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Intensidade da dor musculoesquelética e a (in)capacidade para o trabalho na enfermagem

Resumos

OBJETIVO: objetivou-se avaliar a associação entre intensidade da dor musculoesquelética e redução da capacidade para o trabalho em trabalhadores de enfermagem. MÉTODO: trata-se de estudo transversal, envolvendo 592 trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário público do Rio Grande do Sul, Brasil. Utilizou-se a versão brasileira do questionário finlandês, para o cálculo do Índice de Capacidade para o Trabalho, cujo escore dos pontos varia de 7 a 49. A pontuação foi dicotomizada como reduzida capacidade para o trabalho (7 a 36 pontos) e boa/ótima capacidade (37 a 49 pontos). Avaliou-se a intensidade de dor musculoesquelética na última semana, utilizando-se escala numérica de dor. RESULTADO: dos participantes, 43,3% apresentaram reduzida capacidade para o trabalho e 48,8% relataram dor de intensidade forte a insuportável. Mesmo após ajustes pelos potenciais fatores de confundimento (função e tempo na função), os trabalhadores que referiram dor forte a insuportável tiveram quatro vezes mais chances de serem classificados no grupo com reduzida capacidade para o trabalho. CONCLUSÃO: constata-se associação positiva entre intensidade da dor musculoesquelética e redução da capacidade para o trabalho. Faz-se necessária a adoção de medidas interventivas na estrutura organizacional, a fim de promover/restaurar a capacidade para o trabalho.

Enfermagem; Saúde do Trabalhador; Avaliação da Capacidade de Trabalho; Transtornos Traumáticos Cumulativos; Dor


OBJECTIVE: the aim was to evaluate the association between the intensity of musculoskeletal pain and reduction in work ability among nursing workers. METHOD: a cross-sectional study, involving 592 nursing staff in a public university hospital in Rio Grande do Sul, Brazil. The Brazilian version of the Finnish questionnaire for calculating Work Ability Index was used, whose score varies from 7 to 49 points. The score was dichotomized as reduced work ability (7 to 36 points) and good/excellent ability (37 to 49 points). The intensity of musculoskeletal pain over the previous week was evaluated, using a numerical pain scale. RESULT: 43.3% of the participants had reduced work ability and 48.8% reported strong to unbearable pain. Even after adjusting for potentially confounding factors (function and length of service in the function), the workers who mentioned strong to unbearable pain were four times more likely to be classified in the group with reduced work ability. CONCLUSION: A positive association was determined between intensity of musculoskeletal pain and reduction in work ability. It is necessary to adopt intervention measures in the organizational structure, so as to promote/restore work ability.

Nursing; Occupational Health; Work Capacity Evaluation; Cumulative Trauma Disorders; Pain


OBJETIVO: se objetivó evaluar la asociación entre intensidad del dolor musculo-esquelético y reducción de la capacidad para el trabajo en trabajadores de enfermería. MÉTODO: Estudio transversal, envolviendo 592 trabajadores de enfermería de un hospital universitario público de Rio Grande do Sul, Brasil. Se utilizó la versión brasileña del cuestionario Finlandés para el cálculo del Índice de Capacidad para el Trabajo, cuyo score de los puntos varia de 7 a 49. La puntuación fue dicotómica como reducida capacidad para el trabajo (7 a 36 puntos) y buena/óptima capacidad (37 a 49 puntos). Se evaluó la intensidad de dolor musculo-esquelético en la última semana, utilizándose escala numérica de dolor. RESULTADO: De los participantes, 43,3% presentaron reducida capacidad para el trabajo y 48,8% relataron dolor de intensidad fuerte a insoportable. Mismo después de ajustes por los potenciales factores de confundimiento (función y tiempo en la función), los trabajadores que refirieron dolor fuerte a insoportable tuvieron cuatro veces más chances de ser clasificados en el grupo con reducida capacidad para el trabajo. CONCLUSIÓN: se constata asociación positiva entre intensidad del dolor musculo-esquelético y reducción de la capacidad para el trabajo. Se hace necesario la adopción de medidas de intervención en la estructura organizacional, a fin de promover/restaurar la capacidad para el trabajo.

Enfermería; Salud Laboral; Evaluación de Capacidad de Trabajo; Trastornos de Traumas Acumulados; Dolor


ARTIGO ORIGINAL

Intensidade da dor musculoesquelética e a (in)capacidade para o trabalho na enfermagem

IPhD, Professor, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

IIMestranda, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

IIIMestranda, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

IVDoutoranda, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

VPhD, Professor Adjunto, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: objetivou-se avaliar a associação entre intensidade da dor musculoesquelética e redução da capacidade para o trabalho em trabalhadores de enfermagem.

MÉTODO: trata-se de estudo transversal, envolvendo 592 trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário público do Rio Grande do Sul, Brasil. Utilizou-se a versão brasileira do questionário finlandês, para o cálculo do Índice de Capacidade para o Trabalho, cujo escore dos pontos varia de 7 a 49. A pontuação foi dicotomizada como reduzida capacidade para o trabalho (7 a 36 pontos) e boa/ótima capacidade (37 a 49 pontos). Avaliou-se a intensidade de dor musculoesquelética na última semana, utilizando-se escala numérica de dor.

RESULTADO: dos participantes, 43,3% apresentaram reduzida capacidade para o trabalho e 48,8% relataram dor de intensidade forte a insuportável. Mesmo após ajustes pelos potenciais fatores de confundimento (função e tempo na função), os trabalhadores que referiram dor forte a insuportável tiveram quatro vezes mais chances de serem classificados no grupo com reduzida capacidade para o trabalho.

CONCLUSÃO: constata-se associação positiva entre intensidade da dor musculoesquelética e redução da capacidade para o trabalho. Faz-se necessária a adoção de medidas interventivas na estrutura organizacional, a fim de promover/restaurar a capacidade para o trabalho.

Descritores: Enfermagem; Saúde do Trabalhador; Avaliação da Capacidade de Trabalho; Transtornos Traumáticos Cumulativos; Dor.

Introdução

Os distúrbios musculoesqueléticos determinam um conjunto de sinais e sintomas concomitantes ou não (dor, desconforto, parestesia, sensação de peso, fadiga, limitação do movimento e incapacidade para o trabalho) que podem começar de forma insidiosa e evoluir rapidamente, caso não ocorram mudanças nas condições de trabalho(1). Eles têm se constituído em importante problema de saúde pública, em vários países industrializados, e acometem trabalhadores de diversas profissões(1), dentre elas, a enfermagem(2-6).

Relatos por parte dos trabalhadores de enfermagem que sentem dor musculoesquelética (DME) estão presentes na realidade do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), RS. No ano 2006, foi realizado, nessa instituição, um estudo(5) em que se avaliaram os aspectos psicossociais do trabalho da enfermagem (demanda psicológica e controle sobre o trabalho)(7) e a relação com a ocorrência dos distúrbios musculoesqueléticos, evidenciando elevados percentuais de relatos de DME, tanto no ano anterior quanto nos sete dias que antecederam a pesquisa.

Quando se visualizaram que a alta demanda psicológica e o baixo controle, configurados como alta exigência no trabalho(7), são significativamente nocivos à saúde dos trabalhadores de enfermagem dessa instituição, surgiu a motivação para se investigar os elementos com potencial para o desencadeamento de alteração na capacidade de trabalho, dentre eles, os relatos de DME. A hipótese foi de que a intensidade da DME pode estar diretamente implicada na redução da capacidade para o trabalho dos profissionais de enfermagem.

Em relação a estudos realizados com trabalhadores do setor de saúde, pesquisas no Brasil indicaram a perda precoce da capacidade de trabalho(8-13). Essa perda estava relacionada ao trabalho noturno(11), a características individuais e de trabalho(8-12) e ao estresse laboral(13). Não se evidenciaram estudos que avaliassem a relação entre capacidade para o trabalho e a intensidade da dor musculoesquelética. Essa relação pode ser avaliada por meio do Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT)(14), questionário idealizado por pesquisadores do Finnish Institute of Occupational Health, e que avalia "o quão bem está ou estará o trabalhador presentemente ou num futuro próximo e quão capaz ele ou ela pode executar seu trabalho em função das exigências, de seu estado de saúde e de suas capacidades físicas e mentais"(14). Esse questionário foi traduzido do original em inglês para o português por um grupo multidisciplinar de pesquisadores, adaptado para a língua portuguesa falada no Brasil e publicado em português pelo Finnish Institute of Occupational Health, em 1997. Posteriormente, também pela EDUFSCAR, em 2005(14).

A partir da questão norteadora "existe associação entre intensidade da DME e redução da capacidade para o trabalho na enfermagem?", o presente trabalho objetivou avaliar a associação entre a intensidade da DME e a redução da capacidade para o trabalho em trabalhadores de enfermagem, de um hospital universitário público do Rio Grande do Sul, Brasil. Nesse contexto, apresenta-se como objeto de estudo o índice de capacidade para o trabalho dos trabalhadores de enfermagem hospitalar.

Método

Este é um estudo transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de ensino à qual as autoras estão vinculadas (CAAE 0070.0.243.000-09), em junho de 2009. Foram definidos como elegíveis os 592 trabalhadores de enfermagem concursados e atuantes em hospital universitário público do Rio Grande do Sul, Brasil. Como critério de inclusão, o trabalhador deveria ter ingresso na instituição por concurso público e estar no exercício de suas funções laborais, no momento da realização do estudo. Foram excluídos os trabalhadores em licença ou afastamento de qualquer tipo, durante o período de coleta.

A coleta dos dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2009, por meio da aplicação de um questionário com questões fechadas, referentes ao ICT(14), em relação à dor musculoesquelética(15), às variáveis sociodemográficas e laborais. A distribuição e o recolhimento dos questionários foram realizados por acadêmicos de enfermagem, previamente capacitados pela coordenadora da pesquisa. Após esclarecimento sobre o objetivo da pesquisa, os trabalhadores que aceitaram participar, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), sendo que receberam, preencheram e devolveram o questionário durante seu turno de trabalho.

Para avaliar o ICT (variável dependente) foi utilizada a versão brasileira(14) de um instrumento autoaplicável, desenvolvido na Finlândia. O escore dos pontos varia de 7 a 49, dividindo-se de 7 a 27 (baixa capacidade para o trabalho), 28 a 36 (moderada capacidade), 37 a 43 (boa capacidade) e 44 a 49 (ótima capacidade)(14). Para a comparação com as demais variáveis do estudo, a pontuação no ICT foi dicotomizada como reduzida capacidade para o trabalho (7 a 36 pontos) e boa/ótima capacidade (37 a 49 pontos).

A exposição – intensidade da DME (variável independente) – foi avaliada utilizando-se escala numérica de dor(15), adaptada para avaliar a dor de origem musculoesquelética percebida na última semana. A pontuação varia de zero a 10, em que zero representa total ausência de dor e 10 a dor mais intensa já percebida pelo indivíduo. Para as análises, a intensidade da dor foi categorizada em: ausente (zero), dor fraca a moderada (1 a 6) e dor forte a insuportável (7 a 10).

Outras características avaliadas foram: a) variáveis sociodemográficas: sexo idade em tercis (24 a 36 anos, 37 a 46 anos e 47 a 69 anos); raça (branca, preta, parda e amarela); escolaridade (graduado e não graduado) e situação conjugal (solteiro, casado, separado, divorciado, viúvo); b) variáveis laborais: função (enfermeiro; técnico ou auxiliar de enfermagem); unidade de trabalho; tempo na função e na unidade; turno (diurno e noturno); carga horária semanal (30 e 36h); outro emprego (sim e não) e carga horária em outro emprego (até 20h e mais de 21h).

Para a inserção dos dados, foi utilizado o programa Epi-info®, versão 6.04, com dupla digitação independente. Após a verificação de erros e inconsistências, a análise dos dados foi realizada no programa PASW Statistics® (Predictive Analytics Software, da SPSS Inc., Chicago, USA), versão 18.0 para Windows. Para as análises das variáveis contínuas, utilizou-se a estatística descritiva (medidas de posição e dispersão). As variáveis categóricas foram avaliadas em percentuais. Nas análises entre o desfecho e cada uma das variáveis estudadas, utilizou-se o teste qui-quadrado ou exato de Fisher, para verificar a significância estatística (p<0,05) com níveis de confiança de 95%.

Foi utilizada regressão binária logística (pelo método Enter) para identificar a associação ajustada por fatores de confundimento entre o ICT e o nível de dor musculoesquelética. Nessas análises, as covariáveis foram consideradas como fatores de confundimento se associadas tanto ao desfecho (ICT) quanto à exposição (intensidade da dor musculoesquelética) com nível de confiança de 75% (p≤0,25). A medida de associação utilizada foi a Odds Ratio (OR) e seus respectivos intervalos de confiança (IC95%). No modelo de regressão adotado, foi realizada avaliação da multicolinearidade, por meio do cálculo do fator de inflação da variância (VIF). Onde, o valor mínimo possível é igual a 1,0 e valores >10,0 podem indicar um problema de colinearidade. O teste de Hosmer e Lemeshow foi utilizado, a fim de verificar o modelo melhor ajustado (mais próximo de 1,0).

Resultados

Do total da população elegível para o estudo (592), 498 (84%) responderam ao instrumento. As perdas (16%; n=94) resultaram de recusas à participação.

Caracterização da população: observou-se a predominância de mulheres (87,8%; n=437), com idade entre 47 e 69 anos (32,7%; n=163), da cor/raça branca (85,3%; n=425) e casadas (69,3%; n=345). Em relação ao perfil laboral, predominam os técnicos e auxiliares de enfermagem (73,5%; n=366); trabalhavam em média na função atual há 14,3 anos (±8,6) e na unidade atual há oito anos (±7,1) em turno noturno (40%; n=199); desenvolviam carga horária de 36 horas semanais (62,4%; n=311) e a minoria (17,9%; n=89) referiu outro emprego. Desses, 90,8% possuem mais um emprego e 9,2% possuem mais dois empregos. A carga horária no outro emprego variou de 5 a 44 horas, com média de 27 horas (±10,8).

Caracterização da intensidade da DME(15): ao ser avaliada a intensidade de dor ou desconforto musculoesquelético, 8,6% (n=43) não referiram dor nos últimos sete dias anterior à entrevista, 11,6% (n=112) apresentaram dor de fraca intensidade, 35,7% (n=188) dor moderada, 39% (n=194) dor forte e 5,1% (n=25) dor insuportável.

Caracterização do ICT(14): 5,7% (n=29) dos trabalhadores foram classificados com baixa capacidade para o trabalho, 37,6% (n=187) com moderada capacidade, 41,4% (n=206) com boa capacidade e 15,3% (n=76) com ótima capacidade. Dicotomizando-se essas categorias, 43,3% (n=216) dos trabalhadores possuíam baixa/moderada capacidade para o trabalho (reduzida capacidade) e 56,7% (n=282) boa/ótima capacidade.

Na Tabela 1, evidencia-se diferença significativa entre os grupos avaliados e associação positiva linear, com um gradiente tipo dose-resposta.

Tabela 2

Ser do sexo feminino evidenciou maiores percentuais tanto para nível de dor forte a insuportável quanto para a redução da capacidade para o trabalho (p<0,001). Os trabalhadores com mais de 47 anos apresentaram maior percentual para reduzida capacidade (p=0,021).

Os técnicos/auxiliares e aqueles com maior tempo na função relataram dor de intensidade forte a insuportável. Já os outros que trabalham 30 horas semanais na instituição pesquisada e aqueles que exercem atividade com CH de até 20 horas semanais, no outro emprego, apresentaram associação com a reduzida capacidade para o trabalho (Tabela 3).

Tabela 4

As chances de os trabalhadores de enfermagem que referiram DME de intensidade forte a insuportável serem classificados no grupo com reduzida capacidade para o trabalho permaneceram, mesmo após ajustes pelos potenciais fatores de confundimento (função e tempo de trabalho na função).

Discussão

A alta percentagem de referência à DME de intensidade fraca a insuportável (91,4%) nos sete dias anteriores à pesquisa denota sério problema de saúde na população estudada e revela a importância desse problema entre trabalhadores de enfermagem. Pesquisa(2) que investigou os sintomas musculoesqueléticos em trabalhadores de enfermagem concluiu que é elevada a ocorrência de queixas musculoesqueléticas em múltiplas regiões corporais, e que os fatores estavam relacionados à movimentação e ao transporte de pacientes. O trabalho da enfermagem é realizado, muitas vezes, de maneira repetitiva e desconfortável, o que pode resultar tanto em dor e desconforto musculoesquelético quanto em redução do ICT.

Ao ser avaliado o ICT, 41,4% dos trabalhadores de enfermagem foram classificados com boa capacidade para o trabalho. Esses resultados corroboram outros estudos em que os percentuais para boa capacidade para o trabalho variaram de 41,8 a 80,0%(8-9,16). Apesar das altas demandas físicas e mentais, decorrentes do ambiente hospitalar insalubre, e do elevado percentual de trabalhadores com DME, maior número de trabalhadores apresenta boa capacidade para o trabalho, podendo indicar a existência de outros fatores, não mensurados neste estudo, que interferem positivamente no ICT.

Neste estudo, foi encontrada associação positiva tanto para DME quanto para redução da capacidade para o trabalho entre as trabalhadoras de enfermagem. Estudo(17) evidenciou prevalência da capacidade para o trabalho inadequada 84% maior no sexo feminino em relação ao sexo masculino (RP=1,84; IC 95%=1,06–3,18).

No que tange à maior frequência de relatos de DME por trabalhadores do sexo feminino, os resultados são controversos(18). Porém, duas possíveis razões são apresentadas(19) para essa maior frequência: a) as mulheres experimentariam mais estresse e teriam estratégias de coping diferentes das empregadas pelos homens, resultando maior frequência de relatos, e b) pode haver diferenças no processamento de informação sobre a interpretação somática entre homens e mulheres. Há autores(20) que postulam que o fato de as mulheres tenderem a apresentar maiores índices de lesões musculoesqueléticas as remeteria a uma redução do ICT.

Na avaliação da faixa etária, ficou evidenciada associação estatisticamente significativa com a redução da capacidade para o trabalho (p=0,021). Essa associação se manteve no modelo de regressão logística (OR=1,87; IC95%=1,01–3,46). Estudo(9) constatou reduzida capacidade para o trabalho nos trabalhadores com idade média de 44,2 anos. Outro(21) identificou correlação inversa e fraca (r =-0,22; p=0,0394) entre ICT e idade do trabalhador, ou seja, quanto mais jovem o enfermeiro melhores foram os escores do ICT. Esses resultados reforçam a necessidade de se atentar à capacidade laboral e às condições de trabalho, no intuito de manter o trabalhador saudável ao longo dos anos que permanecerá no mercado de trabalho, prevenindo o envelhecimento precoce e a incapacidade laboral(21).

Dentre as características laborais pesquisadas neste estudo, destacaram-se como significantes a categoria de técnicos/auxiliares de enfermagem, o maior tempo na função e a carga horária de 30 horas semanais. Em relação à função, apontou-se associação significativa entre ser técnico/auxiliar de enfermagem e maior percentual de referência de dor musculoesquelética (47,7%; p=0,019) e tendência para a redução da capacidade para o trabalho (46%; p=0,059). Há evidências, em estudos anteriores(3-4), de que a categoria de auxiliares de enfermagem é a que possui maior frequência (84,6%) de atendimentos no setor de atendimento à saúde do trabalhador.

Nesses resultados, pode estar expressa a realização de atividades mais pesadas e mais repetitivas da classe profissional. Na divisão hierarquizada e vertical do trabalho da enfermagem, as tarefas de execução, na maioria das vezes, são efetuadas pelos técnicos e auxiliares, que possuem menor autonomia de decisão sobre o próprio trabalho(18). Soma-se a isso o ritmo intenso, a repetitividade das tarefas e o tempo para realizá-las(22). Tais características do trabalho da enfermagem, aliadas ao resultado encontrado neste estudo de que os trabalhadores com maior tempo na função apresentam maior percentual para relatos de DME (49,8%; p=0,022), sinalizam a necessidade de medidas de intervenção e de promoção da saúde o mais precocemente possível, a partir da inserção do profissional no ambiente laboral, no sentido de prevenir ou minimizar os danos à saúde e à capacidade laboral(18).

No que se refere à carga horária, os trabalhadores com 30 horas semanais apresentaram maior percentual para redução da capacidade para o trabalho (p=0,026). Na instituição pesquisada, essa carga horária corresponde aos trabalhadores que executam suas atividades no turno noturno. Corroborando esses achados, outro estudo(11) também evidenciou chances mais elevadas (OR 2,00; IC 1,01-3,95) de redução da capacidade para o trabalho. Apesar de, neste estudo, a avaliação quanto ao turno de trabalho não ter apresentado diferença significativa entre os grupos (p>0,05), é pertinente salientar que o trabalho noturno altera os períodos do sono e faz com que o trabalhador tenha que trocar o dia pela noite, o que transgride as regras do funcionamento fisiológico e cronobiológico do corpo humano. Muitas pessoas também tendem a alterar seus períodos de sono durante o dia com afazeres domésticos e ruídos, o que diminui o tempo de descanso e de lazer(10). Além disso, o trabalho noturno causa desordem no ritmo diário dos trabalhadores, podendo causar mal-estar, fadiga, sonolência, insônia, irritabilidade, prejuízo da agilidade mental, do desempenho e da eficiência(23), sendo que esses acometimentos, de ordem física ou psíquica, somados à sobrecarga laboral podem ser os potencializadores da baixa capacidade para o trabalho. Entretanto, como o trabalho noturno é indispensável para a continuidade da assistência de enfermagem, há necessidade de buscar estratégias individuais e coletivas para aumentar a capacidade de trabalho. Dentre elas: realizar a alternância dos trabalhadores nos turnos diurno e noturno, incentivar hábitos saudáveis e investir na melhoria das condições de trabalho (boa iluminação, implantação e incentivo à prática da ginástica laboral)(24).

Aspecto interessante encontrado neste estudo foi que trabalhadores com dupla jornada de trabalho possuíam ICT mais favorável do que aqueles com um único trabalho (p>0,05). Esse aspecto merece melhor elucidação, de forma a se conhecer os mecanismos que possam estar contribuindo para esses resultados. Preliminarmente, há de se considerar que aspectos como a necessidade de complementação da renda, a perspectiva de um futuro financeiro melhor, o prazer gerado pelo trabalho, a possibilidade de trabalhar com pessoas, chefias e ambientes diferentes – podendo fazer com que o trabalhador repense como fazer o seu trabalho, evitando as atividades rotineiras que recaem negativamente sobre a saúde e a capacidade para o trabalho – podem estar mobilizando esses trabalhadores para um ICT classificado como bom/ótimo em sua maioria. Outras pesquisas evidenciaram relação significativa entre dois empregos e reduzida capacidade para o trabalho(25) e entre não possuir outra atividade remunerada e ótima capacidade para o trabalho(9).

No que se refere à confirmação da hipótese do presente estudo, o resultado obtido soma-se a outros já publicados neste periódico, nos últimos dois anos, sobre avaliação da capacidade para o trabalho(12-13) e contribui para a identificação de associação positiva entre DME de intensidade forte a insuportável e reduzida capacidade para o trabalho. Percebe-se assim a necessidade de maior atenção à saúde desses trabalhadores e um olhar atento às condições de trabalho, tendo em vista a necessidade de diminuição da dor e aumento da capacidade para o trabalho desses profissionais.

Em estudo com trabalhadores de enfermagem do setor de emergência verificou-se que 28,6% dos trabalhadores com ICT moderado, bom e ótimo tiveram maior frequência de diagnóstico médico de doença musculoesquelética(8). Esses achados assinalam que a DME é uma realidade presente no cotidiano, mesmo para os trabalhadores de enfermagem classificados com boa capacidade para o trabalho. Tal fato justifica a importância da adoção de medidas preventivas e interventivas tanto por parte dos trabalhadores quanto dos gestores.

Dentre as limitações deste estudo, destaca-se que, por se tratar de estudo transversal, não é possível concluir, com segurança, a respeito de relações causais, tendo em vista que esses estudos exploram, simultaneamente, a exposição e a condição de saúde do sujeito. Além disso, destaca-se que não foram incluídos trabalhadores em afastamento para tratamento de saúde, o que pode influenciar os resultados pelo viés do efeito do trabalhador saudável.

Conclusões

Conclui-se que o maior percentual de trabalhadores de enfermagem (91,4%) referiu dor de intensidade fraca a insuportável, sendo que 43,3% possuem reduzida capacidade para o trabalho. No contexto do adoecimento dos trabalhadores de enfermagem, DME é um dos fatores que mais afeta esses trabalhadores e que contribui para reduzir a capacidade para o trabalho, fato esse confirmado neste estudo. Identificou-se, ainda, que as chances de os trabalhadores de enfermagem, que referiram DME de intensidade forte a insuportável, serem classificados no grupo com reduzida capacidade para o trabalho permaneceram.

Assim, a avaliação do ICT torna-se relevante tendo em vista que fornece subsídios para a implementação de medidas de promoção à saúde, de prevenção a agravos, de forma a atuar no ambiente laboral em que o trabalhador está inserido. Com isso, a partir dos resultados deste estudo busca-se oferecer subsídios para instaurar ações que preservem a capacidade para o trabalho dos profissionais dessa e de outras instituições. Uma estratégia para minimizar esse problema seria adotar gerência participativa, no sentido de aproximar o trabalhador das discussões e do levantamento de carências no processo e na organização do trabalho, no sentido de encontrar as melhores soluções para os problemas e salvaguardar seus direitos à saúde no trabalho. Sugere-se a adoção de estudos longitudinais, a fim de verificar a relação de causa e efeito entre exposição e desfecho, assim como a mensuração de outras variáveis que possam interferir na capacidade para o trabalho.

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  • 1
    Tânia Solange Bosi de Souza MagnagoI; Ana Cláudia Soares de LimaII; Andrea ProchnowIII; Marinez Diniz da Silva CeronIII; Juliana Petri TavaresIV; Janete de Souza UrbanettoV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      24 Mar 2012
    • Aceito
      06 Nov 2012
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