. Sabe [...] também a gente não pode abusar [...], mas eu trabalho, eu faço minhas coisas normalmente [...], isso não mudou nada na minha vida [...] (Ator 5). [...] para mim não mudou nada depois (do diagnóstico) da osteoporose [...] (Ator 2). [...] eu vou à horta de manhã e fico esperando o sol sair para tomá-lo pela manhã. Fico lá mexendo, mexendo e mexendo e aí vou para casa e lá faço tudo o que tenho que fazer [...] (Ator 3).

Categoria A1.2. Não se percebendo com as evidências relativas à evolução da doença

Trata-se do indivíduo que teve o diagnóstico de osteoporose, mas não está convivendo com as manifestações clínicas da doença, como sinalizadores de atenção à sua saúde. Essa categoria reúne três subcategorias: não tendo experenciado fraturas; não sentindo dor; não percebendo alterações posturais. [...] Sabe! Eu caio, mas não tenho problema. Eu levo cada tombo e nunca quebrei nada [...]. Eu não sei há quanto tempo eu tenho osteoporose, mas graças a Deus, eu não sinto dor nenhuma [...]. Eu tenho uma ótima saúde (Ator 6). [...] Na postura, eu não percebi nada, mas procuro ficar sempre mais reta, não ficar muito encurvada [...] (Ator 10). [...] Eu tenho osteoporose há 11 anos e nesse tempo nunca quebrei nada [...] (Ator 5). [...] Não sinto dor [...]. Nada, nada! Não sinto nada [...] (Ator 9).

Tema A2. Percebendo-se abatido ao se ver acometido pela doença

É como se vê o indivíduo que vinha se sentindo bem, apesar do diagnóstico da osteoporose, e que começa a conviver com as manifestações da doença. Expressa tristeza perante a doença, revelada de forma concreta pelas evidências, tais como: resultado de densitometria óssea mostrando evolução ruim da doença, dor, fraturas, alterações posturais e limitações nas atividades cotidianas. Esse tema integra duas categorias (A2.1, A2.2).

Categoria A2.1. Percebendo-se com as manifestações da doença

É como começa a se ver aquele indivíduo quando, convivendo com as evidências reveladoras do curso natural da osteoporose, manifestada por meio das seguintes subcategorias: densitometria óssea sinalizando piora nas condições da doença, após a interrupção do tratamento, sentindo dor, estando com medo de quedas e sofrendo fraturas, apresentando alterações posturais, apresentando limitações em atividades do dia a dia como resultado da doença. [...] por um ano e meio, dois anos, eu não tomava nada, nem cálcio. Só que aí eu fiz a densitometria óssea, e realmente tinha aumentado minha osteoporose. Depois disso, eu comecei a tomar e estou tomando normalmente [...]. (Ator 1). [...] Dói tudo! Muito! Se eu andar muito, torcer muita roupa dói tudo! (Ator 10). [...] Eu sinto muita dor, nas minhas pernas e nos meus dedos [...] (Ator 11). [...] Minha primeira fratura foi no braço, só trincou e esses dias eu caí e quebrei a bacia em dois lugares. Fiquei 20 dias de repouso [...] (Ator 10). [...] Fico curvadinha quase direto, mas eu acho que piorou por causa da osteoporose [...]. Eu já encolhi [...] (Ator 11). [...] Eu fiquei mais limitada; tem umas coisas que eu fazia e já não faço mais porque o médico me proibiu [...] (Ator 4).

Categoria A2.2. Sentindo-se triste ao se ver com a osteoporose

É um sentimento desagradável, decorrente da vivência de manifestações da doença, sinalizando ao indivíduo que sua evolução está empreendendo um movimento desfavorável no processo saúde-doença e, portanto, é necessário aderir ao tratamento na tentativa de recobrar o sentimento de bem-estar. [...] Para mim é triste saber que estou com osteoporose [...], mas depois que eu comecei a me tratar aqui, eu me sinto melhor (Ator 7). [...] Fiquei triste quando soube da osteoporose [...]. Eu já tinha medo de ter isso por saber que não tem solução [...] e hoje me dá muita tristeza à noite, às vezes eu começo a chorar [...] (Ator 11).

Fenômeno B. Tomando a decisão quanto ao tratamento, tendo como meta o bem-estar

É uma atitude empreendida pelo indivíduo perante o tratamento da osteoporose e decorrente do processo de autoavaliação de sua condição de saúde, por meio da visibilidade ou não dos sintomas da osteoporose em sua experiência. Caso o indivíduo se perceba acometido, ou seja, se a doença se tornou um fato concreto em sua vida, ele empreenderá movimento para resgatar seu bem-estar, por meio do seguimento do tratamento recomendado pelos profissionais da saúde. Entretanto, quando os indicadores da doença desaparecem, por estar convivendo com situações desconfortáveis, relacionadas ao tratamento, tende a relaxar o mesmo, na tentativa de vivenciar o bem-estar pleno, por um período de tempo, até que haja a recorrência das manifestações, o que o forçará a retomar o tratamento recomendado. Esse fenômeno congrega três categorias (B1, B2, B3).

Categoria B1. Relaxando o tratamento em busca do bem-estar pleno

É a atitude empreendida pelo indivíduo que teve o diagnóstico de osteoporose e experimenta um estado de bem-estar em relação às evidências da doença, tais como: dor, alterações posturais e fraturas, mas ainda convive com situações desagradáveis, relacionadas ao tratamento, medicamentoso ou não, ao qual está submetido. Como resultado, o indivíduo decide relaxar ou abandoná-lo, a fim de aproveitar, por um período de tempo, bem-estar pleno, ou seja, não experimentando nenhuma situação desagradável, assim, colocando a doença em um plano invisível do seu cotidiano. Essa categoria congrega duas subcategorias: abandonando a dieta recomendada por considerá-la fora de suas possibilidades de consumo, interrompendo o tratamento medicamentoso diante dos efeitos colaterais. [...] A nutricionista me recomendou comer queijo branco, mas eu não como muito, porque me faz mal. Eu tenho alergia e me dá enxaqueca [...] (Ator 2). [...] Leite e queijo eu consumo pouco, porque eu não posso comprar. Leite ainda eu compro mais, mas verduras e queijo eu compro pouco [...] (Ator 8). Eu não podia mais tomar os medicamentos, porque começou a me dar tosse, queimação e mesmo um pouco de vômito [...]. Eu fiquei uns dois anos sem tomar nada. Queria dar umas férias do medicamento. Depois eu voltei a tomar [...] (Ator 1).

Categoria B2. Reassumindo o tratamento ao vivenciar as manifestações da doença, em busca do bem-estar

É a decisão de tomar para si a responsabilidade de ser fiel e seguir as orientações dadas pela equipe multiprofissional quanto ao tratamento, visando combater as manifestações da doença, por meio de duas atitudes, representadas nas subcategorias: tomando os medicamentos corretamente e consumindo a dieta recomendada. [...] Procuro tomar os remédios no horário certinho para não atrapalhar nada [...] (Ator 3). [...] Tomo leite todo dia, como queijo, como verdura também [...] (Ator 6). [...] O que eu posso fazer, eu faço, compro sempre o que dá e tento comer bem [...] (Ator 10).

Categoria B3. Resgatando o seu bem-estar

É uma fase da experiência na qual o indivíduo percebe que ele está conseguindo resgatar o almejado bem-estar, ao seguir o tratamento, mediante a difícil situação de se ver acometido pela doença. [...] Depois que eu comecei a tratar aqui [...], eu me sinto melhor, porque eu vinha aqui com dores horríveis [...] doía tudo [...] e agora eu sinto dor às vezes, mas bem fraquinha [...] diminuiu com esse tratamento [...] (Ator 7).

Descobrindo a categoria central

A estratégia utilizada para descobrir a categoria central foi inter-relacionar os dois fenômenos: autoavaliando as condições de saúde, segundo os indicadores da doença, e tomando a decisão quanto ao tratamento, tendo como meta o bem-estar, buscando compará-los e analisá-los a fim de compreender como se dava a interação entre seus componentes. Essa estratégia permitiu identificar categorias e subcategorias-chave que evidenciassem o movimento individual em relação ao tratamento da osteoporose, bem como chegar à categoria central, conforme apresentado na Figura 1.


Discussão

A osteoporose é doença esquelética, caracterizada pelo comprometimento da resistência óssea que predispõe ao aumento do risco de fraturas. Essas estão associadas ao aumento da morbidade e da mortalidade, perda funcional e consequências psicológicas. Intervenções farmacoterapêuticas na mulher com osteoporose pós-menopausa resultam em redução substancial do risco de fratura. Deve ser enfatizada a importância do suporte nutricional, de exercícios apropriados e interrupção do tabagismo e do consumo excessivo de álcool. Apesar da efetividade da terapia com agentes medicamentosos, a maioria dos pacientes que iniciam o tratamento não o mantém por mais de um ano. Dessa maneira, uma das principais metas para a redução do risco de fraturas consiste no desenvolvimento de estratégias direcionadas ao aumento da adesão ao tratamento(3).

A realização desse estudo demonstra que a experiência de indivíduos com osteoporose empreende um movimento cíclico entre relaxar o tratamento e a retomada do mesmo, visando o bem-estar, mediada pela visibilidade ou não da doença, segundo a sua interação com os sinais e sintomas correlacionados à doença.

O fato de o indivíduo continuamente autoavaliar o estado de saúde, tendo como parâmetro a presença ou ausência de indicadores (símbolos) da manifestação da osteoporose como: dor, fraturas, alterações posturais, limitações nas atividades da vida diária e densitometria óssea, denunciando a progressão da doença, são centrais para que o indivíduo tome a decisão sobre reassumir ou relaxar o tratamento.

De acordo como o Interacionismo Simbólico, as definições e os julgamentos de um indivíduo são altamente dependentes das definições sociais que o mesmo encontra durante a vida. Dessa maneira, os atores, nessa investigação, concebem o processo saúde/doença como ausência e presença de sinais e sintomas da doença, distanciando qualquer intervenção de promoção de saúde e prevenção de doença. É bem verdade que o conceito de saúde é questionável. Mas, se mesmo os pesquisadores da área têm, em vão, tentado defini-lo de forma acurada, mantendo-o como um ponto cego na epidemiologia(14), o que dizer da população em geral?

É por essa razão que a decisão de o indivíduo reassumir o tratamento é empreendida mediante a compreensão de estar acometido pela doença, ao se perceber, concretamente, com os sinais e sintomas. Ao não percebê-los, a osteoporose é colocada em um plano invisível. Assim, o indivíduo relaxa o tratamento, visando o bem-estar pleno, principalmente quando experimenta efeitos colaterais da medicação ou por considerar a dieta recomendada fora de suas possibilidades de consumo, nas seguintes situações: alimentos não palatáveis, onerosos ou por apresentar intolerância à lactose. De fato, embora os efeitos colaterais, relacionados ao uso da medicação contra osteoporose, não sejam frequentemente discutidos, eles existem(15) e podem, pelo menos em parte, ser responsáveis pelo abandono do tratamento. Assim, durante a escolha do esquema terapêutico a ser utilizado, um dos mais importantes aspectos a ser avaliado é a relação risco/benefício de cada medicamento. Com relação à dieta, está claro que alimentos ricos em cálcio (Ca), em particular, possuem papel fundamental na prevenção e tratamento da osteoporose. O teor e a biodisponibilidade desse mineral variam consideravelmente nos alimentos e grande número de fatores influencia a sua absorção. O leite de vaca e derivados são as fontes mais ricas e com a mais alta absorção de Ca. Porém, outros alimentos, como feijão branco, brócolis, couve e os peixes pequenos inteiros, poderiam ser utilizados em associação com produtos de maior teor/biodisponibilidade, a fim de alcançar os níveis dietéticos adequados de Ca em indivíduos que não querem ou não podem ingerir leite de vaca(16). No que diz respeito ao custo da dieta requerida, programas comunitários, visando ingestão alimentar adequada, somados ao desenvolvimento socioeconômico local, devem ser encorajados com o propósito de prevenir e tratar grande número de doenças relacionadas à nutrição, dentre as quais está a osteoporose.

Segundo o Interacionismo Simbólico, a interação com o self e com os outros leva o indivíduo a tomar decisões que direcionam o curso de ação. É essa a definição da situação feita pelo ator que é central sobre como a ação ocorrerá(13). Portanto, é necessário ao indivíduo reconfigurar o seu self, dando a si mesmo a oportunidade de partilhar do conhecimento dos profissionais, bem como das experiências de outros pacientes que têm vivenciado situações semelhantes. Assim, seria recomendado aos profissionais da saúde que: a) promovam ações terapêuticas, por meio de grupos operativos voltados à educação em saúde, visando estimular as pessoas a refletirem sobre o processo cíclico de autoavaliação, expressa no modelo, e a adoção de nova concepção do processo saúde/doença, promoção de saúde e prevenção de complicações. Essa estratégia tem se mostrado efetiva no tratamento de outras doenças crônicas, como o diabetes mellitus(17). Para isso, os profissionais devem possuir conhecimentos pedagógicos acerca do processo de comunicação, como a capacidade de escutar, compreender e negociar. Para as autoras, a dinâmica de grupo estimula a relação interpessoal entre os pacientes e os profissionais de saúde, facilitando a discussão entre indivíduos com os mesmos objetivos e permitindo a troca de informações. Os integrantes compartilham experiências comuns, que auxiliam no entendimento da doença ao tornar possível a expressão de dúvidas e expectativas, levando ao suporte mútuo; b) procurem se colocar no papel do indivíduo com osteoporose, para tentar entender o significado das palavras e ações empreendidas, como tentativa de localizá-lo no movimento cíclico da experiência (modelo teórico). Por exemplo, um indivíduo que chega ao consultório relatando bem-estar está, provavelmente, passando por uma fase de maior vulnerabilidade para interromper o tratamento, a fim de vivenciar o completo bem-estar, particularmente quando o mesmo tem histórico de sofrimento com efeitos colaterais do tratamento medicamentoso, ou dificuldade para seguir a dieta recomendada; c) utilizem o modelo teórico descoberto, não somente como instrumento para tentar localizar a direção que o indivíduo adotou, ou está adotando, mas também como tecnologia educacional, para trabalhar o comportamento do indivíduo (ou do grupo) em relação ao tratamento, visando mostrar como se configura a experiência das pessoas submetidas ao tratamento da osteoporose e como a não persistência implica em retrocesso no processo terapêutico da doença; d) compreendam que o processo de enfrentamento da não adesão ao tratamento da osteoporose está além de atividades prescritivas de terapias medicamentosas e não medicamentosas. É preciso adotar ações educativas, dentro de abordagem compreensiva e multiprofissional, levando-se em conta o paradigma biopsicossocial.

Ao se analisar o modelo teórico descoberto, autogerindo o tratamento da osteoporose no resgate do bem-estar, mediado pela (in)visibilidade dos indicadores da doença, sob a luz do conhecimento pré-existente, percebeu-se que o mesmo corrobora para os achados de estudos previamente conduzidos, como descrito na introdução deste manuscrito(6-9). Entretanto, parece que sua maior contribuição pode ser configurada como um protótipo tecnológico para profissionais da saúde ajudarem indivíduos com osteoporose a se autoavaliarem, em relação à adesão ao tratamento, bem como levá-los à melhor visualização de sua interação entre relaxamento (fase de invisibilidade dos sintomas e sinais), ou a susceptibilidade para retroceder no tratamento da doença, e a possibilidade de melhorar esses sinais e sintomas ao aderir ao tratamento (fase de visibilidade da doença).

Também é digno de nota que entrevistas não estruturadas constituem o principal instrumento de coleta de dados na pesquisa qualitativa em saúde. Esses estudos estão consolidados na literatura(18) e contribuem, de maneira importante, para a qualidade da prática baseada em evidências(19).

Considerações finais

O uso da Grounded Theory como embasamento metodológico e do Interacionismo Simbólico como referencial teórico permitiu a compreensão da experiência vivenciada pelos pacientes com osteoporose, submetidos ao tratamento da doença. Possibilitou ainda a construção de um modelo teórico que facilita a elaboração de estratégias para intervenção terapêutica, de acordo com o momento vivenciado pelo indivíduo. A contento, sugere-se, aqui, a condução de estudos epidemiológicos caso-controle para avaliar o impacto de se utilizar esse modelo como tecnologia de educação em saúde, com o propósito de agir nos pacientes com osteoporose, como um lembrete contínuo, atentando ao seu esforço para seguir o tratamento proposto pela equipe multiprofissional de saúde.

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  • Corresponding Author:
    Glaucia Maria Ferreira da Silva
    UNESP - Faculdade de Medicina de Botucatu
    Rua Campus de Botucatu, S/N
    Distrito de Rubião Júnior
    CEP: 18618-000 Botucatu, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      15 Maio 2009
    • Aceito
      20 Dez 2009
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