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A comunicação terapêutica entre profissionais e pacientes na atenção em diabetes mellitus

Resumos

Objetivou-se, por este estudo transversal, analisar as técnicas de comunicação terapêutica entre profissionais e pacientes na atenção em diabetes mellitus. Os dados foram coletados em uma instituição pública de um município no interior do Ceará, Brasil, em 2010, por meio de equipamentos de vídeo e observação direta. Os resultados mostraram que as técnicas do grupo de expressão mais utilizadas foram: fazer perguntas, verbalizar interesse e usar frases descritivas. Quanto às do grupo de clarificação, sobressaiu solicitar ao paciente que precise o agente da ação. Em relação às de validação, apenas foi utilizada a técnica de sumarizar o conteúdo da interação. Conclui-se que, apesar do emprego de técnicas comunicacionais pelos profissionais, ainda é preocupante a lacuna referente à habilidade em comunicação, a qual deve ser aliada à competência técnica, para assim propiciar o cuidado qualificado às pessoas com diabetes mellitus.

Comunicação; Diabetes Mellitus; Relações Interpessoais


The objective of this cross-sectional study was to analyze therapeutic communication techniques used by health workers with patients under care for diabetes mellitus. Data were collected in 2010 in a public facility in the interior of Ceará, Brazil using video camera equipment and direct observation. Results showed that the most frequently used techniques within the "expression" group were: asking questions, voicing interest, and using descriptive phrases. The most frequently used technique within the "clarification" group was: asking the patient to specify the agent of action. Finally, in regard to the "validation" group, only the technique "summarizing content of the interaction" was employed. The conclusion is that despite the use of communication techniques on the part of professionals, there is still an alarming gap concerning communication skills. Such skills should be allied with technical expertise to enable the delivery of qualified care to individuals with diabetes mellitus.

Communication; Diabetes Mellitus; Interpersonal Relationships


Este estudio transversal tuvo como objetivo analizar las técnicas de comunicación terapéutica entre profesionales y pacientes en la atención en diabetes mellitus. Los datos se recogieron en una institución pública de Ceará-Brasil, en 2010, con equipos de video y observación directa. Los resultados mostraron que las técnicas del grupo de expresión más utilizadas fueron: hacer preguntas, expresar interés y usar frases descriptivas. Con relación a las del grupo de clarificación sobresalió solicitar al paciente que necesite el agente de la acción. Con relación a las de validación, apenas se utilizó las de organizar el contenido de la interacción. Se concluye que a pesar del uso de técnicas de comunicación por los profesionales, aun es preocupante la laguna con relación a la habilidad en comunicación, que debe ser aliada a la capacidad técnica, para así propiciar el cuidado calificado a las personas con diabetes mellitus.

Comunicación; Diabetes Mellitus; Las Relaciones Interpersonales


ARTIGO ORIGINAL

IPhD, Professor, Universidade Federal do Ceará, Brasil

IIPhD, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil

IIIPhD, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil

IVDoutorando, Universidade Federal do Ceará, Brasil. Professor Assistente, Universidade Federal do Maranhão, Brasil

VDoutorando, Universidade Federal do Ceará, Brasil. Professor Adjunto, Universidade Regional do Cariri, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

Objetivou-se, por este estudo transversal, analisar as técnicas de comunicação terapêutica entre profissionais e pacientes na atenção em diabetes mellitus. Os dados foram coletados em uma instituição pública de um município no interior do Ceará, Brasil, em 2010, por meio de equipamentos de vídeo e observação direta. Os resultados mostraram que as técnicas do grupo de expressão mais utilizadas foram: fazer perguntas, verbalizar interesse e usar frases descritivas. Quanto às do grupo de clarificação, sobressaiu solicitar ao paciente que precise o agente da ação. Em relação às de validação, apenas foi utilizada a técnica de sumarizar o conteúdo da interação. Conclui-se que, apesar do emprego de técnicas comunicacionais pelos profissionais, ainda é preocupante a lacuna referente à habilidade em comunicação, a qual deve ser aliada à competência técnica, para assim propiciar o cuidado qualificado às pessoas com diabetes mellitus.

Descritores: Comunicação; Diabetes Mellitus; Relações Interpessoais.

Introdução

A comunicação é o meio pelo qual as pessoas interagem umas com as outras, no compartilhamento de mensagens enviadas e recebidas, sendo efetivada pela compreensão da mensagem entre o emissor e o receptor. Quando ocorre entre profissional de saúde e paciente com o objetivo de ajudá-lo a enfrentar seus problemas, relacionar-se com os demais, ajustar o que não pode ser mudado e enfrentar os bloqueios à autorrealização, é denominada comunicação terapêutica(1).

Para facilitar a interação entre profissionais de saúde e pacientes, sugerem-se estratégias de comunicação terapêutica que, segundo uma das classificações mais divulgadas em nosso país, são categorizadas em três grupos: de expressão, de clarificação e de validação. Essas técnicas devem ser utilizadas de forma consciente, coerente, não repetitiva e, quando necessário, associadas a outras estratégias que facilitem o desenvolvimento do relacionamento terapêutico. Esse conjunto de técnicas prevê, ainda, que o profissional considere, em seu emprego, os aspectos verbais e não verbais durante a interação(2).

Embora a comunicação seja reconhecida como essencial, estudos recentes(3-6) apontam que o processo comunicacional ou o relacionamento interpessoal entre pacientes, enfermeiros e demais profissionais de saúde ainda é considerado pouco efetivo. Na prática clínica, observam-se dificuldades de comunicação entre os profissionais e os pacientes(7-8), o que pode ter forte influência na satisfação, na adesão ao tratamento e, consequentemente, nos resultados de saúde, sugerindo a necessidade de preparo técnico e humano dos profissionais envolvidos.

Interessados no assunto têm destacado o valor da comunicação efetiva em se tratando de enfermeiros da prática hospitalar(9), bem como de médicos e enfermeiros da atenção básica(7,10-11). Apesar do reconhecimento da importância do processo comunicacional no atendimento a pessoas com diabetes mellitus (DM), não foram evidenciadas investigações sobre as técnicas de comunicação utilizadas na prática cotidiana dos profissionais que lidam com essa clientela, o que justifica a realização do presente estudo.

Ao considerar o DM como uma doença complexa, que requer mudanças no estilo de vida e no comportamento diário das pessoas por ela acometidas, o êxito no enfrentamento das rotinas e tratamentos depende de muitos fatores, entre os quais a comunicação efetiva entre pacientes e profissionais. Assim sendo, os profissionais de saúde devem aliar o conhecimento técnico à utilização de novas competências e habilidades para incrementar a comunicação com os pacientes e, então, auxiliá-los de forma mais segura no enfrentamento das dificuldades impostas pela doença(12).

Ademais, a comunicação competente pressupõe a prática cotidiana de estratégias, na qual os profissionais envolvidos no processo comunicativo se apropriam do uso adequado do verbal e do não verbal nas suas interações, de modo a contribuir para uma comunicação mais efetiva(13).

Em virtude dessas constatações, o objetivo, neste estudo em tela, foi analisar as técnicas de comunicação terapêutica entre os profissionais e os pacientes na atenção em DM.

Método

Trata-se de estudo transversal, desenvolvido no Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão, de um município do interior do Estado do Ceará, Brasil, no período de abril a junho de 2010. A amostra foi constituída pela totalidade de profissionais de saúde de nível superior - uma enfermeira, duas nutricionistas e um médico - responsáveis pelo atendimento individual a pessoas com diabetes mellitus na referida instituição, e 24 pacientes com DM.

Para a coleta de dados utilizaram-se um formulário do tipo check-list, fundamentado no referencial teórico sobre as estratégias de comunicação terapêutica(2), um diário de campo e um equipamento de filmagem (vídeo).

O formulário contém os três grupos de técnicas de comunicação terapêutica: de expressão, clarificação e validação. No grupo de expressão estão organizadas as técnicas que ajudam na descrição da experiência e na expressão de pensamentos e sentimentos, incluindo-se: usar terapeuticamente o silêncio, ouvir reflexivamente, verbalizar a aceitação, verbalizar o interesse, usar frases com sentido aberto, repetir as últimas palavras ditas pelo paciente, fazer perguntas, devolver a pergunta feita, usar frases descritivas, permitir ao paciente que escolha o assunto, colocar em foco a ideia principal, verbalizar dúvidas, dizer não, estimular a expressão de sentimentos subjacentes e usar terapeuticamente o humor(2).

Quanto ao grupo de clarificação, estão as técnicas que contribuem para esclarecer o que for expresso pelo paciente, quais sejam: estimular comparações, solicitar ao paciente que esclareça termos incomuns, solicitar ao paciente que precise o agente da ação e descreva os eventos em sequência lógica. No tocante ao grupo de validação, as técnicas permitem a existência de significado comum do que é expresso, incluindo repetir a mensagem do paciente, pedir ao paciente para repetir o que foi dito e resumir o conteúdo da interação(2).

Para a coleta de dados utilizaram-se a observação direta e a filmagem do atendimento prestado pelos profissionais aos pacientes com DM. Os achados relativos à observação foram registrados no formulário concomitantemente à sua obtenção. Os conteúdos da filmagem foram analisados posteriormente, com base no mesmo formulário. Dados referentes aos aspectos da comunicação não verbal, isto é, gestos, expressão facial foram anotados no diário de campo para complementar a compreensão das emissões verbais. Cada profissional foi observado quatro vezes e filmado duas vezes em dias e ocasiões diferentes, por aproximadamente 20 minutos, perfazendo o total de 24 atendimentos prestados e 480 minutos de registro.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, da Universidade Federal do Ceará, sob Protocolo nº47/10. Os profissionais e pacientes foram orientados quanto aos objetivos e natureza do estudo, obtendo-se a concordância para os procedimentos relativos à obtenção dos dados, bem como assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os profissionais foram identificados com as letras E (enfermeiro), M (médico), N1 (nutricionista 1) e N2 (nutricionista 2).

Os dados referentes à observação direta e à filmagem com equipamento de vídeo foram apresentados em tabelas com frequência absoluta e aqueles registrados no diário de campo, de forma discursiva. A análise se deu à luz do referencial teórico de Stefanelli(2), segundo as estratégias de comunicação terapêutica classificadas em grupos de expressão, clarificação e validação, utilizando-se, ainda, a literatura sobre o tema.

Resultados

Os resultados descritos a seguir dizem respeito à observação e filmagem dos atendimentos prestados pelos profissionais de saúde aos pacientes com DM. As frequências observadas das diferentes técnicas de comunicação foram 102, 8 e 8 para os grupos de expressão, clarificação e validação, respectivamente.

No tocante às técnicas do grupo de expressão, os dados apontam que verbalizar o interesse, fazer perguntas e usar frases descritivas foram as mais utilizadas. No entanto, ouvir reflexivamente, técnica considerada de máxima importância, foi identificada apenas no atendimento da enfermeira e da nutricionista 2. Ademais, se comparada aos outros profissionais, a enfermeira foi a que mais utilizou técnicas do grupo de expressão (Tabela 1).

No grupo de clarificação, solicitar ao paciente que precise o agente da ação foi a técnica mais observada nos atendimentos realizados pela enfermeira, médico e nutricionista 1, embora com frequência discreta. Vale destacar que apenas o médico empregou a técnica estimular comparações. Assim, no tocante à clarificação no processo de comunicação pode-se afirmar que foi o médico quem mais utilizou as técnicas desse grupo (Tabela 2).

Tratando-se do grupo de validação, a nutricionista 2 foi a profissional que mais utilizou a técnica sumarizar o conteúdo da interação (Tabela 3).

De acordo com os dados obtidos, a enfermeira foi a profissional que mais utilizou as técnicas de expressão, o médico, as de clarificação e a nutricionista 2, as de validação. Cabe ressaltar o número de técnicas que compõem cada grupo e que não foram consideradas e a baixa frequência do emprego das técnicas em geral. Contudo, as técnicas de expressão foram as mais adotadas pelos profissionais investigados.

Discussão

Neste estudo, os profissionais investigados empregaram diferentes grupos de técnicas de comunicação, com destaque para o de expressão. Embora seja o grupo mais utilizado pelos profissionais, apenas algumas das suas técnicas, tais como fazer perguntas, verbalizar interesse e usar frases descritivas foram observadas com maior frequência. Nesse contexto, encontraram-se resultados similares em estudos realizados no âmbito hospitalar(6,14).

Fazer perguntas, técnica largamente percebida nos atendimentos de todos os profissionais investigados, é de fundamental importância no relacionamento interpessoal com os pacientes, pois permite dar continuidade ao diálogo e propicia a expressão de sentimentos e a obtenção de informações relevantes, entre outros objetivos. Contudo, seu uso é passível de controvérsias, pois, a depender de como é abordada, prejudica a obtenção dos resultados esperados no processo comunicativo. Assim, a pergunta deve ser feita com clareza e com linguagem adequada a cada paciente, de acordo com sua idade, escolaridade e momento atual de vida(2).

Como evidenciado, os profissionais estudados utilizaram essa técnica na maioria das suas interações, o que é consistente com resultados de outra pesquisa(15). No entanto, apesar da nutricionista 1 fazer perguntas, usou termos técnicos como anamnese, dislipidemia e níveis glicêmicos sem esclarecê-los, além de ter feito várias perguntas ao mesmo tempo. Convém que se lembre, porém, que "As perguntas devem ser usadas criteriosamente, para que o paciente não pense que só tem de responder perguntas e adotar um comportamento passivo"(2). Essa forma de comunicação também foi encontrada em estudo sobre a relação médico/paciente(7).

Inerente ao diabetes mellitus, seu manejo requer dos profissionais de saúde não só o conhecimento técnico sobre a doença, como habilidade para identificar a compreensão, pelo paciente, das perguntas feitas, de modo a coletar dados condizentes com as suas reais necessidades, e assim assegurar a qualidade da assistência. As perguntas devem estimular o paciente a adotar comportamento ativo e participativo, capaz de favorecer o autocuidado, considerado uma das metas primordiais no manejo da doença(16).

Além disso, a qualidade da comunicação entre profissionais e pacientes poderá ter importantes reflexos sobre a eficácia do tratamento, uma vez que o exercício do diálogo e da comunicação levará à melhor compreensão do problema e à melhor aceitação das orientações e recomendações, tão importantes no cuidar em DM(17).

Verbalizar o interesse, que consiste em perceber o outro como pessoa e por suas atitudes(2), revelou-se, em todos os atendimentos e por todos os profissionais investigados, em concordância com outro estudo sobre o assunto(6). Essa categoria foi observada nas situações em que os pacientes foram abordados pelo nome e recebidos na porta do consultório. Ademais, na maioria dos atendimentos, os profissionais apertaram a mão do paciente e elogiaram o comportamento pelo comparecimento ao atendimento aprazado.

A demonstração de interesse por parte do profissional motiva o paciente a participar de forma mais efetiva do tratamento e do autocuidado(1-2). Igualmente, constitui-se como um recurso para estabelecer confiança e vínculo do usuário à equipe de saúde. Ao considerar que o DM requer cuidado contínuo e complexo, a demonstração de interesse dos profissionais pelos pacientes pode gerar e manter vínculos no intuito de promover a saúde e a cidadania(18).

O uso de frases descritivas, tais como mensagens concisas e enunciadas em tom audível, sem o uso de jargões técnicos e sem monotonia, foi evidenciado com frequência na maior parte dos atendimentos analisados. Ao reconhecer que no cuidado em diabetes há necessidade de se oferecer informações e orientações constantes aos pacientes, para o manejo adequado da doença, o uso de frases descritivas contribui de forma efetiva para a sua compreensão(2).

Todavia, observou-se o uso de orientações prescritivas e autoritárias como "tem que reforçar o café da manhã, tem que usar leite desnatado, tem que caminhar, tem que tomar o medicamento na hora certa", na maioria das observações. Tais orientações podem contribuir para o não seguimento do plano terapêutico pelos pacientes com DM. Embora a alimentação, os medicamentos e a atividade física sejam fatores decisivos no tratamento da doença, a forma como são orientados pouco favorece o diálogo e a participação ativa do paciente.

Ademais, é consenso na literatura que, na elaboração de um plano terapêutico em DM, cada aspecto do cuidado seja acordado com os pacientes, pois não é suficiente oferecer informações ou convencer as pessoas a modificar determinados comportamentos, uma vez que a prontidão para a mudança é produto de seu próprio processo de reflexão(12). Nesse sentido, os profissionais precisam atentar para os fundamentos do relacionamento terapêutico pleno(14) e buscar a capacitação permanente.

Ao introduzir mudanças no estilo de vida dos pacientes com DM, os profissionais de saúde necessitam munir-se de cautela, porquanto a sua incorporação deve ocorrer de forma progressiva e participativa. A imposição de prescrições poderá induzir sentimentos de impotência no paciente e interferir no seu autocuidado(16).

Ainda, em relação ao grupo de expressão, a técnica "ouvir reflexivamente" foi utilizada em todos os atendimentos da enfermeira e da nutricionista 2, corroborando o encontrado em estudo com enfermeiros em serviço hospitalar(14). O "ouvir reflexivamente" é processo ativo que requer concentração da atenção, energia e tempo por parte dos profissionais envolvidos. É indispensável o profissional ler nas entrelinhas, guiando-se por perguntas: o que ele disse? O que significa o que ele disse? O que não está sendo dito?(2). Entretanto, acredita-se que a alta demanda de pacientes e o número reduzido de médicos e enfermeiros desfavorecem a utilização da técnica ora citada.

Convém acrescentar que o médico não utilizou essa técnica durante os seus atendimentos. Ouvir reflexivamente é uma demonstração de respeito e valorização dos sentimentos dos pacientes(2), é um meio de captar aspectos relacionados ao tratamento que poderiam colaborar para os ajustes terapêuticos. Essa lacuna observada pode comprometer a qualidade da assistência no que concerne aos aspectos do tratamento em DM.

Além disso, aspectos da comunicação não verbal foram identificados como olhar e expressão facial de impaciência associados ao tamborilar de dedos na mesa por um dos profissionais. Ao expressar sinais não verbais que são prejudiciais ao paciente, o profissional geralmente não percebe que sua linguagem corporal muitas vezes é inadequada. Tais manifestações podem comprometer a qualidade da interação, fato também encontrado em outro estudo(19). O equilíbrio entre a comunicação verbal e a não verbal favorece o relacionamento interpessoal. Desse modo, determina sua utilização pelos enfermeiros e demais profissionais de forma mais reflexiva(1).

Ainda como observado, nas técnicas do grupo de expressão, usar terapeuticamente o silêncio, usar frases com sentido aberto, repetir as últimas palavras ditas pelo paciente, devolver a pergunta feita, permitir ao paciente que escolha o assunto, verbalizar dúvidas e estimular expressão de sentimentos subjacentes não foram identificadas nesse estudo e, também, foram pouco evidentes em outra publicação(14). O uso dessas técnicas poderia encorajar maiores e melhores interações, pois facilitam a descrição de experiências, sentimentos e pensamentos, permitindo aos profissionais conhecer melhor o paciente e, assim, conduzir com mais eficácia o relacionamento interpessoal(2).

Consoante à literatura, as técnicas do grupo de clarificação devem ser utilizadas pelos profissionais com o objetivo de oferecer oportunidades aos pacientes para organizar seus pensamentos e expressá-los, de forma que as mensagens emitidas sejam compreendidas(2). Nesse grupo, a técnica mais destacada foi a de "solicitar ao paciente que precise o agente da ação", embora tenha sido observada apenas em dois atendimentos da enfermeira, dois do médico e dois da nutricionista 1. Nessas ocasiões, diante da expressão de termos pouco claros por parte dos pacientes, os profissionais mostraram habilidade no uso da técnica mencionada, conduzindo a interação de maneira adequada.

Pesquisa realizada com o objetivo de descrever a comunicação terapêutica entre enfermeiros e pacientes no ambiente hospitalar mostrou que as técnicas do grupo clarificação, isto é, "solicitar que esclareça termos incomuns e descrever os eventos em sequência lógica", foram utilizadas apenas por um dos profissionais estudados(6). Em investigação desenvolvida sobre a prestação de cuidados a pacientes submetidos a transplante de medula óssea, o emprego de técnicas desse grupo também foi pouco evidente(14).

Identificou-se, porém, que a técnica "descrever os eventos em sequência lógica", não evidenciada no presente estudo, poderia ter facilitado o processo comunicativo. Resultado contrário foi registrado em pesquisa sobre a comunicação entre enfermeiros e pacientes submetidos a transplante de medula óssea(14).

O grupo de validação permite validar a mensagem do paciente, checando o entendimento das orientações e informações dadas pelo enfermeiro e demais profissionais(2). O estudo ora elaborado, além de outros apontados pela literatura(7,14,20-22), mostrou que as técnicas desse grupo foram utilizadas em menor frequência pelos profissionais. Ademais, em grande parte das interações, o médico, a enfermeira e a nutricionista 1 não verificaram o entendimento do paciente e de familiares sobre o diagnóstico e indicações terapêuticas, apontando a necessidade de otimização do processo comunicativo.

Em relação ao DM, confirmar o entendimento dos pacientes sobre o tratamento é essencial para motivar o autocuidado e o controle da doença. Validar ou realizar feedback das orientações dadas aos pacientes com a doença é enfatizado pelos estudiosos da educação em diabetes, pois é uma forma de identificar a necessidade de reorientação das ações educativas e planejar cuidados condizentes com as suas necessidades reais e potenciais(12,16). Estimular ações que reduzam o uso de categorias verbais não terapêuticas pode contribuir para modificar o padrão de comunicação do grupo observado.

Os dados do presente estudo apontam que as lacunas observadas no processo comunicacional entre profissionais de saúde e pacientes também foram identificadas no contexto hospitalar e da atenção básica, o que mostra que a comunicação humana é complexa e multidimensional e requer competências, habilidades e atitudes para ser instrumentalizada(13).

Ainda, os dados evidenciam o quanto é complexo o estabelecimento de uma comunicação plena entre profissionais e pacientes, sendo a motivação e capacitação dos profissionais requisitos fundamentais para a aquisição de habilidades em comunicação.

Embora seja notória a competência dos investigados no tocante aos aspectos técnicos, inerentes à atenção em diabetes mellitus, a utilização das estratégias comunicacionais ainda se constitui em desafio para a prática clínica. O cuidado integral ao usuário com DM requer grande afinidade entre as partes envolvidas. Portanto, os responsáveis pelo atendimento devem estar familiarizados com os aspectos relacionados à comunicação terapêutica.

Conclusões

Os dados obtidos no presente estudo permitem concluir que, durante o atendimento às pessoas com diabetes mellitus, os profissionais de saúde utilizaram diferentes grupos de técnicas de comunicação, com destaque para o grupo de expressão. Todavia, segundo observou-se, há dificuldades na comunicação terapêutica plena, uma vez que técnicas importantes do grupo de clarificação e validação não foram empregadas.

Esta pesquisa, entretanto, apresenta limitações que impedem a generalização dos resultados: o tipo de estudo não permite a análise da relação causa e efeito, o tamanho da amostra é pequeno, visto que representa apenas a totalidade do pessoal de nível superior e de um serviço de atenção secundária. Ainda, o fato de os profissionais terem sido informados sobre as filmagens pode implicar que as ações terapêuticas analisadas não são similares às rotineiras. Na perspectiva de aprofundar o debate e aumentar o conhecimento neste tema, sugere-se que estudos futuros, que propiciem a comparação de dados, sejam realizados.

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  • A comunicação terapêutica entre profissionais e pacientes na atenção em diabetes mellitus

    Marta Maria Coelho DamascenoI; Maria Lúcia ZanettiII; Emilia Campos de CarvalhoIII; Carla Regina de Souza TeixeiraII; Márcio Flávio Moura de AraújoIV; Ana Maria Parente Garcia AlencarV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      01 Set 2011
    • Aceito
      25 Jun 2012
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