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Compreendendo o processo de viver significado por pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio

Resumos

OBJETIVO: compreender os significados sobre o processo de viver para pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio, e construir um modelo teórico explicativo. MÉTODO: utilizou-se a Teoria Fundamentada nos Dados, com coleta dos dados realizada de outubro/2010 a maio/2012, numa instituição de saúde referência em cirurgia cardíaca, localizada no Sul do Brasil. Entrevistaram-se 33 sujeitos (pacientes, profissionais de saúde e familiares), distribuídos em 4 grupos amostrais. RESULTADO: o modelo teórico explicativo foi constituído por 11 categorias e pelo fenômeno central. O serviço de referência e o programa de reabilitação cardíaca formaram o contexto, a descoberta da doença cardíaca e os sentimentos vivenciados, durante o período perioeratório, foram causa e condições interventoras no processo de viver a cirurgia de revascularização do miocárdio. As estratégias foram contar com apoio da família, ter fé, esperança e participar do programa de reabilitação. As principais consequências desse processo foram o enfrentamento das mudanças e consequentes limitações, dificuldades e adaptações ao novo estilo de vida, após a cirurgia. CONCLUSÃO: o processo de viver a cirurgia de revascularização do miocárdio se configura como oportunidade para a manutenção da vida do paciente, associada às necessidades de enfrentamento das significativas mudanças no estilo de vida.

Cirurgia Torácica; Enfermagem; Revascularização Miocárdica; Dor


OBJECTIVE: To understand the meanings for the process of living, for patients undergoing myocardial revascularization surgery, and to construct an explanatory theoretical model. METHOD: Grounded Theory was used, with data collection undertaken between October 2010 and May 2012, in a health institution which specializes in cardiac surgery, located in the south of Brazil. Thirty-three subjects were interviewed (patients, health care professionals and family members), distributed in four sample groups. Result: The explanatory theoretical model was comprised of 11 categories and the central phenomenon. The specialized service and the cardiac rehabilitation program formed the context, the discovery of the cardiac disease and the feelings experienced during the perioperative period were the cause and intervening conditions in the process of experiencing the myocardial revascularization surgery. The strategies were relying on the family's support, having faith and hope, and participating in the rehabilitation program. This process's main consequences were the confrontation of the changes and the resulting limitations, difficulties and adaptations to the new lifestyle after surgery. CONCLUSION: The process of experiencing the myocardial revascularization surgery constitutes an opportunity for maintaining the patient's life associated with the needs for confronting the significant changes in lifestyle.

Thoracic Surgery; Nursing; Myocardial Revascularization; Pain


OBJETIVO: Comprender los significados sobre el proceso de vivir para pacientes sometidos a la cirugía de Revascularización do Miocardio, y construir un modelo teorético explicativo. MÉTODO: se utilizó la Teoría Fundamentada en los datos con colecta realizada de octubre/2010 a la mayo/2012, en una institución de salud referencia en cirugía cardíaca localizada al sur de Brasil. Se entrevistó 33 sujetos (pacientes, profesionales de salud y familiares), distribuidos en 4 grupos de la muestra. RESULTADO: El modelo teorético explicativo fue constituido por 11 categorías y por el fenómeno central. El servicio de referencia y el programa de rehabilitación cardíaca formaron el contexto, el hallazgo de la enfermedad cardíaca y los sentimientos vividos durante período pre-operatorio fueron causa y condiciones interventoras en el proceso de vivir la cirugía de revascularización del miocardio. Las estrategias fueron a contar con apoyo de la familia, tener fe, esperanza y participar del programa de rehabilitación. Las principales consecuencias de este proceso fueron el enfrentamiento de los cambios y consecuentes limitaciones, dificultades y adaptaciones al nuevo estilo de vida después de la cirugía. CONCLUSIÓN: El proceso de vivir la cirugía de revascularización del miocardio se configura como una oportunidad para el mantenimiento de la vida del paciente asociada a las necesidades de enfrentamiento de los significativos cambios en el estilo de vida.

Cirugía Torácica; Enfermería; Revascularización Miocárdica; Dolor


ARTIGO ORIGINAL

IPhD, Professor Titular, Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

IIDoutoranda, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

IIIMSc, Enfermeira

IVDoutoranda, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

VAluna do curso de graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: compreender os significados sobre o processo de viver para pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio, e construir um modelo teórico explicativo.

MÉTODO: utilizou-se a Teoria Fundamentada nos Dados, com coleta dos dados realizada de outubro/2010 a maio/2012, numa instituição de saúde referência em cirurgia cardíaca, localizada no Sul do Brasil. Entrevistaram-se 33 sujeitos (pacientes, profissionais de saúde e familiares), distribuídos em 4 grupos amostrais.

RESULTADO: o modelo teórico explicativo foi constituído por 11 categorias e pelo fenômeno central. O serviço de referência e o programa de reabilitação cardíaca formaram o contexto, a descoberta da doença cardíaca e os sentimentos vivenciados, durante o período perioeratório, foram causa e condições interventoras no processo de viver a cirurgia de revascularização do miocárdio. As estratégias foram contar com apoio da família, ter fé, esperança e participar do programa de reabilitação. As principais consequências desse processo foram o enfrentamento das mudanças e consequentes limitações, dificuldades e adaptações ao novo estilo de vida, após a cirurgia.

CONCLUSÃO: o processo de viver a cirurgia de revascularização do miocárdio se configura como oportunidade para a manutenção da vida do paciente, associada às necessidades de enfrentamento das significativas mudanças no estilo de vida.

Descritores: Cirurgia Torácica; Enfermagem; Revascularização Miocárdica; Dor.

Introdução

As doenças do aparelho circulatório possuem elevada incidência no contexto mundial e nacional, sendo consideradas a principal causa de morte e incapacidade no Brasil e no mundo(1). O tratamento das doenças cardiovasculares pode ser clínico ou cirúrgico, sendo o tratamento cirúrgico considerado como opção eficaz no tratamento de doenças cardíacas isquêmicas(2) e indicado quando representa maior sobrevida ao paciente(3). Além do aumento da expectativa de vida, pacientes submetidos a revascularização do miocárdio apresentaram melhor avaliação da qualidade de vida em até seis meses, após o procedimento cirúrgico(4).

O procedimento cirúrgico é percebido pelo paciente, algumas vezes, como um evento relacionado à incapacidade e/ou alteração da imagem corporal(5), e por se tratar de situação atípica e estressante para o paciente, torna-o vulnerável tanto no pré quanto no pós-operatório, gerando danos à sua recuperação. Através das dúvidas e incertezas apresentadas pelos pacientes acerca da educação alimentar, prática de exercícios físicos, retorno ao trabalho, prática de atividades diárias, dificuldades com as incisões cirúrgicas, prática de atividade sexual, consumo de bebida alcoólica e uso de medicações percebe-se que esse procedimento tem importante impacto no processo de viver do paciente cardíaco(6).

Importa à enfermagem conhecer as experiências, o modo de viver, ser saudável e adoecer do ser revascularizado, buscando compreender os significados das experiências vividas pelos sujeitos e contribuir para as relações de cuidado, uma vez que apresentam significativa interface na aderência ao autocuidado e incremento no processo de reabilitação(7). A enfermagem pode atuar no sentido de oferecer/exercer cuidado personalizado, criativo, compreensivo, contemplando a totalidade e complexidade do ser humano(8).

Diante do exposto, questiona-se: como os pacientes significam seu processo de viver após a experiência cirúrgica de revascularização do miocário (RVM)? E, objetivou-se: compreender os significados sobre o processo de viver para pacientes submetidos a cirurgia de RVM, e construir um modelo teórico explicativo. Estudos dessa natureza viabilizam a compreensão da experiência vivida pelo paciente cirúrgico, contribuindo para a assistência de enfermagem, ensino e pesquisa. Sobretudo, possibilita à enfermagem pensar/refletir sobre suas ações de cuidado ao paciente cardíaco, compreendendo-a na sua multiplicidade de ser e aliando o conhecimento científico às ações humanas de cuidado.

Método

Trata-se de estudo de natureza qualitativa, que utilizou a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) como referencial metodológico, a qual permite explorar os significados dos fenômenos, gerando teorias substantivas que se constituem em guias para a ação(9).

O cenário elegido foi uma instituição de saúde, referência em cirurgia cardíaca, localizada no Sul do Brasil. A seleção dos participantes foi intencional com base no objetivo do estudo. Utilizou-se como critério para inclusão, para compor o primeiro grupo amostral: pacientes com mais de 18 anos, que tivessem realizado RVM na instituição referência em cirurgia cardíaca, há pelo menos 30 dias. A coleta de dados foi realizada com entrevista individual, semiestruturada, gravada em meio digital, na própria instituição ou na residência dos participantes, nos meses de outubro de 2010 a maio de 2012. Utilizou-se como questão inicial: fale-me sobre sua experiência de ter realizado cirurgia de RVM. O encaminhamento das demais questões foi direcionado pelas pesquisadoras, a partir das respostas dos entrevistados.

Participaram do estudo 33 sujeitos, que foram divididos em 4 grupos amostrais. O primeiro grupo foi formado por 8 pacientes, os quais referiram sobre a importância da presença dos profissionais da saúde e dos familiares no processo perioperatório. O segundo grupo foi composto por 2 enfermeiras, uma proveniente da unidade de terapia intensiva (UTI) e a outra da unidade de internação coronariana; 2 médicos, um atuante no ambulatório de especialidade médicas e outro na UTI; um educador físico e um técnico de enfermagem, ambos lotados no serviço de reabilitação. O terceiro grupo foi formado por 4 pacientes e 5 familiares (cuidadores diretos). O quarto grupo foi constituído por outros 10 pacientes visando a confirmação das hipóteses levantadas. A saturação teórica foi atingida nesse momento.

A coleta e a análise dos dados ocorreram simultaneamente, seguindo as etapas propostas pela TFD: codificação aberta, axial e seletiva. Na codificação aberta, os dados foram analisados linha por linha com o objetivo de identificar cada incidente, formando os códigos preliminares. Na codificação axial, os dados foram agrupados, visando relacionar categorias às suas subcategorias, no sentido de se obter explicação mais clara e completa sobre o fenômeno, assim como das suas propriedades e dimensões. Na fase da codificação seletiva, as categorias e subcategorias encontradas anteriormente foram comparadas e analisadas continuamente com o objetivo de integrar e refinar a teoria, identificando, dessa forma, a categoria central. A seguir, foi desenvolvida a explicação teórica das categorias, conforme o modelo paradigmático(9). Utilizou-se como referencial teórico a Teoria da Complexidade(8).

Do processo de análise, emergiram 11 categorias que, inter-relacionadas, sustentam o fenômeno "percebendo o processo de viver a cirurgia de RVM como uma oportunidade para a manutenção da vida, associada ao enfrentamento das significativas mudanças no estilo de vida". A validação do modelo teórico foi efetivada por um paciente não depoente que realizou cirurgia de RVM na instituição, e uma pesquisadora, enfermeira, expertise no método.

Foram respeitados os aspectos éticos nas diversas etapas da pesquisa(8). Para garantir o anonimato dos participantes, optou-se pelas iniciais E, P, F e PA, que identificam, respectivamente, o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto grupos amostrais, seguidas de números ordinais, de acordo com a ordem dos depoimentos.

Resultados

O fenômeno "percebendo o processo de viver a cirurgia de RVM como uma oportunidade para a manutenção da vida, associada ao enfrentamento das significativas mudanças no estilo de vida" é composto por 11 categorias, organizadas em 5 componentes, conforme o modelo paradigmático(9), cuja apresentação gráfica está disponível na Figura 1.


Contexto

As categorias "conhecendo o serviço de referência" e "entendendo o programa de reabilitação" apresentam o contexto no qual o fenômeno se desenvolve. O hospital é valorizado por ser uma instituição referência em cardiologia, que realiza transplantes e cirurgias de grande porte, todavia, apresenta fragilidades de diversas ordens. Dentre as fragilidades ressalta-se a falta de leitos, de aparelhos e de profissionais, as quais geram filas de espera e repercussões significativas para o paciente, como descreve o depoimento do profissional. O motivo para lentidão no atendimento é falta de leito, não falo só de leito de UTI de unidade coronariana, mas leitos no setor. [...] A estrutura está sucateada. Está faltando muita coisa e falta o mais importante o humano, falta mão de obra (P2).

A unidade de terapia intensiva (UTI) foi citada pelos participantes como um cenário cruel. Nas primeiras horas de pós-operatório da cirurgia de RVM, ao acordar, o paciente se percebe com o tubo orotraqueal, com drenos e dores, e identifica sons que potencializam a sensação de desconforto. O sono e o repouso são dificultados pela presença constante dos profissionais, pela frequente monitorização e administração de medicamentos.

Para o acompanhamento do paciente na sua recuperação, existe, na instituição, o programa de reabilitação cardíaca, criado em 1997, com o objetivo de dar suporte na realização de atividades físicas, haja vista que nem todas as unidades básicas de saúde do Estado oferecem esse serviço. Esse programa, gradativamente, tem sido valorizado e recebido melhorias da instituição, as quais são evidenciadas através da ampliação da estrutura física e do número de equipamentos. O tempo de reabilitação para cada paciente é respeitado pelos profissionais e há pacientes que continuam vinculados ao programa por anos.

Condição causal

O fenômeno é desencadeado pela categoria "relatando a descoberta da doença cardíaca", que contempla desde os primeiros sinais e sintomas do infarto agudo do miocárdio até a vivência do processo cirúrgico. Os participantes relatam que antes da cirurgia possuíam uma vida ativa, com sobrecarga de trabalho, hábito frequente de realizar refeições ricas em gorduras saturadas e animais (carnes vermelhas) e consumo de álcool e/ou fumo, associados ao sedentarismo e ao não acompanhamento da situação de saúde.

A descoberta da doença cardíaca não foi uma surpresa para a maioria, uma vez que já tinham conhecimento sobre a presença de fatores hereditários. As manifestações iniciais, tais como dor no braço e no peito, tontura, sudorese e sensação de morte iminente fizeram com que os participantes se dirigissem a diferentes serviços de saúde: unidades locais de saúde, unidades de pronto-atendimento e emergências.

Embora todos os pacientes tenham realizado RVM, alguns, inicialmente, realizaram cateterismo cardíaco seguido de angioplastia, com aplicação de stents, enquanto outros tiveram indicação de revascularização como intervenção prioritária. Associado ao relato dos médicos sobre a necessidade de realização cirúrgica, alguns participantes denotaram a vontade de se submeter a cirurgia para a manutenção da vida. Conforme ilustra a fala a seguir. Eu tinha 1% de chance de sobreviver. [...] Quando chegou a hora de me levar para cirurgia, aquele carrinho era a alegria. Parece que eu estava mudando de vida (E3).

A equipe de saúde, em especial a de enfermagem, destina atenção especial às orientações pré-operatórias aos pacientes e aos familiares, por meio de encontros grupais e/ou individualmente, visando minimizar o estresse da hospitalização e do processo cirúrgico, diminuir a ansiedade e as possíveis complicações.

Condições intervenientes

As condições que interferem no processo de viver dos pacientes submetidos a RVM são apresentadas em duas categorias. Na primeira categoria, "contrastando sentimentos vivenciados durante a internação", é revelado que o medo da morte e da anestesia, os riscos da cirurgia e o afastamento da família atuam como barreira no aceite do procedimento cirúrgico. Alguns pacientes se sentiam tristes, desesperados, com vontade de chorar constantemente por não desejarem realizar o procedimento. No entanto, outros receberam de forma muito calma a notícia, orgulhando-se por terem coragem para realizar o procedimento cirúrgico.

Os participantes destacam a competência e o bom relacionamento interpessoal com a equipe de saúde. Aos enfermeiros e equipe de enfermagem enfatizam a gratidão pelos cuidados diretos, pelo apoio emocional e confiança.

Os participantes consideraram a espera pela cirurgia como um obstáculo no processo de viver dos pacientes submetidos a RVM, pois, aguardar pela cirurgia, aumenta a ansiedade e pode ocasionar piora da condição clínica de saúde. Alguns pacientes aguardaram desconfortavelmente em leitos nos corredores da emergência por vagas na unidade de internação e, posteriormente, por vaga na UTI, aumentando ainda mais o temor de não sair com vida do procedimento cirúrgico.

Na segunda categoria, "desvelando a percepção no período pós-operatório", são descritas as primeiras horas após a cirurgia. Os pacientes, ao acordar, se percebiam desorientados no tempo e no espaço, sentiam desconforto com as luzes acesas constantemente e angustiados pela impossibilidade de falar devido à presença do tubo orotraqueal, sentiam dor e desconforto no momento da extubação e dor na incisão torácica a cada episódio de tosse.

A RVM traz consigo muitos questionamentos em relação ao futuro, como a incapacidade para o trabalho, a efetivação da aposentadoria e a redução da renda familiar. O profissional de enfermagem é compreendido como um alicerce, que dá atenção, orienta e conduz os enfrentamentos necessários, como ilustram os depoimentos a seguir. Eles se apegam conosco, se você der atenção de verdade, eles querem aquela pessoa de confiança (P3). Foi difícil ir para casa. Aqui eu tinha enfermeiras, médicos, tudo à minha volta. Em casa era só eu e meu marido (PA4).

Os profissionais apontam a continuidade do tratamento como um obstáculo, pois conhecem as dificuldades para a marcação de consultas na agenda dos profissionais da Atenção Básica e a dificuldade para a aquisição de medicamentos com recursos próprios, quando não disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Estratégias

Emergiram da análise três categorias que compõem as estratégias utilizadas para o alcance do fenômeno. A categoria "percebendo a família no enfrentamento da doença" descreve que a família é envolvida pelos profissionais nos encontros de orientação pré e pós-operatória, sendo enfatizada a sua importância no acompanhamento do paciente, na oferta de apoio e segurança e na contribuição para a diminuição da ansiedade e do estresse cirúrgico.

Após a alta, apesar do cuidado e da cooperação familiar favorecerem a recuperação do paciente, situações de atrito familiar causam prejuízos emocionais, de interação social e familiar, em especial pelas cobranças dos familiares aos pacientes sobre mudanças no estilo de vida. Todavia, verifica-se a importância da autonomia do paciente para o autocuidado, conforme depoimento do profissional, a seguir. A gente faz um estímulo para que eles também assumam o controle, também do processo de tratamento e prevenção secundária (P5).

A categoria "tendo fé e esperança" aponta a utilização de recursos espirituais pelos pacientes como fonte de esperança e para o enfrentamento do processo cirúrgico. Os profissionais afirmam incentivar a utilização desse subsídio.

A categoria "participando do programa de reabilitação" discute a iniciação dos pacientes no programa de reabilitação cardíaca, ainda na internação hospitalar, informando sobre as vantagens da participação do programa, como o acompanhamento médico facilitado, e envolvendo a família no processo.

A participação no programa de reabilitação cardíaca é comprometida devido à condição socioeconômica desfavorável de alguns pacientes que, por morarem distantes da instituição e dependerem de transporte, abandonam o programa. Nesses casos, orienta-se sobre a participação do paciente em outros grupos que trabalhem o recondicionamento físico, considerando a cirurgia cardíaca.

Consequências

A categoria "enfrentando as mudanças e consequentes limitações, dificuldades e adaptações ao novo estilo de vida, após a cirurgia de RVM" destaca a necessidade de o paciente parar de trabalhar, uma das primeiras e mais difíceis decisões a serem tomadas. Muitos associam o fato de ter que parar de trabalhar como se estivessem ceifando a própria vida, conforme a assertiva: Eu comecei a chorar, se vocês me tirarem isso aí [o trabalho], vocês estarão tirando minha vida, porque eu sempre fui acostumada a trabalhar (E2).

A alteração da rotina ocupacional afeta o aspecto emocional e também a condição econômica e financeira do sujeito, pois, muitas vezes, eram provedores financeiros da família. A indisponibilidade de medicamento(s) para o tratamento cardíaco no SUS e a necessidade de o paciente ter que adquiri-lo com recursos próprios pode afetar o orçamento familiar e comprometer a adesão ao tratamento, conforme relato dos pacientes.

Foi destacado pelos participantes o desafio de retomar a vida sexual após a cirurgia. Entretanto, as mudanças podem ser superadas quando o companheiro compreende as necessidades e as novas possibilidades de obter prazer.

Com a orientação e acompanhamento da equipe de saúde, o paciente compreende que a atividade física é uma ferramenta de superação, facilitadora e benéfica para o seu bem viver. Em contraposição, o paciente denota a ideia de privação e de limitação das atividades habituais, tidas como prazerosas, mas maléficas à saúde. Relativamente ao aspecto social, gradualmente os familiares percebem e se preocupam com o afastamento do indivíduo revascularizado do convívio familiar, dos filhos, dos netos, dos amigos.

Discussão

Compreendendo que os seres humanos são complexos e sofrem interferência dos movimentos/ações/influências de sua rede de relações e interações(8), pode-se vislumbrar o quão significativo é o processo de RVM, observando-se, inclusive, impacto na esfera social e econômica.

O demasiado tempo de espera para a realização da cirurgia, que gera ansiedade e desconforto para os pacientes e familiares, segundo pesquisa realizada em um hospital de ensino público do Rio de Janeiro, pode ser justificado pela falta de vaga no pós-operatório, condição que justifica o adiamento das cirurgias cardíacas e, consequentemente, aumento do tempo de internação dos pacientes(10). Esse fato compromete a dinâmica institucional diária, resulta em elevação dos custos públicos e aumento do risco de infecção hospitalar para o paciente que aguarda a cirurgia(10).

Os índices de ansiedade e de depressão em pacientes no pré-operatório de cirurgia cardíaca são elevados, em especial nos idosos, considerando que a internação prolongada favorece esses transtornos emocionais. A ansiedade tende a aumentar o índice de dor e, como consequência, o uso de analgesia no pós-operatório(11). No pós-operatório o paciente se depara com um ambiente de cuidados intensivos (UTI) que, devido às rotinas rígidas e inflexíveis, acarreta ao paciente perturbação do repouso, perda da privacidade e da autonomia(12).

Considerando que os pacientes relatam sentir dor no pós-operatório imediato, provavelmente devido à inserção de drenos, da incisão cirúrgica e da tosse, a administração de opioides e analgésicos para controle da dor se torna necessária para o conforto do paciente e para a redução das alterações fisiológicas, decorrentes da dor, como a elevação da pressão arterial e da frequência respiratória(13). Os profissionais de enfermagem podem atuar de forma atenta para garantir cuidado que consiga responder pelas múltiplas dimensões e necessidades do ser humano, refletindo sobre suas necessidades físicas, emocionais, relacionais, dentre outras, no sentido de tornar o ambiente e a experiência menos traumatizante(8).

Constata-se que a reabilitação cardíaca iniciada ainda no período pré-operatório permite, além da diminuição nas taxas de complicações pós-operatórias e, consequentemente, diminuição no tempo de internação hospitalar, que o paciente esteja mais preparado para enfrentar a cirurgia(12).

O aparecimento da doença cardiovascular é relacionado ao estilo de vida estressante e aos hábitos de vida considerados poucos saudáveis pelos pacientes deste estudo, condições verificadas em pesquisa similar, na qual os pacientes descrevem e justificam como principais fatores para o aparecimento da doença cardíaca o estresse, as doenças crônicas de base, como hipertensão e diabetes, os hábitos alimentares inadequados, como ingestão de gordura, o tabagismo e o sedentarismo(14). Verifica-se que o controle desses fatores de risco cardiovasculares é importante para a prevenção da doença(15).

Conforme pesquisa realizada no Pronto-socorro Cardiológico de Pernambuco, constata-se que, independentemente de ser um primeiro episódio de infarto ou de ser um novo evento, os pacientes apresentam resposta imediata inadequada aos sintomas ao tomar analgésico e fazer repouso, prorrogando a procura de emergência dos serviços de saúde. Tal atitude revela a falta de reconhecimento das manifestações clínicas da doença e tendem a piorar os desfechos intra-hospitalares ao paciente(16).

Os cuidados da equipe de saúde, sejam clínicos ou interativos, são considerados essenciais para o paciente cardíaco. Na perspectiva da complexidade, o cuidado é entendido como um processo de interações e associações entre os seres, possibilitando conexões a partir de forças subjetivas entre o ser cuidado e o cuidador, sendo parte do sistema de saúde, dinamizando-o, organizando-o e coorganizando-se junto aos demais sistemas sociais(8). Além dos cuidados profissionais recebidos, a espiritualidade é percebida como coadjuvante, um suporte utilizado pelos pacientes cardíacos para os enfrentamentos dos momentos de crise, como é o caso da doença cardíaca e do processo cirúrgico(17).

A participação no programa de reabilitação cardíaca, após a alta hospitalar, além de contribuir para a manutenção do condicionamento físico do paciente, favorece sua interação social, diminuindo os índices de depressão e ansiedade, após a cirurgia de RVM(18). Os grupos de reabilitação proporcionam motivação para a mudança e são importantes para a evolução e continuidade do processo educativo.

No entanto, frequentemente os pacientes apresentam dificuldades para realizar a manutenção dos cuidados recomendados pelos profissionais de saúde, para a prevenção de eventos cardiovasculares. A adesão aos cuidados é influenciada pelo significado de saúde, doença cardíaca e risco pessoal atribuídos pelos pacientes, bem como pelo status socioeconômico, motivação e desejo de mudança, autoeficácia, e por fontes de informação em saúde consideradas seguras, sendo constituída de relação concordante entre profissional de saúde e paciente, por meio da utilização de ferramentas adequadas no processo interativo(19).

Ressalta-se que estudo realizado com cardiopatas, para avaliar a efetividade de um programa educativo de enfermagem no melhoramento dos comportamentos de autocuidado em pacientes com insuficiência cardíaca, constatou que encontros educativos, visitas domiciliárias, telenfermagem e cartilha impressa apresentam efeito benéfico sobre o processo de aderência e de manutenção do tratamento(20). Assim, torna essencial o investimento em inovação e aprimoramento das estratégias de cuidado para acompanhamento dos pacientes cardiopatas pela equipe de enfermagem, ao longo do tempo.

Os pacientes evitam falar sobre sexo e referem receio em relação à prática sexual após a cirurgia. Os cônjuges normalmente entendem a fragilidade de seu companheiro após o evento cardíaco, agindo com mais delicadeza ou respeito, no entanto, confirmam que, após a cirurgia cardíaca, a frequência das relações sexuais diminui(21). Faz-se necessário discutir a sexualidade do paciente cardíaco, utilizando-se de linguagem adequada e criando ambientes adequados de discussão. A formação complementar dos profissionais de saúde, assim como pesquisas sobre orientação sexual no pós-operatório são necessárias para avaliar problemas dessa ordem e aconselhar adequada e oportunamente o pacientes cardíaco e seu cônjuge(22).

Conclusão

Os resultados deste estudo evidenciaram o fenômeno "percebendo o processo de viver a cirurgia de RVM como uma oportunidade para a manutenção da vida, associada ao enfrentamento das significativas mudanças no estilo de vida", a partir da inter-relação das onze categorias encontradas e do modelo teórico paradigmático construído.

No que tange às limitações do estudo, destaca-se que a coleta dos dados foi realizada somente com pacientes e profissionais, provenientes de uma instituição referência em cirurgia cardíaca, que oferece acompanhamento ambulatorial com estruturado programa de reabilitação. Dessa forma, sugere-se a produção de estudos posteriores com indivíduos revascularizados de outras instituições e que não estejam em programa de reabilitação, visando identificar outras especificidades.

O processo de viver a cirurgia de RVM se configura como oportunidade para a manutenção da vida do paciente, associada às necessidades de enfrentamento das significativas mudanças no estilo de vida. Manter a vida quer pela oportunidade de estar sendo submetido a um tratamento cirúrgico complexo quer pela necessidade de ter que mudar o estilo de vida são estados e condições muito fortes, experienciados pelas pessoas fragilizadas física e emocionalmente, diante de doenças cardíacas isquêmicas. Os resultados deste estudo apontam significados importantes para serem considerados no cuidado de enfermagem às pessoas submetidas a cirurgia de RVM, principalmente no que tange à manutenção de relações de cuidado amistosas, de confiança e de suporte emocional para superar as ausências familiares e as mudanças no estilo de vida. Ainda, destaca-se que o processo de educação em saúde deve ser um constante no processo de viver de pacientes revascularizados, visando a manutenção e motivação para o autocuidado e hábitos saudáveis.

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  • Compreendendo o processo de viver significado por pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio

    Alacoque Lorenzini ErdmannI; Gabriela Marcellino de Melo LanzoniII; Giovana Dorneles CallegaroIII; Maria Aparecida BaggioIV; Cíntia KoerichV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      09 Jun 2012
    • Aceito
      14 Nov 2012
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