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Sobrecarga do cuidado e impacto na qualidade de vida relacionada à saúde de cuidadores de indivíduos com lesão medular

Resumos

OBJETIVO: analisar a sobrecarga do cuidado e impacto na Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) dos cuidadores de indivíduos com lesão medular traumática (LMT). MÉTODO: este é um estudo observacional, de corte transversal, realizado por revisão de prontuários e aplicação de questionários. Foram utilizadas as escalas Short Form 36 (SF-36) para avaliar a QVRS, Caregiver Burden Scale (CBScale) para sobrecarga do cuidado, e os resultados foram analisados quantitativamente. A maioria dos indivíduos com LMT era do sexo masculino, com média de idade de 35,4 anos, com predomínio de lesão torácica, seguida de lesão cervical. A maioria dos cuidadores era do sexo feminino, com média de idade de 44,8 anos. RESULTADO: das características clínicas que contribuíram para maior sobrecarga do cuidado e pior QVRS destacaram-se indivíduos com tetraplegia e com complicações secundárias. Ao associar a sobrecarga do cuidado com a QVRS, obteve-se que quanto maior a sobrecarga pior a QVRS. CONCLUSÃO: prevenir a sobrecarga do cuidado por meio de estratégias de preparo para alta, integração da rede de apoio e acesso a serviços de saúde, poderia minimizar os efeitos da sobrecarga do cuidado e contribuir para melhor QVRS.

Qualidade de Vida; Cuidadores; Traumatismos da Medula Espinhal; Atividades Cotidianas


OBJECTIVE: to analyze the impact and burden of care on the Health-Related Quality of Life (HRQOL) of caregivers of individuals with a spinal cord injury (SCI). METHOD: cross-sectional observational study carried out by reviewing medical records and applying questionnaires. The scale Short Form 36 (SF-36) was used to assess HRQOL and the Caregiver Burden Scale (CBScale) for care burden. Results were analyzed quantitatively. Most patients with SCIs were male, aged 35.4 years old on average, with a predominance of thoracic injuries followed by cervical injuries. Most caregivers were female aged 44.8 years old on average. RESULTS: tetraplegia and secondary complications stand out among the clinical characteristics that contributed to greater care burden and worse HRQOL. Association between care burden with HRQOL revealed that the greater the burden the worse the HRQOL. CONCLUSION: Preventing care burden through strategies that prepare patients for hospital discharge, integrating the support network, and enabling access to health care services are interventions that could minimize the effects arising from care burden and contribute to improving HRQOL.

Quality of Life; Caregivers; Spinal Cord Injuries; Activities of Daily Living


OBJETIVO: análisis del sobrecarga del cuidado e impacto en la Calidad de Vida Relacionada a la Salud (CVRS), de los cuidadores de individuos con lesión medular traumática (LME). MÉTODO: estudio observacional, de corte transversal, realizado por revisión de prontuarios y aplicación de cuestionarios. Fueron utilizadas las escalas de Short Form 36 (SF-36) para evaluar la CVRS, Caregiver Burden Scale (CBScale) para Sobrecarga del cuidado y los resultados fueron analizados cuantitativamente. La mayoría de los individuos con LM era del sexo masculino, con media de edad de 35,4 años, con predominio de lesión torácica seguida de lesión cervical. La mayoría de los cuidadores era del sexo femenino, con media de edad de 44,8 años. RESULTADO: de las características clínicas que aportaron para mayor sobrecarga del cuidado y peor CVRS se destacaron individuos cuadripléjicos y con complicaciones secundarias. Al asociar la sobrecarga del cuidado con la CVRS se logró que cuanto mayor la sobrecarga peor a CVRS. CONCLUSIÓN: precaver la sobrecarga del cuidado por medio de estrategias de adorno para alta, integración de la red de apoyo y acceso a servicios de salud, podrían minimizar los efectos de la sobrecarga del cuidado y aportar para una mejor CVRS.

Calidad de Vida; Cuidadores; Traumatismos de la Médula Espinal; Actividades cotidianas


ARTIGO ORIGINAL

Sobrecarga do cuidado e impacto na qualidade de vida relacionada à saúde de cuidadores de indivíduos com lesão medular

IPós-doutoranda, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil

IIProfessor Doutor, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil

IIIPhD, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil

IVPhD, Professor Visitante, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: analisar a sobrecarga do cuidado e impacto na Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) dos cuidadores de indivíduos com lesão medular traumática (LMT).

MÉTODO: este é um estudo observacional, de corte transversal, realizado por revisão de prontuários e aplicação de questionários. Foram utilizadas as escalas Short Form 36 (SF-36) para avaliar a QVRS, Caregiver Burden Scale (CBScale) para sobrecarga do cuidado, e os resultados foram analisados quantitativamente. A maioria dos indivíduos com LMT era do sexo masculino, com média de idade de 35,4 anos, com predomínio de lesão torácica, seguida de lesão cervical. A maioria dos cuidadores era do sexo feminino, com média de idade de 44,8 anos.

RESULTADO: das características clínicas que contribuíram para maior sobrecarga do cuidado e pior QVRS destacaram-se indivíduos com tetraplegia e com complicações secundárias. Ao associar a sobrecarga do cuidado com a QVRS, obteve-se que quanto maior a sobrecarga pior a QVRS.

CONCLUSÃO: prevenir a sobrecarga do cuidado por meio de estratégias de preparo para alta, integração da rede de apoio e acesso a serviços de saúde, poderia minimizar os efeitos da sobrecarga do cuidado e contribuir para melhor QVRS.

Descritores: Qualidade de Vida; Cuidadores; Traumatismos da Medula Espinhal; Atividades Cotidianas.

Introdução

A lesão medular traumática (LMT) é um evento complexo que traz alterações biopsicossociais que podem influenciar a saúde e a qualidade de vida (QV) do indivíduo portador e do cuidador familiar que assume a assistência no domicílio.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), QV é a percepção do indivíduo em relação à sua posição na vida, contexto cultural e sistema de valores atribuídos frente aos objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Essa definição inclui seis domínios principais: saúde física, estado psicológico, níveis de independência, relacionamento social, características ambientais e padrão espiritual(1).

A Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) tem sido utilizada na área para diferenciar da QV no sentido genérico. É considerada sinônimo do termo "estado de saúde percebido", o qual contém três grandes domínios: físico, psicológico e social. O domínio físico está relacionado aos aspectos da capacidade funcional e capacidade para o trabalho. O domínio psicológico está relacionado à satisfação, bem-estar, autoestima, ansiedade e depressão. O domínio social inclui aspectos da reabilitação para o trabalho, lazer, interação social e familiar(2).

Centros de pesquisas, em âmbito mundial, têm realizado estudos sobre a qualidade de vida de pessoas com condições crônicas de saúde, com a finalidade de desvelar o fenômeno e promover intervenções que visem a sua melhoria. Essa estratégia se estende às pessoas com lesão medular(3). A QV da pessoa, após o evento da LMT, depende de vários fatores, dentre eles, a assistência multiprofissional e preparo para a continuidade do cuidado em domicílio, assim como a participação em programa de reabilitação.

A diminuição da capacidade funcional do indivíduo, após a LMT, não compromete a QV e a QVRS do paciente, exclusivamente; há também impacto na família, que necessita reestruturar-se para cuidar do familiar em condição limitante, o que pode trazer grande impacto psicológico e social para o indivíduo e seu núcleo familiar.

A sobrecarga refere-se ao impacto que o cuidado, em termos físico, psicológico, social e financeiro, causa ao cuidador de uma pessoa doente e/ou incapacitada de realizar as suas atividades de vida diária (AVD). Frequentemente, o termo sobrecarga do cuidado é usado para cuidadores informais, isto é, os cuidadores familiares que não são pagos para prestarem o cuidado e não têm formação na área da saúde(4).

A mensuração da sobrecarga do cuidado e da QVRS dos cuidadores de indivíduos com LMT assume relevante importância, ao se considerar que tais condições causam forte impacto/alterações nos aspectos social, psicológico e emocional, além do aspecto físico/funcional na vida desses indivíduos.

Embora toda a família seja afetada pela doença, é um membro dessa, denominado cuidador primário, que assume o cuidado do paciente na assistência física, emocional e até mesmo financeira. O impacto do estresse crônico pode se manifestar no cuidador, por meio de problemas físicos e psicológicos, os quais influenciam no tipo de cuidado que o paciente passa a receber(4).. Uma atenção especial ao cuidador, portanto, pode contribuir para melhorar a QV do mesmo, bem como do paciente e de toda a família.

Não somente a QV dos pacientes como também a do cuidador pode ser alterada devido aos problemas e à sobrecarga enfrentados pelos cuidadores, em decorrência do cuidar e suas consequências(5).

Visando colaborar para o avanço do conhecimento sobre o assunto, esta pesquisa procurou avaliar a sobrecarga do cuidado e o impacto sobre a QVRS dos cuidadores dos indivíduos com LMT.

Metodologia

Este estudo observacional, de corte transversal e natureza descritiva, foi submetido a análise pelo Comitê de Ética em Pesquisa e aprovado (Processo nº3034/2009).

Primeiramente, foi realizado um levantamento em prontuários das instituições de saúde credenciadas no Sistema Único de Saúde (SUS), em Ribeirão Preto, SP, para identificação dos sujeitos da pesquisa. Posteriormente, a pesquisadora foi ao domicílio dos sujeitos e aplicou os questionários, Short Form 36 (SF-36)(6) para avaliar a QVRS e CaregiverBurden Scale (CBScale)(4) para avaliar a sobrecarga do cuidado, ambos validados no Brasil.

O SF-36 é um instrumento genérico de avaliação da QVRS, composto por 36 itens, divididos em oito domínios (capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental), avaliados em uma escala de zero a 100 (maiores valores indicam melhor QVRS no respectivo domínio)(6). O CBScale é um instrumento composto por 22 itens, divididos em cinco domínios (tensão geral, isolamento, decepção, envolvimento emocional e ambiente), avaliados separadamente ou somados para se obter um único valor para a sobrecarga do cuidador. O escore global da escala varia de 22 a 88, maiores valores indicam maior sobrecarga(4).

Os critérios de inclusão para o indivíduo com LMT participar da pesquisa foram: residir no município de Ribeirão Preto e da região pertencente ao Departamento Regional de Saúde - DRS XIII; capazes de entenderem e responderem as perguntas pertinentes ao estudo; terem sofrido o trauma no período de dezembro de 1998 a dezembro de 2008, e serem atendidos nos serviços de saúde credenciados ao SUS, idade igual ou superior a 18 anos, no momento da coleta de dados. Os critérios de inclusão para os cuidadores foram: indivíduos considerados como membros das famílias e indicados pelos indivíduos com LMT como seu cuidador principal. Para a seleção dos sujeitos da pesquisa, foi realizada a revisão de prontuários dos indivíduos com LMT e 102 atenderam os critérios de inclusão. Desses, 32 foram excluídos (13 por óbito, de 15 indivíduos não foram encontrados o endereço e telefone que constavam no prontuário e quatro haviam se mudado para outra cidade fora da região de cobertura da DRS XIII), totalizando 70 indivíduos com LMT. Desses, 11 referiram serem independentes para as AVDs e que não tinham um cuidador. Assim, a população final foi de 59 indivíduos com LMT e seus respectivos cuidadores.

Os dados foram coletados após o esclarecimento sobre a pesquisa e o consentimento dos participantes, mediante assinatura no termo de consentimento livre e esclarecido.

Para análise dos dados, foi utilizado o aplicativo SPSS (Statistical Package for the Social Science), versão 15.0. Na comparação de médias entre grupos categorizados em variáveis qualitativas foi empregado o teste t de Student, utilizando-se a prova alternativa baseada em postos de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis, quando os pré-requisitos do teste t e da ANOVA (análise de variância) não foram atendidos (normalidade para grupos pequenos, n<30). O coeficiente de correlação de Pearson foi empregado na análise bivariada de variáveis quantitativas(7). Quanto à classificação usada para interpretar as forças das correlações (valores de "r"), neste estudo, foi utilizada a classificação que considera valores até 0,30 de fraca correlação e de pouca aplicabilidade clínica, mesmo quando estatisticamente significantes; valores entre 0,30 e 0,50 de moderada magnitude e valores acima de 0,50 de forte magnitude(7).

Resultados

Dos 59 indivíduos que sofreram LMT, na região de abrangência da DRS-XIII, 52 (88,2%) eram do sexo masculino e 38 (64,4%) tinham idade entre 20 e 39 anos, com média de idade de 37 anos (DP=10,6). As principais causas do trauma foram: acidentes com veículos automotores 22 (37,3%) e ferimento por arma de fogo 17 (22%); 31 (52,5%) tiveram lesão torácica sendo que 43 (72,8%) ficaram paraplégicos e 16 (27,2%) tetraplégicos; 32 (54,3%) desenvolveram alguma complicação secundária ao trauma, sendo a úlcera por pressão (UPP) a complicação mais prevalente, seguida de infecção do trato urinário.

Dos cuidadores, 53 (89,8%) eram do sexo feminino, sendo que 22 (37,3%) eram esposas, 14 (23,7%) mães e 9 (15,3%) irmãs. A média de idade foi de 44,8 anos (DP=14,7). Quarenta e quatro (74,6%) eram casados e 38 (64,4%) apresentaram baixo nível de escolaridade, sendo que, desses, 20 (33,9%) não haviam concluído o ensino fundamental e 18 (30,5%) tinham o ensino fundamental completo. Vinte e três cuidadores (39%) deixaram o trabalho, referente à atividade laboral, para cuidar do indivíduo com LMT em domicílio. Os cuidadores citaram vários tipos de cuidados prestados no dia a dia, os quais vão do auxílio das AVDs aos indivíduos mais dependentes, ao preparo da alimentação e acompanhamento nas consultas para aqueles mais independentes.

Quanto aos problemas de saúde entre os cuidadores, 29 (49,2%) referiram ter algum tipo, destacando-se os casos de hipertensão arterial (18-30,5%) e depressão seis (10%).

Nas Tabelas 1 e 2 estão apresentadas as associações das características clínicas dos indivíduos com LMT e da sobrecarga do cuidado e QVRS dos cuidadores.

A Tabela 1 mostra as associações das consequências do nível de lesão com a sobrecarga do cuidado.

Verificou-se, na variável presença de tetraplegia, que a sobrecarga do cuidado foi maior, em 4 dos 5 domínios e, na sobrecarga total, com valores de p<0,05.

Na Tabela 2, são apresentadas as associações da presença de complicações pós-LMT, com a sobrecarga do cuidado.

Quanto à presença de complicações, identificou-se que as médias em três dos cinco domínios da CBScale e na sobrecarga total foram maiores quando o indivíduo com LMT apresentou complicação, embora essas diferenças não tivessem sido estatisticamente significantes.

Os resultados das Tabelas 3 e 4 se referem às associações das consequências da LMT com a QVRS dos cuidadores.

Observou-se, ao analisar as medianas, que a QVRS foi mais comprometida nos cuidadores dos indivíduos tetraplégicos, em praticamente todos os domínios do SF-36, principalmente em relação aos domínios aspectos físicos (mediana 25,00; p<0,05) e dor (mediana 42,00; p<0,05).

Quando o indivíduo com LMT apresentou alguma complicação, a QVRS do cuidador foi pior, com exceção do domínio saúde mental. Entretanto, as diferenças entre as médias dos grupos com e sem complicação não foram estatisticamente significantes.

Na Tabela 5, são apresentados os resultados das correlações entre a sobrecarga do cuidado e a QVRS do cuidador.

Na análise dos resultados das correlações entre a sobrecarga do cuidado e a QVRS dos cuidadores, observou-se que todas as correlações foram negativas, indicando que quanto maior a sobrecarga do cuidado pior a QVRS do cuidador.

Para a maioria dos domínios, as correlações foram de moderadas a fortes e estatisticamente significantes; entre elas, destacaram-se as correlações fortes com valores de r maiores de 0,5 e p≤0,01.

Discussão

O perfil sociodemográfico dos indivíduos participantes deste estudo corrobora outros que destacam como população mais atingida pela LMT a dos adultos jovens, com idade entre 18 e 35 anos e com predomínio do sexo masculino(8-11).

Em relação às causas da LMT, atos de violência têm sido observados no Brasil e em outras partes do mundo como frequente fator causal(8-12).

Em estudo retrospectivo nacional, em um hospital universitário, terciário, no interior do Estado de São Paulo, com revisão de prontuários, para verificar a ocorrência da UPP, em pacientes com LMT, internados entre os anos de 2000 e 2003, encontrou-se, entre outros resultados, que a maior causa do trauma deveu-se à FAF (44,7%), seguida por colisão/capotamento de veículo (23,4%)(9).

Esses resultados, assim como de outros estudos, confirmaram que a violência urbana, os acidentes de trânsito e de trabalho têm sido importantes agentes causadores de incapacidades no Brasil, especialmente em centros urbanos de médio e grande portes(8-12).

Outro fator determinante para conhecer a magnitude do problema e alicerçar o planejamento da assistência ao indivíduo com LMT se faz a partir da identificação do nível da LMT, visto que esse determina a capacidade funcional esperada.

O exame neurológico para o estabelecimento do nível da LMT considera o segmento mais baixo da medula espinhal, que tem a função motora e sensorial intactas. As lesões podem ser completas ou incompletas. A lesão completa envolve a perda de todas as funções motora, sensorial e reflexos abaixo do nível da lesão medular. Na lesão incompleta, há preservação parcial da função motora, sensorial, ou ambas, abaixo do nível neurológico da lesão(13).

Os indivíduos com LMT perdem a capacidade de movimentar-se, incluindo a perda da capacidade de reger e controlar algumas atividades e reações corporais, assim como podem apresentar, também, perda da sensibilidade em alguns membros do corpo. Isso implica em sensação de impotência, refletida em situações de limitação e dependência.

Consequentemente, o indivíduo torna-se dependente do cuidador para realização das AVDs, principalmente no primeiro ano após a lesão, e esse fato se aplica especialmente aos indivíduos tetraplégicos. Quanto mais elevado for o nível neurológico da lesão, maior será o grau de dependência(14).

Com isso, o cuidador familiar passa por várias situações referentes ao desempenho desse papel. Primeiramente, há a preocupação acerca da condição e estabilidade do indivíduo com LMT. Ao mesmo tempo em que o cuidador precisa aprender as diversas especificidades que advêm da LMT, ele/ela necessita aprender também os cuidados com a bexiga, intestino, respiração, como fazer a inspeção diária da pele e reconhecer os sinais de UPP. Assim, há muitos ajustamentos no estilo de vida do cuidador que necessitam ser feitos ao longo do tempo de cuidado.

Dentre as complicações encontradas neste estudo, destacou-se a UPP. Vários estudos com LMT trazem a UPP como a principal complicação nesses pacientes(8-9,15-16). Tais ocorrências podem ser prevenidas ou amenizadas com o acompanhamento do indivíduo em unidades de saúde, ambulatórios ou serviços de reabilitação. Entretanto, outros estudos realizados no município de Ribeirão Preto têm identificado a persistência desses problemas nessa população(8-9,15,17).

Quanto às características sociodemográficas e clínicas dos cuidadores, vários estudos apresentaram resultados semelhantes, os quais destacaram o predomínio de cuidadoras do sexo feminino, casadas, com média de idade de 45 a 50 anos e com baixo nível de escolaridade(9,18-21).

Neste estudo, as cuidadoras prestavam os cuidados desde o início da ocorrência da LMT. Esses achados reforçam o papel social da mulher que, historicamente, é vista como cuidadora do lar, da família e do familiar doente.

Muitos fatores têm sido considerados pela literatura como de risco para o desenvolvimento de problemas de saúde no cuidador. Fatores que não se relacionam apenas ao paciente, mas aos próprios cuidadores, tais como, idade, sexo, grau de parentesco, qualidade da inter-relação com o paciente(19,21-22).

Em um estudo com cuidadores dos veteranos americanos, para avaliar o impacto da sobrecarga do cuidado na QVRS, os pesquisadores encontraram que a sobrecarga contribuiu para uma pior QVRS em quase todos os seus domínios. Quando compararam a sobrecarga objetiva e a sobrecarga subjetiva do cuidado com os oito domínios do SF-36, a sobrecarga objetiva teve relação mais forte com quase todos os domínios do SF-36, exceto para o domínio saúde mental, o que pode ser explicado pelo baixo status socioeconômico dos cuidadores. Os achados da pesquisa destacaram que a sobrecarga do cuidado afetou o estado de saúde do cuidador, através da vitalidade e saúde mental, as quais, definitivamente, resultaram na diminuição do desempenho nos demais domínios da saúde(23).

Em outro estudo com 50 indivíduos com LMT e seus cuidadores familiares, a pesquisadora avaliou a QV dos indivíduos com o instrumento de QV Whoqol-Bref e a sobrecarga dos cuidadores com o instrumento Zarit Burden Inventory (ZBI). Encontrou que a sobrecarga do cuidado tem uma correlação negativa com o nível de incapacidade, independência física, mobilidade, integração social e escores de QV dos indivíduos com LMT, destacando os domínios: físico, psicológico e o ambiente(24).

Na Colômbia, os pesquisadores avaliaram as necessidades mais frequentes de 37 cuidadores familiares de indivíduos com LMT, utilizando um instrumento com 27 questões, subdivididas em cinco escalas e nove subescalas (necessidade emocional, econômica, saúde física e psicológica, de dormir, de ter folgas, suporte social, de informação e de suporte na comunidade). Como resultados, obtiveram que as necessidades de saúde física, emocional e socioeconômica foram as que mais se correlacionaram, positivamente, com a depressão e sobrecarga(25).

Observou-se pelas evidências da literatura que não só o indivíduo, mas, também, o seu cuidador apresentam necessidades após a LMT e essas, se não forem atendidas, afetarão diretamente a sobrecarga do cuidado e a QV do cuidador.

Assim, é imperioso preparar os cuidadores que irão assistir as pessoas com LMT em seus domicílios, por meio de estratégias educativas, uma vez que a tarefa de cuidar de um adulto dependente é desgastante e pode gerar riscos à saúde do cuidador. Dessa forma, o enfermeiro tem responsabilidade ética e legal pelo planejamento das ações educativas para o preparo da díade: indivíduo com LMT/cuidador.

Considerações finais

A LMT ocasiona problemas de natureza física, psicossocial, emocional e econômica, que afetam não somente o indivíduo que sofreu a lesão, mas também a sua família. Esses problemas contribuem para insatisfação com a vida e, consequentemente, para diminuição da QV da díade paciente/cuidador.

O cuidador, geralmente, não está preparado para assumir todo o cuidado e as responsabilidades que lhe são exigidas. Ele/ela se depara com uma situação repentina e nova e precisa ser devidamente preparado para assumir tais responsabilidades.

O preparo do indivíduo com LMT e seu cuidador para a alta hospitalar deve ser iniciado o mais precoce possível durante a hospitalização. O processo de acolhimento, apoio, esclarecimentos de dúvidas é necessário para que o indivíduo e o seu cuidador possam adquirir novos conhecimentos e habilidades para adaptação à sua nova condição de vida.

A rede de apoio e suporte social, o acesso aos centros de reabilitação e a serviços de saúde, com profissionais com conhecimentos atualizados, para atender as pessoas com LMT e seus cuidadores, são de extrema importância, para minimizar complicações decorrentes da lesão e da sobrecarga do cuidador.

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    Paula Cristina NogueiraI; Soraia Assad Nasbine RabehII; Maria Helena Larcher CaliriIII; Rosana Aparecida Spadoti DantasIII; Vanderlei José HaasIV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      19 Jan 2012
    • Aceito
      10 Out 2012
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