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Por um Sistema de Saúde Integrador


São considerados como grandes desafios no campo da saúde, a oferta de qualidade, equidade e acesso universal a todos que, de forma individual ou coletiva, busquem respostas às suas necessidades. No contexto sanitário atual, inúmeros países em diferentes graus de desenvolvimento têm envidado esforços para a garantia destes objetivos, os quais são distintos quando comparados a décadas passadas: o rápido envelhecimento populacional; a violência com contornos de epidemia declarada; a excessiva carga das condições crônicas (transmissíveis ou não transmissíveis); os acidentes por causas externas; a iatrogenia dos serviços de saúde; a segurança do usuário; entre outros; constituindo-se como desafios no campo assistencial e gerencial.

Apesar do fortalecimento e da discriminação positiva das políticas públicas voltadas aos idosos, o aumento do número de idosos e da expectativa de vida tem sido vertiginoso nas últimas décadas. Estima-se que, em diversos países, as populações idosas acima de 60 anos terão representatividade de 30% sobre a população geral(11. Telles JL, Borges APA. Velhice e Saúde na Região da África Subsaariana: uma agenda urgente para a cooperação internacional. Ciênc. saúde coletiva. 2013;18(12):3553-62.). Estes fatores impõem desafios aos diferentes níveis assistenciais - atenção primária, secundária e terciária - onde adultos e idosos têm utilizado cada vez mais a assistência, face às características individuais do processo de envelhecimento. Exige-se, portanto, adequabilidade e inovação nos diferentes níveis de atenção, promovendo um envelhecimento saudável e reduzindo os riscos evolutivos dos processos fisiopatológicos das doenças crônicas. De forma geral, um processo que afeta a qualidade de vida dessa população são as doenças crônicas não transmissíveis, que quando agudizadas aumentam precocemente a mortalidade, apesar dos avanços técnico-científicos no campo da saúde. Tais fatores têm impactado negativamente, do ponto de vista econômico, os sistemas de saúde, as famílias e indivíduos, agravando as iniquidades sociais(22. Malta DC, Gosch CS, Buss P, Rocha DG, Rezende R, Freitas PC, et al. Doenças crônicas Não transmissíveis e o suporte das ações intersetoriais no seu enfrentamento. Ciênc. saúde coletiva. 2014;19(11):4341-50.).

No que tange à violência, o conceito tem sido difundido globalmente pela Organização Mundial da Saúde, ancorado na ideia da associação de intencionalidade e realização do ato, independentemente do resultado produzido. Assim, cotidianamente os serviços de saúde deparam-se com inúmeras tipologias de casos de violência, com consequências e repercussões imediatas ou latentes sobre os estratos populacionais mais vulneráveis, condicionando os serviços de saúde a novas adaptações no enfrentamento destes processos. As consequências da violência incidem de diferentes formas sobre diferentes níveis do sistema de saúde, com incremento dos custos em tratamento, além das repercussões do absenteísmo no trabalho e redução na produtividade laboral(33. Dahlberg LL, Krug EG. Violência: um problema global de saúde pública. Ciênc. saúde coletiva. 2006;11(Suppl.):1163-78. ). Além do custo social e emocional, impossíveis de mensuração, para indivíduos e famílias acometidas pela violência.

As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) têm ocupado a agenda da saúde, necessitando de interlocuções e articulações intersetoriais para enfrentamento de sua magnitude e alto custo social. As diferenças expressivas dentro de um mesmo país - de gênero, grupos étnico-raciais e estratos socioeconômicos - concorrem na distribuição da carga das doenças, em especial sobre as populações em situação de vulnerabilidade social, devido à menor ascensão de renda, baixa escolaridade e dificuldades de acesso aos serviços de saúde. Assim, o contexto das DCNTs constitui-se como um dos fatores para as iniquidades em saúde, exigindo uma ação intersetorial do sistema de saúde, com o objetivo de reduzir tais iniquidades(22. Malta DC, Gosch CS, Buss P, Rocha DG, Rezende R, Freitas PC, et al. Doenças crônicas Não transmissíveis e o suporte das ações intersetoriais no seu enfrentamento. Ciênc. saúde coletiva. 2014;19(11):4341-50.).

Os acidentes por causas externas são um dos principais problemas de saúde pública em diversos países, sendo a principal causa de mortes até os quarenta anos de idade entre a população total. Assim, pode ter início abrupto, decorrente de violência ou de causa exógena - lesões ocasionadas por acidentes automobilísticos, quedas, homicídios, agressões, afogamentos, envenenamentos, suicídios, queimaduras, lesões, desastres naturais, além de circunstâncias ambientais. Não há como mensurar os impactos social e econômico ocasionados pela morbimortalidade; custos diretos e indiretos ao sistema de saúde e famílias; anos potenciais de vida perdidos; e o impacto emocional para os indivíduos e famílias(44. Sakran JV, Greer SE, Werlin E, McCunn M. Care of the injured worldwide: trauma still the neglected disease of modern society. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2012;20:64.-55. Heinrich S, Rapp K, Rissmann U, Becker C, König HH. Cost of falls in old age: a systematic review. Osteoporos Int. 2010;21(6):891-902.). Associado à importância em reconhecer as circunstâncias em que ocorre o trauma, está o conhecimento de quais fatores estão relacionados a este evento. O mesmo traz elementos fundamentais para o desenvolvimento de políticas públicas preventivas, promocionais e de reabilitação, que podem reduzir a morbidade e mortalidade ocasionadas pelo trauma. Assim, a violência constitui-se como um desafio à organização do sistema de saúde, desde a atenção primária até o nível terciário, devendo incorporar-se à agenda do campo da saúde.

As situações que envolvem adventos iatrogênicos e a segurança do usuário, relacionados ao campo assistencial, é um fenômeno complexo e, apesar dos avanços da ciência - no que tange às inovações tecnológicas relacionadas à assistência e gestão dos sistemas de saúde, dos quais beneficiam-se profissionais da saúde, gestores e usuários dos serviços de saúde - não tem sido superadas. Consideram-se iatrogenias, os eventos indesejáveis ou não intencionais que reduzem consideravelmente as chances de segurança dos usuários do sistema de saúde. Estas têm sido abordadas a partir de diferentes visões, como econômicas, éticas, legais, avaliações de serviços de saúde, dentre outras. No entanto, mesmo com a possibilidade de reconhecimento, ainda é difícil avaliar as circunstâncias causa e efeito que envolvem esse advento junto ao sistema de saúde, dado às dificuldades éticas legais que envolvem a notificação destas ocorrências.

As iatrogenias e a segurança dos usuários são novos desafios aos sistemas de saúde. Associa-se a esses adventos, uma parcela considerável de profissionais de saúde sem estabilidade empregatícia ou em condição de precariedade nas relações trabalhistas; também incorporam-se a essa condição, a limitação quanto aos aspectos qualitativos dos recursos humanos, uso inadequado das tecnologias leve-duras e duras, bem como a descontinuidade da atenção aos usuários do sistema de saúde. Ainda, acresce-se ao rol de razões, a falta de articulação entre ensino, pesquisa e assistência, substanciada pela ausência de instrumentos qualificadores da assistência, como a prática baseada em evidências, norteadora das boas práticas em saúde.

Deve-se reconhecer que o atual sistema de saúde carece de profunda rearticulação entre seus níveis assistenciais, apesar dos avanços do setor saúde nas ultimas décadas. A constituição das redes assistenciais, em destaque o cenário do contexto da saúde, é um forte potencial para o impedimento das iniquidades assistenciais no contexto geográfico brasileiro, cuja concentração dos serviços de saúde nas regiões mais desenvolvidas economicamente coloca em xeque os princípios que norteiam a organização da rede assistencial, fortalecido pelo subfinanciamento crônico do sistema de saúde brasileiro.

Muitos são, portanto, os desafios do sistema de saúde brasileiro. Em relação ao financiamento do sistema são necessárias adequabilidade e compatibilidade às demandas do setor saúde, assegurando minimamente os fundamentos essenciais do pensamento sanitário quanto à universalidade, igualdade e sustentabilidade do setor, de forma prospectiva igualitária e equitativa. Torna-se necessária adequabilidade e definição dos papéis dos prestadores de serviços, e a participação da sociedade civil organizada, assim como a definição clara da participação do terceiro setor na área assistencial e gerencial, com valorização adequada e qualitativa dos profissionais de saúde. Ainda, a readequação do modelo de atenção no atendimento às rápidas mudanças demográficas e epidemiológicas do país, incorporando tecnologias assistenciais adequadas ao perfil sanitário, o enfrentamento rápido da epidemia da violência e a promoção da qualidade do cuidado e da segurança dos usuários em todos os níveis do sistema de saúde. Por fim, evidencia-se que as ações setoriais no campo da saúde necessitam de rápida incorporação de ações estratégicas intersetoriais, como forma de enfrentamento das diferentes demandas, as quais não são de competência única do setor saúde, mas também de práticas integradoras resolutivas.

References

  • 1
    Telles JL, Borges APA. Velhice e Saúde na Região da África Subsaariana: uma agenda urgente para a cooperação internacional. Ciênc. saúde coletiva. 2013;18(12):3553-62.
  • 2
    Malta DC, Gosch CS, Buss P, Rocha DG, Rezende R, Freitas PC, et al. Doenças crônicas Não transmissíveis e o suporte das ações intersetoriais no seu enfrentamento. Ciênc. saúde coletiva. 2014;19(11):4341-50.
  • 3
    Dahlberg LL, Krug EG. Violência: um problema global de saúde pública. Ciênc. saúde coletiva. 2006;11(Suppl.):1163-78.
  • 4
    Sakran JV, Greer SE, Werlin E, McCunn M. Care of the injured worldwide: trauma still the neglected disease of modern society. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2012;20:64.
  • 5
    Heinrich S, Rapp K, Rissmann U, Becker C, König HH. Cost of falls in old age: a systematic review. Osteoporos Int. 2010;21(6):891-902.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Feb-Apr 2015
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