Acessibilidade / Reportar erro

Comunidade mutirante: dinâmica de formação e expressividade do cuidado cultural

Resumos

Comunidade mutirante é expressão utilizada pelos movimentos sociais para designar famílias que habitam barracos instalados em terreno público destinado à construção da casa própria em sistema de mutirão. Este é um estudo em etnoenfermagem, que objetivou à descrever a dinâmica de formação de uma comunidade mutirante, realizado numa área de mutirão localizada na periferia de Fortaleza, Ceará, Brasil. Os membros da comunidade atuaram como informantes gerais da cultura local, enquanto oito mulheres chefes de família atuaram como informantes-chave. A coleta de dados utilizou o modelo de Observação-Participação-Reflexa. As análises foram se processando no tempo em que os dados eram coletados, considerando as categorias: inserindo-se na cultura mutirante para obter sua história; comunidade mutirante não é favela - descrevendo a dinâmica de formação. Constatou-se que a dinâmica de formação da comunidade mutirante passa pela representação da casa própria como símbolo de "uma vida melhor". Assimilar tal representação, introduzindo-a no próprio universo cultural é desafio para enfermagem, prestando cuidado culturalmente congruente.

enfermagem em saúde comunitária; políticas públicas; participação comunitária


Community helping services is an expression used by the social movements to designate families that live in shacks installed in a public area intended for building of own house at a community helping system. Studies in ethnonursing that aimed: in order to detail dynamic configuration in a community helping service. It took place in an community helping area located in the outskirts of Fortaleza, Ceará. The community members acting as general informants from the local culture, while eight (8) women heads-of-families, working as key informers. The data collect used the Observation-Participation-Reflection Model. The analyses were processing by the time that the dates were collected, considering the categories: inserting in the community helping culture to obtain their history; community helping is not a slum -describing the formation dynamic. Established that the formation dynamic of the community helping go on the own house representation as a symbol of " a better life". To assimilate such expression introducing in own cultural universe is a challenge for the nursing to assist a care culture congruent.

community health nursing; public policies; consumer participation


Comunidad "mutirante" es una expresión utilizada por los movimientos sociales para designar familias que habitan barracas instaladas en terreno público destinado a la construción comunitaria de las casas que esas familias habitarán. Estudio en etnoenfermagem, que tuvo como objetivo: describir la dinámica de formación de una comunidad mutirante. Fue realizado en un área de construcción comunitaria localizada en la periferia de Fortaleza-Ceará-Brasil. Los miembros de la comunidad actuaron como informantes generales de la cultura local, mientras que ocho mujeres jefes de familia fueron informantes llave. La colecta de datos utilizó el modelo de Observación-Participación-Refleja. Los análises fueron siendo procesados al mismo tiempo en que los datos fueron colectados, considerando las categorías: Insertándose en la cultura mutirante para obtener su historia; Comunidad mutirante no es favela- describiendo la dinámica de formación. Se constató que la dinámica de formación de la comunidad mutirante pasa por la representación de la casa propia como símbolo de "una vida mejor". Asimilar tal representación, introduciéndola en el propio universo cultural es un desafío para la enfermería prestar um cuidado culturalmente congruente.

enfermería en salud comunitaria; políticas públicas; participación comunitaria


ARTIGO ORIGINAL

Comunidade mutirante: dinâmica de formação e expressividade do cuidado cultural

Comunidad mutirante: dinâmica de formación y expresividad del cuidado cultural

Fátima Luna Pinheiro Landim

Mestre, Doutor, Professor Adjunto 6 da Universidade de Fortaleza, e-mail: llunna@terra.com.br

RESUMO

Comunidade mutirante é expressão utilizada pelos movimentos sociais para designar famílias que habitam barracos instalados em terreno público destinado à construção da casa própria em sistema de mutirão. Este é um estudo em etnoenfermagem, que objetivou à descrever a dinâmica de formação de uma comunidade mutirante, realizado numa área de mutirão localizada na periferia de Fortaleza, Ceará, Brasil. Os membros da comunidade atuaram como informantes gerais da cultura local, enquanto oito mulheres chefes de família atuaram como informantes-chave. A coleta de dados utilizou o modelo de Observação-Participação-Reflexa. As análises foram se processando no tempo em que os dados eram coletados, considerando as categorias: inserindo-se na cultura mutirante para obter sua história; comunidade mutirante não é favela - descrevendo a dinâmica de formação. Constatou-se que a dinâmica de formação da comunidade mutirante passa pela representação da casa própria como símbolo de "uma vida melhor". Assimilar tal representação, introduzindo-a no próprio universo cultural é desafio para enfermagem, prestando cuidado culturalmente congruente.

Descritores: enfermagem em saúde comunitária; políticas públicas; participação comunitária

RESUMEN

Comunidad "mutirante" es una expresión utilizada por los movimientos sociales para designar familias que habitan barracas instaladas en terreno público destinado a la construción comunitaria de las casas que esas familias habitarán. Estudio en etnoenfermagem, que tuvo como objetivo: describir la dinámica de formación de una comunidad mutirante. Fue realizado en un área de construcción comunitaria localizada en la periferia de Fortaleza-Ceará-Brasil. Los miembros de la comunidad actuaron como informantes generales de la cultura local, mientras que ocho mujeres jefes de familia fueron informantes llave. La colecta de datos utilizó el modelo de Observación-Participación-Refleja. Los análises fueron siendo procesados al mismo tiempo en que los datos fueron colectados, considerando las categorías: Insertándose en la cultura mutirante para obtener su historia; Comunidad mutirante no es favela- describiendo la dinámica de formación. Se constató que la dinámica de formación de la comunidad mutirante pasa por la representación de la casa propia como símbolo de "una vida mejor". Asimilar tal representación, introduciéndola en el propio universo cultural es un desafío para la enfermería prestar um cuidado culturalmente congruente.

Descriptores: enfermería en salud comunitaria; políticas públicas; participación comunitaria

INTRODUÇÃO

Sob a égide da necessidade de moradia(1-2), famílias aventuram-se nos limites e possibilidades de uma proposta que pode significar muito sofrimento, perdas e arrependimento, mas, sobretudo, que testemunha a possibilidade de a pessoa romper com tudo aquilo que busca negar a inteligência e a habilidade natural de cuidar-se e prestar cuidados(3), com a liberdade e autonomia características do ser humano(4-5).

O presente artigo resulta da tese(6) de doutorado em Enfermagem de uma das autoras, concluída no ano de 2001. Como doutoranda e integrante do Grupo Família: ensino, pesquisa e extensão (FAMEP), do Departamento de Enfermagem, Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem, conduziu bolsista de Iniciação Científica e alunos de graduação em atividades junto a famílias, além de compor equipe multidisciplinar para acompanhar grupos de mulheres chefes de família em atividades educativas em saúde(7). As famílias compunham aglomerado(8), habitando barracos instalados em terreno público destinado às obras de mutirão da casa própria. Essa condição de habitar incorreu numa forma particular de tratamento, sendo as famílias referidas por suas lideranças como "barraqueiras" ou famílias "mutirantes".

O conjunto dessas famílias é que deu origem à expressão Comunidade Mutirante. Ambas as expressões, família mutirante e comunidade mutirante, foram apropriadas pelos autores, que passaram a utilizá-las nesse artigo, sempre se necessitou reportar àqueles fenômenos especificados.

Muito embora sem registro nas obras de referência da Língua Portuguesa no Brasil, em Portugal e nos países lusitanos o termo mutirante, à ausência de conotação melhor, é largamente utilizado na linguagem dos movimentos sociais, nomeadamente nos motos por moradia, empreendidos pelas classes populares do Estado do Ceará, Região Nordeste do Brasil. Certamente, com a diacronia da Linguagem, os lexicólogos passarão a registrar a expressão nas diversas obras de referência, de modo que será empregada à falta de outra, na expectativa de que tal fato venha a ocorrer.

A paciência e a determinação das famílias no sentido de conquistar uma casa para morar destacaram-se, despertando o interesse em desenvolver investigações a partir da convivência, observação e registro de depoimentos, dentre os quais se destaca um a seguir, captado de mulher, chefe de família, logo nos primeiros momentos de investigação.

...tudo que eu tinha eu troquei nessa barraca velha, e me soquei dentro com meus filhos(...) é muriçoca, é barata, é rato passando por cima da gente de noite(...) mas ou fazia isso ou perdia a casa aqui dentro...(M, Mutirante).

O acompanhamento sistemático realizado na comunidade permitiu a construção da síntese da história/trajetória dessas famílias até chegarem aos barracos. São elas famílias de mulheres representantes de grande parcela da sociedade brasileira que, não conseguindo superar a pobreza material, as limitações socioeconômicas(9), são atraídas pela possibilidade de conquistarem um espaço e, juntamente com outras famílias na mesma situação, construírem as suas moradias em sistema de mutirão. Foi o padrão de comportamento dessas famílias que motivou o desenvolvimento desse estudo com o seguinte objetivo: descrever a dinâmica de formação de uma comunidade mutirante.

A relevância do presente artigo está em evidenciar o quanto a cultura que dá origem às comunidades mutirantes surge como um desafio inusitado para todos os campos do conhecimento e, no campo da enfermagem, seu estudo é especialmente necessário para que se garanta o cuidado congruente com as práticas locais, articulando solidariedade e saúde(10).

METODOLOGIA

Esse é um estudo em etnoenfermagem, considerando as fases do modelo de observação, participação e reflexão (O-P-R-Model) descritas por Leininger(11). Tal modelo é preconizado por seu potencial de favorecimento da entrada e permanência do pesquisador em culturas diferentes da sua, para obter informações do cotidiano das pessoas.

Os dados foram coletados no decorrer de quase dois anos, de janeiro de 2000 a agosto de 2001, período em que a autora permaneceu inserida em uma comunidade composta por cerca de quatrocentas famílias, instaladas em barracos dentro de terreno doado pela Prefeitura Municipal de Fortaleza, Ceará, Brasil, para realização de obras de construção de casas populares em acordo com o Programa de Mutirão Habitacional.

Na fase de observação-participação do modelo, todos os membros das famílias atuaram como informantes-geral da cultura local. Como informantes-chaves atuaram oito mulheres, eleitas por assumirem posição de liderança dentro da comunidade.

A visita domiciliária(12) foi a estratégia utilizada para tornar conhecidas estrutura e dinâmica das famílias, bem como a interação dessas com seu meio habitual de convivência comunitária. Essa foi ainda a oportunidade real de as pesquisadoras fazerem-se conhecidas e aceitas, passando a compartilhar de seu dia-a-dia.

Uma vez inseridas na comunidade, e aceitas pelo grupo familiar, iniciou-se a pesquisa observando e escutando, para captar uma impressão geral e descrever a cultura predominante. No decorrer das atividades de campo, passou-se a interagir com as pessoas e a observar suas respostas. O processo de observação e de interação foi se intensificando, subindo na escala de familiarização com o contexto cultural até caracterizar-se a observação participante(11).

Nessa fase da pesquisa foi aplicada a entrevista etnográfica(13), a partir da seleção de temas que permitiam ao informante descrever com profundidade, e à sua maneira, sua trajetória até chegar ao terreno de mutirão: história de inserção na proposta de mutirão habitacional e dinâmica de instalação da comunidade. O grau de interação foi que caracterizou para as pesquisadoras o momento exato em que as informantes se encontravam estimuladas a externar, com naturalidade, o que seria solicitado em entrevista.

A análise dos dados foi realizada concomitante à apreensão dos dados; como preconiza o referencial da etnoenfermagem, isto é, durante processo de observação e interação. Essa análise intensificou-se na etapa de reflexão do O-P-R-model(11). A fase de reflexão, ou observação reflexiva, foi realizada de forma contínua, reportando-se aos demais momentos da investigação como forma de confirmação (ou rejeição) de informações captadas no decorrer das interações.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inserindo-se na cultura mutirante para obter sua história

A existência de contatos anteriores acompanhando bolsistas de Iniciação Científica e graduandos de Enfermagem em visitas à comunidade, bem como a atuação desenvolvendo ações e atividades de educação em saúde, com as mulheres chefes de família, caracterizam o modo peculiar de inserção na cultura investigada, facilitada pela plena aceitação por parte das famílias mutirantes, que não viam as pesquisadoras mais como pessoas estranhas ao local.

Mesmo marcada pela oportunidade, não se podia esquecer de que esse tipo de agrupamento social, as "tribos"(14), privilegiam o espírito coletivo, seu mecanismo de pertença. Qualquer que fosse o domínio das informações a serem acessadas exigia participação nesse espírito, confirmado ou negado em sua autenticidade, pelo grau de aceitação-rejeição apresentado aos diversos rituais de integração na comunidade.

Os rituais, na vida cotidiana, são sempre necessários e importantes para a construção da identidade cultural dos grupos; independente da duração desses grupos(14-15). Na comunidade mutirante havia rituais de recepção e acolhimento (da pessoa estranha) em sua cultura, quase imperceptíveis: cita-se como exemplo o "bingo de usados", promovido pelas famílias, e que era estendida à participação de pessoas "de fora". Outros rituais auxiliavam na construção da própria socialidade(15), e diziam respeito à história de luta, de conquistas de espaços de poder dentro da comunidade. Esses não deviam ser subestimados, ou transgredidos pelas pesquisadoras, que corriam o risco de não serem mais aceitas.

Transcorrido algum tempo, em que as interações foram acontecendo, a experiência de ser incorporada pela comunidade e de extrair dela informações vinha acompanhada das descobertas dos limites que podiam ser, e iam sendo, claramente demarcados pelos poderes invisíveis que atuavam em função de estabelecer regras de funcionamento para a comunidade(16). Logo descobriu-se que tais limites não seriam facilmente ultrapassados, na medida em que colocassem em risco a manutenção desses poderes; para tanto, exerciam a vigilância diariamente por "apontadoras", sobre as pesquisadoras.

Apontadora era a expressão utilizada entre as famílias mutirantes para designar determinado papel desempenhado por membros da diretoria, dentro das atividades de construção das casas de mutirão. A figura da apontadora, como aquela que detinha o poder de apontar quem faria o quê, estava, assim, presente em várias situações dentro da comunidade. Nos canteiros de obras, era aquela que fazia registro, apontando os faltosos que deveriam repor o dia de trabalho, caso não quisessem ser preteridos por ocasião da entrega das casas.

Concluiu-se, dessa forma, que não bastava só entrar na Comunidade e ser aceita pelas famílias. Para acessar informações acerca da dinâmica do mutirão habitacional, bem como do modo participativo de funcionamento (famílias-sociedade comunitária), as apontadoras seriam aquelas que podiam facilitar ou dificultar esse acesso(13) - inclusive por meio de coação às famílias, que dependiam do consentimento/cumplicidade de seus líderes, para permanecerem morando no barraco em terreno destinado às obras de mutirão.

Seguiram-se, a partir daí, negociações em busca de obter 'permissão'. Essa busca era centrada nas figuras de pessoas que legitimassem aquele acesso e, até, a permanência das pesquisadoras em campo, enquanto tal - um verdadeiro traçar de pequenos pontos de poder dentro da rede de relações comunitárias (a líder da sociedade, a vice-líder, a secretária, a tesoureira, a simpatizante, dentre outras). "Saber quién tiene el poder de facilitar o bloquear el acceso o quiénes se consideran o son considerados por los demás como poseedores de la autoridadd suficiente para garatizar o rechazar el acceso es, sin lugar a dudas, un aspecto fundamental del conocimento sociológico del campo"(13).

O fato de as pesquisadoras serem enfermeiras que manifestavam interesse em atuar naqueles problemas da comunidade, e em fazer a ponte entre a comunidade e o serviço de saúde local, era oportuno para as lideranças que manipulavam essa condição a seu favor, quando a presença podia ser relacionada à influência/poder de barganha dessas lideranças com instâncias fora da comunidade.

Ainda, tal fato acima referido teve grande influência na qualidade das informações acessadas, bem como na intenção de assegurar proteção à integridade física bem como moral; uma vez que se necessitava entrar, transitar e sair da comunidade durante todo aquele ano de investigações. Assumiram essa proteção os próprios membros da comunidade, que passaram a oferecer estratégias para que, de qualquer modo, não houvesse molestações. Os antropólogos(13) já previam que se pudesse alcançar uma proteção desse tipo, recorrendo às redes sociais de relações e amizade.

Comunidade mutirante não é favela! Descrevendo a dinâmica de formação

Esta descrição tem início em uma das frases mais pronunciadas pelas famílias da comunidade investigada: não somos faveladas não! A freqüência com que se repetia essa frase, bem como a veemência empregada em sua pronúncia, pode ser justificada através da história que faz surgir as comunidades mutirantes.

No caso específico da comunidade em estudo, sua origem remete a quatro (4) associações de bairros: Associação Comunitária Nova Vida, Associação Comunitária do Jardim Iracema, Associação Comunitária São Raimundo e Associação Comunitária Santa Maria Gorete. Essas Associações tinham, até novembro de 2000, sede em diferentes bairros localizados na periferia da cidade de Fortaleza, e se uniram para formar, em 18 de novembro de 1993, a Sociedade Comunitária Habitacional Nova Vida (SCHNV). Das quatro associações constituintes da SCHNV, três eram lideradas por mulheres.

A criação dessa sociedade foi o marco no trâmite que legitimava as reivindicações por moradias, feitas pela comunidade à Prefeitura Municipal de Fortaleza, Ceará, Brasil. A proposta de viabilizar número significativo de famílias para justificar a compra do terreno e a elaboração do projeto de construção de casas populares possibilitou a união dos líderes e de seus associados. Como resposta às reivindicações, a Prefeitura aprovou, destinando à SCHNV projeto que contemplava a construção de 608 unidades habitacionais (correspondentes ao número de famílias cadastradas). As obras de construção dar-se-iam em etapas que se materializavam em um conjunto habitacional, onde seriam mais de 300 unidades habitacionais construídas, enquanto as demais seriam fruto de uma proposta de construção de casas populares, em que a adesão voluntária das famílias permitiria a sua execução em sistema de mutirão habitacional.

Para se cadastrarem, passando, assim, a fazer parte do projeto de mutirão habitacional, as famílias deviam obedecer a critérios de inclusão, sendo priorizadas aquelas em situação de risco caracterizado pelo serviço de Defesa Civil do Estado, as chefiadas por mulheres, e aquelas com maior número de filhos. O cadastro era sempre realizado em nome da mulher - a mãe de família - ou, na ausência dessa, em nome da mulher que assumira esse papel dentro da família como é o caso da avó ou de uma irmã mais velha - mesmo quando verificada a presença do homem chefiando a família.

Constatou-se ser essa uma estratégia com origem em dois fenômenos distintos. O primeiro fenômeno decorria da baixa escolaridade dos líderes, o que ocasionava incompreensões, dificuldade, até, de decodificação por parte desses, dos muitos documentos que configuravam a proposta de viabilização dos programas habitacionais. Em razão do fato, prevaleciam as recomendações assimiladas nos muitos encontros, assembléias e reuniões realizadas entre as lideranças e representantes das instituições responsáveis pela implementação do Projeto. A idéia - que ganhara força nos dados estatísticos mantidos pela Prefeitura - de que a mulher, quando figurando como única responsável pela sobrevivência da família, fragiliza esse grupo social, evidenciava-se como uma condição de risco que deveria ser valorizada nas fichas de cadastros. Aqui, ressalta-se a questão de gênero, quando a mulher é socialmente reconhecida pela vulnerabilidade(17).

O segundo fenômeno relaciona-se muito mais com a cultura que vai gerar nas famílias, e em suas lideranças, a crença de que o imóvel mais facilmente permanecerá com a família se o registro de efetivação do contrato de usufruto, bem como o de propriedade definitiva, sair em nome da mulher.

Acompanhando a comunidade, constatou-se essa realidade. As mulheres idealizavam a casa como o único bem material que poderia ser deixado para os filhos, trazendo-lhes "vida melhor" do que a testemunhada por elas, entretanto, a figura do homem "complicado" era uma ameaça que não podia ser esquecida, e punha em risco a concretização desse ideal. É o que comprovam algumas declarações e dúvidas que foram, ao longo dos contatos, sendo confidenciadas.

...meu marido é complicado(...) ele bebe muito. Eu tenho até medo que dê a doida e ele troque nossa casinha por uma garrafa de cachaça (La, mutirante)

...eu não saio do meu barraco porque se eu sair ele vende e deixa nós na rua. Ele também pensa que pode vender a casa que nos vai ganha (D, mutirante)

...a casa é das minhas duas filhas! Assim que eu puder eu passo pro nome delas, que é pra quando eu morrer ele não vender e deixar elas sofrerem como eu sofri... (Ra, mutirante).

Segundo informaram as lideranças, a SCHNV teve seu projeto de construção de moradias aprovado para ser desenvolvido em duas glebas de terras, localizadas no lado oeste de Fortaleza, próximo ao centro e à zona industrial da avenida Francisco Sá.

Embora vizinhos, os terrenos eram separados por extensa lagoa, que também delimitava simbolicamente as áreas de atuação das lideranças. As diferenças de força/pressão exercida pelas líderes comunitárias e o modo particular de cada uma delas trabalhar com a comunidade devem ser aqui mencionados como grandes influenciadores dos processos, determinando comportamentos até mesmo junto à equipe de obras (engenheiro, encarregado de obras, pedreiros e auxiliares) e aos técnicos da Prefeitura (assistentes sociais, psicóloga, enfermeira etc). Esses assimilaram de tal maneira as diferenças de comando exercido pelas lideranças, que passaram, gradativamente, a admitir o conjunto habitacional não como uma unidade, mas como algo fragmentado a que respondiam com intensificação das atividades, segundo o grau de urgência e de exigência apresentado pelos respectivos líderes e seus liderados.

Tal fenômeno repercutiu no tempo de conclusão e entrega dos dois segmentos do conjunto que, embora fazendo parte de um mesmo projeto, passaram a receber nomes que os caracterizavam segundo o avanço da obra e, posteriormente, a ordem de entrega das chaves dos apartamentos às famílias. Assim, o Conjunto Habitacional Santo Antônio da Floresta II, apesar de estar localizado em um lado da lagoa, que dava acesso mais facilitado à zona industrial da Francisco Sá, foi concluído cerca de quatro meses depois de seu complementar, o Conjunto Habitacional Santo Antônio da Floresta I, localizado na margem oposta.

As terras destinadas ao assentamento das famílias tiveram origem no 'Fundo de Terras da Prefeitura Municipal de Fortaleza'. Nas conversas com as lideranças comunitárias, constatou-se que o terreno fora adquirido no ano de 1994, de particular, durante a administração do Prefeito Antônio Cambraia.

Esse terreno foi comprado pela prefeitura(...) era o ano de 93 pra 94 quando a gente recebeu o terreno. Isso aqui era só mato, mas tinha dono(...) a gente foi, procurou o corretor, levamos pro Setor de Habitação da Regiona . Lá descobriram que o proprietário devia uma conta muito alta de IPTU, fizeram um acordo com ele e compraram o terreno no nome da Sociedade Nova Vida (T, líder mutiante).

...esse terreno era um sítio particular. Aqui tinha toda fruta que você imaginar, e muito mato também(...) mas tinha uma cerca de arame e um vigia, que mora ainda lá fora, que não deixava ninguém entrar(...) quando o Doutor Cambraia comprou e doou pra Sociedade (S, líder mutirante).

Os terrenos destinados oficialmente para as atividades de 'mutirão da casa própria' são, assim, caracterizados por uma área, predominantemente, grande, adquirida com recursos públicos, sendo essa aquisição justificada pela necessidade de um número grande de famílias que estão sem casa própria e que pleiteiam, a partir de então, um espaço no terreno para construção da sonhada moradia.

Efetuada a compra do terreno, era necessário "tomar conta". Em razão de interpretações errôneas, na condução dos movimentos de mutirão, a aquisição do direito de moradia passava por exigências que iam submeter as famílias associadas à ocupação do terreno, seguida da obrigação de limpá-los, apesar de todos os obstáculos que os acidentados terrenos pudessem oferecer, preparando-os para as obras de construção. Não bastasse isso, depois de limpo, o terreno e todo o material de construção que porventura fosse depositado dentro dele precisavam ser vigiados dia e noite, para evitar o saque do material e a invasão do terreno por parte de outras associações ou movimentos anômalos.

Quando a gente entrou aqui era uma mata só(...) a lama dava no meio da perna(...) muita gente perdeu a saúde limpando esse terreno. Tinha arvore tão grossa que nem a máquina conseguia arrancar do chão (Lu, mutirante).

...eu não só limpei como vigiei isso aqui o quanto pude. Só me afastei um tempo, quando engravidei, porque tive muito enjôo(...) eu me afastei assim(...) eu mesma não vinha, mas pagava uma pessoa pra vim no meu lugar (Re, mutirante).

...aqui era a coisa mais horrível(...) era mulher, velho, criança tudo correndo pra cima e pra baixo nesse terrenão. Quando a gente dava as costa era uma invasão, era o roubo de material... (M, mutirante).

...em 94 nós começamos a tomar conta do terreno, logo quando a gente recebeu (Ra, mutirante).

Com a incumbência de vigilância dia e noite, surgiu a necessidade de as pessoas abrigarem-se. Assim, barracos foram sendo construídos para servir de local de descanso ou como abrigo da chuva e do sol. Seguindo o exemplo do que já acontecia em outros mutirões, para construção dos barracos, eram usados os recursos disponíveis nas imediações - os suportes para estrutura de base buscavam reforço em grandes estacas de madeira, mas as laterais e o teto eram revestidos por plástico, lonas, papelões e restos de tábuas velhas, adquiridas pelas famílias nos lixões. Alguns desses materiais, provinham de doações de particulares, dos líderes e da Defesa Civil.

Vivenciando essa situação, as famílias passaram meses e até anos. Como a situação não se definia, não sendo cumpridos prazos para início das obras - e sendo a possibilidade de perder o espaço, que se supunha já conquistado, uma ameaça real e constante - os barracos não foram abandonados mas, sim, passaram a abrigar toda a família, que viu na mudança para o terreno a oportunidade de acabar com a constante ausência do ente querido que se obrigava a permanecer vigiando o terreno, além de significar uma fuga da "pena" de aluguel que essas famílias vinham pagando fora dos limites do mutirão.

...a líder selecionou os sócios pra fazer as barracas. Nós já tava trabalhando aqui há um tempão quando ela botou 27 famílias, a princípio, pra vim morar aqui dentro pra pastorar o terreno(...) justamente as famílias das pessoas da Vila Olímpica, que era a vila que eu morava (D, mutirante)

...depois que entrou as primeiras famílias, aí começou a aparecer barraca, aparecer barraca(...) só os sócios, os que eram cadastrados e tinham a carteirinha (T, líder mutirante).

A construção dos barracos devia obedecer a uma lógica em que eram mantidos limpos os espaços mais centrais do terreno. Não podiam ser esses espaços ocupados por barracos, visto estarem destinados às atividades de construção das casas definitivas. Os barracos foram sendo, então, construídos em áreas mais periféricas do terreno, sendo essas áreas, geralmente, as mais acidentadas, alagadiças, por se localizarem às margens da lagoa ou na encosta de um aterro sanitário, que limitava os fundos do terreno

...os barracos eram lá em baixo. Com a continuação, quando o pessoal começou a querer invadir esse lado, justamente aqui onde ia ser feita as casas de mutirão, a líder aceitou botar mais famílias; com a condição de que não atrapalhassem a obra(...) quando fosse pra construir as casas, elas tinham que desocupar o terreno (La, mutirante).

Ainda, os barracos necessitavam continuar sendo construídos, considerando poucos recursos, portanto, pouco gasto, porque teriam uma função muito provisória, ou seja, só serviriam às famílias até a construção de suas casas definitivas. Foram, assim, levantados os barracos e multiplicados, mantendo sempre a aparência de extrema fragilidade. Para a liderança, esses barracos deveriam funcionar e, no início, funcionou, como o ponto de apoio para aqueles que se dedicavam a vigiar o terreno. Cogitava-se, ainda, que, depois de iniciadas as obras, permaneceriam os barracos como uma espécie de 'galpão particular' para o qual os componentes da família - homens, mulheres e crianças - se recolheriam ao final das atividades de cada dia de trabalho no mutirão da casa própria.

Com o passar dos anos, prazos não foram cumpridos, de maneira que cada família sentiu a necessidade de dar uma nova definição ao barraco, tornando-o mais seguro ou ampliando-o para garantir maior conforto e comportar uma nova realidade de configuração familiar; a essa altura a pessoa que entrou sozinha no mutirão já mobilizou e trouxe toda a sua família. O que, inicialmente, era só um casal já teve filhos ou, ainda, o jovem casou e, não tendo para onde ir com a esposa, permanece dividindo o espaço do barraco com a família. Assim, os barracos foram ganhando caráter mais definitivo, mesmo esse procedimento sendo contrário aos interesses da liderança, que nunca deixara de enfatizar aquela condição de moradia como sendo muito provisória.

Na transferência para os barracos, as famílias foram deixando para trás histórias de dificuldades, como pagar as contas de aluguel, água, luz, mas também deixaram amigos, parentes familiares próximos - muitos deles conseguiram a casa própria por mecanismo similar - com os quais mantinham contatos para obter informações e ajuda de qualquer espécie. Além dos parentes, pessoas-chave na família desempenhavam atividades remuneradas em bairros vizinhos, e havia ainda os jovens que estudavam, necessitando entrar e sair da comunidade todos os dias. Isso tudo era importante para manter as referências, não perdendo as famílias, de forma imediata e traumática, todos os vínculos e laços com o mundo que não era o do mutirão.

Somente com o passar dos anos é que os poucos laços foram destruídos. A constituição dos barracos e a condição de vida imposta pela dinâmica dos mutirões, o medo e a rejeição social a esse tipo de aglomerado predominaram, vindo a favorecer o isolamento da comunidade, a perda ou a dificuldade de emprego para os que desejavam trabalhar, o afastamento das crianças e jovens da escola, pelo receio da grande violência e, como principal conseqüência, elevação dos riscos da drogadição, do alcoolismo e da promiscuidade. Mães de família fazem queixa.

...meu filho foi discriminado(...) não ficou num emprego só porque deu o endereço do mutirão. Mas eu fui lá! Não fui fazer escândalo não, fui pra eles saberem que a gente mora aqui mas não somos favelados não. Meu filho tem capacidade. Ele terminou o segundo grau, tem curso de computação, é inteligente. O que eles fizeram, não dando o emprego ao meu, filho foi por pura discriminação(...) depois quiseram se retratar e chamaram o meu filho para fazer outro teste. Aí fui eu quem não quis que ele voltasse lá (Lu, mutirante).

Mesmo diante de todos esses acontecimentos, as famílias não pensavam em se mudar da área de mutirão. Ao se transferirem para lá venderam quase tudo o que tinham, ficando somente o que pudesse ser facilmente acomodado na nova realidade de morar em um barraco com poucos metros quadrados. Com o passar dos anos, abandonar o barraco e voltar para a vida de pagar aluguel, também, foi ficando cada vez menos cogitado. O chefe de família ficou desempregado, arrumou um vício, a mulher ou o marido foi embora deixando os filhos com o outro cônjuge.

Também as famílias foram perdendo suas poucas referências com o 'mundo lá fora' - os filhos de algumas delas não conheceram outra realidade, nasceram naquele local de aglomeração. Ainda existe o fato de elas não aceitarem a idéia de perder todo o dinheiro que já investiram pagando a associação nem o trabalho que tiveram com o cuidado do terreno e a construção de seus barracos. Assim é que as famílias foram aceitando aquela como uma forma definitiva de vida. Dada a legitimação via consenso, os barracos passaram a ser aceitos como algo natural entre as pessoas da comunidade, não havendo constrangimento em possuí-los. O status agora era medido pela localização do barraco e, em torno disso, eram criados os mito.

...troquei minha televisão por um barraco melhor. Eu morava mais lá em baixo e por causa disso minhas crianças viviam doente. Agora estou em um lugar melhor, quando chove não entra água dentro de casa, nem os ratos ficam mordendo os pés dos meus meninos (Re, mutirante)

...olha, descendo ali pra baixo só se vê miséria, você precisa conhecer. O povo é desleixado, as crianças todas têm bicho de pé (La, mutirante)

...daqui para lá é a vila dos cachorros. É chamada assim porque dizem que o pessoal de lá parece uns cachorros, vivem brigando. Aqui não. Aqui é a área verde. O pessoal aqui é legal (M, mutirante).

Como visto, a transferência das famílias para o terreno tornara-se inevitável às lideranças, que já não tinham mais argumentos para o atraso nas obras e, sendo grande o número de famílias que seguiram esse mesmo processo, foram muitos os barracos construídos e ocupados dentro do terreno. Na medida em que se deu a ocupação, associada à irregularidade das instalações, caracterizou-se a condição de aglomerado.

Não só as instalações (artefato mais visível) caracterizavam a irregularidade nos modos de 'fazer' dentro dos limites daquele mutirão. A exemplo do que ocorre em quase todos os outros, posicionamentos e comportamentos fadados à clandestinidade estavam presentes, e conduziram a denúncias que falavam da compra e venda de 'pedaços de chão', de barracos ou mesmo de cadastros a famílias que se dispusessem a aceitar condições e valores estipulado.

...tem gente por aí que tá vivendo disso(...) invade um pedaço de chão aqui, constrói um barraco e depois vende. Chega ali noutro mutirão constrói outro barraco e vende(...) e tá ganhando muito dinheiro com isso (D, mutirante) ...a gente tá sabendo que a nossa líder vendeu nossas casas, antes até de a gente construir. Eu tava aqui na minha porta e só vi foi gente apontando, dizendo que a casa ia ser ali(...) e apontava pro meu barraco como se eu não existisse(...) que tinha comprado não sei por quanto, que ia ficar do lado da sombra(...) eu fiquei só calada(...) eu quero é ver quem é que vai me tirar daqui. Se alguém vendeu que se entenda lá com ela, porque aqui(...) vai dá é sangue se vierem se meter aqui (Re, mutirante).

Em pouco tempo, não era incomum encontrar famílias dentro da área de mutirão que não fossem cadastradas no projeto ou, ao contrário, famílias cadastradas que não residiam na área de mutirão. A existência de famílias não cadastradas habitando barracos dentro do terreno criava uma situação em que era grande a rivalidade existente, fonte da crescente insegurança quanto à possibilidade de consecução da casa.

Mesmo diante de tantos percalços, incertezas e condições íngremes de moradia, as famílias, mais do que quaisquer outras, rejeitavam o rótulo de faveladas, pautadas nos significados socialmente dados (estereótipos); barreira invisível que se impunha para dificultar, ainda mais, se não impedir, as suas metas.

Quando deixaram para trás todas as suas referências com o mundo fora dos mutirões, as famílias estavam apostando na promessa de terreno e condições mais favorecidas para construção da sonhada casa própria, promessa essa que caracterizava a vida nos barracos como condição necessária, estratégica até, mas também muito provisória. Havia, pois, um propósito para aquelas famílias habitarem barracos, como havia quem as conduzisse dentro desse propósito. Então elas não queriam nem podiam ser tratadas como faveladas nem a comunidade que constituíram deveria ser confundida com favela.

Essa condição tão característica de formação de aglomerado continha variáveis de peso que vieram permitir não só o surgimento de potentes formas de organização social, mas também a construção de um autoconceito. Porque discordavam, essas famílias, do restante da sociedade, reinterpretaram o conceito de favela, construindo para si o conceito que melhor as definisse: são elas as comunidades mutirantes, como mutirantes são as famílias que dessa comunidade venham a fazer parte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatou-se fazer parte das representações das famílias mutirantes o sonho de "uma vida melhor", cujo símbolo se encontra materializado na aquisição da casa própria. Entretanto, as transformações sociais e históricas que fazem testemunhar a passagem do modelo tradicional de conformação das favelas para a realidade atual dos grandes aglomerados humanos originados em políticas da casa própria, não mudam muito a condição de fragilidade a que se expõem essas famílias, quando a realidade com que se deparam nos terrenos de mutirão habitacional continua sendo a de ausência de estrutura socioambiental e sanitária.

Se por um lado estão mais sujeitas a adoecer, porque estão mais expostas a fatores de risco, por outro, a carência das famílias na comunidade ultrapassa os limites da pobreza material, atingindo a identidade pessoal, impossibilitando não só a satisfação de necessidades fundamentais, como também se responsabilizando pelo rompimento de outros vínculos. Tal fenômeno tem repercussão como barreira que dificulta o acesso dessas famílias à rede formal de serviços e ao cuidado com a saúde; o sistema concorre, assim, para descriminar/marginalizar a família a partir de sua exclusão dos espaços públicos.

Não obstante, a luta por permanecer ocupando barraco no terreno de mutirão, a necessidade de vencer adversidades ambientais (como o mato, a lama, os insetos etc), a necessidade de delimitar domínios como forma de garantir os espaços conquistados, associado à atividade braçal de construção de seus barracos vai fazer nascer nas famílias um sentimento muito intenso de pertença.

Para as famílias em questão, pertencer significa, ainda, ter necessidade de aparecer, se fazer evidenciar; de uma evidenciação explícita e permanente depende a sobrevivência da comunidade tal como ela se configura. Nesse evidenciar-se é que reside a importância fundamental de a comunidade mutirante ser reconhecida como possuindo identidade própria que evidencie traços culturais pertinentes e que reflita mais claramente sua dinâmica de formação, sentimentos e os processos aos quais as famílias estão submetidas.

Ocorre daí que o emprego da expressão comunidade mutirante, pelos que desejam nela se inserir para trabalhar com as famílias, é quase uma exigência. Assimilar suas convicções, introduzindo-as no seu próprio universo cultural, eis um grande desafio para o profissional do cuidado.

Ainda, faz parte desse desafio acompanhar as famílias das comunidades mutirantes com interesse de aprender de seu conceito mais visceral: o conceito de solidariedade. Trabalhar o cuidado de enfermagem, a partir desse conceito, exige parceria direta com a comunidade, traçando verdadeira teia de relações, no interior da qual a enfermeira pode atuar como articuladora/mobilizadora dos recursos materiais e humanos localizados nos vários pontos da teia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 14.7.2005

Aprovado em: 13.9.2006

  • 1. Oliveira AC. Fortaleza tem déficit de 150 mil moradias. Diário do Nordeste 1999 novembro 15; Caderno Cidade.
  • 2. Fortaleza possui mais de dois mil moradores de rua. Diário do Nordeste, 2001 janeiro; Caderno Cidade.
  • 3. Mandu ENT, Silva GB. Recursos e estratégias em saúde: saberes e práticas de mulheres dos segmentos populares. Rev Latino-am Enfermagem 2000 julho-agosto; 8(4): 15-21.
  • 4. Boff L. Saber e cuidar: ética do humano. Petrópolis (RJ): Vozes; 1999.
  • 5. Saint-Arnaud Y. A pessoa humana. S.Paulo (SP): Loyola; 1979.
  • 6. Landim FLP. Famílias mutirantes: cultura de sobrevivência e cuidado com a saúde. [Tese]. Fortaleza (CE): Universidade Federal do Ceará; 2001.
  • 7. Rocha SMM, Almeida MCP. O processo de trabalho da enfermagem em saúde coletiva e a interdisciplinaridade. Rev Latino-am Enfermagem 2000 novembro-dezembro; 8(6):96-101.
  • 8. Braga EMF. Os Labirintos da Habitação Popular. Fortaleza (CE): Fundação Demócrito Rocha; 1995.
  • 9. Gomes MA, Pereira MLD. Família em situação de vulnerabilidade social: uma questão de políticas públicas. Ci Saúde Coletiva 2005 abril-junho; 10(2):357-63.
  • 10. Andrade GRB, Vaitsman J. Apoio social e redes: conectando solidariedade e saúde. Ci Saúde Coletiva 2002; 7(4):925-34.
  • 11. Leinger MM. Transcultural Nursing: concepts, theories and practices. New York: John Wiley; 1978.
  • 12. Albuquerque SMRL. Novas tendências na Assistência á saúde domiciliar. Rev Home Care 1999 setembro; 5(53):3-11.
  • 13. Hammersley M, Atkinson P. Etnografia: metodos de investigación. Buenos Aires: Paidós; 1995.
  • 14. Maffesoli M. O tempo das tribos; o declínio do indivíduo nas sociedades de massa. 2ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Forense; 1998.
  • 15. Berger PL, Luckmann T. A construção social da realidade. Petrópelis (RJ): Vozes; 1999.
  • 16. Bourdieu P. O poder simbólico. Rio de Janeiro (RJ): Difel; 1989.
  • 17. Farah MFS. Gênero e políticas públicas. Rev Estudos Fem 2004 abril; 12(1):47-71.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Aceito
    13 Set 2006
  • Recebido
    14 Jul 2005
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br