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Vínculo profissional/doente no tratamento da tuberculose: desempenho da atenção básica em município do interior paulista

Resumos

O objetivo do estudo foi avaliar o desempenho dos serviços de saúde que realizam ações de controle da tuberculose (TB), relacionado ao vínculo entre o profissional e o doente, no município de São José do Rio Preto, SP, na percepção de doentes, profissionais de saúde e gestores. Foram entrevistados 108 doentes, 37 profissionais e 15 gestores, utilizando questionário elaborado com 10 indicadores para a dimensão vínculo, construídos com base no Primary Care Assessment Tool, adaptado para avaliar a atenção à tuberculose no Brasil. O vínculo foi avaliado como satisfatório pelos três atores, entretanto, houve variabilidade entre as opiniões dos doentes e os gestores em quase todos os indicadores, o que permite inferir que a visão dos gestores ainda é voltada predominantemente aos aspectos burocráticos e administrativos, necessitando que esses integrem mais as ações gerenciais e assistenciais.

Tuberculose; Relações Profissional-Paciente; Acolhimento; Avaliação de Serviços de Saúde


This study evaluated the performance of health care services implementing TB control actions in relation to the establishment of bonds between health professionals and patients in São José do Rio Preto, SP, Brazil from the perspective of patients, health professionals, and managers. A total of 108 patients, 37 health professionals and 15 managers were interviewed through a questionnaire containing 10 indicators of bond-establishment based on the instruments of the Primary Care Assessment Tool, adapted to evaluate tuberculosis control in Brazil. The three groups of actors considered the establishment of bonds satisfactory, though opinions of patients and managers differed in almost all indicators. This fact indicates that the view of managers is still predominantly focused on bureaucratic and administrative aspects, which shows the need for managers to integrate more management and care actions.

Tuberculosis; Professional-Patient Relations; User Embracement; Health Services Evaluation


El objetivo del estudio fue evaluar el desempeño de los servicios de salud que realizan acciones de control de la TB relacionado al vínculo entre el profesional y el enfermo, en el municipio de Sao José del Rio Preto, en Sao Paulo, en la percepción de enfermos, profesionales de la salud y gestores. Fueron entrevistados 108 enfermos, 37 profesionales y 15 gestores utilizando un cuestionario elaborado con 10 indicadores para la dimensión vínculo construidos con base en el Primary Care Asesment Tool, adaptado para evaluar de la atención a la tuberculosis en Brasil. El vínculo fue evaluado como satisfactorio por los tres actores, entre tanto hubo variabilidad entre las opiniones de los enfermos y los gestores en casi todos los indicadores, lo que permite inferir que la visión de los gestores todavía está orientada predominantemente por los aspectos burocrático/administrativos, necesitando que estos integren más las acciones gerenciales y asistenciales.

Tuberculosis; Relaciones Profesional-Paciente; Acogimiento; Evaluación de Servicios de Salud


ARTIGO ORIGINAL

Vínculo profissional/doente no tratamento da tuberculose: desempenho da atenção básica em município do interior paulista1

Maria Amélia Zanon PonceI; Silvia Helena Figueiredo VendraminiII; Marilene Rocha dos SantosII; Maria de Lourdes Sperli Geraldes SantosII; Lúcia Marina ScatenaIII; Tereza Cristina Scatena VillaIV

IEnfermeira, Doutoranda, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: amelinha_famerp@yahoo.com.br

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, Brasil. E-mail: Silvia - silviahve@gmail.com, Marilene - marilene@famerp.br, Maria de Lourdes - mlsperli@gmail.com

IIIEngenheira, Doutor em Engenharia, Professor Doutor, Departamento de Medicina Social, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil. E-mail: lmscatena@uol.com.br

IVEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: tite@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo do estudo foi avaliar o desempenho dos serviços de saúde que realizam ações de controle da tuberculose (TB), relacionado ao vínculo entre o profissional e o doente, no município de São José do Rio Preto, SP, na percepção de doentes, profissionais de saúde e gestores. Foram entrevistados 108 doentes, 37 profissionais e 15 gestores, utilizando questionário elaborado com 10 indicadores para a dimensão vínculo, construídos com base no Primary Care Assessment Tool, adaptado para avaliar a atenção à tuberculose no Brasil. O vínculo foi avaliado como satisfatório pelos três atores, entretanto, houve variabilidade entre as opiniões dos doentes e os gestores em quase todos os indicadores, o que permite inferir que a visão dos gestores ainda é voltada predominantemente aos aspectos burocráticos e administrativos, necessitando que esses integrem mais as ações gerenciais e assistenciais.

Descritores: Tuberculose; Relações Profissional-Paciente; Acolhimento; Avaliação de Serviços de Saúde.

Introdução

A resolubilidade das ações de controle da tuberculose (TB) sofre influência de fatores associados ao comportamento do doente, à modalidade do tratamento empregado e à operacionalização dos serviços, com destaque para a atuação dos profissionais de saúde(1).

A organização do trabalho da equipe de saúde é determinante para o sucesso do controle da TB, principalmente em relação à adesão ao tratamento(1). Nesse sentido, nos últimos anos, vêm-se discutindo estratégias para o controle da doença pautadas não somente em novos métodos diagnósticos ou terapêuticos, mas, também, na incorporação das tecnologias das relações, que destacam os processos de acolhimento, vínculo e atenção integral como gerenciadores das ações de saúde(2).

O acolhimento e vínculo representam diretrizes operacionais para o alcance da integralidade em saúde, considerando que o vínculo estabelece fortes laços interpessoais entre os profissionais de saúde e os doentes, por meio de relações de escuta, diálogo, respeito e humanização da assistência, promovendo a corresponsabilização da saúde(1,3).

O interesse e responsabilização do profissional para com a saúde e as necessidades do doente despertam sentimentos de segurança e confiança no usuário e faz com que esse procure com mais frequência o serviço no qual se sente acolhido e vinculado, facilitando o acesso(4).

O vínculo entre os sujeitos objetiva estimular o autocuidado, conferindo autonomia ao doente, possibilitando a atuação de indivíduos participantes na decisão sobre a saúde que se deseja obter(5). Dessa forma, o tratamento passa a ser compartilhado, o que fortalece as relações de confiança entre o doente e o profissional, favorecendo a adesão ao tratamento e à obtenção da cura(6).

Este artigo resulta do projeto multicêntrico Avaliação das dimensões organizacionais e de desempenho dos serviços de atenção básica no controle da TB, em centros urbanos de diferentes regiões do Brasil, e teve como objetivo avaliar o desempenho dos serviços de saúde que realizam ações de controle da TB, relacionado ao vínculo entre o profissional e o doente, no município de São José do Rio Preto, SP, na percepção de doentes, profissionais de saúde e gestores.

Métodos

Trata-se de pesquisa avaliativa de recorte quantitativo, realizada em São José do Rio Preto, SP, um dos municípios prioritários do Estado de São Paulo para o controle da TB.

No ano 2007, período do estudo, a atenção à TB nesse município tinha como característica principal o modelo de programa e gestão centralizada, com ações programáticas de diagnóstico e tratamento, realizadas pela equipe especializada do Programa de Controle da Tuberculose (PCT). Contudo, algumas ações como a supervisão da dose medicamentosa estava em processo gradual de descentralização para as unidades de atenção básica (unidades básicas de saúde e unidades de saúde da família). Em decorrência desse processo, era possível encontrar, no município, doentes acompanhados nos dois tipos de serviços, recebendo a consulta médica de controle com a equipe do PCT e o tratamento supervisionado (TS) com as equipes das unidades de atenção básica de suas áreas de abrangência.

População de estudo

Participaram do estudo três atores: doentes de TB, profissionais de saúde e gestores.

De 156 doentes de TB diagnosticados no ano 2007, foram entrevistados 108 (69,2%), considerando os critérios de inclusão: ser maior de dezoito anos, residente em São José do Rio Preto e estar em tratamento há pelo menos um mês, no período de coleta de dados.

Foram entrevistados 37 profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem) que atuavam no PCT (100%) e em unidades de saúde de atenção básica (27%) que realizavam o TS, no período da coleta de dados. Também participaram 15 gestores (100%) que atuavam como coordenadores de áreas do nível central e os gerentes do PCT e das unidades de atenção básica que realizavam o TS no período da coleta de dados.

Coleta de dados

O período de coleta de dados foi de junho a julho de 2007, por meio de entrevistas. Aplicou-se, para cada ator, um questionário estruturado, baseado nos instrumentos componentes do Primary Care Assessment Tool (PCAT) e adaptado para as ações de controle da tuberculose no país(7).

Os instrumentos para os três atores continham questões sobre as dimensões da Atenção Primária à Saúde, sendo que, neste estudo, se utilizaram aquelas referentes à dimensão vínculo. Considerando as especificidades dos atores, foram consideradas, no questionário dos doentes, informações sobre sexo, escolaridade, local da consulta médica de controle e local do TS. Para os profissionais e gestores, foram também contempladas as questões sobre local de trabalho (tipo de serviço), categoria profissional e cargo.

Foram considerados dez indicadores para a avaliação da dimensão vínculo, apresentados na Tabela 1 e Figura 1.


O entrevistado respondeu cada pergunta segundo escalas de classificação variadas, dicotômicas, de múltipla escolha com resposta única e de somatória (escala de tipo Likert) que fornece possibilidades de respostas preestabelecidas. Foi atribuído um valor de zero a cinco para cada resposta, sendo que o valor zero foi destinado para respostas não sei ou não se aplica e os valores de 1 a 5 para o grau de concordância das afirmações.

Cada indicador correspondeu à somatória das respostas de todos os entrevistados, dividida pelo número total de entrevistas para obtenção de um valor médio.

Um índice composto foi determinado para cada grupo de entrevistado. Esse índice corresponde ao valor médio das respostas, obtido em cada grupo, e representa o desempenho da dimensão vínculo na percepção dos doentes, profissionais e gestores.

Os indicadores foram analisados individualmente e comparados entre os três atores. Os dados foram submetidos à análise de variância (Anova), com o uso do teste F, e a comparação múltipla entre médias foi realizada por meio da aplicação do teste de Tukey. Para as análises que indicaram violação dos critérios para o uso da Anova, foi utilizada a Anova não-paramétrica de Kruskall-Wallis (teste H) e o teste de comparação múltipla entre médias - teste de Dunn. O nível de significância estatística adotado em todos os testes foi de 5% de probabilidade.

O desempenho de cada indicador e do índice composto de vínculo foi classificado como desfavorável para os valores médios próximos de 1 e 2, valores próximos de 3 - regular e valores próximos de 4 e 5 - desempenho favorável.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, em 2007, (Protocolo nº0762/2007) e o anonimato de todas as informações fornecidas pelos sujeitos do estudo foi garantido, sendo que o termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos entrevistados.

Resultados

A maioria dos doentes entrevistados era do sexo masculino (65,7%), 39,8% possuíam o ensino fundamental incompleto e apenas 12% haviam concluído o ensino médio.

Em relação aos profissionais de saúde, 27,1% eram médicos, 32,4% enfermeiros, 10,8% técnicos de enfermagem e 29,7% auxiliares de enfermagem. A maioria dos profissionais entrevistados (62,1%) atuava nas unidades de saúde de atenção básica que tinham doentes em tratamento durante o período de coleta de dados e 37,9% trabalhavam no PCT.

Do total de 15 gestores entrevistados, 53,3% (n=8) eram gerentes técnicos que ocupavam o cargo de: coordenadores de programas (PCT e AIDS) (n=2), coordenadores da área técnica da atenção básica e estratégia da saúde da família (n=4), coordenador de divisão dos polos de saúde (n=1) e coordenador da vigilância epidemiológica (n=1). Eram gerentes assistenciais do PCT e das unidades de atenção básica 46,7% (n=7).

A maioria das consultas médicas de rotina para o acompanhamento dos pacientes de TB (82,4%) era realizada no ambulatório de referência, com a equipe especializada do PCT. O TS era administrado em 83,3% (n=90) dos doentes, sendo que, desses, 42,6% (n=46) recebiam a dose supervisionada pelas equipes das unidades de atenção básica, 14,8% (n=16) no PCT e 25,9% (n=28) no domicílio, acompanhados principalmente pelos profissionais do PCT.

Na Tabela 1, são apresentados os resultados de média, desvio padrão e o valor do teste F e teste não-paramétrico de Kruskall-Wallis (teste H) para os 10 indicadores de vínculo e o índice composto analisados de acordo com as três categorias de atores entrevistados. Verificou-se, a partir do índice composto, que os doentes de TB (4,79), profissionais de saúde (4,70) e gestores (4,16) avaliaram essa dimensão como desempenho satisfatório.

A Figura 1 apresenta o resultado dos testes de comparação múltipla (teste de Tukey e teste de Dunn) entre os indicadores, nos três grupos.

Os indicadores: explicação sobre os medicamentos utilizados para o tratamento de TB e solicitação de informações sobre os medicamentos utilizados pelo doente de TB foram semelhantes entre os três grupos de atores.

Os doentes e gestores se diferenciaram nos indicadores: consultas com o mesmo profissional de saúde, esclarecimento de dúvidas sobre o tratamento com o profissional de saúde, preocupação dos profissionais com outros problemas de saúde do doente, tempo destinado para o doente expor suas dúvidas ou preocupações e no indicador de avaliação do atendimento da equipe de saúde pelo doente.

Em relação aos indicadores: compreensão das dúvidas apresentadas pelo doente de TB ao profissional de saúde, clareza em responder as dúvidas apresentadas pelo doente de TB e registro das queixas dos doentes pelos profissionais de saúde em prontuários, doentes e profissionais apresentaram médias estatisticamente semelhantes, enquanto que os gestores se diferenciaram de ambos.

Discussão

Os resultados acerca das características dos doentes entrevistados, sendo eles a maioria do sexo masculino e com baixo nível de escolaridade, estão de acordo com o perfil dos doentes de TB encontrados no município numa série história de 10 anos(8), assim como em outros locais do Brasil(9-10), podendo ser esse importante fator de vulnerabilidade à TB e determinante para a menor adesão ao tratamento(11).

Sobre o local de atendimento, foi possível verificar que a maioria dos doentes de TB realizava o tratamento médico (consulta médica mensal de controle) com a equipe do PCT, enquanto que a dose supervisionada era feita principalmente nas unidades de atenção básica. Esse dado corrobora o modo como a atenção à TB estava organizada no período da coleta de dados (centralizada no PCT, com algumas ações em processo gradual de descentralização para as unidades de saúde) e reforça o fato de a maioria dos doentes de TB ser acompanhada, simultaneamente, por serviços de saúde, com lógicas de atendimentos diferenciados: nos serviços tradicionais que se orientam pela organização da atenção por programas e concentra a sua atuação em certos agravos e riscos - ou em determinados grupos populacionais específicos - e nas unidades de atenção básica, orientadas pela organização da atenção com enfoque na adscrição da clientela, territorialização, diagnóstico da situação de saúde e planejamento baseado na realidade local e nos agravos de saúde em geral.

Estudo realizado nos municípios prioritários do Estado de São Paulo, em 2005, mostrou que há tendência de descentralização das atividades de natureza técnica (entrega de medicamentos, observação da ingestão medicamentosa, através do TS, e busca por sintomáticos respiratórios) para as unidades básicas de saúde, enquanto que as atividades gerenciais (manejo do sistema de informações, monitoramento da situação da TB a partir do sistema de informação, planejamento e execução de treinamentos/capacitações, supervisões das equipes locais de saúde) são realizadas pela coordenação municipal do PCT e se configuram de maneira centralizada(12).

A cobertura do TS entre os doentes do estudo é considerada alta (83,3%) e, embora ainda sejam necessários esforços para atingir as metas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (100%), a taxa do TS vem se mostrando crescente desde sua implantação no município, em 1998. Até 2002, a cobertura do TS entre os não coinfectados TB/HIV era menor do que 20%, atingindo-se 59% a partir daquele ano(13).

No que tange ao vínculo, os resultados obtidos mostraram que os doentes de TB são atendidos pelo mesmo profissional, que disponibiliza tempo suficiente para que ele possa expor suas preocupações e sempre compreende e responde com clareza as dúvidas apresentadas.

O fato de os doentes serem atendidos pelo mesmo profissional pressupõe uma aproximação, de forma que os doentes têm, nesses profissionais, referência na atenção à sua saúde. Resultado semelhante foi encontrado em Fortaleza, CE, o qual evidenciou maior formação de vínculo quando os profissionais conhecem e são conhecidos pelos usuários que os procuram diante de algum novo evento, ou para expor as dúvidas(14).

O acompanhamento periódico do doente por um profissional de referência, além de permitir o fortalecimento da relação interpessoal, beneficia a participação do doente durante o tratamento e facilita a avaliação da evolução dos problemas encontrados em consultas anteriores e, consequentemente, proporciona assistência mais eficaz(3).

Em estudo realizado em Ubatuba, SP, encontrou-se que os profissionais da saúde que sempre atendiam os doentes, durante as consultas de retorno, tiveram a oportunidade de identificar aqueles com risco de abandono e voltar atenção especial para esses casos(15).

Por ser a TB doença crônica, ainda de caráter estigmatizante, cujo tratamento prolongado pode trazer impacto na vida do doente e interferir nas suas dimensões física, social, psicológica, econômica e espiritual, é de extrema importância que o profissional de saúde tenha atitudes sensíveis, desenvolva a escuta e disponibilize tempo suficiente para que o doente fale sobre seus anseios e esclareça as dúvidas(16). Quando a escuta é desenvolvida e ocorre maior aproximação entre esses dois atores, o doente desenvolve confiança no profissional e no serviço de saúde e se sente seguro para demonstrar suas inquietações(4,14).

Neste estudo, observou-se que o profissional de saúde conversa com o doente de TB sobre outros problemas de saúde, além da doença em si, o que permite que o profissional consiga ver o doente de forma holística, atender as suas outras necessidades(3) e identificar conceitos introjetados pelo doente ao longo de sua vida que vão interferir na sua conduta diante da doença(17).

A comunicação mais ampla, baseada não somente nos aspectos biológicos da doença, também contribui para o sucesso terapêutico, como pôde ser demonstrado em estudo realizado no Nepal, onde o enfoque do atendimento pautado apenas em aspectos como medicamentos, efeitos colaterais e duração do tratamento levou a maior risco para a não adesão(18).

Os indicadores apresentados, no entanto, podem ser comprometidos pela existência de algumas barreiras como a debilidade quantitativa e qualitativa dos recursos humanos e a visão centralizada e fragmentada das ações de controle da TB, no sistema de saúde, agravados pela alta rotatividade de profissionais nos serviços de saúde, principalmente na atenção básica, fruto da descontinuidade político-partidária, o que resulta na sobrecarga de funções e afeta a interação profissional/doente(14,19).

O município de estudo não foge do cenário acima apontado, apresentando essas barreiras que poderiam interferir no vínculo. Entretanto, acredita-se que a alta frequência do atendimento com o mesmo profissional, o tempo disponível para o atendimento dos doentes e a avaliação favorável da escuta e da comunicação podem ser justificadas pelo fato de a maioria dos doentes ser acompanhada por equipe fixa do PCT, uma vez que a atenção desse serviço de saúde está voltada exclusivamente aos doentes de TB.

O estudo também revelou a preocupação dos profissionais com as questões apresentadas pelos doentes, de modo a fazê-los dar explicação sobre os tuberculostáticos e permitir que eles esclareçam suas dúvidas em relação à medicação usada rotineiramente.

Esses resultados são de extrema importância para a adesão ao tratamento, uma vez que esse é bem-sucedido quando o doente assume seu papel como corresponsável pela sua saúde. Para tal, o doente deve ter conhecimento de todos os aspectos de seu cuidado, inclusive a terapia medicamentosa(16) e participar, junto com o grupo de técnicos responsável pela sua assistência, das decisões sobre sua saúde e necessidades de forma inter-relacionada, competente e resolutiva, não pautada apenas na lógica da atenção médica curativa(20).

Observou-se que as queixas apresentadas pelo doente são registradas pelos profissionais nos prontuários, sendo essa uma importante ação para o prosseguimento da assistência. Entretanto, é necessário avaliar a qualidade dessas anotações, já que os prontuários só servirão como instrumento de continuidade se contiver informações importantes a respeito dos doentes, de modo objetivo e completo e que permita o acesso a conteúdos gerados em todas as consultas anteriores(3).

O atendimento da equipe de saúde prestado ao doente de TB, durante seu tratamento, foi bem avaliado pelos três grupos de atores. O resultado positivo sobre essa avaliação da equipe de saúde, provavelmente, está relacionado aos resultados dos outros indicadores acima apresentados, pois os mesmos expressaram alto grau de satisfação em relação à dimensão vínculo em todos os seus atributos: respeito, consideração, escuta, compreensão e acolhida pela equipe.

Foi possível notar que, embora tenham avaliado bem o atendimento prestado pela equipe de saúde, os profissionais e gestores atribuíram valor menor do que os doentes. Esse dado pode ser explicado pela diferença de percepções e de expectativas entre os três grupos de atores quanto à atenção desenvolvida. Os doentes avaliaram o atendimento da equipe valorizando o modo em que são recebidos/acolhidos pelos profissionais do serviço de saúde e pela possibilidade de terem suas necessidades individuais mais imediatas atendidas. Já os profissionais e gestores avaliaram o atendimento embasado em resultados, na perspectiva de assistência voltada ao individual e coletivo, os quais demonstram o desempenho das ações desenvolvidas pela equipe por meio dos efeitos e do impacto (indicadores) sobre a saúde da população atendida(17).

Por fim, a dimensão vínculo no referido município apresentou desempenho satisfatório apontado pelos atores participantes do estudo, sendo o doente o ator que atribuiu melhor valor a essa dimensão, na maior parte dos indicadores.

Um dos fatores que pode ter contribuído para a melhor avaliação por parte dos doentes é o fato de a maioria ser acompanhada pela equipe do PCT que atende demanda menor de usuários (somente doentes de TB) e por estarem em TS no momento da coleta de dados. Estudos apontam que o grande número de doentes atendidos influencia, de modo menos favorável, a comunicação e a relação doente/profissional de saúde(10), enquanto que as atividades de supervisão do tratamento possibilitam o vínculo, visto que exigem aproximação no entorno social ao qual o doente está inserido, vínculo conquistado por meio de relações de confiança e intimidade entre esse e o profissional, ampliando essa interação(21-22).

Já os gestores, apesar da avaliação satisfatória atribuída ao vínculo, apresentaram menores valores, se diferenciando, na maioria dos indicadores, dos doentes. Esse resultado alinha-se ao estudo realizado em Ribeirão Preto, SP, no qual se aponta que as atividades burocrático-administrativas e, ainda, as questões técnicas são assumidas cada vez mais pelos gestores locais. Esses profissionais apontam, no seu cotidiano de trabalho, ações de supervisão e controle, enquanto que o planejamento e a avaliação dos profissionais e das práticas de saúde da unidade são deixados em segundo plano, dissociando, assim, a gerência da assistência. Essa postura, muitas vezes, possibilita distanciamento entre os gerentes e os usuários dos serviços, mesmo para os profissionais que assumem o cargo de gerentes assistenciais(23).

Conclusão

O estudo revelou que os doentes de TB, em tratamento em São José do Rio Preto, SP, são frequentemente acompanhados pelo mesmo profissional e que existe comunicação eficaz com enfoque para a subjetividade do doente e o oferecimento de informações sobre o esquema terapêutico, podendo ser esses alguns dos aspectos que favorecem o vínculo entre os doentes e os profissionais de saúde que realizam ações de controle da TB.

Observou-se que os três grupos de atores apontaram desempenho satisfatório para a dimensão vínculo, no município, porém, os gestores atribuíram menor valor na avaliação, diferenciando-se dos doentes na maioria dos indicadores. Nesse sentido, pode-se inferir que a visão dos gestores ainda é voltada predominantemente aos aspectos burocrático-administrativos, necessitando que esses integrem mais as ações gerenciais e assistenciais.

Assim, percebe-se que se faz necessária gerência com maior envolvimento político, maior integração com doentes e profissionais da saúde e que se apoderem dos saberes do planejamento e da organização para, dessa forma, obter ferramentas que possibilitem o adequado desenvolvimento das ações de controle da TB.

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  • Corresponding Author:
    Tereza Cristina Scatena Villa
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    Departamento Materno-Infantil e Saúde Pública
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  • 1
    Supported by Project "Assessment of the performance and organizational dimensions of primary care services in TB control in Urban Areas in Brazil", FAPESP, Process # 2006/61489-3 and Master's Scholarship, FAPESP, Process # 2008/52386-1.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011

    Histórico

    • Recebido
      22 Fev 2010
    • Aceito
      04 Out 2010
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
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