A intersetorialidade na redução de iniquidades sociais vivenciadas por crianças e adolescentes^*

Resumos

Objective:

to identify the evidence about the repercussion of intersectoral programs / actions / strategies in the reduction of social inequities experienced by children and adolescents in social vulnerability.

Method:

integrative review performed in the following databases: National Library of Medicine, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Latin-American and Caribbean Health Sciences Literature, Web of Science, Scopus, and Scientific Electronic Library Online. Primary studies published between 2005 and 2019, written in English, Portuguese, or Spanish, were included. The Rayyan tool was used during selection. The sample was composed of 27 studies, and Ursi was used to extract data. The studies’ methodological quality was verified with the Mixed Methods Appraisal Tool, and descriptive statistics were used.

Results:

the main results show that intersectoral actions resulted in improved access to health, improved child nutrition indicators, better mental health care, the adoption of a healthy lifestyle, and improved quality of life.

Conclusion:

significant advancements found in the development and lives of children and adolescents are assigned to intersectoral actions. The studies report that different strategies were used in different regions worldwide and contributed to improved children’s and adolescents’ quality of life, supporting new intersectoral policies.

Descriptors:
Intersectoral Collaboration; Socioeconomic Factors; Healthcare Inequality; Child; Adolescent; Vulnerable Populations

Objetivo:

describir la evidencia sobre las repercusiones de programas/acciones/estrategias intersectoriales en la reducción de iniquidades sociales experimentadas por niños y adolescentes en vulnerabilidad social.

Método:

revisión integradora realizada en las bases de datos National Library of Medicine, Cummulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Literatura Latino Americana y del Caribe en Ciencias de la Salud, Web of Science, Scopus y Scientific Eletronic Library On Line. Fueron considerados estudios primarios publicados entre los años de 2005 y 2019, en inglés, portugués y español, habiendo siendo utilizada la plataforma Rayyan durante la selección. La muestra estuvo compuesta por 27 estudios. Para extracción de los datos fue utilizado el instrumento Ursi; la calidad metodológica de los estudios fue evaluada con el Mixed Methods Appraisal Tool y el análisis fue elaborado de forma descriptiva.

Resultados:

los principales resultados mostraron que las acciones intersectoriales repercutieron en mejorías en el acceso a la salud, en los indicadores de nutrición infantil, en la calidad de atenciones dirigidas a la salud mental, en aumento de hábitos saludables y aspectos de la calidad de vida.

Conclusión:

avances significativos en la vida y desarrollo de la población infantojuvenil han sido atribuidos a la intersectorialidad. Los estudios apuntaron diferentes estrategias, en diferentes regiones del mundo, cuyas repercusiones contribuirán para mejorar la calidad de vida de niños y adolescentes y subvencionar nuevas políticas intersectoriales.

Descriptores:
Colaboración Intersectorial; Factores Socioeconómicos; Desigualdad en Salud; Niño; Adolescente; Poblaciones Vulnerables

Introdução

Em muitos países por todo o mundo grande número de crianças e adolescentes continua com pouco ou nenhum acesso a serviços de saúde e educação de qualidade, ou, ainda, boa nutriçã o e saneamento adequado^(1-3). Essa desigualdade no acesso a direitos sociais e recursos básicos para o desenvolvimento satisfatório está ligado de modo intrínseco à classe social, sendo, portanto, observada principalmente em crianças e adolescentes de famílias em vulnerabilidade social, em territórios pobres⁽⁴⁾.

Segundo a Estratégia Global para a Saúde das Mulheres, das Crianças e dos Adolescentes (2016-2030)(⁵⁾, uma em cada três crianças (200 milhões em todo o mundo), não consegue alcançar seu pleno potencial físico, cognitivo, psicológico e/ou socioemocional devido à pobreza, saúde e nutrição precárias, cuidado e estimulação insuficientes e outros fatores de risco para o desenvolvimento na primeira infância. O impacto da pobreza na saúde e bem-estar de crianças e adolescentes podem afetar desde a participação em ocupações, tais como escola, lazer, cuidados pessoais, e relacionamentos, passando por problemas de saúde física até questões de saúde mental e comportamentos de risco^(6-9).

A pobreza e a desigualdade aumentaram em todo o mundo, principalmente devido à globalização da economia e à reestruturação do trabalho, gerando aumento no desemprego e colapso dos laços sociais. Assim, devido às persistentes desigualdades sociais, sociedades seguem violando direitos de crianças e adolescentes provenientes de famílias pobres, mantendo uma realidade de iniquidades para essa faixa etária^(4,10-11).

Estudos anteriores, sobre as ações intersetoriais a populações vulneráveis socialmente, mostraram resultados relevantes para reduzir as iniquidades sociais, como a melhoria do acesso aos serviços de saúde e educação, aumento da renda, melhoria do estado de saúde e empoderamento de grupos mais vulneráveis, aumento de capital social, participação e mobilização social^(12-16).

A intersetorialidade busca articular diferentes indivíduos, de diversos setores e saberes, a fim de romper e superar a fragmentação de conhecimentos e intervenções. Representa uma nova maneira de trabalho para enfrentar problemas complexos e para um enfoque mais complexo dos problemas^(17-19).

A Comissão dos Determinantes Sociais da Saúde da Organização Mundial da Saúde (CSDH-WHO) aponta que para o enfrentamento às desigualdades em saúde estratégias intersetoriais devem ser adotadas, pois a maior parte dos problemas que impactam a saúde humana está relacionada ao acesso desigual a serviços e tratamentos de qualidade, as condições materiais, psicossociais e sociais dependem diretamente de como a sociedade está estruturada. Dessa forma, o enfrentamento às iniquidades exige articulação de vários setores, além da saúde. Também a Organização das Nações Unidas, com base nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que visa a erradicação da pobreza em todo o mundo, como condição essencial para o desenvolvimento, aponta a intersetorialidade como estratégia fundamental para o enfrentamento nos diversos países^(10,20).

Entretanto, a literatura tem apontado estudos sobre a intersetorialidade principalmente em populações adultas, sendo que se percebe lacuna do conhecimento que mostre resultados de programas intersetoriais para crianças e adolescentes. Por isso existiu a motivação para desenvolver uma revisão de literatura a fim de se conhecer o que tem sido realizado em diferentes partes do mundo para a redução de iniquidades sociais que atingem essa população estudada, com base em estratégias intersetoriais. Diante do exposto, foi realizada uma revisão integrativa cujo objetivo foi descrever as evidências sobre a repercussão de programas/ações/estratégias intersetoriais na redução de iniquidades sociais vivenciadas por crianças e adolescentes em vulnerabilidade social.

Método

Trata-se de revisão integrativa, conduzida a partir das seguintes etapas: elaboração da questão de pesquisa (identificação do problema), busca na literatura dos estudos primários, avaliação dos estudos primários, análise dos dados e apresentação da revisão⁽²¹⁾.

A questão norteadora, estruturada por meio da estratégia PICO⁽²²⁾ foi: quais as evidências sobre a repercussão de programas/ações/estratégias/intervenções intersetoriais na redução de iniquidades sociais vivenciadas por crianças e adolescentes em vulnerabilidade social (Figura 1)?

Figura 1
Descrição da estratégia PICO

Acrônimo	Definição	Descrição
P	Paciente ou problema	Crianças e adolescentes em vulnerabilidade social
I	Intervenção	Ações intersetoriais
C	Controle ou comparação	-----------
O	Desfechos (outcomes)	Redução das iniquidades sociais

A busca dos estudos primários ocorreu nos meses de junho a julho de 2019 e foram selecionadas as bases de dados MEDLINE/PubMed (via National Library of Medicine), CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), Web of Science, Scopus e SciELO (Scientific Eletronic Library On Line).

Foi elaborada estratégia de busca com os descritores controlados e palavras-chave com os seguintes cruzamentos: - PubMed, CINAHL, Web of Science, Scopus e SciELO: ((Intersector* OR “cross-sector*” OR “inter-sector*” OR “intersectoral collaboration”) AND (program OR programs OR action OR actions OR strateg* OR policy OR policies OR intervention*) AND (child OR children OR childhood OR adolescen*)); - LILACS: (tw:((Intersetoria$ OR Intersector$ OR “colaboracion intersectorial”))) AND (tw:((programa$ OR ação OR ações OR accion OR acciones OR estrategia$ OR politica$))) AND (tw:((criança$ OR adolescen$ OR nino$))).

A seleção dos estudos foi realizada considerando estudos primários publicados entre os anos 2005 e 2019, em inglês, português e espanhol. A delimitação do período justifica-se, pois no ano de 2005 foi criada a Comissão dos Determinantes Sociais da Saúde da Organização Mundial da Saúde, introduzindo recomendações para a implementação de estratégias de ação intersetorial, ressaltando seu papel fundamental no enfrentamento de iniquidades sociais.

Os critérios de inclusão foram: artigos que tratassem sobre as repercussões de ações/estratégias/programas/intervenções intersetoriais e artigos sobre estratégias voltadas para crianças e/ou adolescentes em vulnerabilidade social. Os critérios de exclusão foram: artigos em que as estratégias ainda não tinham sido implementadas e não apresentavam resultados.

A etapa de seleção dos estudos ocorreu por meio da plataforma de seleção Rayyan⁽²³⁾, sendo realizada de maneira independente por dois revisores. Inicialmente os artigos foram selecionados após a leitura do título e resumo e os que atenderam aos critérios de elegibilidade e aqueles que tiveram consenso entre os dois revisores foram lidos na íntegra para sua inclusão ou exclusão da revisão.

A extração dos dados dos estudos primários foi executada com base no instrumento Ursi⁽²⁴⁾, composto de cinco itens: identificação, instituição sede do estudo, tipo de publicação, características metodológicas do estudo e avaliação do rigor metodológico. Essa etapa foi realizada por três autores da revisão, de forma independente.

A análise dos dados da revisão foi elaborada de forma descritiva. Organizou-se um quadro-síntese com as seguintes informações dos estudos selecionados: referência (autor e ano de publicação), objetivo do estudo, tipo de estudo, detalhamento amostral, ação/estratégia/programa/intervenção intersetorial e resultados referentes à redução de iniquidades sociais em crianças e adolescentes. A qualidade dos estudos incluídos foi avaliada usando o Mixed Methods Appraisal Tool (MMAT). O MMAT foi desenvolvido para revisões que incluem estudos qualitativos, quantitativos e métodos mistos. Por meio dele avalia-se a qualidade dos estudos em cinco categorias: ⁽¹⁾ pesquisa qualitativa, ⁽²⁾ ensaios clínicos randomizados, ⁽³⁾ estudos não randomizados, ⁽⁴⁾ estudos descritivos quantitativos e ⁽⁵⁾ estudos de métodos mistos. Para cada categoria, a ferramenta fornece cinco critérios de qualidade que devem ser avaliados, podendo, portanto, o escore variar de zero (não atender a nenhum critério) a cinco (atender todos os critérios)⁽²⁵⁾.

Por se tratar de estudo de revisão e não envolver seres humanos, não houve submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa. Foram seguidos os padrões Standards for Quality Improvement Reporting Excellence 2.0 (SQUIRE 2.0), como guia para todos os passos que envolveram a elaboração do artigo.

Resultados

Na busca nas bases de dados, identificaram-se 2.300 publicações potencialmente elegíveis (Scopus=730, Web of Science=425, PubMed=414, LILACS=336, CINAHL=257, SciELO=138). Após importação para a plataforma Rayyan, foram identificados e excluídos 1.011 registros duplicados. Do total restante (n=1.289), após leitura de títulos e resumos, foram excluídos 1.181 registros. A partir da leitura na íntegra dos artigos restantes (n=108) e aplicação dos critérios de seleção, foram excluídos 81, sendo que 28 publicações não tratavam de ações intersetoriais, 23 apenas ressaltavam a importância da intersetorialidade, porém não traziam os resultados dessas ações, em 14 dos artigos as ações descritas não eram voltadas para crianças e adolescentes, nove não eram estudos primários e sete não tratavam de população em vulnerabilidade social. Dessa forma, a revisão foi composta por uma amostra de 27 estudos primários (Figura 2). Ressalta-se que não foram utilizadas outras fontes de publicações, tais como busca manual das referências dos estudos primários incluídos na revisão e literatura cinza.

Figura 2
Fluxograma do processo de seleção dos artigos para a revisão, segundo recomendação PRISMA⁽²⁶⁾. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019

Na Figura 3 encontram-se os 27 estudos caracterizados segundo autor(es), ano, local de realização, tipo de estudo e avaliação de qualidade, segundo o MMAT. Quanto ao ano de publicação, os artigos incluídos são do período de 2008 a 2019. No entanto, a maior parte das publicações ocorre entre 2014 e 2019⁽²⁶⁾, havendo apenas um estudo do ano 2008. Destaca-se o ano 2016, com seis publicações, seguido do ano 2019 com cinco, em 2018, 2017 e 2015 foram quatro publicações em cada e três estudos são de 2014.

Figura 3
Caracterização dos estudos primários, segundo autor(res), ano de publicação, país de realização do estudo, tipo de estudo e avaliação de qualidade segundo o MMAT. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019

Autor	Ano	País do estudo	Tipo de estudo	MMAT*
Appleby, et al.(27)	2019	Etiópia	-----------	5/****
Appleby, et al.(28)	2019	Nova Zelândia	Abordagem qualitativa	1/*****
Barrett, et al.(29)	2016	EUA	-----------	3/*****
Chandra-Mouli, et al.(30)	2018	Índia	Qualitativo e quantitativo	5/****
Fabbiani, et al(31)	2016	Uruguai	Relato de experiência - qualitativo	1/*****
Fabelo-Roche, et al.(32)	2016	Cuba	Qualitativo	1/*****
Ferrugem, et al.(17)	2015	Brasil	Relato de experiência - qualitativo	1/*****
Gimenez, et al.(33)	2014	Brasil	Qualitativo	1/*****
Jones, et al.(34)	2019	Austrália	Descritivo	1/*****
Laurin, et al.(35)	2015	Canadá	Estudo de casos múltiplos - interpretativo	1/*****
Leite, et al.(36)	2015	Brasil	Relato de experiência - qualitativo	1/*****
Melo, et al.(37)	2016	Brasil	Estudo de caso com abordagem qualitativa	1/*****
Milman, et al.(38)	2018	Chile	Estudo de caso	1/*****
Mongiovi, et al.(39)	2018	Brasil	Relato de experiência - qualitativo	1/*****
Monteiro, et al.(40)	2015	Brasil	Pesquisa-ação com abordagem qualitativa	1/*****
Moyano, et al.(41)	2018	Argentina	Pesquisa-ação com avaliação qualitativa	1/*****
Nunes, et al.(42)	2016	Brasil	Exploratório-descritivo com abordagem qualitativa	1/*****
O'Malley, et al.(43)	2017	EUA	Estudo de caso	1/*****
Obach, et al.(44)	2019	Chile	Qualitativo etnográfico	1/*****
Obach, et al.(45)	2017	Chile	Qualitativo etnográfico	1/*****
Pappas, et al.(46)	2008	Paquistão	-----------	5/*****
Reader, et al.(47)	2017	Nova Iorque	-----------	1/*****
Shan, et al.(48)	2014	Canadá	Misto	5/****
Tãno, et al.(49)	2019	Brasil	Exploratório e de levantamento, com triangulação de métodos	5/*****
Tkac, et al.(50)	2017	Brasil	Longitudinal, do tipo experimental	3/****
Torricelli, et al.(51)	2014	Argentina	Transversal analítico descritivo, qualitativo e quantitativo	5/*****
Woodland, et al.(52)	2016	Austrália	Abordagem de métodos mistos	5/*****

• ^*
  Os números e asteriscos referem-se, respectivamente, à categoria do desenho dos estudos e à classificação de qualidade dos estudos, de acordo com o MMAT

Dentre os estudos selecionados foi possível observar, segundo a distribuição geográfica, diferentes regiões do mundo, a saber: América do Sul, América do Norte, América Central, África, Ásia e Oceania. O Brasil, com total de nove estudos^{(17,33,36-37,39-40,42,49-50)}, foi o país com maior número de artigos na temática. Em seguida, com três estudos cada, o Chile^(38,44-45) e os Estados Unidos^(29,43,47), com dois estudos cada país, o Canadá^(35,48), a Argentina^(41,51) e a Austrália^(34,52). Os demais países, Etiópia⁽²⁷⁾, Nova Zelândia⁽²⁸⁾, Índia⁽³⁰⁾, Uruguai⁽³¹⁾, Cuba⁽³²⁾ e Paquistão⁽⁴⁶⁾, apresentaram apenas um estudo cada.

Em relação ao tipo dos estudos incluídos, optou-se por manter a nomenclatura indicada pelos autores, sendo a maioria de abordagem qualitativa, dentre eles quatro estudos foram indicados como relatos de experiência^(17,31,36,39), quatro estudos de caso^(35,37-38,43) (sendo um estudo de casos múltiplos⁽³⁵⁾), três definidos apenas como qualitativos^(28,32-33), dois estudos etnográficos^(44-45), dois de pesquisa-ação^(40-41), uma pesquisa exploratória descritiva⁽⁴²⁾ e um estudo descritivo⁽³⁴⁾. Outros dois como sendo de abordagem mista^(48,52), um exploratório de levantamento com triangulação de métodos⁽⁴⁹⁾, um transversal analítico descritivo com abordagem quanti-qualitativa⁽⁵¹⁾, um do tipo experimental longitudinal⁽⁵⁰⁾ e quatro estudos que não deixaram claro o tipo de delineamento^(27,29,46-47).

Quanto à aplicação do MMAT, os estudos incluídos foram classificados quanto à sua categoria de estudo e cada grupo analisado separadamente para avaliação da qualidade metodológica. Os números de um a cinco identificam cada categoria dos desenhos de estudo, de acordo com a ferramenta. Nesse sentido, 18 estudos^{(17,28,31-45,47}) se enquadraram em uma abordagem qualitativa⁽¹⁾, sete estudos^{(27,30,46,48-49,51-52}) utilizaram métodos mistos⁽⁵⁾ e dois dos estudos^(29,50) apresentaram abordagem quantitativa não randomizada⁽³⁾. Dos 27 artigos, 23 foram classificados como sendo estudos de alta qualidade (*****), dentre eles todos os estudos de abordagem qualitativa, quatro dos estudos de métodos mistos e um estudo quantitativo não randomizado, pois atenderam todos os cinco critérios analisados. Os demais artigos^(27,30,48,50), apesar de também apresentarem alta qualidade metodológica, atenderam apenas quatro dos critérios analisados (****), não havendo, portanto, nenhum estudo classificado como de baixa qualidade.

Os dados referentes às ações intersetoriais, identificadas nos estudos e seus resultados na redução de iniquidades sociais vividas por crianças e adolescentes, são apresentados na Figura 4.

Com relação aos setores envolvidos nas ações identificadas, todos os estudos citam o setor saúde, enquanto o setor educação é citado em 23 dos estudos^{(17,27,29,31-42,44-50,52}). Destacam-se ainda ações que tratam de questões relacionadas à saúde mental^{(28-29,42-43,49},51), alimentação^{(27,37,46-47,50}) e questões mais específicas, como jovens com questões na justiça^(28-29,36) e educação sexual^(44-45). As ações dos demais estudos tratam de temas mais amplos e abrangentes como aconselhamento em saúde⁽³¹⁾, qualidade de vida^(33,41), desenvolvimento pleno⁽³⁸⁾, prevenção da violência⁽⁴⁰⁾ e diminuição de desigualdades (sociais, em saúde e educação)⁽³⁴⁾.

Figura 4
Caracterização dos estudos primários, segundo autor(res), ano de publicação, ação intersetorial e resultados (referentes à redução de iniquidades sociais em crianças e adolescentes). Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019

Referência (autor/ano)	Ação/estratégia/política/intervenção intersetorial	Resultados (referentes à redução de iniquidades sociais em crianças e adolescentes)
Appleby, et al. (2019)(27)	Iniciativa de Saúde Escolar Aprimorada - programa de saúde e nutrição escolar na Etiópia	- melhorias nos principais indicadores de saúde e nutrição infantil, incluindo reduções na prevalência e intensidade de infecção por parasitas - melhorias no comportamento de higiene e saneamento entre as crianças em idade escolar
Appleby, et al. (2019)(28)	Estratégia de compartilhamento de informações sobre as necessidades de saúde mental de jovens em residências de justiça juvenil na Nova Zelândia - envolve setores de saúde mental e justiça	- compartilhamento de informações - informações apropriadas sobre saúde mental - apoio aos funcionários para oferecer o melhor atendimento aos jovens
Barrett, et al. (2016)(29)	Safety Net Collaborative, parceria colaborativa para impedir o encarceramento de jovens e melhorar o acesso a serviços de saúde mental, em Cambridge, Massachusetts - entre polícia, prestadores de serviços de saúde mental, escolas e serviços humanos	- detenções comunitárias diminuíram mais de 50% - a contratação de serviços de saúde mental elevou a média de consultas médicas ambulatoriais por ano
Chandra-Mouli, et al. (2018)(30)	Intervenção multissetorial em nível distrital para tratar do casamento infantil implementada em Rajasthan, Índia	- efeito em cascata para estimular ações mais combinadas nos níveis de quarteirão e vila - organização não governamental comprometida em apoiar - um design e implementação específicos do contexto e uma abordagem flexível e responsiva - alistar lideranças dos principais oficiais do governo, de acordo com os deveres descritos na Lei de Proibição de Casamento Infantil de 2006
Fabbiani, et al. (2016)(31)	Projeto Espaços de Orientação e Audição em Saúde Integral em Centros Educacionais, uma estratégia de centros de compartilhamento e aconselhamento integral em saúde em centros educacionais do Uruguai, Montevideo - envolve serviços sociais, de saúde e educacionais	- alunos se apropriam do espaço, participam espontaneamente e valorizam positivamente a proposta - a maioria das consultas é resolvida no momento, oferecendo atendimento e orientações oportunas - redução do sofrimento e desconforto, pelo cuidado com problemas antigos observados e detectados nesse espaço pela primeira vez - resposta a situações de maior complexidade é feita de maneira coordenada com a comunidade educacional, a família e as redes
Fabelo-Roche, et al. (2016)(32)	Oficinas conduzidas com técnicas participativas e dinâmicas de grupo para reduzir o consumo de álcool em um grupo de adolescentes cubanos - colaboração entre setor acadêmico, setor educacional e setor de negócios	- nenhum aluno adicional iniciou o consumo de bebida durante a intervenção - houve aumento nos indicadores sugerindo uma mudança para atividades culturais e recreativas saudáveis e formulação de aspirações vocacionais nos planos de vida - a percepção dos riscos envolvidos no consumo de álcool e drogas aumentou consideravelmente - houve aumento de atitudes negativas em relação à bebida
Ferrugem, et al. (2015)(17)	Projeto Bonde do Cine: discutindo cinema, produzindo saúde em Porto Alegre, Rio Grande do Sul - envolve saúde, educação e cultura	- através de intervenções coletivas, com trocas de experiências, participação social, diálogo horizontal, houve a construção conjunta do conhecimento, fortalecimento dos sujeitos e reflexão crítica sobre diferentes temáticas relacionadas com o cotidiano dos adolescentes - importante contribuição no processo de educação dos estudantes e professores
Gimenez, et al. (2014)(33)	Programa Saúde na Escola (PSE) em Marília, São Paulo - política intersetorial do Ministério da Saúde e Ministério da Educação, com a finalidade de melhorar a qualidade de vida de crianças, adolescentes e adultos através da proposição de políticas e ações a serem desenvolvidas pelos setores da saúde e da educação em ambiente escolar	- aumento considerável na demanda de menores de 18 anos por testes de sorologia, assim como na distribuição de preservativos na Unidade Básica de Saúde (UBS) - o processo de corresponsabilização ampliou a capacidade de cada setor/área analisar e transformar seu modo de atuar, a partir da perspectiva dos outros setores/áreas, levando a ações com resultados mais efetivos - proporciona maior visibilidade à multicausalidade e determinação do processo saúde-doença, sendo pertinente a participação de todos os setores em ações que visem romper a fragmentação da atenção aos diversos problemas apresentados por esses grupos
Jones, et al. (2019)(34)	Estratégia que busca abordar as desigualdades de saúde, educação e sociais que as crianças e os adolescentes rurais enfrentam na Austrália - colaboração entre um distrito de saúde local, educação escolar e um departamento universitário de saúde rural	- ganhos de relacionamento, recursos e força de trabalho - promoção da coordenação e integração do cuidado
Laurin, et al. (2015)(35)	Pesquisa sobre a prontidão escolar de crianças em distritos de Montreal, Canadá - parceiros da rede de assistência à saúde, educação, creche, organizações comunitárias e de caridade e do Ministério da Imigração	- foi dado ao desenvolvimento infantil maior visibilidade e importância, impactando atores da primeira infância que se sentiram capacitados a chamar atenção de outros órgãos para a situação - a formação de comitês intersetoriais em todos os territórios para organização e acompanhamento da cúpula local resultou na extensão e consolidação de redes de parceiros - contar com ações intersetoriais garante a oferta de uma gama maior de serviços, abrangendo as diversas esferas do desenvolvimento infantil, melhor visibilidade na comunidade e maior acessibilidade
Leite, et al. (2015)(36)	Plano Operativo Estadual (POE) de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Privação de Liberdade e sua efetiva aplicação no estado do Acre - aproximação com o Ministério Público Estadual, Instituto Socioeducativo, Secretaria Estadual de Saúde, Secretaria Estadual de Educação e Secretarias Municipais de Saúde e Assistência Social de Rio Branco	- ampliação e envolvimento de atores da rede de cuidado e proteção dos adolescentes - potencializou a corresponsabilização dos diversos serviços da rede de cuidados
Melo, et al. (2016)(37)	Programa de Alimentação Escolar (PAE) de Itabira, Pernambuco - envolve os setores da educação, saúde e social	- resultados relativos aos contextos organizacional e sociopolítico: institucionalização do programa, uso eficiente dos recursos financeiros, gestão municipalizada, alta participação comunitária e uso dos recursos locais a favor do programa
Milman, et al. (2018)(38)	Programa Chile Cresce Contigo para ajudar todas as crianças a alcançar seu potencial de desenvolvimento, independentemente da condição socioeconômica, apoiando crianças e famílias - envolvendo setores de saúde, proteção social e educação	- efeitos positivos no desenvolvimento infantil - verifica-se que quanto mais as famílias usam os benefícios do programa e quanto mais tempo o subsistema opera na comunidade, maiores os efeitos positivos
Mongiovi, et al. (2018)(39)	Intervenção educativa para o enfrentamento à homofobia realizada com adolescentes numa escola de referência em ensino médio em Recife, Pernambuco - envolve saúde e educação	- criação de um espaço de participação e diálogo para o enfrentamento à homofobia na escola - promoção da saúde e formação integral e cidadã de adolescentes no que tange ao enfrentamento da vulnerabilidade social e violência
Monteiro, et al. (2015)(40)	Círculos de Cultura, considerados espaços dinâmicos de aprendizado na construção coletiva de conhecimentos sobre estratégias de prevenção à violência em Recife, Pernambuco - invenção educacional em saúde envolvendo adolescentes	- a ação educativa suscitou uma posição sociopolítica e cultural crítica dos adolescentes diante das situações de vulnerabilidade à violência, incluindo a garantia de direitos humanos, justiça e combate às iniquidades - mudanças nas relações sociais, combate à discriminação e intolerância - expansão do acesso e reorientação dos serviços de saúde por meio de políticas públicas intersetoriais
Moyano, et al.(41)	Projeto baseado em sistemas agroecológicos para melhorar algumas dimensões da qualidade de vida e do ambiente escolar na Argentina - envolve setores da educação, saúde, social e ambiental	- os professores expressaram impactos positivos do projeto no nível escolar dos adolescentes - contribuições positivas para aspectos da qualidade de vida na adolescência, tanto objetivos quanto subjetivos e viáveis a serem realizados no ambiente escolar de forma intersetorial
Nunes, et al. (2016)(42)	Ações voltadas à saúde mental infantojuvenil em São Lourenço do Sul, Rio Grande do Sul - articulação entre os serviços de rede (saúde, educação, assistência social e justiça)	- maior potencial para a resolutividade das necessidades de crianças e adolescentes - os diversos setores integrantes, independentemente da esfera que representam, estão imbuídos do compromisso com a proteção integral desses indivíduos - as estratégias se mostram eficientes na continuidade do cuidado prestado e contribuem para enriquecer novas possibilidades de intervenções
O'Malley, et al. (2017)(43)	Colaboração inovadora para lidar com o estresse tóxico entre crianças que crescem na pobreza em Kansas City - entre um centro comunitário, a Operação Breakthrough (OB) e um hospital infantil de atendimento terciário	- os acordos de compartilhamento de dados permitem que a clínica saiba quais cuidados foram prestados às crianças e quais cuidados são necessários - as crianças passaram a receber os cuidados que precisam em tempo hábil e sem redundância - cooperação e colaboração são evidentes na escola, na clínica, na administração e até nos departamentos de filantropia da Children's Mercy Hospital (CMH) e da OB
Obach, et al. (2019)(44)	Estratégias para abordar a saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes, prevenir a gravidez na adolescência e explorar as percepções dos adolescentes e profissionais de saúde sobre essas estratégias, no Chile - envolvendo os setores da saúde e educação	- facilitou o acesso dos adolescentes aos cuidados de saúde sexual e reprodutiva - permitiu que a saúde sexual e reprodutiva fosse entendida como uma dimensão integral da vida dos adolescentes e reforçou uma ideia holística da saúde - estimulou o setor de saúde a se conectar com a comunidade e compartilhar a responsabilidade pelos cuidados em saúde - facilitou o exercício dos direitos e bem-estar dos adolescentes na comunidade, contribuindo para uma comunidade mais saudável, à medida que os riscos associados à gravidez na adolescência diminuem, assim como a reprodução da pobreza e das desigualdades de gênero
Obach, et al. (2017)(45)	Programa de Espaços Amigáveis, uma estratégia para indagar sobre as percepções dos adolescentes acerca da educação sexual na Região Metropolitana do Chile - envolvendo os setores da saúde e educação	- setores trabalhando de maneira colaborativa e coordenada - foi dada melhor resposta às necessidades dos adolescentes no tocante à informação e à educação sexual
Pappas, et al. (2008)(46)	Tawana Pakistan Project (TPP), programa de alimentação escolar que forneceu refeições em escolas primárias do governo no Paquistão - envolveu saúde, educação e comunidade	- o desperdício diminuiu quase pela metade e as matrículas nas escolas aumentaram 40% - diminuiu a desnutrição e melhorou o conhecimento da dieta nas comunidades - melhorias nas três medidas do estado nutricional: desnutrição aguda, diminuiu 45%; as meninas abaixo do peso caíram 21,7%; a baixa estatura, uma medida da desnutrição crônica, diminuiu 6% - várias melhorias nas escolas do projeto: aumento do número de professores, melhora da disciplina escolar e aumento das escolas; a infraestrutura foi melhorada, incluindo latrinas e abastecimento de água, assim como a higiene das cozinhas nas escolas
Reader, et al. (2017)(47)	Programa de Estágio de Bem-Estar nas escolas para combater a obesidade em crianças de escolas públicas de Nova Iorque - parceria entre uma organização sem fins lucrativos e uma faculdade comunitária urbana	- a exposição repetida a alimentos saudáveis mudou as atitudes de algumas crianças em idade escolar em relação à alimentação saudável, demonstrando atitudes positivas - alguns alunos começaram a demonstrar interesse em experimentar novos alimentos - os estagiários da universidade serviram como exemplos positivos devido à juventude, etnia e experiência de vida que compartilharam com os alunos
Shan, et al. (2014)(48)	KidsFirst, programa de intervenção na primeira infância que atende famílias vulneráveis em áreas-alvo em Saskatchewan - Canadá, com práticas eficazes para aumentar o capital social e a coesão social nos níveis comunitário e institucional	- fortaleceu o tecido comunitário, unindo a comunidade, cultivando capital social comunitário e melhorando os ambientes institucionais e de serviços - aumentou a conscientização da comunidade com relação à saúde das crianças - ganhou apoio de diferentes organizações que auxiliaram na captação de recursos, doando medicamentos, fornecendo serviços gratuitos e divulgando informações sobre saúde - desempenhou papel central na ligação dos pais com a saúde e outros serviços
Tãno, et al. (2019)(49)	Situações de cuidado à população infantojuvenil acompanhadas nos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis (CAPsij) da Região Sudeste do Brasil - os principais setores envolvidos são da saúde, educação e assistência social	- tecidas redes de suporte para os usuários dos serviços e para os profissionais - ampliação da comunicação e a troca de saberes, pensamentos e experiências, que produzem uma sensação de parceria e de contato que alivia a sobrecarga de trabalho e sustenta a duração das intervenções - melhora da percepção de educadores com relação à saúde mental e às crianças e aos adolescentes em sofrimento psíquico
Tkac, et al. (2017)(50)	Programa para promover a saúde de crianças em idade escolar por meio de atividade física e dieta saudável em Curitiba, Paraná - apoio dos departamentos municipais de educação e saúde, direção da escola e grupos de pesquisa de universidades públicas e privadas	- intervenções de longo prazo que promovem mudanças positivas e significativas no perfil dos indicadores de saúde escolar - mudança de comportamentos a partir do empoderamento dos alunos, dos gerentes e dos pais
Torricelli, et al. (2014)(51)	Um Programa de Assistência Comunitária (PAC) para crianças e adolescentes com problemas de saúde mental na cidade autônoma de Buenos Aires	- atendimento a um número maior de crianças e adolescentes com sofrimento psicológico significativo e vulnerabilidade psicossocial, melhorando a acessibilidade e as condições gerais - projetou e implementou respostas abrangentes e territorializadas e garantiu respostas intersetoriais eficazes, resultando em uma avaliação positiva
Woodland, et al. (2016)(52)	Programa Otimizando Saúde e Aprendizagem, com objetivo de desenvolver um modelo de atendimento transferível e sustentável que melhorasse os resultados de saúde e aprendizado em refugiados e outros jovens migrantes vulneráveis em Sidney, Austrália	- aumento na detecção de condições de saúde com probabilidade de causar impacto na saúde e na aprendizagem dos alunos - ligação de estudantes recém-chegados e suas famílias com os cuidados primários de saúde - coordenação dos cuidados de saúde primários e serviços especializados

Os principais resultados mostram diversos avanços referentes à redução de iniquidades sociais, vivenciadas por crianças e adolescentes em vulnerabilidade social, tais como melhorias no acesso à saúde, nos indicadores de nutrição infantil, aumento da informação, da qualidade e quantidade dos atendimentos voltados à saúde mental, aquisição de hábitos saudáveis e melhoria da qualidade de vida^{(27-29,31-33,41,51)}.

Outros avanços mostram intervenções que contribuíram no processo educacional de crianças e adolescentes, como aumento de matrículas nas escolas, aumento nos indicadores sugerindo mudança para atividades culturais e recreativas saudáveis, formulação de aspirações vocacionais nos planos de vida, construção conjunta do conhecimento, reflexão crítica e empoderamento dessa população, criação de espaços de participação e diálogo no ambiente escolar para enfrentamento à homofobia, discriminação e intolerância e melhorias na infraestrutura de escolas^{(17,39-41,46-47,50}).

Outras ações e resultados significativos mostram apoio aos profissionais que atendem crianças e adolescentes, visando melhor atendimento; contratação de número maior de profissionais; reconhecimento da importância do processo de corresponsabilização e compartilhamento de informações; abordagens mais flexíveis e responsivas; promoção da coordenação e integração do cuidado; resultados relativos aos contextos organizacional e sociopolítico, como uso eficiente dos recursos financeiros e alta participação comunitária; aumento da visibilidade e importância do desenvolvimento infantil; fortalecimento do tecido comunitário, cultivando capital social e melhorando os ambientes institucionais e de serviços; maior parceria e contato, a partir da ampliação da comunicação e a troca de saberes, aliviando a sobrecarga de trabalho e sustentando a duração, qualidade e efetividade das intervenções; e a criação e o fortalecimento de redes de apoio e suporte, tecidas para os usuários dos serviços e para os profissionais^{(17,28-31,33-36,43-46,48-49,52)}.

Discussão

Nesta revisão o objetivo foi identificar as repercussões de ações intersetoriais voltadas para crianças e adolescentes no que diz respeito ao enfrentamento de iniquidades sociais. Nesse sentido, os artigos revisados apresentaram avanços importantes na redução das iniquidades sociais.

Observa-se, a partir das ações identificadas e dos resultados apontados nos estudos, desde dados mais claros e diretos, que refletem principalmente na saúde e educação das crianças e adolescentes^{(27-28,31-33,39,43-47,51-52)}, quanto resultados de ações indiretas, mas de grande impacto para a população infantojuvenil, como melhorias nos serviços, na ação dos profissionais que trabalham com essa população, novas parcerias e apoios, construção de redes, suporte às famílias, aumento de acesso a serviços e informação^{(17,28,30-31,35-36,40-49)}.

Dos setores envolvidos nas ações identificadas, o setor da saúde está presente nas ações de todos os estudos selecionados. Há que se considerar a importância desse setor, tendo em vista que uma sociedade plenamente saudável tende a aumentar sua produtividade, consequentemente aumenta retornos econômicos aos bens da participação no mercado de trabalho, ampliando assim possibilidades de desenvolvimento mais inclusivo e sustentável⁽⁵³⁾. No entanto, para se obter melhorias na saúde e bem-estar social da população apenas ações do setor saúde não bastam, é necessário liderança para estimular ações intersetoriais voltadas para a redução de iniquidades⁽¹³⁾.

Após o setor da saúde, o setor na educação foi o mais frequente nas ações intersetoriais dos estudos selecionados, ficando evidente, também, a parceria entre saúde e educação^{(17,27,31,33-34,39,44-46,50,52)}, que ocorreu em sua maioria em países da América do Sul (Brasil, Chile e Uruguai). O sistema escolar apresenta-se como excelente meio para intervenções voltadas para condições de saúde mais comuns que afetam as crianças em idade escolar, melhorando a participação e a aprendizagem⁽²⁷⁾. Programas de saúde e nutrição escolares são apontados como uma das maneiras mais usadas em países de baixa e média renda para gerar educação em saúde e mudanças de comportamento nessa população^(54-55).

Dentre os estudos selecionados, foi possível observar ações relacionadas à alimentação focando questões específicas de cada país como um estudo na Etiópia⁽²⁷⁾, por meio de um programa de saúde e nutrição escolar, obteve melhorias no comportamento de higiene e saneamento entre crianças e identificou a redução na prevalência e intensidade de infecção por parasitas.No Paquistão⁽⁴⁶⁾ um programa de alimentação escolar, realizado em 4.035 escolas primárias, diminuiu a desnutrição aguda em 45%, o baixo peso caiu 21,7% e a baixa estatura 6%. Em Nova Iorque⁽⁴⁷⁾ programa visando o combate à obesidade infantil identificou a mudança de atitudes de crianças em relação à alimentação saudável, adquirindo atitudes positivas e o interesse por novos alimentos. No Brasil⁽⁵⁰⁾ uma ação para a promoção de saúde de crianças em idade escolar, por meio de atividade física e dieta saudável, conseguiu melhorar os indicadores de saúde escolar e a mudança de comportamento não só dos alunos como dos profissionais e pais.

Autores pontuam que programas de saúde e nutrição escolar estão entre os principais serviços que buscam intervir em condições de saúde que tendem a afetar crianças em idade escolar. Com a infraestrutura que as escolas são capazes de oferecer, torna-se viável a implementação de programas de saúde com mais agilidade e custos iniciais reduzidos. Dessa forma, a escola atua fornecendo informações sobre educação em saúde, aumentando o acesso à assistência aos mais marginalizados e levando à mudança de comportamentos que refletem no aumento das matrículas, da frequência escolar e redução das diferenças de gênero^(54-55).

Ainda sobre a educação em saúde, nota-se que as práticas de intervenções no ambiente escolar com participação ativa de crianças e parceria com organizações de outros setores asseguram consistência e sustentabilidade às iniciativas^(56-57).

Dentre os estudos selecionados, a saúde mental de crianças e adolescentes é tratada com relação à melhoria do acesso⁽²⁹⁾, aumentando a média anual de consultas ambulatoriais e diminuindo em mais de 50% as detenções de jovens em uma cidade dos Estados Unidos (EUA); ao estresse crônico em crianças pobres⁽⁴³⁾, por meio da cooperação e colaboração entre os setores, também nos EUA; ao cuidado infantojuvenil em um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSij)⁽⁴⁹⁾ no Brasil; e a jovens em residência de justiça juvenil (serviços residenciais para jovens de 12 a 17 anos, que representam um risco para si ou para outras pessoas)⁽²⁸⁾ da Nova Zelândia, com estratégia de compartilhamento de informações.

Assim como observado, outros estudos também assinalam que trabalhos organizados, a partir da criação de ações em rede, apresentam-se mais efetivos e potentes, sendo apontados, portanto, como prioritários no campo da atenção psicossocial infantojuvenil. Nesse sentido, as repercussões da intersetorialidade como estratégia de intervenção e gestão, identificadas nesta revisão, vão ao encontro do que autores já pontuaram, evidenciando a estruturação de um compromisso compartilhado com a diminuição de iniquidades sociais e outros sofrimentos enfrentados por crianças e adolescentes^(58-60). Observou-se que a intersetorialidade, quando priorizada em serviços de saúde mental, possibilita ações mais singulares no cuidado a essa população, além de contribuir com uma visão mais ampla sobre o sofrimento psíquico, distanciando-se cada vez mais de uma ideia biomédica reducionista e mecanicista^(61-63).

Percebe-se que as ações voltadas para jovens e sua relação com a justiça buscam trabalhar a saúde mental tanto como ação preventiva, a fim de impedir o encarceramento dessa população⁽²⁹⁾, como promoção de saúde para jovens que estão em residência de justiça⁽²⁸⁾. Trata-se, em sua maioria, de jovens que lidam desde muito cedo com condições de pobreza, de privação social, alta exposição à violência, dentre outras situações que evidenciam a vulnerabilidade social desses jovens e as iniquidades às quais estão sujeitos⁽²⁸⁾. Observa-se a importância do acesso à assistência por parte dessa população que, mesmo sendo considerada como em situação de risco, possui acesso mínimo antes de entrar em um sistema de justiça, sendo escassas as ações que buscam impedir jovens de cometer crimes⁽²⁹⁾.

Os estudos também mostraram que a ação intersetorial, estratégia recente de gestão de programas e políticas públicas, e pouco utilizadas em situações complexas, vem sendo cada vez mais uma opção em face de desafios como a violência e o uso abusivo de drogas⁽¹³⁾. Nesse sentido, destacam-se os estudos cujas ações abordam questões mais específicas, que produzem profundas iniquidades e que tratam sobre jovens com questões na justiça; ações voltadas para educação sexual e reprodutiva de adolescentes^(44-45), buscando levar maior informação e prevenir a gravidez na adolescência; ações para o enfrentamento da homofobia⁽³⁹⁾, abordando gênero, diversidade sexual e direitos humanos; redução do consumo de álcool em adolescentes⁽³²⁾; ações para tratar do casamento infantil⁽³⁰⁾ na Índia; para aumentar o capital social e a coesão social⁽⁴⁸⁾; e no cuidado a crianças refugiadas⁽⁵²⁾, na Austrália.

Embora a intersetorialidade seja apontada como essencial para obter bons resultados com as políticas implementadas, os estudos indicam que importantes dificuldades administrativas e gerenciais precisam ser superadas. Os problemas evidenciados dizem respeito a dificuldades em desmontar uma lógica setorial predominante que inviabiliza a cooperação, distribuição de responsabilidades e ações operacionais. Além disso, dificuldades relacionadas aos governos que promovem a centralização do poder e capacidade deliberativa para fóruns intersetoriais, bem como obstáculos à sociedade civil de se organizar de maneira coesa para reivindicar seus direitos ao aumento do poder político, são fatores importantes^(64-65).

Outra dificuldade na implementação de projetos intersetoriais é o preparo técnico insuficiente dos gestores. A necessidade de criar uma cultura cooperativa nas relações gerenciais e administrativas, juntamente com o treinamento técnico para a gestão intersetorial é fundamental⁽¹³⁾.

Embora avanços possam ser verificados em muitos países, as iniquidades sociais ainda são fatores predominantes que marcam as iniquidades em saúde e os obstáculos ao estabelecimento da equidade. Nos países pobres, as políticas que abordam os determinantes sociais da saúde e a redução das iniquidades são fragmentadas e mostram desarticulação em sua implementação, gestão e inspeção. Os governos locais apresentam diferenças importantes no ritmo e na definição de prioridades com as quais as políticas são implementadas, criando lacunas entre as regiões do mesmo país. No que diz respeito aos países da América Latina, existem problemas relacionados a fortes questões culturais, étnicas, de gênero e à pobreza que precisam ser abordados, a fim de se implementar projetos intersetoriais voltados à produção de equidade em saúde^(14-15,66).

Os estudos incluídos nesta revisão tiveram uma boa qualidade metodológica analisada com o MMAT, uma vez que todos atenderam de quatro a cinco dos critérios, de acordo com a categoria do desenho de estudo. Todos os artigos qualitativos foram avaliados como sendo de alta qualidade, atendendo todos os cinco critérios. Quanto aos estudos que apresentaram quatro dos critérios, o estudo quantitativo não randomizado apresentou falha com relação aos fatores de confusão, que não ficaram claros. A limitação mais frequente dos estudos mistos foi referente a não descrição adequada dos procedimentos, dificultando a avaliação dos métodos envolvidos.

Apresenta-se como limitação desta revisão a restrição de período e de idiomas, bem como a não inclusão da literatura cinzenta, tendo os autores delimitado estudos primários publicados. Além disso, a análise descritiva de dados provenientes de estudos com diferentes tipos de abordagem metodológica pode gerar viés na elaboração dos resultados da revisão.

Entretanto, este trabalho representa um passo inicial importante para um estudo mais aprofundado do tema investigado. De acordo com os ODS da ONU e os objetivos da OMS de acabar com a pobreza global até 2050, visando a equidade global em saúde, serão cada vez mais necessárias as ações globais de cooperação multissetorial, intersetorial e transnacional. Portanto, estudos como esse e evidências adicionais são necessários para mostrar que políticas intersetoriais e/ou combinadas à participação social podem ter impacto nos determinantes sociais da saúde e na redução das iniquidades sociais e de saúde.

Conclusão

A partir dos estudos incluídos nesta revisão, foi possível concluir que avanços significativos têm acontecido por meio da intersetorialidade, a qual vem auxiliando e aumentando as potencialidades de efetivação de sociedades mais equitativas.

Refletindo sobre esta questão de pesquisa, a análise mostrou que as estratégias intersetoriais relatadas produziram resultados positivos em relação ao estado de saúde, nível de educação e qualidade de vida de crianças e adolescentes nos países ou regiões em que essas experiências foram implementadas. Além disso, também foi possível verificar a repercussão de resultados positivos nas comunidades em que essas crianças e adolescentes vivem e o consequente aumento do capital social comunitário.

Os resultados mostraram-se positivos para profissionais atuantes à população estudada, capacitando-os e aumentando a qualidade de atendimentos prestados, construindo informação para aplicação em novos projetos de intervenção, subsidiando a formulação de políticas públicas.

• *
  O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001, Processo 88882.327958/2019-01, Brasil.
• 2
  Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil.

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Editado por

Editora Associada: Maria Lúcia Zanetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Jun 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  3 Fev 2020
• Aceito
  28 Ago 2020