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A imagem do cuidado prestado pelas enfermeiras de saúde pública veiculada na Revista da Semana (1929)

Resumos

OBJETIVO: analisar as imagens das enfermeiras de saúde pública na prestação dos cuidados à sociedade, no ano 1929, veiculadas pela Revista da Semana. MÉTODO: estudo histórico-semiótico. Os documentos utilizados foram imagéticos, aos quais foi aplicada uma matriz de análise e escritos, incluindo literatura da moda, linguagem corporal e outras de aproximação com o objeto de estudo. Os dados foram interpretados à luz das noções de representações objetais e hexis corporal do sociólogo Pierre Bourdieu. RESULTADOS: constatou-se que a distinção no uso dos uniformes, para as atividades executadas pelas enfermeiras de saúde pública, era uma estratégia de comunicação não verbal para se fazer ver e fazer crer nas visitas domiciliares. CONCLUSÃO: cabia à enfermeira de saúde pública, em especial, prestar cuidados aos doentes e orientá-los no sentido de se prevenir doenças, em prol do desenvolvimento da qualidade da saúde pública. O estudo teve a intenção de produzir conhecimento sobre registros imagéticos da prática do cuidado realizado pela enfermeira da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, e fortalecer as pesquisas de história da enfermagem em saúde pública, no Brasil, contribuindo para um melhor entendimento do processo de construção da imagem da enfermeira.

História da Enfermagem; Cuidados de Enfermagem; Saúde Pública


OBJECTIVE: to analyze the images of Public Health Nurses in care delivery to society, disseminated by the Revista da Semana, in 1929. METHOD: historical-semiotic study. The documents used were images, to which an analysis matrix was applied, including fashion and body language literature, besides others to address the study object. The data were interpreted in the light of the sociologist Pierre Bourdieu's notions of object representations and body hexis. RESULTS: the distinctive use of uniforms for the Public Health Nurses' activities was a non-verbal communication strategy to gain visibility and credibility during home visits . CONCLUSIONS: Public Health Nurses were particularly responsible for patient care and guidance to prevent illnesses, with a view to the qualitative development of Public Health. The intent in this study was to produce knowledge on image records about nurses' care practice at the National Public Health Department's School of Nurses, as well as to strengthen Public Health Nursing History research in Brazil, thus contributing to a better understanding about the construction process of nurses' image.

History of Nursing; Nursing Care; Public Health


OBJETIVO: fue analizar las imágenes de las Enfermeras de Salud Pública en la prestación de los cuidados a la sociedad, en el año de 1929, publicadas por la Revista de la Semana. MÉTODO: estudio histórico-semiótico. Los documentos utilizados fueron fotografías (a las cuales les fue aplicada la técnica de análisis de imágenes), y textos, incluyendo literatura de la moda, lenguaje corporal y otras de aproximación con el objeto de estudio. Los datos fueron interpretados a la luz de las nociones de representaciones objetales y hexis corporal del sociólogo Pierre Bourdieu. RESULTADOS: se constató que la distinción en el uso de los uniformes, para las actividades ejecutadas por las Enfermeras de Salud Pública, era una estrategia de comunicación no verbal para hacerse ver y hacerse creer en las visitas domiciliares. CONCLUSIÓN: la Enfermera de Salud Pública es responsable, especialmente, por ofrecer cuidados a los enfermos y orientarlos en el sentido de prevenir enfermedades, en pro del desarrollo de la calidad de la Salud Pública. El estudio tuvo la intención de producir conocimiento sobre registros de imágenes acerca de la práctica del cuidado realizado por la enfermera de la Escuela de Enfermeras del Departamento Nacional de Salud Pública, y fortalecer las investigaciones de la Historia de la Enfermería en Salud Pública, en Brasil, contribuyendo para entender mejor el proceso de construcción de la imagen de la enfermera.

Historia de la Enfermería; Atención de Enfermería; Salud Pública


ARTIGO ORIGINAL

A imagem do cuidado prestado pelas enfermeiras de saúde pública veiculada na Revista da Semana (1929)

Anna Karina de Matos DeslandesI; Simone AguiarI; Mercedes NetoII; Fernando Rocha PortoIII

IMSc, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIDoutoranda, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIPhD, Professor Adjunto, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Anna Karina de Matos Deslandes Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro Escola de Enfermagem Alfredo Pinto Rua Dr. Xavier Sigaud, 290 Bairro: Urca CEP: 22290-180, Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: annakarina79@ig.com.br

RESUMO

OBJETIVO: analisar as imagens das enfermeiras de saúde pública na prestação dos cuidados à sociedade, no ano 1929, veiculadas pela Revista da Semana.

MÉTODO: estudo histórico-semiótico. Os documentos utilizados foram imagéticos, aos quais foi aplicada uma matriz de análise e escritos, incluindo literatura da moda, linguagem corporal e outras de aproximação com o objeto de estudo. Os dados foram interpretados à luz das noções de representações objetais e hexis corporal do sociólogo Pierre Bourdieu.

RESULTADOS: constatou-se que a distinção no uso dos uniformes, para as atividades executadas pelas enfermeiras de saúde pública, era uma estratégia de comunicação não verbal para se fazer ver e fazer crer nas visitas domiciliares.

CONCLUSÃO: cabia à enfermeira de saúde pública, em especial, prestar cuidados aos doentes e orientá-los no sentido de se prevenir doenças, em prol do desenvolvimento da qualidade da saúde pública. O estudo teve a intenção de produzir conhecimento sobre registros imagéticos da prática do cuidado realizado pela enfermeira da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, e fortalecer as pesquisas de história da enfermagem em saúde pública, no Brasil, contribuindo para um melhor entendimento do processo de construção da imagem da enfermeira.

Descritores: História da Enfermagem; Cuidados de Enfermagem; Saúde Pública.

Introdução

A década de 1920 foi marcada por diversos eventos na história do Brasil e da enfermagem que, dentre seus marcos, teve a Reforma Sanitária liderada por Carlos Chagas e a implantação do modelo de enfermagem moderna, por meio da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, atual Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O modelo da enfermagem moderna teve seu início no Distrito Federal, à época o Rio de Janeiro, subvencionado pela Fundação Rockefeller, por meio da vinda de um grupo de enfermeiras norte-americanas, integrantes da Missão de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil, que permaneceu no país no período de 1921 a 1931(1).

Esse modelo foi implantado por meio de algumas estratégias, dentre elas o Curso de Emergência, para as visitadoras de higiene (1921-1924) e a criação da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública para a formação de enfermeiras de saúde pública que, estrategicamente, substituiriam as visitadoras de higiene nas visitas domiciliares, após sua formatura em 1925(2).

Em 1925, na cidade de São Paulo, era criado o Curso de Educação Sanitária, destinado a transformar professoras primárias em agentes comunitárias. Diferentemente do Rio de Janeiro, a educação sanitária não envolvia a formação de enfermeiras diplomadas, mas conferia às "visitadoras" um papel central nas atividades de saúde pública no Estado de São Paulo. O objetivo era divulgar entre a população carente noções e conceitos de higiene, formando uma consciência sanitária(3).

Assim, diante das estratégias empreendidas em destaque, a Revista da Semana veiculou, em uma página inteira, imagens das enfermeiras de saúde pública em diferentes momentos de sua prática do cuidado, dentre elas a realização de visitas aos domicílios, no Distrito Federal, em 1929.

Mediante o exposto, o presente estudo teve como objeto de análise a imagem da enfermeira de saúde pública na prática do cuidado, por meio da publicação na Revista da Semana, tendo por objetivo analisar as imagens dessas enfermeiras veiculadas nessa imprensa ilustrada, nos cuidados prestados à sociedade.

Dessa forma, o estudo se justifica no sentido de contribuir para a construção do mecanismo da imagem da enfermeira como também para a história do cuidado, como prática social da profissão.

Método

A presente pesquisa foi realizada sob a perspectiva da história semiótica, por se tratar de mensagens imagéticas, veiculadas nas suas diversas expressões sociais, ao penetrar no universo das representações, ao identificar e desvendar influências e inter-relações, e mecanismos dos grupos sociais envolvidos(4).

Apesar de haver seis imagens fotográficas, dispostas em uma única página, na Revista da Semana, localizada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, esse estudo delimitou para análise somente cinco que estavam centradas nas enfermeiras e a circunstância da cena - o cuidado, sendo todas acompanhadas pelo título principal "As Missionárias da Caridade".

Cabe destacar que a imagem de Ethel Parsons foi excluída da análise em virtude do critério metodológico estabelecido; porém, em virtude de sua grande importância para a enfermagem brasileira, no que tange à sua liderança na implementação da enfermagem moderna no Distrito Federal que, no decorrer dos anos, foi implantada no Brasil, cabe dedicar essas linhas a essa enfermeira norte-americana.

A matéria veiculada na Revista da Semana destina-se à prática do cuidado, em especial no domicílio, realizada pelas enfermeiras de saúde pública, oriundas da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública.

Para se analisar as imagens, foi aplicada uma matriz de análise, composta por quatro partes. A primeira refere-se ao registro dos dados de identificação da fotografia; a segunda, trata dos dados do plano de expressão; a terceira refere-se a dados do plano de conteúdo e a quarta, a dados complementares obtidos em outras fotografias(4).

O plano de expressão trata da manifestação do conteúdo do sistema de significação verbal, não verbal ou sincrético. Já o plano de conteúdo destina-se ao significado do texto, como se costuma dizer em semiótica, ao que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz na perspectiva da semiótica(5).

Para se decodificar os elementos simbólicos das imagens da matéria jornalística, utilizou-se literatura sobre a linguagem corporal, história da moda e da enfermagem. Além disso, documentos oriundos do Centro de Documentação da Escola Anna Nery sobre as atividades práticas e o uso de uniforme à época pelas enfermeiras também foram utilizados.

Essa documentação foi triangulada e interpretada à luz da noção desenvolvida pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, eleita como central para o estudo das representações objetais e hexis corporal.

Enfoca-se que a apresentação dos resultados e a discussão do estudo foram agrupadas como produto da análise das cinco imagens e suas respectivas legendas, organizadas em dois subtítulos, a saber: Uniforme das Enfermeiras de Saúde Pública e os Cuidados Prestados pelas Enfermeiras de Saúde Pública.

As imagens utilizadas no estudo são de domínio público, mediante a Lei nº9.610/1998 dos Direitos Autorais sobre a autorização, atualização e consolidação da legislação sobre direitos autorais e outras providências, referente ao capítulo III dos artigos 43 e 44 e capítulo IV, artigo 46, inciso I e III(6).

Resultado e Discussão

O contexto institucional na formação de enfermeiras de saúde pública era de responsabilidade da Escola de Enfermeiras, vinculada ao Departamento Nacional de Saúde Publica (DNSP) e subvencionada pela Fundação Rockefeller, desde o início de seu funcionamento em 1923, tendo como diretora a enfermeira norte-americana Clara Louise Kieninger, no período de 1923-1925, seguida pela diretora enfermeira Loraine Geneviève Denhardt, no período de 1925-1928. A previsão era que o término do subvencionamento pela Fundação Rockefeller deveria ter ocorrido em 1928; porém, , por circunstâncias especiais acordadas com o governo brasileiro, prorrogou-se até 1931, época em que a enfermeira norte-americana Bertha Pullen dirigiu aquela instituição de ensino(1).

Nesse período, a Revista da Semana, em 1929, veiculou em página inteira a matéria com o título "As missionárias da caridade", composta por seis imagens acompanhadas de legendas (Figura 1).


Ao se decodificar o título da matéria "As missionárias da caridade", por meio do significado à época, a palavra "missionário" é relativo a pregar a fé; catequizar; relativo às missões; e a palavra "caridade" significa amor ao próximo, benevolência, beneficência(7).

Depreende-se que os leitores da notícia entendiam que as enfermeiras de saúde pública eram missionárias de uma nobre e essencial profissão no sentido de proporcionar melhores condições de saúde à população, que foi apreendida por meio dos ensinamentos relacionados à saúde daquela população. Dito de outra maneira, ao serem enviadas aos domicílios, a fim de educar as famílias e praticar ações voltadas para a promoção da saúde, relacionadas ao repouso, à boa alimentação e ao ambiente arejado, as enfermeiras reproduziam o cuidado como uma das estratégias para a credibilidade da Reforma Sanitária.

Uniforme das enfermeiras de saúde pública

As imagens veiculadas na página da Revista da Semana, em síntese, são flagrantes/instantâneas, formato geométrico variado - irregular, circular, quadrada e oval, todas em variância das tonalidades de cinza, majoritariamente em grupo feminino e em cenário natural, seja em domicilio ou em ambiente externo.

Nas cinco imagens analisadas, as enfermeiras trajam dois tipos de uniformes. Um tipo era o uniforme em cor de tom cinza-escuro de mangas compridas com punho, gola e braçal na cor clara com destaque para o símbolo da cruz em tom escuro. Algumas enfermeiras trajam avental na cor clara, ostentando uma maleta e um chapéu.

A verossimilhança da cor em tom acinzentado do uniforme da enfermeira na imagem, tomando como base os documentos consultados, no Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery, foi constatada pelo registro da cor do tecido, declarada como de coloração acinzentada(8).

A cor acinzentada do tecido, na leitura da moda, traduz um significado de refinamento da classe e eficiência. Nessa perspectiva, usar tailleur na cor cinza-clara ou escura de tecido de luxo comunica ascensão econômica e social, com significado de poder(9). Isso conduz à conclusão de que as enfermeiras do DNSP transmitiam credibilidade pela função desempenhada, o que justificava, provavelmente, a coloração do uniforme.

Em síntese, pode-se afirmar que o uniforme das enfermeiras em campo de prática era composto por paletó de mangas compridas, punhos e colarinhos brancos e saia a trinta centímetros do chão; cinto preso ao paletó com dois botões de cada lado, chapéu de palhinha preta de abas e fita lisa preta em torno da copa; os sapatos eram brancos e as meias de seda. Ademais, carregavam uma maleta de couro preta contendo o material necessário para suas atividades(10).

Apesar das imagens veiculadas na Revista da Semana, alguns detalhes não são possíveis de serem identificados, exceto pelo uso do avental, quando em prestação de cuidado direto ao paciente.

O uniforme apresentado é similar ao utilizado pelas visitadoras de higiene do DNSP, do Curso de Emergência, as quais foram substituídas pelas enfermeiras de saúde pública, após a formatura em 1925, considerando-se que o término do curso das visitadoras se encerrou em 1924.

Infere-se que a semelhança possa ter sido uma estratégia do que já era reconhecido como legítimo, sendo identificado facilmente pela sociedade, com credibilidade no trabalho desenvolvido pelas visitadoras de higiene do DNSP.

Ademais, elas ostentavam um braçal com símbolo da cruz, que sugere semelhança com as enfermeiras formadas pela Cruz Vermelha Brasileira, do que também se infere a mesma representação simbólica: o combate em prol dos necessitados(1).

As inferências repousam na dignidade e poder conquistados anteriormente por outras agentes sociais, pelas representações objetais, compostas por símbolos que as representassem, e que justifica os mandados feitos em seu nome. A autoridade não é outra coisa senão crédito em face de um conjunto de agentes que constituem relações, tanto mais preciosas quanto maior for o crédito de que eles próprios se beneficiam(11-12).

Outro tipo de uniforme era confeccionado na cor clara, mangas compridas, touca com friso escuro e sapatos de cor clara, caracterizando a enfermeira formada descrita em outro estudo(1) e mais uma vez ratificado por documento localizado no Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery, sendo esse uniforme utilizado no serviço hospitalar, confeccionado em tecido do tipo tricoline branco, diferenciando-a das enfermeiras situadas nas zonas de prática, cujos uniformes eram em cor acinzentada(13).

Cabe destacar que a função simbólica do uniforme, desde o tempo de alunas, marcava as várias etapas do curso: as novatas trocavam seus uniformes de preliminar pelo de aluna júnior; e na última etapa do curso, trocavam o uniforme hospitalar pelo de saúde pública. As professoras e as enfermeiras eram identificadas e diferenciadas pelo seu uniforme, geralmente, usavam uniforme hospitalar com touca de friso, e as enfermeiras do DNSP usavam seus uniformes privativos e a braçadeira branca(14).

Depreende-se que a distinção dos uniformes representava marcas simbólicas, que podem ser entendidas como verossímeis, nas atividades realizadas no cenário hospitalar e nas visitas domiciliares.

Cuidados prestados pelas enfermeiras de saúde pública

Os cuidados veiculados na página da Revista da Semana podem ser entendidos como cuidado com o recém-nascido, coleta de material para exame, verificação de pressão arterial, prestação de conforto e orientação, perfazendo um total de cinco.

O primeiro se refere ao cuidado prestado a um recém-nascido e supostamente observado pela mãe com a legenda "Uma visita ao domicilio de um recém-nascido, com demonstração feita pela enfermeira".

Nesse cuidado, a enfermeira demonstra a uma outra mulher como proceder com a criança. Destaca-se que as enfermeiras da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, em sua zona de prática, realizavam duas espécies de visitas domiciliares. A primeira era do tipo vigilância, em que elas davam conselhos e instruções de higiene e de profilaxia, sem prestar cuidados diretos; e a segunda era do tipo cuidado, que consistia de diversos serviços realizados pela enfermeira em domicílio, em relação ao doente, adulto ou criança, relacionados à higiene, exame físico, preparo de alimentação e outras atividades pertinentes aos cuidados prestados; essa última era conhecida como visita de cuidado(15).

Outro cuidado veiculado nas imagens se refere à legenda, "Em um consultório da Inspetoria de Doenças venéreas: enfermeira tirando amostra de sangue de uma criança para exame de Wassermann". Trata-se de fotografia geometricamente quadrada, na qual se tem em cena uma enfermeira em traje na cor clara, uma criança e outra enfermeira em traje de cor acinzentada.

A legenda indica que a enfermeira coletava amostra de sangue para exame de Wassermann. Esse exame era realizado para diagnosticar a sífilis, e tem esse nome em homenagem ao médico Alemão August Paul Von Wassermann, por ter sido o criador do exame. Cabe destacar que o ambiente em tela refere-se ao consultório da Inspetoria de Doenças Venéreas, espaço institucional de atuação das enfermeiras de saúde pública, onde era diagnosticada e tratada a patologia.

Na imagem, pode-se identificar que a enfermeira de uniforme claro é quem coleta amostra de sangue da criança, enquanto que a enfermeira de uniforme escuro posiciona a criança. Por se tratar da Inspetoria de Doenças Venéreas, o uniforme a ser utilizado deveria ser o de coloração escura e não o claro, esse último utilizado no ambiente hospitalar.

Traçam-se algumas hipóteses, dentre elas a de que a enfermeira trajando uniforme de coloração clara seria uma das instrutoras das aspirantes a enfermeira, presente na Inspetoria; ou que se tratava da enfermeira-chefe/supervisora da Inspetoria, se distinguindo pelo uniforme e, em especial, pela touca com friso escuro, usada pelas enfermeiras diplomadas.

A terceira imagem sobre o cuidado veiculado na Revista da Semana se refere à enfermeira de saúde pública realizando algum procedimento com uma paciente, que se encontra sentada em uma cadeira, em domicílio, no texto imagético. Essa imagem foi acompanhada da legenda "Uma visita de enfermagem de saúde pública".

A mulher sentada se encontra com os braços apoiados sobre o abdome. Essa posição corporal denota barreira de proteção social que, articulada às mãos sobrepostas, indica descaso ao que está sendo ouvido(9). Por outro lado, a posição da mulher que se encontra sentada, também, pode ser entendida pelo contexto do cuidado no sentido de, por exemplo, verificação de pressão arterial.

Nessa hipótese, infere-se que o braço esquerdo da paciente está envolto com um objeto, que parece ser o manguito do aparelho de pressão. Partindo desse ponto de vista, a mão direita da enfermeira parece tentar ajustar o equipamento em apreço. Alguns leitores, nesse momento, poderiam perguntar: Não seria a campânula do estetoscópio?

A resposta para o questionamento, com base nos documentos consultados, direcionou a resposta e sinalizou a fragilidade da hipótese da enfermeira se encontrar na verificação da pressão arterial da mulher sentada, em virtude de se conferir a lista de material que a enfermeira portava na maleta, não constando o aparelho de pressão e o estetoscópio(15).

Além disso, no trecho referente aos cuidados que seriam prestados pela enfermeira, encontra-se descrito que alguns dos pontos a serem anotados deveriam ser: Temperatura, Pulso e Respiração (TPR). Porém, não consta como procedimento da enfermeira a verificação da pressão arterial(15).

Outro aspecto que faz com que se chegue a essa consideração sobre o questionamento e a fragilidade daquela hipótese é o fato de que a maioria dos adultos que recebiam a visita da enfermeira de saúde pública era de pessoas acometidas pela tuberculose. Essa doença afetava a população menos favorecida financeiramente e, sendo assim, acredita-se ser difícil que, à época, fosse popular o uso do material em apreço, no domicílio(15).

Ressalta-se que o médico Getúlio dos Santos, professor e diretor da Escola de Enfermeiras Práticas da Cruz Vermelha Brasileira, escreveu, em 1916, um manual, que foi reeditado em 1926 e 1928, destinado aos profissionais da enfermagem intitulado "O Livro do Enfermeiro e da Enfermeira para uso das que se Destinam à Profissão e das Pessoas que cuidam de Enfermos". Nele se encontram descritos alguns aspectos relevantes para a profissão, destacando-se, dentre eles, que as enfermeiras eram responsáveis por verificar os sinais vitais - TRP, mas não lhes era facultado o uso do estetoscópio para a verificação da pressão arterial, devendo a mesma ser verificada por meio do tato(16).

Depreende-se disso, como possibilidade de interpretação, que o uso do aparelho de pressão pode ser considerado uma assertiva quase verdadeira. Dito de outra maneira, apesar de os indícios apontarem que a enfermeira usava o aparelho de pressão arterial como tecnologia de apoio para o cuidado, talvez possa ser imprudência analítica, do mesmo modo que em relação ao uso do estetoscópio; o que conduz a outros questionamentos que cabem às pesquisas sobre a trajetória do cuidado, carecendo de hipóteses teóricas, no momento, suas elaborações e construções

Na imagem da sequência da página na Revista da Semana, observa-se uma enfermeira de uniforme na cor escura "completo", em ambiente aberto e natural, imagem que se refere, segundo a legenda autoexplicativa, a uma "Visita de enfermeiras ao morro da Feliz Lembrança".

A hexis corporal adotada pela enfermeira na imagem é de pé, com a cabeça voltada para a mulher abordada, como quem fala. A mulher abordada, também, encontra-se de pé, com a cabeça voltada para a enfermeira, como quem observa e escuta atentamente. Essa mulher está com os braços esticados ao longo do corpo, em posição de "sentido", que lembra a mesma posição adotada pelos militares, que pode denotar atenção.

Os pés da mulher estão voltados em direção à enfermeira. Na linguagem corporal, pode-se inferir que os pés daquela mulher simbolizam estar atenta à conversa, orientação ou questionamento feito pela enfermeira. Em contrapartida, os pés da enfermeira se encontram voltados mais para frente, em posição perpendicular aos pés da mulher. Isso pode significar que ela desejasse atenção das pessoas ao redor, pois esse posicionamento corporal tende a transmitir abertura e disponibilidade na comunicação(9).

Na última imagem, presente na sequência veiculada na Revista da Semana, é possível a visualização de uma enfermeira cuidando de uma mulher acamada e acometida por tuberculose, conforme indica a legenda "Junto ao leito de uma tuberculosa".

A enfermeira se encontra em hexis corporal de pé, com seu corpo curvado na direção da enferma. A posição adotada sugere prestação de cuidado no momento do click fotográfico, o que pode ser decodificado como concentração no que faz, pela direção do olhar e inclinação corporal sobre a mulher deitada com os braços apoiados sobre o seu corpo(2).

O posicionamento do braço da enferma na imagem sugere que a mesma tenta se proteger pela possível manipulação no leito, que conduz ao entendimento de insegurança, medo ou desconforto pela manipulação. Além disso, a enferma tem o corpo coberto por roupa de cama, denotando certo confinamento, que corrobora as possibilidades de insegurança, medo ou desconforto no sentido da manipulação corporal(9).

Destaca-se que a mulher acometida por tuberculose tem algo envolvendo seu braço. Porém, devido à baixa qualidade da nitidez da imagem, mesmo diante da ampliação do zoom - ferramenta da informática - não se teve condições para a decodificação do atributo pessoal.

Outro destaque que se entende pertinente para o momento, deve-se ao objetivo da visita aos doentes portadores de tuberculose, ou seja, auxiliá-los a evitar a propagação da patologia nos espaços adjacentes, logo, no Brasil.

Ademais, cabia à enfermeira identificar e acompanhar os acometidos pelos sintomas da tuberculose, encaminhando, quando necessário, às consultas médicas ou ao dispensário da Inspetoria de Tuberculose mais próximo da moradia, para que fossem examinados, bem como deveria solicitar às pessoas, principalmente as crianças, que tivessem tido contato direto ou indireto com os doentes tuberculosos, que fossem examinadas de três em três meses pelo médico da família ou do dispensário(17).

Conclusão

O estudo, ao analisar as imagens das enfermeiras veiculadas em página inteira, na Revista da Semana, verificou que não tem como se negar a importância do serviço prestado por elas, ratificado pelo custo, direto ou indireto, da matéria jornalística. Por outro lado, alguns aspectos de diagramação e análise do texto que acompanharam as imagens careceram de análise e discussão em virtude do rigor metodológico.

Ao respeitar o desenho proposto pelo estudo, foi possível, em síntese, evidenciar que a Revista da Semana teve por mensagem veiculada aos leitores, que cabia à enfermeira de saúde pública, em especial, prestar cuidados aos doentes e orientá-los no sentido de se prevenir doenças, promovendo saúde com a função de educadora, em prol do desenvolvimento da qualidade da saúde pública.

Nessa perspectiva, também, foi possível evidenciar a distinção das representações objetais para cada tipo de atividade realizada pela enfermeira de saúde pública, como uma das estratégias de comunicação não verbal.

Essa estratégia foi entendida como facilitadora para as intervenções das enfermeiras nos domicílios, que a Revista da Semana possibilitou fazer ver, pela maioria das imagens em domicílio, e fazer crer, por meio da hexis corporal, a prestação dos cuidados à sociedade.

Isso, à época, acredita-se ter resultado na potencialização da credibilidade pela sociedade, e quiçá tenha despertado nas moças aspiração para serem enfermeiras, pelo trabalho realizado pela Escola de Enfermeiras do DNSP.

Mediante o exposto, pode-se entender que dificuldades existiam, seja na formação das enfermeiras, no processo de profissionalização, no combate à tuberculose, dentre outras. Entretanto, a enfermagem moderna teve, em um dos exemplares da Revista da Semana durante o processo de implantação, poder e prestígio, estampados em página inteira, se cotejado em relação a outras profissionais do campo saúde como, por exemplo, o caso das parteiras diplomadas. Mas isso é discussão para outro estudo.

Referências

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3. Santos LAC, Faria LR. A Cooperação Internacional e a Enfermagem de Saúde Pública no Rio de Janeiro e São Paulo. Horizontes. jul/dez 2004;22(2):123-50.

4. Mauad AM. Sob O Signo da Imagem: A Burguesia Carioca (1900-1950). A Margem. 1993;1(1):5-15.

5. Fonseca EFR, Porto F. Fac-símile na pesquisa em História da Enfermagem Obstétrica: Inauguração da capela da Pró-Matre (1923). Rev Pesq Cuid Fundam. [periódico na Internet]. out-dez 2010 [acesso 10 dez 2011]; 2:1495-505. Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/1315/pdf_236

6. Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 (BR). Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. 1998. [acesso 12 jan 2012]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm

7. Figueiredo C. Novo Diccionário da Língua Portuguesa. 3ª ed. Lisboa: Sociedade Editora Portugal-Brasil; 1922. 1048 p.

8. Departamento Nacional de Saúde Pública (BR). Serviço de Enfermeiras. O uniforme da enfermeira de saúde pública. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Anna Nery, Centro de Documentação da Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1926. mod. A, cx. 10, doc. 104.

9. Porto F, Fonseca, EFR. Enfermeiras-Parteiras e Uniforme: Indícios e Representações Objetais na construção da identidade profissional. Rev Enferm UERJ. jul/set 2011;19(3):432-7.

10. Fallante BSC, Barreira IA. Significados da visita domiciliar realizada pelas enfermeiras de saúde pública nas décadas de 20 e 30. Esc Anna Nery. 1998;2(3):72-86.

11. Bourdieu P. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense; 2004. 234 p.

12- Bourdieu P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 4ª ed. Campinas: Papirus; 1996. 224 p.

13. Departamento Nacional de Saúde Pública (BR). Serviço de Enfermeiras. O uniforme utilizado no serviço hospitalar. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Anna Nery, Centro de Documentação da Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1927. mod. A, cx. 11, doc. 08.

14. Peres MAA, Barreira IA. Significado dos uniformes de enfermeira nos primórdios da enfermagem moderna. Esc Anna Nery. 2003;7(1):25-38.

15. Departamento Nacional de Saúde Pública (BR). Serviço de Enfermeiras. Zona de Prática. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Anna Nery, Centro de Documentação da Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1928. mod. A, cx. 16, doc. 171.

16. Santos GF. O livro do enfermeiro e da enfermeira. 3ª ed. Rio de Janeiro: CVB; 1928. 376 p.

17. Departamento Nacional de Saúde Pública (BR). Serviço de Enfermeiras. Plano de palestra sobre a tuberculose. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Anna Nery, Centro de Documentação da Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1925. mod. A, cx. 7, doc. 92.

Recebido: 2.2.2012

Aceito: 3.12.2012

  • 2. Porto F, Santos TCF. O Rito e os Emblemas na Formatura das Enfermeiras Brasileiras no Distrito Federal (1924-1925). Esc Anna Nery. 2009 abr-jun;13(2):249-55.
  • 3. Santos LAC, Faria LR. A Cooperação Internacional e a Enfermagem de Saúde Pública no Rio de Janeiro e São Paulo. Horizontes. jul/dez 2004;22(2):123-50.
  • 4. Mauad AM. Sob O Signo da Imagem: A Burguesia Carioca (1900-1950). A Margem. 1993;1(1):5-15.
  • 7. Figueiredo C. Novo Diccionário da Língua Portuguesa. 3Ş ed. Lisboa: Sociedade Editora Portugal-Brasil; 1922. 1048 p.
  • 8. Departamento Nacional de Saúde Pública (BR). Serviço de Enfermeiras. O uniforme da enfermeira de saúde pública. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Anna Nery, Centro de Documentação da Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1926. mod. A, cx. 10, doc. 104.
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  • Endereço para correspondência:

    Anna Karina de Matos Deslandes
    Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro Escola de Enfermagem Alfredo Pinto
    Rua Dr. Xavier Sigaud, 290 Bairro: Urca
    CEP: 22290-180, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      02 Fev 2012
    • Aceito
      03 Dez 2012
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