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Valores da enfermagem como prática social: uma metassíntese qualitativa

Resumos

OBJETIVO:

identificar valores que estruturam e orientam a enfermagem enquanto prática social.

MÉTODO:

metassíntese qualitativa

RESULTADOS:

foram identificados três conceitos: a tensão entre técnica, organização e ética na prática da enfermeira; lastros históricos dos valores transversais à prática da enfermagem; atenção à ética, à reforma do sistema de saúde e à humanização da assistência. Esses levaram à síntese das variáveis principais "ordenamento" e "cuidado" que representam, respectivamente, valores balizadores dos elementos técnico-operativo e eticomoral da prática social da enfermagem.

CONCLUSÃO:

esses valores articulam-se sob o prisma de ordenar para bem cuidar. Reconhecê-los contribui para melhor compreensão do processo de atenção à saúde e dos cuidados de enfermagem.

Valores Sociais; Ética em Enfermagem; Prática Profissional; Responsabilidade Social


OBJECTIVE:

to identify values which structure and guide nursing as social practice.

METHOD:

qualitative meta-synthesis.

RESULTS:

three concepts were identified: The tension between technique, organization and ethics in the nurse's practice; Historical carry-overs of the values which run through nursing practice; Attention to ethics, to reform of the health system, and to the humanization of care. These led to the synthesis of the principal variables 'planning' and 'care', which represent, respectively, guiding values of the technical-operative and ethical-moral elements of the social practice of nursing.

CONCLUSION:

these values are articulated through the prism of ordering so as to care well. Their recognition contributed to a better understanding of the process of health care and nursing care.

Social Values; Ethics, Nursing; Professional Practice; Social Responsibility


OBJETIVO:

identificar valores que estructuran y orientan la enfermería como una práctica social.

MÉTODO:

metasíntesis cualitativa.

RESULTADOS:

fueron identificados tres conceptos: la tensión entre técnica, organización y ética en la práctica de la enfermera; el lastre histórico de los valores transversales de la práctica de la enfermería; y, la atención a la ética, a la reforma del sistema de salud y a la humanización de la asistencia. Estos llevaron a la síntesis de las variables principales: ordenamiento y cuidado, las que representan, respectivamente, valores que señalan los elementos técnico-operativo y ético-moral de la práctica social de la enfermería.

CONCLUSÍON:

estos valores se articulan bajo el prisma de ordenar para bien cuidar. Reconocerlos contribuye para una mejor comprensión del proceso de atención a la salud y de los cuidados de enfermería.

Valores Sociales; Ética en Enfermería; Práctica Profesional; Responsabilidad Social


Introdução

As práticas sociais são atividades para atender às necessidades das pessoas, vistas como seres sociais. Portam profundo sentido de humanidade, pois acontecem no bojo das relações interpessoais e na busca da sobrevivência humana. Por isso, diferem dos comportamentos naturais( 11. Trezza MCAF, Santos RM, Leite JL. Enfermagem como prática social: um exercício de reflexão. Rev. Bras Enferm. 2008; 61(6):904-8. ). Inserem-se no processo cultural e histórico das interações intencionais entre os seres humanos e desses com o mundo natural e as coisas.

A prática social é qualquer forma coerente e complexa de atividade humana cooperativa, socialmente estabelecida, que envolva padrões de excelência, obediência às regras e realização de bens internos. Esses são o afã dos praticantes para alcançarem a excelência, não a individual, mas da prática em si, que beneficia todos os partícipes com a credibilidade, o reconhecimento social e a expansão das potencialidades humanas. Os bens internos são como joias próprias de cada prática, que podem ser alcançadas somente na realização de seus padrões de excelência( 22. MacIntyre A. After virtue. 2nd ed. Notre Dame: University of Notre Dame Press; 1984. 304p. ). Por exemplo, o contentamento de poder contribuir para a melhoria da saúde de alguém é um bem interno da enfermagem.

Compreender a enfermagem como prática social significa ultrapassar suas dimensões técnico-operativas, decorrentes da aplicação direta do saber biotecnológico, e vê-la como uma das muitas práticas da sociedade, com as quais compartilha a responsabilidade pela saúde. A enfermagem, assim, é vista como integrante do processo de produção de saúde, guardando correlação com a finalidade social do trabalho e das instituições sociais( 33. Chiesa AM, Bertolozzi MR, Fonseca RMGS. A Enfermagem no cenário atual: ainda há a possibilidade de opção para responder às demandas da coletividade? O Mundo da Saúde. 2000; 24:67-71. ).

A prática é a ação do homem sobre as coisas, ou seja, é a aplicação do conhecimento em situações concretas como uma atividade orientada para um fim determinado. A prática da enfermagem tem um objeto, a saúde humana, e busca transformá-lo, intencional e planejadamente, por intermédio de meios e instrumentos( 33. Chiesa AM, Bertolozzi MR, Fonseca RMGS. A Enfermagem no cenário atual: ainda há a possibilidade de opção para responder às demandas da coletividade? O Mundo da Saúde. 2000; 24:67-71. ). Seu produto final é o cuidado de enfermagem em relação à pessoa, nos diferentes momentos do processo de saúde/doença( 11. Trezza MCAF, Santos RM, Leite JL. Enfermagem como prática social: um exercício de reflexão. Rev. Bras Enferm. 2008; 61(6):904-8. ).

Como prática social, a enfermagem é profissão dinâmica, sujeita a constantes transformações e à incorporação de reflexões e ações sobre novos temas e problemas, mas sempre se guiando pelo princípio ético de manter ou restaurar a dignidade em todos os âmbitos da vida( 11. Trezza MCAF, Santos RM, Leite JL. Enfermagem como prática social: um exercício de reflexão. Rev. Bras Enferm. 2008; 61(6):904-8. ). Para isso, os enfermeiros necessitam desenvolver visão compreensiva e interativa das questões sociais e da saúde, em consonância com a complexidade dessas áreas e as pluralidades da sociedade atual.

Para responder à finalidade social da prática e interligar os elementos técnico e ético do cuidado de enfermagem, é preciso que o enfermeiro conjugue, no cotidiano do trabalho, princípios e valores com competência técnica, em uma atmosfera de corresponsabilização e acolhimento. Isso requer dos enfermeiros sensibilidade humana que se manifesta no interesse, respeito, atenção, compreensão, consideração e afeto pelo outro e pela comunidade. Também implica engajamento político na transformação do que é incompatível com a dignidade do ser humano, a fim de eliminar as desigualdades desnecessárias, evitáveis e fomentar o que faz viver bem e com qualidade.

O compromisso é o âmago das práticas sociais. Nele, estão os valores balizadores da prática, como imagens-objetivo a serem concretizadas, em maior ou menor medida, nas atividades de cada prática( 44. Gracia D. La cuestión del Valor. Discurso de recepción del Academico. [internet]. Real Academia de Ciencias Morales y Políticas; 2010. [acesso em: 10 abril 2012]. Disponível em: http://www.racmyp.es/docs/discursos/D81.pdf
Disponível em: http://www.racmyp.es/docs...
). Na enfermagem, esse compromisso é de cuidado e cria o apelo ético de responsabilização radical na promoção da pessoa, respeitando e fomentando sua autonomia, cidadania, dignidade e saúde.

Os valores são realidades de caráter construtivista e hermenêutico, ou seja, construções humanas com caráter subjetivo, social, cultural e histórico, que dão sentido às coisas, às atividades( 44. Gracia D. La cuestión del Valor. Discurso de recepción del Academico. [internet]. Real Academia de Ciencias Morales y Políticas; 2010. [acesso em: 10 abril 2012]. Disponível em: http://www.racmyp.es/docs/discursos/D81.pdf
Disponível em: http://www.racmyp.es/docs...
). Carregam em sua constituição e realização elementos objetivos, subjetivos e intersubjetivos. Na prática profissional, os valores constituem eixos em torno dos quais giram suas atividades e espirala sua excelência. Por serem construções, os valores de uma prática social precisam ser compreendidos por meio de olhares interpretativos de sua história e abertos para a realidade atual e desafios futuros.

Os valores podem ser de dois tipos: "valores-fim" e "valores-meio". Os primeiros são os que valem por si mesmos e não "por algo". Valores-meio são instrumentos "por", ou seja, têm valor em referência a algo diferente deles mesmos( 55. Moore GE. Principia Ethica. Cambridge: Cambridge University Press; 1993. 313 p. ).

Esse pano de fundo provocou o questionamento: que valores estruturam e orientam a enfermagem como prática social? O artigo objetiva discutir os valores das facetas técnica e ética do cuidado de enfermagem, vistos como eixos estruturantes da responsabilidade social e do compromisso eticoprofissional do enfermeiro na promoção da saúde e de condições de vida compatíveis com a dignidade humana.

Método

Realizou-se metassíntese qualitativa por meio de síntese interpretativa dos dados. A metassíntese qualitativa é um método de pesquisa, cientificamente rigoroso, que permite confrontar, decompor, integrar e transformar, em um processo de tradução e síntese, os resultados de estudos primários qualitativos. Amplia-se a abstração para reinterpretar as interpretações primárias dos estudos originais. Para isso, separam-se os resultados dos estudos primários do contexto onde foram obtidos, a fim de agrupá-los em novas categorias no estudo secundário de metassíntese( 66. Sandelowski M, Trimble F, Woodard EK, Barroso J. From synthesis to script: Transforming qualitative research findings for use in practice. Qual Health Res, 2006; 16(10):1350-70. ).

O objetivo da metassíntese, ao ampliar a abstração, é imprimir mais utilidade aos resultados de diferentes pesquisas e facilitar seu uso na fundamentação de ações de atenção à saúde, formulação de políticas ou futuros estudos, principalmente quando se lidam com variáveis subjetivas e não quantificáveis. A identificação de consensos, o desenvolvimento de hipóteses e a exploração de contradições entre os estudos primários possibilita a teorização, aumenta o alcance dos resultados em face da generalização, o que torna os achados qualitativos mais próximos do uso na prática( 66. Sandelowski M, Trimble F, Woodard EK, Barroso J. From synthesis to script: Transforming qualitative research findings for use in practice. Qual Health Res, 2006; 16(10):1350-70. - 77. Zimmer L. Qualitative meta-syntesis: a question of dialoguing with texts. JAN. 2006; 52(5):546-53 ).

A despeito do método utilizado nos estudos primários incluídos no estudo de síntese, a metassíntese qualitativa concentra-se nas similaridades e diferenças da linguagem, nos conceitos, nas imagens e ideias relativas ao fenômeno estudado. O propósito é ampliar as possibilidades interpretativas dos resultados primários pela construção de explicações em narrativas ou teorias( 88. Sandelowski M, Barroso J. Classifying the findings in qualitative studies. Qual Health Res. 2003; 13(7):905-23. ).

A validade das pesquisas de síntese está na lógica integradora dos resultados dos estudos primários em um novo produto final. Pode-se fazer a síntese integradora por agregação ou configuração. Na primeira, o foco são os achados tematicamente similares e por fusão; com base na confirmação e repetição, chega-se a um sumário do conjunto de estudos originais. Na configuração, apontam-se, além das similaridades, as contradições, diferenças e relações, pois se tratam os resultados como elementos complementares a serem integrados, de maneira indutiva e dedutiva, em um arranjo ilustrativo de seus vínculos e encaixes. Dessa operação, podem resultar contribuições significativas para a construção de teorias ou modelos, tanto que uma das técnicas usadas na síntese dos resultados é a grounded theory ( 99. Sandelowski M, Docherty S, Emden C. Qualitative Metasynthesis: issues and techniques. Research in Nursing & Health. 1997; 20:365-71 ). Na presente pesquisa, optou-se pela configuração.

A pergunta de pesquisa emergiu durante a realização de estudos empíricos sobre a interface da bioética e atenção primária, que foram: uma tese de doutorado( 1010. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2003. 253p. ), três projetos de pesquisa financiados (CNPq e Fapesp) e quatro orientações de iniciação científica (bolsas Pibic USP, CNPq e Fapesp)( 1111. Lima AC, Morales DA, Zoboli ELCP, Sartório NA. Problemas éticos na atenção básica: a visão de enfermeiros e médicos. Cogitare Enferm. 2009;14(2):294-303.

12. Zoboli ELCP. Relación clínica y problemas éticos en atención primaria, São Paulo, Brasil. Atención Primaria. 2010;42(8):406-14.

13. Zoboli ELCP. Nurses and primary care service users: bioethics contribution to modify this professional relation. Acta Paulista Enferm. 2007;20(3):316-20.
- 1414. Silva LT, Zoboli ELCP, Borges ALV. Bioética e atenção básica: um estudo exploratório dos problemas éticos vividos por enfermeiros e médicos no PSF. Cogitare Enferm. 2006;11(2):133-42. ), decorrentes do estudo de doutorado e desenvolvidas entre 2003 e 2008, e uma tese de livre-docência( 1515. Zoboli ELCP. Deliberação: leque de possibilidades para compreender os conflitos de valores na prática clínica da atenção básica. [tese de livre docência] . São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2010. 348p. ). A pesquisa de iniciação científica (Pibic USP), sobre a imagem ética do bom enfermeiro(1616. Sartório NA, Zoboli ELCP. Images of a 'good nurse' presented by a teaching staff. Nursing ethics. 2010;17(6):687-94. ), também contribuiu para os questionamentos acerca dos valores para a prática social da enfermagem.

Nessas pesquisas, da recorrência de alguns comportamentos e preocupações nos elementos discursivos analisados, decorreram indagações acerca dos valores mais propícios à consolidação da enfermagem como prática social. Dentre outros, esses comportamentos e preocupações se referiam a: vínculo; obrigatoriedade de o enfermeiro "dar respostas" aos problemas de saúde, sociais e familiares dos usuários; indignação e sofrimento em decorrência da falta de estrutura, condições, companheirismo das equipes e colaboração da gerência para a assistência necessária; premência de organizar os processos de trabalho e produção individual, das equipes e dos serviços para bem cuidar, garantindo acesso universal e equitativo dos usuários ao SUS; comunicação esclarecedora para conseguir adesão do usuário ao tratamento; preocupação com a limpeza e aparência pessoal e dos ambientes, incluindo os serviços de saúde e os domicílios das famílias assistidas.

O primeiro passo, na produção de dados, foi retomar os resultados de algumas das pesquisas citadas( 1010. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2003. 253p.

11. Lima AC, Morales DA, Zoboli ELCP, Sartório NA. Problemas éticos na atenção básica: a visão de enfermeiros e médicos. Cogitare Enferm. 2009;14(2):294-303.
- 1212. Zoboli ELCP. Relación clínica y problemas éticos en atención primaria, São Paulo, Brasil. Atención Primaria. 2010;42(8):406-14. , 1515. Zoboli ELCP. Deliberação: leque de possibilidades para compreender os conflitos de valores na prática clínica da atenção básica. [tese de livre docência] . São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2010. 348p. - 1616. Sartório NA, Zoboli ELCP. Images of a 'good nurse' presented by a teaching staff. Nursing ethics. 2010;17(6):687-94. ).

O segundo passo, ainda na produção de dados, foi a definição da amostragem teórica (literatura), de maneira intencional, com base no que se delineou na análise da amostragem empírica do passo anterior. Foram incluídos: (1) artigos sobre a profissionalização da enfermagem na proposta de Florence Nightingale, já que os sujeitos eram enfermeiros formados nesse modelo( 1717. Wagner DJ, Whaite B. An exploration of the nature of caring relationships in the writings of Florence Nightingale. J Holist Nurs. 2010;28(4):225-34.

18. Dossey BM. Florence Nightingale: Her personality type. J Holist Nurs. 2010;28(1):57-67.

19. Hegge M. The empty carriage: lessons in leadership from Florence Nightingale. Nurs Sci Q. 2011;24(1):21-25.

20. McDonald L. Florence Nightingale on public health care. Waterloo: Wilfried Laurier University Press; 2004. 700p.
- 2121. McDonald L. Florence Nightingale's suggestions for thought. Waterloo: Wilfried Laurier University Press; 2008. 794p. ); (2) livros-texto da própria Florence, a fim de distinguir alguns aspectos históricos e tradicionais da profissão( 2222. Skretkowicz V. Florence Nightingale's Notes on nursing: what it is and what it is not & Notes on Nursing for Labouring Classes: commemorative edition with historical commentary. New York: Springer Publishing; 2010. 96p. - 2323. Nightingale F. Florence Nightingale to her nurses. Stillwell: Digireads; 2007. 80p. ); (3) livros sobre a conformação do cuidado na história da humanidade e da saúde, para compreender sua especificidade na enfermagem( 2424. Collière MF. Promover a vida: da prática das mulheres de virtude aos cuidados de enfermagem. 5ª ed. Lisboa: Lidel; 1999. 388 p. - 2525. Colliere MF. Cuidar a primeira arte da vida. 2ª ed. Loures: Lusociência; 2003. 448p. ); (4) análise documental de dissertações e teses, por meio de revisão sistemática nos acervos das bibliotecas digitais da USP (Biblioteca Digital de Teses e Portal Dedalus) e da Capes.

O intuito, no item (4), era explorar as produções brasileiras que tomassem a enfermagem como prática social, em seus relatórios originais, a fim de delinear valores que advogavam, explicitamente ou implicitamente, para o cuidado de enfermagem. Optou-se pela leitura dos documentos originais a fim se adensar a exploração dos valores subjacentes aos trabalhos. Com a incorporação dessa análise documental, ampliou-se a área de atuação dos enfermeiros, pois, na amostragem empírica do primeiro passo, essa se restringia à atenção básica.

O estudo não envolveu sujeitos humanos, pois incorporou os resultados de estudos primários. Esses, sim, estavam autorizados por Comitês de Ética em Pesquisa.

Resultados

Com base na análise dos dados, desenvolveram-se três conceitos: a tensão entre técnica, organização e ética na prática da enfermeira; lastros históricos dos valores transversais à prática da enfermagem; atenção à ética, à reforma do sistema de saúde e à humanização da assistência. Desses derivaram duas variáveis principais: "ordenamento" e "cuidado" (Figura 1).

Figura 1
Ordenamento e cuidado como valores-síntese da enfermagem como prática social

A tensão entre técnica, organização e ética na prática da enfermeira

No primeiro passo, as análises relativas aos resultados dos estudos sobre a interface da bioética e atenção básica( 1010. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2003. 253p. , 1212. Zoboli ELCP. Relación clínica y problemas éticos en atención primaria, São Paulo, Brasil. Atención Primaria. 2010;42(8):406-14. , 1515. Zoboli ELCP. Deliberação: leque de possibilidades para compreender os conflitos de valores na prática clínica da atenção básica. [tese de livre docência] . São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2010. 348p. ) delinearam, para os enfermeiros, dupla vertente de sua responsabilidade profissional: o cuidado individual em relação aos usuários ou às famílias e a manutenção da organização dos serviços para bem cuidar.

Havia acertos institucionais nas equipes de saúde da família para organizar o processo de trabalho e produção, no intuito de bem atender os que mais precisavam: "... nós temos uma estratégia, uma proposta de trabalho, hipertenso e diabético não marca consulta, são todos classificados e os do grupo C passa com o médico a cada 6 meses, com todos os exames; se ele é diabético, ele passa com o médico a cada 3 meses" (E13)( 1010. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2003. 253p. ).

Os enfermeiros assinalavam que "cada coisa tem seu tempo" (E2), também na organização da unidade de saúde, pois "você tem que explicar pra eles que não é bem assim, no momento que eles estão disponíveis e sim no momento que existe condição de fazer, tem uma rotina" (E14), "a não ser que requeira um atendimento imediato, tem que tá impondo limites" (E13)( 1010. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2003. 253p. ).

Reconheciam os usuários como portadores de direitos e deveres: "... nós temos os nossos deveres enquanto profissionais de saúde e o paciente também tem o dele" (E13)( 1010. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2003. 253p. ). Sentiam-se responsáveis pelo usuário, pois ele "sempre vai ser nosso, não tem como abandonar esse paciente" (E10)( 1010. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2003. 253p. ). Havia enfermeiros que entendiam essa responsabilidade como imposição do sistema de saúde, porque "desvincular dentro do PSF é difícil" (E10)( 1010. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2003. 253p. ); "... como eles não escolhem os profissionais, nós também não escolhemos pacientes" (E3)( 1010. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2003. 253p. ).

As falhas na organização dos serviços, no processo de produção e na estrutura física das unidades de saúde representavam obstáculos para a efetivação de referenciais éticos importantes para os cuidados de enfermagem. Por exemplo, a privacidade, comprometida por inadequações na planta física: "... a gente ouve (a queixa do paciente) na recepção" (E1)( 1010. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2003. 253p. ).

Na organização, incluía-se a hierarquia na delimitação das áreas e especificidades dos profissionais e da equipe. O enfermeiro, usualmente, respeitava esses limites, a não ser que isso impedisse o bom cuidado ao usuário. Nesse caso, ainda que sofresse moralmente, ele transgredia a organização para bem cuidar. Por exemplo, ao cuidar de uma paciente com infecção urinária e sífilis, que o médico havia atendido sem solucionar esses problemas, anotados no prontuário, a enfermeira esperou ele ir embora e conversou com outro profissional para conseguir o tratamento que julgava necessário. No relato do caso, lê-se que a enfermeira considerou sua atitude uma falta ética, mas a justificou em vista da resolução do problema de saúde da paciente( 1111. Lima AC, Morales DA, Zoboli ELCP, Sartório NA. Problemas éticos na atenção básica: a visão de enfermeiros e médicos. Cogitare Enferm. 2009;14(2):294-303. - 1212. Zoboli ELCP. Relación clínica y problemas éticos en atención primaria, São Paulo, Brasil. Atención Primaria. 2010;42(8):406-14. ).

A obediência às ordens superiores, quando impede o bom cuidado de enfermagem, gera conflitos e sofrimentos. Por exemplo, a angústia de uma enfermeira que recebeu ordens da chefia para não permanecer no serviço depois do seu expediente e, por isso, se viu obrigada a deixar o corpo de uma paciente falecida na unidade sob a responsabilidade do porteiro até a chegada do serviço de verificação de óbitos( 1111. Lima AC, Morales DA, Zoboli ELCP, Sartório NA. Problemas éticos na atenção básica: a visão de enfermeiros e médicos. Cogitare Enferm. 2009;14(2):294-303. - 1212. Zoboli ELCP. Relación clínica y problemas éticos en atención primaria, São Paulo, Brasil. Atención Primaria. 2010;42(8):406-14. ).

Em relação à pesquisa sobre a imagem ética do enfermeiro( 1616. Sartório NA, Zoboli ELCP. Images of a 'good nurse' presented by a teaching staff. Nursing ethics. 2010;17(6):687-94. ), a análise do primeiro passo delineou traços de ordem hierárquica e organização, que incluíram: cumprimento do dever; respeito às regras e condutas; adequação a padrões de limpeza e vestuário; equilíbrio harmonioso do ambiente; regulação dos comportamentos individuais; obediência; subserviência; subordinação do enfermeiro às ordens médicas e autoridade sobre o paciente para fazê-lo cumprir as prescrições médicas.

Também se esboçou o valor do enfermeiro proativo, engajado politicamente e que integra os elementos humano e técnico do cuidado em prol do protagonismo e autonomia do paciente. Ademais, a imagem do enfermeiro ético incluía preparo e disponibilidade para acolher o outro como pessoa, desempenhando-se com habilidade, competência, excelência e autonomia nas funções profissionais( 1616. Sartório NA, Zoboli ELCP. Images of a 'good nurse' presented by a teaching staff. Nursing ethics. 2010;17(6):687-94. ).

Lastros históricos dos valores transversais à prática da enfermagem

A análise do segundo passo, itens (1), (2) e (3), substanciou a compreensão da "organização" e "cuidado" com base nos lastros históricos da enfermagem.

As leituras elucidaram que houve períodos em que os cuidados não pertenciam a determinados ofícios ou profissões, mas diziam respeito às práticas de quem ajudava o outro a garantir o necessário para a continuidade da vida. Com as transformações culturais, tecnológicas, sociais, econômicas, políticas e geográficas do mundo, as práticas de cuidado ampliaram-se e se desdobraram em várias tarefas e atividades, disputadas pelos praticantes de ofícios e profissões( 2424. Collière MF. Promover a vida: da prática das mulheres de virtude aos cuidados de enfermagem. 5ª ed. Lisboa: Lidel; 1999. 388 p. ).

A profissão, nos textos, era vista como um corpo de pessoas que conseguiram um título e ascenderam a um estatuto por meio de formação específica para exercer determinada atividade. Os membros desse corpo reconhecem-se por sua formação comum ou pela própria natureza da atividade( 2424. Collière MF. Promover a vida: da prática das mulheres de virtude aos cuidados de enfermagem. 5ª ed. Lisboa: Lidel; 1999. 388 p. ).

Mas, com a análise, encontrou-se que as profissões são, também, trabalhos que as pessoas fazem para se sustentar e atender às necessidades próprias e sociais. Os profissionais são força de trabalho, ainda que se diferenciem de outros trabalhadores pelo grau de controle sobre seu trabalho. São "trabalhadores profissionais", pois pautam suas atividades laborais pelo profissionalismo( 1010. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2003. 253p. ).

A profissão determinava a inserção das pessoas em determinada classe social, com lugar demarcado na hierarquia dos poderes reguladores da sociedade. Por outro lado, os ofícios eram prestações de serviço à comunidade e não tinham função reguladora da sociedade. Seus praticantes eram, simplesmente, abastecedores de fabrico indispensável à sobrevivência( 2424. Collière MF. Promover a vida: da prática das mulheres de virtude aos cuidados de enfermagem. 5ª ed. Lisboa: Lidel; 1999. 388 p. ).

Com o modo capitalista de produção, profissão e ofício se aproximaram. As profissões passaram a "prestar serviços" e usar instrumentos desenvolvidos pelos ofícios. A fim de manterem seu poder regulador, as profissões recorriam, sempre mais, aos conhecimentos científicos( 2424. Collière MF. Promover a vida: da prática das mulheres de virtude aos cuidados de enfermagem. 5ª ed. Lisboa: Lidel; 1999. 388 p. ).

Sem prejuízo da miríade de aspectos históricos que cercam a constituição da enfermagem como profissão moderna, esses resultados elucidaram que ela ocorreu no bojo da aproximação entre ofício e profissão. Com isso, se determinaram seus componentes técnico-operativos (incorporou ofício que prestava cuidados) e eticomoral (abarcou profissão que regulava a ordem social para manutenção da vida). Esses componentes associaram-se tão fortemente na configuração da enfermagem moderna que, até hoje, persiste a premência por amalgamar o técnico e a ética na prática social da enfermagem( 2424. Collière MF. Promover a vida: da prática das mulheres de virtude aos cuidados de enfermagem. 5ª ed. Lisboa: Lidel; 1999. 388 p. ).

Na proposta nightingeliana de organização da enfermagem, as análises dos textos mostraram que a cura e o adiamento da morte motivavam o cuidado, determinando sua expressão na organização do ambiente, no planejamento, nas medidas de saneamento e higienização dos hospitais e moradias. Para Florence Nighthingale, as enfermeiras deveriam manter igual interesse pelo paciente como pessoa, pela organização e por seu próprio aprimoramento pessoal, intelectual e de habilidades. É a reunião tensa de cuidado e organização.

A propensão à ordem, característica própria de Miss Nighthingale que acabou se imprimindo na enfermagem, marcou a tendência da profissão para abordagens sistêmicas da vida. Florence possuía argúcia para a compreensão da interdependência das coisas, trazendo ordem para a complexidade. Frente a problemas, identificava e priorizava os elementos essenciais, criando, entre eles, relações facilitadoras de sua coesão e sinergia. Para ela, como nos mostraram as análises, a ordem extraía as "complicações" da complexidade e, assim, recomendava que cada um ordenasse seu mundo interno e externo( 33. Chiesa AM, Bertolozzi MR, Fonseca RMGS. A Enfermagem no cenário atual: ainda há a possibilidade de opção para responder às demandas da coletividade? O Mundo da Saúde. 2000; 24:67-71. ).

Atenção à ética, à reforma do sistema de saúde e à humanização da assistência

Os resultados da análise documental de teses e dissertações, item (4) do segundo passo, mostraram como valiosos para a prática social da enfermagem: atenção a fundamentos éticos (observância do código de ética, atenção às questões éticas e uso da bioética); engajamento na consolidação do SUS (engajamento pela efetivação do SUS e transformação do processo de trabalho); humanização da atenção à saúde (humanização da saúde e conhecimento do ser).

O controle, a orientação, a gerência e a administração apareceram, na análise, como elementos característicos do processo de trabalho do enfermeiro, distinguindo-o dos demais profissionais da equipe de saúde. A enfermagem como prática social representa possibilidades concretas para transformação da sociedade e do sistema de saúde, sendo que a reorganização dos serviços e processos de produção em saúde é essencial na humanização dos cuidados de enfermagem.

Os valores-síntese: ordenamento e cuidado

As variáveis principais "ordenamento" e "cuidado" apontam-se como os valores-síntese, ou valores-fim, para a enfermagem como prática social.

O componente técnico-operativo suporta o valor "ordenamento". Esse é um valor- síntese, valor-fim, que agrega valores-meio: ordem, planejamento, preparação, coordenação, arrumação, distribuição, alocação, organização, classificação, catalogação, agrupamento, acondicionamento, regulamentação, alinhamento, recomposição, taxinomia, sintaxe, análise, sistematização, instalação ou restabelecimento da ordem, normalização, regularização, regularidade, metodização, registro, uniformização, orientação, harmonia, harmonização, protocolização, formalização, hierarquização, hierarquia, direção.

O componente eticomoral suporta o valor-síntese "cuidado", outro valor-fim que agrega valores-meio: solicitude, zelo, desvelo, atenção, empenho, interesse, consciência, conscientização, esmero, capricho, requinte, carinho, meticulosidade, vigilância, correção, boa disposição, exatidão, minuciosidade, vigília, seriedade, observação, ronda, passo seguro, estado de alerta, estado de preparação contra as eventualidades, proporcionalidade, sentimento de responsabilidade por, perseverança, vivacidade, animação, energia, iniciativa, empreendedorismo, entusiasmo, dedicação, impetuosidade, capacidade de vencer obstáculos para chegar ao fim almejado, agilidade, destreza, pontualidade, fervor, espírito dinâmico, assiduidade, constância, infatigabilidade.

O valor "cuidado" pode ser considerado um valor-fim por excelência, pois o ordenamento é para cuidar.

Discussão

Neste apartado, discutem-se os valores-fim da enfermagem como prática social, que resultaram da metassíntese: ordenamento e cuidado. Pela comparação constante, a metassíntese por configuração possibilitou levantar algumas hipóteses interpretativas e explicativas da estruturação da prática social da enfermagem, que são agrupadas, na discussão, em torno dos dois valores-síntese.

A enfermagem move-se por um "amor à vida", uma "biofilia", que se expressa no ideário de promoção ou desenvolvimento do que faz viver as pessoas e os grupos. Concretiza-se na prestação de serviço em um trabalho profissional que os enfermeiros proporcionam à sociedade, com sua prática social. Essa prática tem como produto "cuidados de enfermagem" e como mote atender às necessidades de saúde das pessoas, individual e coletivamente. Isso inclui a transformação do ambiente, entendido como os determinantes e condicionantes da saúde das pessoas e grupos, e o aprimoramento dos sistemas, serviços, processos de trabalho e de produção em saúde, como elemento essencial para bem cuidar.

O lastro histórico dos cuidados de enfermagem, visto como prestação profissional de uma categoria ou classe social, mostra que esses se desenvolvem em torno de dois eixos: assegurar a continuidade da vida e adiar a morte ou afastar o mal, o perigo. Ambos articulam-se para a melhoria da humanidade por meio de boas condições de vida e saúde. No interior da enfermagem, a articulação desses dois eixos opera a conjugação dos componentes eticomoral e técnico-operativo.

Cuidar da vida foi uma das primeiras artes desenvolvidas pelos humanos, constituindo um patrimônio de saberes, que vieram compor os fundamentos das práticas de cuidado. Na profissionalização dos cuidados, foi determinante a hegemonia do modo capitalista de produção, com a divisão social do trabalho.

A fase moderna da profissionalização da enfermagem ocorreu em meio à aproximação de profissões e ofícios no mundo do trabalho. A proposta de Florence Nightingale almejava a integralidade dos cuidados de enfermagem, o que incluía a promoção da vida e o afastamento do que a ameaçava ou prejudicava, com enfermeiros bem preparados em mente e coração.

Ordenamento e cuidado articulam-se na prática social da enfermagem, sob o prisma de ordenar para cuidar e, assim, promover as potencialidades e a dignidade das pessoas. É a tentativa de resgate do lócus inicial, originário do cuidado, como ideário motivacional de uma prática social fecunda e solidária, com articulação das excelências técnica e moral, por meio da disciplina pessoal e do ambiente, incluindo o processo de trabalho dos enfermeiros e os serviços e sistemas de saúde.

A enfermagem brasileira, como demonstraram os resultados deste estudo, busca sintetizar e realizar, em sua prática social, valores de cuidado em relação às pessoas e à organização. Ou seja, o cuidado, como imperativo moral e o ordenamento, como zelo pela ordem, a fim de viabilizar uma sabedoria prática, de prudência e discernimento, na complexidade da saúde e da sociedade. Uma sabedoria que é o conhecimento de como usar o conhecimento, os saberes da enfermagem, para o bem cuidar de tudo e de todos.

Para bem cuidar, requer-se assistência integral à saúde que, por sua vez, depende de capacidades do enfermeiro para compreensão do contexto social, identificação das necessidades de saúde e expectativas das pessoas, potencialização das qualidades dos indivíduos, promoção da interação entre usuários, equipe e comunidade( 2626. Backes DS, Erdmann AL, Büscher A. Demonstrating nursing care as a social practice. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2009;17(6):988-994. ).

A prática social da enfermagem pode ser a propulsora de uma contínua (re)construção do seu saber e fazer, uma vez que conscientiza os enfermeiros em relação à complexidade da realidade em que atuam e o retorno à essência do cuidado nessa prática( 2727. Prochnow AG, Leite JL, Erdmann AL. Geertz' interpretive theory and care management: visualizing nurses' social practice. Rev. Latino-Am. Enfermagem 2005;13(4):583-90. ).

Para isso importam, também, as competências técnico-políticas do enfermeiro, que se expressam na responsabilidade e no compromisso com os usuários e na articulação e integração dos serviços de saúde para um atendimento resolutivo( 2626. Backes DS, Erdmann AL, Büscher A. Demonstrating nursing care as a social practice. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2009;17(6):988-994. ).

O vínculo entre sentimentos e valores, fruto da determinante hierarquização social, forja o compartilhamento da mesma estética dos cuidados. Na história da enfermagem, os fatores sociais, culturais e estéticos foram fundamentais para potenciar seus valores profissionais e pré-profissionais. Os padrões estéticos, entendidos como algo que regula a produção do conhecimento, incidem na organização dos cuidados, a partir de estruturas socializadoras de sentimentos como maternidade, piedade, altruísmo, empirismo, tecnicismo, profissionalismo, cientificismo e humanismo( 2828. Siles Gonzales J, Solano Ruiz, MC. Cultural history and aesthetics of nursing care. Rev. Latino-Am. Enfermagem 2011;19(5):1096-105. ). A presente pesquisa indica a articulação do ordenamento e cuidado na prática social da enfermagem, explicitando uma das vias pelas quais os padrões estéticos e as estruturas socializadoras se arranjaram dialeticamente na profissionalização da enfermagem.

A produção científica sobre liderança em enfermagem a evidencia como ferramenta organizacional para a articulação de comunicação, relações interpessoais, planejamento, compromisso com o êxito e a resolutividade de conflitos para que o trabalho cuidador da enfermagem possa ser realizado com segurança( 2929. Lanzoni GMM, Meirelles BHS. Leadership of the nurse: an integrative literature review. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(3):651-8 ). Essas evidências apontam para a aplicação dos valores-síntese de ordenamento e cuidado no gerenciamento da enfermagem e do cuidado.

Considerações Finais

Reconhecer os valores estruturantes e orientadores da enfermagem como prática social contribui para a compreensão do engendramento e da recorrência de algumas atitudes e comportamentos dos enfermeiros. Vislumbrar os valores de ordenamento e cuidado, enquanto balizadores da enfermagem como prática social, pode contribuir para o reconhecimento do que sustenta ou desgasta o trabalho do enfermeiro no processo de atenção e cuidados à saúde.

Ao se compreender o cuidado como valor-fim da enfermagem, é possível conferir nova tonalidade ao trabalho do enfermeiro, porque a concretização desse valor no cotidiano ativará a integração ordenada e organizada dos elementos técnico-operativo e eticomoral que conformam essa prática social.

O que dá sentido à enfermagem como prática social é o ordenamento para o bom cuidado; a ordem e a organização são fulcrais no bem cuidar. Assim, manter redes, serviços, equipes e processos de produção em saúde organizados, ou seja, em ordem, parece ser importante para diminuir o desgaste dos enfermeiros, especialmente, na atenção primária, cenário privilegiado dos estudos primários sintetizados.

Ao se fundir em uma prática social valores de ordenamento e cuidado, tendo em vista que essa prática é a enfermagem, que tem em seu lastro histórico a proteção da vida, levantam-se novos questionamentos acerca de qual seria a ordem lexical entre esses dois valores-síntese.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    25 Abr 2012
  • Aceito
    19 Fev 2013
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