Validação de marcadores de vulnerabilidade de lactentes para disfunções em seu desenvolvimento socioemocional

RESUMO

Objetivos:

validar marcadores de vulnerabilidade à disfunções no desenvolvimento socioemocional de lactentes.

Métodos:

pesquisa de método exploratório sequencial misto. Os marcadores de vulnerabilidade elaborados na fase qualitativa foram analisados por especialistas na fase quantitativa utilizando a técnica Delphi com consenso mínimo de 70%. Dezessete juízes responderam o questionário na primeira rodada de análise e 11 responderam na segunda rodada.

Resultados:

na primeira rodada, dois marcadores não alcançaram o consenso mínimo: presença de instabilidade nas relações familiares (66%) e situação de delinquência e/ou abuso dos pais/cuidadores (65%). Na segunda rodada, todos os marcadores foram validados, com mais de 90% de concordância na maioria dos atributos, e alcançaram o consenso mínimo de 73%.

Conclusão:

os oito marcadores de vulnerabilidade alcançaram consenso mínimo para a sua validação e foram habilitados à verificação de confiabilidade e validação clínica para compor um instrumento relevante ao cuidado do lactente.

Descritores:
Vulnerabilidade em Saúde; Lactente; Desenvolvimento Infantil; Deficiências do Desenvolvimento; Transtornos Globais do Desenvolvimento Infantil; Enfermagem Pediátrica

ABSTRACT

Objectives:

to validate the vulnerability markers of dysfunctions in the socioemotional development of infants.

Methods:

study with a sequential exploratory mixed-method design. The vulnerability markers elaborated in the qualitative phase were analyzed by experts in the quantitative phase using the Delphi technique with a minimum consensus of 70%. Seventeen judges answered the questionnaire in the first round of analysis and 11 answered in the second round.

Results:

in the first round, two markers did not reach minimum consensus: the presence of instability in family relationships (66%) and delinquency and/or drug abuse by parents/caregivers (65%). In the second round, all markers were validated, with more than 90% agreement in most of the attributes, and reached the minimum consensus of 73%.

Conclusion:

the eight vulnerability markers reached the minimum consensus for validation, and a relevant instrument for infant care can be developed after assessing the reliability and clinically validating these markers.

Descriptors:
Health Vulnerability; Infant; Child Development; Developmental Disabilities; Development Disorders, Pervasive; Pediatric Nursing

RESUMEN

Objetivos:

validar los marcadores de vulnerabilidad de los lactantes para las disfunciones en el desarrollo socioemocional.

Método:

investigación de método exploratorio secuencial mixto. Los marcadores de vulnerabilidad, elaborados en la fase cualitativa, fueron sometidos a los especialistas en la fase cuantitativa del estudio, por medio de la Técnica Delphi, con el consenso mínimo del 70%. En la primera ronda de análisis, 17 jueces respondieron a la investigación y en la segunda ronda, 11 respondieron a la misma investigación.

Resultados:

en la primera ronda, dos marcadores no alcanzaron el consenso mínimo: Presencia de inestabilidad en las relaciones familiares (66%) y Situación de delincuencia y/o abuso de los padres/cuidadores (65%). En la segunda ronda, todos los marcadores fueron validados, con más del 90% de concordancia en la mayoría de los atributos, habiendo alcanzado el valor mínimo del 73%.

Conclusión:

los ocho marcadores de vulnerabilidad alcanzaron consenso mínimo para su validación, estando habilitados a la verificación de confiabilidad y validación clínica, para componer un instrumento relevante al cuidado del lactante.

Descriptores:
Vulnerabilidad en Salud; Lactante; Desarrollo Infantil; Discapacidades del Desarrollo; Trastornos Generalizados del Desarrollo Infantil; Enfermería Pediátrica

Introdução

Este estudo propôs validar marcadores de vulnerabilidade à disfunções no desenvolvimento socioemocional de lactentes. Buscou-se construir um instrumento de análise das disfunções no processo de desenvolvimento socioemocional, identificado como um processo de continuidade ou mudança nas características sociais e emocionais da criança¹ e caracterizado pela expressão de emoções em contextos sociais, nos desencadeadores sociais de expressões emocionais, e na construção social da experiência e compreensão emocional².

O desenvolvimento socioemocional está relacionado ao desenvolvimento cerebral e às interações ou processos proximais vivenciados pela criança desde o nascimento¹, podendo ser apreendido pela avaliação de marcos no desenvolvimento a partir de diversos domínios, incluindo o apego, competência social, competência emocional e autopercepção³.

O Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano descreve que uma criança que vive em condições adversas e em um ambiente desorganizado é suscetível a disfunções no desenvolvimento, incluindo “dificuldades recorrentes na manutenção do controle e integração de comportamento em diferentes situações e domínios de desenvolvimento”¹. Assim, o desenvolvimento da criança é afetado por elementos biológicos e contextuais^4-5.

As disfunções no desenvolvimento abrangem um grupo de agravos caracterizados por danos intelectuais, físicos e socioemocionais⁶. Estas disfunções estão relacionadas a distúrbios cerebrais provocados por alterações genéticas ou lesões no sistema nervoso central em crescimento, exposição a agentes teratogênicos, traumas, processos infecciosos, deficiência nutricional severa e hipóxia ou isquemia neonatal⁶. Estudos têm confirmado que fatores socioculturais, socioeconômicos, psicossociais e biológicos afetam o desenvolvimento da criança em todas as suas dimensões, incluindo a socioemocional^4,7.

As tecnologias disponíveis para monitorar o desenvolvimento da criança incluem escalas baseadas em marcos e comportamentos esperados para a faixa etária. Estas tecnologias avaliam as habilidades da criança mas não consideram os contextos que condicionam seu processo de desenvolvimento, deixando uma lacuna importante na análise de situações prejudiciais.

A complexidade do desenvolvimento socioemocional remete ao conceito de vulnerabilidade, que pode ser definido como um conjunto de condições que tornam a criança mais susceptível a danos em seu desenvolvimento devido à influência da dimensão individual, social e programática ⁸. O conceito de vulnerabilidade demanda a proposição de intervenções baseadas nas necessidades de saúde, estímulo de respostas sociais, autonomia no cuidado, preservação de saúde, e integralidade e equidade das ações de saúde⁹.

A necessidade de instrumentalizar os profissionais de saúde para identificar as vulnerabilidades no desenvolvimento infantil levou à proposição da seguinte questão: Como os profissionais podem identificar a vulnerabilidade à disfunções no desenvolvimento socioemocional do lactente?

A construção de marcadores pode ajudar profissionais de saúde a aplicar o conceito de vulnerabilidade como indicador de aspectos qualitativos do processo saúde-doença de indivíduos e comunidades, e estes marcadores podem subsidiar a proposição de intervenções que incluam respostas sociais aos agravos^9-10. O termo “marcador de vulnerabilidade” compreende a interação de atributos subjetivos e contextuais na produção do processo saúde-doença como fenômenos sociais e históricos¹¹.

Este estudo pressupõe que o uso de marcadores como tecnologias de saúde, sustentadas nos elementos de vulnerabilidades dos lactentes, pode promover o cuidado e o desenvolvimento socioemocional pelo fortalecimento dos processos proximais, que são as formas específicas de interação entre a criança e o seu ambiente¹.

A identificação destes elementos e caracterização da condição do desenvolvimento da lactente para além do desempenho momentâneo, expresso em comportamentos ou marcos de desenvolvimento, exige a síntese e organização destes elementos em um instrumento aplicável à prática assistencial. Assim, este estudo objetivou validar marcadores de vulnerabilidade à disfunções no desenvolvimento socioemocional de lactentes.

Método

Esta pesquisa de método misto combinou técnicas, métodos, abordagens, e conceitos de metodologias qualitativa e quantitativa¹². Utilizou-se um delineamento exploratório sequencial, incluindo uma primeira fase (qualitativa) para a construção dos marcadores e uma segunda fase (quantitativa) para a validação de conteúdo.

Na fase qualitativa, foram elaborados os marcadores de vulnerabilidade, que são categorias temáticas de fatores de exposição que condicionam o desenvolvimento socioemocional de lactentes¹³, e são fundamentados teoricamente nas dimensões de contexto do Modelo Bioecológico do Desenvolvimento Humano: Microssistema, Mesossistema, Exossistema e Macrossistema¹, e na Matriz de Vulnerabilidade da criança para situações adversas ao seu desenvolvimento nas dimensões individual, social e programática⁸. Nesta pesquisa, lactente é uma criança menor de dois anos.

Cada marcador é constituído por um título, componentes e um manual operacional, cuja função é orientar a aplicação do instrumento de captação. O manual contém a definição do marcador, a dimensão da vulnerabilidade correspondente, as fontes de informações de obtenção do marcador, e os critérios para definir a presença do marcador¹¹.

A versão original dos marcadores de vulnerabilidade foi encaminhada aos especialistas para a validação de conteúdo. Os marcadores são apresentados nas Figuras 1 e 2.

Figura 1
Versão original dos marcadores de vulnerabilidade e seus componentes relacionados à bioecologia do desenvolvimento e vulnerabilidade individual. São Paulo, SP, Brasil, 2016

Figura 2
Versão original dos marcadores de vulnerabilidade e seus componentes relacionados à bioecologia do desenvolvimento e vulnerabilidade social e programática. São Paulo, SP, Brasil, 2016

A técnica Delphi¹⁴ foi aplicada na fase quantitativa para validar o conteúdo dos marcadores, seus componentes e manuais operacionais por pesquisadores identificados na Plataforma Lattes especialistas em desenvolvimento socioemocional. Os critérios de seleção dos juízes foram o tempo de experiência clínica e/ou de pesquisa em saúde da criança e conclusão da graduação com tempo mínimo de 5 anos; e pós-graduação na área de Saúde da Criança.

Oitenta e quatro pesquisadores da área de enfermagem e de outras profissões da área da Saúde foram convidados porque o conceito de vulnerabilidade é multidisciplinar. Os convites foram feitos por e-mail contendo o arquivo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o roteiro de validação dos marcadores em formato eletrônico. Foram considerados participantes os profissionais que devolveram o Termo de Consentimento e os questionários preenchidos no prazo estabelecido para a primeira rodada. Duas rodadas de avaliação foram necessárias para alcançar a concordância mínima estabelecida.

O roteiro de pesquisa foi elaborado utilizando o Microsoft Excel. A primeira página continha o TCLE e orientações de preenchimento do questionário. Todo o conteúdo referente aos marcadores foi descrito em uma planilha, possibilitando aos participantes responder às questões de avaliação com todas as informações disponíveis.

Os critérios adotados na validação para avaliar os atributos e relevância dos marcadores foram simplicidade, clareza, pertinência e precisão. As questões formuladas foram 1. “O marcador pode ser facilmente explicado e compreendido?”, 2. “As informações do marcador podem ser obtidas de forma simples?”, 3. “O marcador identifica de forma eficaz a vulnerabilidade dos lactentes para disfunções no desenvolvimento socioemocional?”, 4. “O marcador pode ser utilizado na prática assistencial?”, 5. “Qual a relevância desse marcador para identificar a vulnerabilidade dos lactentes?”.

As seguintes questões foram formuladas para avaliar os atributos dos componentes de cada marcador: 1. “O componente expressa a presença da vulnerabilidade na realidade do lactente?”, 2. “O componente está construído com expressões simples e sem equívocos?”, 3. “O componente distingue-se dos demais componentes?”

Para avaliar o manual operacional, perguntou-se: 1. “O marcador e o que ele mede foram descritos com clareza?”, 2. “Considera-se que esse marcador reflete a vulnerabilidade individual, social ou programática. Você concorda com esta afirmação?”, 3. “As fontes de informação são acessíveis e adequadas para obtenção dos dados?”, 4. “Os critérios são claros e permitem a mesma interpretação entre os diferentes profissionais de saúde que aplicam o instrumento?”.

Foi considerado apenas o quesito “sim/concordância”, excluindo desse cálculo as respostas “sim, mas requer revisão/concordância parcial” e “não/discordância”. As devidas revisões no material entre cada etapa de coleta foram realizadas de acordo com as sugestões apresentadas pelos juízes.

As respostas possíveis eram de concordância, concordância parcial ou discordância, e havia espaço para comentários. Foi utilizada a estatística descritiva para apresentação dos dados e estabelecido, anteriormente à coleta de dados, um consenso mínimo de 70%^15-16. O consenso é o resultado esperado da técnica Delphi. Assim, a definição dos critérios do consenso e a documentação do grau de concordância juntamente com os resultados da validação são primordiais^15-16.

Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo por meio do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética número 57933816.8.0000.5392 e atendeu as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

Resultados

A primeira rodada de validação de conteúdo foi completada por 17 participantes. Destes, 11 eram enfermeiros, dois eram fisioterapeutas, dois eram terapeutas ocupacionais e dois eram psicólogos. A maioria teve tempo de formação acadêmica maior que 10 anos, com titulação de doutor e/ou mestre e com experiência na docência, pesquisa e assistência.

Os juízes devolveram os materiais em até 30 dias e preencheram 95% dos questionários na primeira rodada. Os resultados das avaliações foram tabulados conforme parâmetros pré-estabelecidos. Os índices de concordância dos juízes na primeira rodada são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Índice de concordância mínima dos juízes na primeira rodada de validação de conteúdo. São Paulo, SP, Brasil, 2017

Marcador	Índice de concordância mínima alcançado (%)
	Manual operacional	Atributos e relevância do marcador	Atributos dos componentes do marcador
Dificuldade dos pais/cuidadores em se relacionar com a criança	93,0	75,0	73,0
Fragilidade dos pais/cuidadores na proteção física e segurança da criança	94,0	81,0	75,0
Situação de adoecimento dos pais/cuidadores	88,0	73,0	70,0
Presença de instabilidade nas relações familiares	94,0	87,0	66,0
Situação de delinquência e/ou abuso dos pais/cuidadores	81,0	64,0	65,0
Dificuldade de autonomia e/ou empoderamento pela condição sociocultural	81,0	80,0	75,0
Precariedade nas condições socioeconômicas dos pais/cuidadores	93,0	94,0	76,0
Indisponibilidade de programas para atender a criança e sua família	87,0	87,0	75,0

Na primeira rodada, o nível de consenso da maior parte dos quesitos avaliados foi médio a alto (70-94%). Além das respostas objetivas, os juízes enviaram 206 sugestões por escrito, que foram utilizadas na revisão dos conteúdos para a segunda rodada. As sugestões dos juízes estavam relacionadas à redação, forma de apresentação e exemplificação dos componentes.

O quarto componente do marcador, “Dificuldade dos pais/cuidadores em se relacionar com a criança”, foi modificado de acordo com a recomendação do juiz: O termo “ansiedade dos pais” não parece ser o mais adequado. Minha interpretação é que este termo se refere à preocupação exagerada, desajuste ou desequilíbrio emocional dos pais devido ao comportamento da criança.(J10)

O segundo e terceiros componentes do marcador, “fragilidade dos pais/cuidadores na proteção física e segurança da criança”, foi redigido diferentemente sem o termo “negligência” considerando a seguinte recomendação: Sugiro substituir o termo “negligenciam” por outra construção, como “não fazem ou não tomam as devidas medidas.” Este marcador é importante pois é comum as famílias não identificarem os fatores de risco para acidentes.(J10) O quarto componente foi novamente redigido conforme a sugestão do juiz: Sugiro substituir o termo “adesão” por “realização de exame pré-natal e acompanhamento pré-natal.”(J10)

O número de componentes do marcador “situação de adoecimento dos pais/cuidadores” foi reduzido de seis para três considerando a recomendação: Todas as questões, menos a última, referem-se a saúde mental. Contudo, saúde física alterada não interfere nos cuidados com os filhos? E como todos estes sintomas estão relacionados à alterações na saúde mental, pode parecer confuso: estresse, depressão e esquizofrenia podem afetar o cuidado de formas diferentes? Se sim, porque estes sintomas estão separados?(J15)

A simplicidade e expressão do quarto componente do marcador, “presença de instabilidade nas relações familiares”, alcançou um consenso de 64%, menor do que o consenso mínimo. O componente foi redigido conforme o comentário sobre este atributo: Sugiro a seguinte alteração: “(...) experiências negativas no âmbito familiar.”(J1) Descrever melhor o termo ‘experiências negativas’ e retirar o que se refere a questões de saúde mental pois já foram expostas em outro marcador.(J15)

Foi sugerida a inclusão de apoio às mães na redação desse marcador: Sugiro deixar este item como “Há ausência de apoio para o cuidado da criança” e excluir “para a mãe que trabalha fora” pois considero que o apoio é necessário para todas as mães, independente de trabalharem fora.(J13) Dessa forma, adicionou-se o termo “apoio social” na redação do marcador.

A relevância do primeiro, terceiro e quarto componentes do marcador “situação de delinquência e/ou abuso dos pais/cuidadores” alcançaram um consenso de 64%. A simplicidade e expressão dos componentes alcançou um consenso de 65% de consenso. Os juízes fizeram os seguintes comentários: Cumprimento de pena devido à prática de infrações penais. A questão do verbo nos dois tempos (presente e passado).(J15) Este item indica que os cuidadores sofrem com violência doméstica ou o companheiro é violento com a companheira?(J4). Rever “há presença.” Sugiro incluir a pergunta “Os pais/cuidadores fazem uso de substâncias com efeitos psicoativos ou drogas”(J9)

Quanto ao marcador “dificuldade de autonomia e/ou empoderamento pela condição sociocultural”, a seguinte sugestão de mudança na redação foi acatada: A dificuldade refere-se aos pais ou à criança? Autonomia/empoderamento também dificulta. Sugiro deixar apenas o termo “autonomia” (J15). O quinto componente deste marcador foi modificado conforme a recomendação dos juízes: Sugiro acrescentar “quadrilhas ou crime organizado” para uma realidade mais próxima dos “conflitos bélicos brasileiros.”(J1) Sugiro excluir o termo “guerra” pois não é a realidade do Brasil, e talvez incluir o termo “violência urbana.”(J13)

O primeiro componente do marcador, “precariedade nas condições socioeconômicas dos pais/cuidadores”, foi modificado devido aos questionamentos dos juízes: A pergunta ficou repetitiva. Sugiro incluir “A família possui renda inferior a um salário mínimo.”(J11) Sugiro rever a redação, talvez expressar o item por renda per capita pois uma família com três pessoas vivendo com um salário mínimo é diferente de uma família com dez pessoas vivendo com um salário mínimo.(J13) O quarto componente foi modificado de acordo com as sugestões de um juiz: A família pode viver em domicílio cedido ou ocupado em condições normais? Creio que aqui o que interessa é a situação precária. Sugiro eliminar a primeira parte da sentença e incluir a sentença “A família vive em domicílio em situação precária.”(J15)

Após a síntese e adaptações da primeira rodada, o material foi submetido à segunda rodada da técnica Delphi. Dos 17 juízes que participaram da primeira rodada, 11 participaram da segunda rodada. Destes, oito eram enfermeiros, um era fisioterapeuta, e dois eram terapeutas ocupacionais. A maioria estava formada há mais de 10 anos, com titulação de doutor e/ou mestre e com experiência na docência, pesquisa e assistência.

Na segunda rodada, os juízes devolveram os materiais em até 30 dias e preencheram 99% dos questionários. Os índices de concordância dos juízes estão apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Índice de concordância mínima dos juízes na segunda rodada de validação de conteúdo. São Paulo, SP, Brasil, 2017

Marcador	Índice de concordância mínima alcançado (%)
	Manual operacional	Atributos e relevância do marcador	Atributos dos componentes do marcador
Dificuldade dos pais/cuidadores em se relacionar com a criança	91,0	91,0	73,0
Fragilidade dos pais/cuidadores na proteção física e segurança da criança	91,0	100,0	91,0
Situação de adoecimento dos pais/cuidadores	100,0	91,0	91,0
Presença de instabilidade nas relações familiares e no apoio social	100,0	100,0	73,0
Situação de violência e/ou dependência química dos pais/cuidadores	91,0	100,0	91,0
Dificuldade de autonomia dos pais/cuidadores devido à condição sociocultural	100,0	100,0	91,0
Precariedade nas condições socioeconômicas dos pais/cuidadores	100,0	100,0	82,0
Indisponibilidade de programas para atender à criança e sua família	91,0	100,0	82,0

O nível de consenso da maioria dos elementos avaliados na segunda rodada foi alto (82-100%), e dois marcadores obtiveram o consenso mínimo de 73%, superior ao mínimo estabelecido, e o processo de validação foi finalizado. Nessa última rodada, os juízes enviaram 45 comentários com sugestões sobre a redação dos componentes, que foram consideradas para aumentar a clareza e compreensão.

Em sua versão final, os marcadores de vulnerabilidade à disfunções no desenvolvimento socioemocional nos lactentes e os componentes dos marcadores estão descritos na Figura 3 e foram classificados em três cores de acordo com os contextos do Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano e dimensões de vulnerabilidade: individual (verde), social (laranja) e programática (azul).

Figura 3
Versão final dos marcadores de vulnerabilidade e seus componentes após a validação de conteúdo. São Paulo, SP, Brasil, 2017

Discussão

Os marcadores de vulnerabilidade foram submetidos à técnica Delphi e analisados por profissionais qualificados (mestres e doutores) com mais de 10 anos de formação acadêmica. Tais juízes realizaram uma análise crítica do material enviado e forneceram muitas sugestões (206 na primeira rodada e 45 na segunda). Da mesma forma, a taxa de adesão ao questionário foi alta (95% na primeira rodada e 99% na segunda e última rodada). Estes resultados corroboram a técnica Delphi, cuja aplicação demanda o recrutamento de juízes experientes, socialmente críticos e profissionalmente autocríticos, e que possam realizar mudanças significativas e adaptações no material analisado^17-18.

O número de participantes na primeira e segunda rodadas é considerado pertinente na literatura, que define um mínimo de 10-15 especialistas para se obter um conjunto de opiniões com qualidade¹⁸. Assim, os marcadores foram apreciados por uma amostra diversa de juízes, de diferentes áreas de atuação, o que possibilitou uma análise ampla do material.

Mesmo sendo um objeto previsto para aplicação na área de enfermagem em saúde infantil, a apreciação e aprimoramento da qualidade destes parâmetros por psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas foram relevantes tendo em vista que o tema do desenvolvimento psicossocial é multidisciplinar. Esta avaliação multiprofissional está de acordo com a técnica Delphi, que proporciona o acesso dos objetos de avaliação a um grupo diverso e a uma população geograficamente dispersa, permitindo o fornecimento de uma grande diversidade de informações¹⁹.

O não alcance do consenso esperado na primeira rodada para todos os itens avaliados pode ser justificado pela quantidade elevada de comentários dos juízes, pois muitas sentenças foram escritas utilizado termos considerados inadequados pelos juízes. O alcance do consenso mínimo de 73% na segunda rodada e o baixo número de comentários demonstrou que o material estava mais adequado.

Quanto às modificações do conteúdo dos componentes dos marcadores “dificuldade dos pais/cuidadores em se relacionar com a criança” e “fragilidade dos pais/cuidadores na proteção física e segurança da criança”, considera-se que as modificações permitem uma melhor compreensão das limitações do cuidado com o lactente. Estas limitações influenciam a forma e a qualidade do cuidado e as interações ofertadas ao lactente^1,20.

Em relação ao marcador “situação de adoecimento dos pais/cuidadores”, a solicitação do juiz em sintetizar as condições de saúde mental para facilitar a sua identificação pelos profissionais foi considerada adequada. A presença de agravos mentais está relacionada ao menor grau de afetividade com o lactente e a construção de vínculos frágeis²⁰.

Quanto ao marcador “presença de instabilidade nas relações familiares”, que não apresentou o consenso mínimo, as observações dos juízes foram pertinentes pois as experiências negativas podem gerar fragilidade nos cuidadores, e consequentemente a falta de apoio ao cuidado diário infantil, e provocar negligência e exposição do lactente a situações perigosas^21-22.

Em relação ao marcador “situação de delinquência e/ou abuso dos pais/cuidadores”, que também não apresentou o consenso mínimo, a abordagem da dependência química dos cuidadores é relevante para identificar situações adversas ao desenvolvimento socioemocional^23-24. Da mesma forma, a violência intradomiciliar sofrida pelos cuidadores pode prejudicar o cuidado infantil, e consequentemente a interação com o lactente²⁵. Assim, as modificações propostas evitam interpretações errôneas dos profissionais ao utilizar o instrumento.

Quanto ao marcador “dificuldade de autonomia dos pais/cuidadores devido à condição sociocultural”, considera-se relevante enfatizar no título do marcador a autonomia dos cuidadores, que reflete a sua capacidade de cuidar da criança^8,22-23. As adaptações foram realizadas no componente do marcador para que a violência seja apresentada como um conjunto de condições que impõe estigmatização e opressão sobre os cuidadores²³.

As modificações no marcador “precariedade nas condições socioeconômicas dos pais/cuidadores” são pertinentes, pois profissional deve compreender que o crescimento em situação de pobreza expõe a criança a más condições de vida. Assim, a classe social da família afeta diretamente a capacidade de sustentar e apoiar o lactente^4,8.

Os elevados índices de concordância para os marcadores de vulnerabilidade desde a primeira rodada de análise indicam que tais marcadores são abrangentes no que diz respeito à bioecologia do desenvolvimento¹ e vulnerabilidade⁸.

A confiabilidade e validação clínica dos marcadores de vulnerabilidade validados neste estudo precisam ser verificadas para além das contribuições do consenso da opinião de especialistas. Tal validação aumentará a aplicabilidade das práticas de atenção primária à saúde para promover o desenvolvimento socioemocional dos lactentes⁸.

Conclusão

Os marcadores de vulnerabilidade às disfunções no desenvolvimento socioemocional de lactentes tiveram seu conteúdo validado após duas rodadas da técnica Delphi, e a grande maioria dos marcadores, componentes e manuais operacionais alcançou altos índices de concordância (superiores a 90%) e um valor mínimo de consenso de 73%.

O consenso obtido pela técnica Delphi permite testar esta tecnologia na prática clínica para verificar sua confiabilidade por profissionais para reorientar modelos assistenciais baseados nas reais necessidades de saúde dos lactentes e minimizar os fatores de exposição e a vulnerabilidade à disfunções em seu desenvolvimento socioemocional.

Uma das limitações deste estudo é que os marcadores construídos se baseiam em evidências científicas que podem não responder pela totalidade das situações atuais de vulnerabilidade; portanto, a confiabilidade destes marcadores precisa ser avaliada. Sendo assim, estudos longitudinais que permitam validar clinicamente os marcadores de vulnerabilidade no cotidiano dos profissionais em saúde durante a assistência aos lactentes e as suas famílias são necessários.

Para a prática de enfermagem, a aplicação deste instrumento permitirá construir uma escala de vulnerabilidade, identificar novos diagnósticos de enfermagem, e elaborar planos de intervenção que promovam o desenvolvimento socioemocional de lactentes pelos enfermeiros e outros profissionais envolvidos.

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• *
  Artigo extraído da tese de doutorado “Construção e validação de marcadores de vulnerabilidade de lactentes para disfunções em seu desenvolvimento socioemocional”, apresentada à Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2018

Histórico

• Recebido
  21 Mar 2018
• Aceito
  05 Set 2018