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Como podemos pensar

How we can think

EDITORIAL

Como podemos pensar* * Publicado originalmente em Atlantic Monthly, July, 1945. Traduação de Luana Villac.

Vannevar Bush

Como diretor do órgão norte-americano Office of Scientific Research and Development, o dr. Vannevar Bush coordenou atividades de cerca de seis mil lideranças científicas norte-americanas na aplicação da ciência à guerra. Neste expressivo artigo ele propõe um incentivo aos cientistas para o trabalho em tempos de paz, estimulando-os a se dedicarem à tremenda tarefa de tornar mais acessível nossa espantosa acumulação de conhecimento. Há anos as invenções vêm estendendo antes o poder físico do homem que o poder de sua mente. Martelos de forja que multiplicam os punhos, microscópios que aguçam os olhos e motores de destruição e detecção são novos resultados, mas não os resultados finais da ciência moderna. Atualmente, afirma Bush, existem instrumentos à mão que, se corretamente desenvolvidos, darão ao homem acesso e comando ao conhecimento herdado através dos tempos. O aperfeiçoamento desses instrumentos pacíficos deveria ser o primeiro objetivo dos cientistas ao emergirem de seu trabalho na guerra. Como o famoso discurso de Emerson de 1837, o "American Scholar", o artigo de Bush é um chamado para uma nova relação entre pensadores e a soma do conhecimento humano.

O EDITOR (Monthly Review).

Esta não foi uma guerra de cientistas; foi uma guerra onde todos tiveram seu papel. Os cientistas, enterrando suas velhas rivalidades profissionais em prol de uma causa comum, compartilharam experiências e aprenderam muito. Foi estimulante trabalhar em parcerias efetivas. Agora, para muitos, isso parece estar chegando ao fim. Qual será o próximo passo?

Para os biólogos, e particularmente para os pesquisadores da área médica, não pode haver muita indecisão, já que a guerra praticamente não lhes exigiu abandonar as antigas práticas. Com efeito, muitos puderam realizar suas pesquisas bélicas em seus familiares e pacíficos laboratórios. Seus objetivos permanecem praticamente os mesmos.

São os físicos que mais violentamente foram jogados para fora de seu caminho, que deixaram objetivos acadêmicos para criar estranhos dispositivos destrutivos, que tiveram que projetar novos métodos para tarefas não antecipadas. Fizeram sua parte nos inventos que tornaram possível derrotar o inimigo, trabalharam em esforço conjunto com os físicos de nossos aliados. Sentiram o gostinho da conquista. Fizeram parte de uma grande equipe. Agora, com a aproximação da paz, perguntam onde encontrarão objetivos dignos de seu potencial.

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Quais benefícios duradouros a ciência e os novos instrumentos criados pela pesquisa científica têm proporcionado ao homem?

Primeiramente, eles aumentaram seu controle sobre o ambiente físico - melhoraram sua comida, suas roupas, seus abrigos, trouxeram-lhe maior segurança e o libertaram em parte do cativeiro da mera existência. Deram ao homem maior conhecimento sobre seus próprios processos biológicos, de forma que ele tem se libertado progressivamente de doenças e gozado de uma expectativa de vida mais longa. Estão iluminando as interações entre suas funções psicológicas e fisiológicas, prometendo mais saúde mental.

A ciência tem ainda propiciado velocíssima comunicação entre indivíduos; detém um registro do conhecimento humano que permite ao homem manipulá-lo e fragmentá-lo de modo que tal conhecimento evolua e persista, mais que durante a vida de um indivíduo, ao longo da vida da raça humana.

Existe hoje um volume inesgotável de pesquisas. Mas é cada vez mais evidente que enquanto a especialização ganha terreno, estamos ficando absolutamente saturados. O pesquisador é assolado pelas descobertas e conclusões de milhares de colegas - conclusões que ele não consegue encontrar tempo para apreender, menos ainda para se lembrar. Entretanto, a especialização torna-se cada vez mais necessária ao progresso, e o esforço para estabelecer pontes entre as disciplinas é proporcionalmente superficial.

Profissionalmente, nossos métodos de transmissão e análise de resultados de pesquisas estão ultrapassados há gerações e são atualmente totalmente inadequados. Se o tempo agregado gasto na escrita de trabalhos acadêmicos e na leitura dos mesmos pudesse ser avaliado, a razão entre essas quantidades de tempo seria surpreendente. Aqueles que conscientemente procuram manter-se a par do pensamento corrente com leituras constantes e cuidadosas, ainda que em campos restritos, provavelmente se esquivariam de um teste criado para mostrar quanto de seus esforços dos meses anteriores poderia ser recordado e articulado. O conceito de Mendel sobre as leis da genética ficou perdido para o mundo durante uma geração inteira porque sua publicação não alcançou os poucos que eram capazes de compreendê-lo e ampliá-lo; e este tipo de catástrofe está sem dúvida se repetindo ao nosso redor, enquanto realizações verdadeiramente significantes perdem-se em meio ao irrelevante.

A dificuldade parece estar não tanto no fato de estarmos publicando indevidamente, face à extensão e à variedade dos interesses atuais, mas de que a publicação estendeu-se muito além de nossa atual habilidade de fazer um uso real do registro. O acúmulo da experiência humana está se expandindo em razão prodigiosa, e os meios que utilizamos para perambular entre o labirinto relevante e o item temporariamente importante são os mesmos utilizados nos tempos das caravelas.

Mas a chegada de novos e poderosos instrumentos está trazendo sinais de mudanças. Fotocélulas capazes de enxergar as coisas em sentido físico, fotografia avançada que pode registrar aquilo que é visível ou não; válvulas termiônicas capazes de operar forças potentes com menos controle que um mosquito utiliza para vibrar suas asas; tubos de raios catóditos que tornam visível uma ocorrência tão breve que, se compararmos, um microssegundo é um tempo muito longo; combinações de relés que podem transportar sequências de movimentos com mais segurança e milhares de vezes mais rápido que qualquer operador humano - há inúmeros dispositivos mecânicos com os quais efetuar uma transformação nos registros científicos.

Dois séculos atrás Leibnitz inventou uma máquina de calcular que incorporava a maioria das características essenciais dos atuais equipamentos dotados de teclados, mas na época ela não podia ser construída. A conjuntura econômica não era favorável: o trabalho envolvido em construir a máquina, anterior aos dias da produção em massa, excedia o trabalho poupado pelo seu uso, já que tudo que ela podia alcançar podia ser duplicado pelo uso suficiente de papel e lápis. Além disso, ela teria sido sujeita a panes frequentes, de forma que não seria confiável: naquela época, e mesmo depois disso, complexidade e falta de fidedignidade eram sinônimos.

Babbage, mesmo com o apoio bastante generoso que obteve para seu tempo, não pôde produzir sua grande máquina aritmética. Sua ideia era boa o suficiente, mas custos de construção e manutenção eram então muito altos. Se um faraó recebesse projetos detalhados e explícitos da fabricação de um automóvel - e se os tivesse compreendido completamente - todos os recursos do reino seriam necessários para produzir as milhares de peças de um único veículo, e este teria quebrado em sua primeira viagem a Giza.

Atualmente, máquinas com partes permutáveis podem ser construídas com muito menos esforço. Apesar de sua complexidade, seu desempenho é confiável. Pense na humilde máquina de escrever, na câmera de vídeo ou no automóvel. Contatos elétricos deixaram de falhar quando totalmente compreendidos. Observe o telefone, o qual possui centenas de milhares de contatos deste tipo e ainda assim é confiável. Uma teia de aranha de metal, fechada em um recipiente de vidro fino, um fio aquecido por uma luz incandescente, resumindo, a válvula termiônica de radiodifusores é produzida em centenas de milhões, empacotada, conectada a uma tomada - e funciona! Suas delicadas partes, o posicionamento e alinhamento precisos envolvidos em sua fabricação teriam ocupado o artesão mestre por meses; agora ele é construído por trinta centavos cada um. O mundo chegou a uma época de equipamentos e complexos e baratos de grande confiabilidade, e alguma coisa fatalmente deve resultar daí.

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Para que um registro seja útil à ciência, ele deve ser continuamente ampliado, deve ser armazenado e, principalmente, deve ser consultado. Hoje fazemos registros convencionalmente através da escrita e da fotografia, seguidas da impressão; mas também gravamos em películas, discos de cera e fios magnéticos. Mesmo se procedimentos de registro inteiramente novos não surgirem, os atuais estão certamente em processo de transformação e avanço.

O progresso na fotografia não vai parar. Materiais e lentes mais rápidas, mais câmeras automáticas, componentes sensíveis de maior definição permitindo a extensão da ideia da minicâmera, são todos iminentes. Vamos agora projetar esta tendência no futuro em uma consequência lógica, se não inevitável. A câmera do futuro terá na sua parte frontal um acessório pouco maior que uma noz. Tira fotos de três milímetros quadrados, que mais tarde podem ser projetadas ou ampliadas, o que envolve simplesmente elevar à décima potência o que já é feito hoje em dia. A lente é de foco universal, própria para qualquer distância acessível a olho nu, pois é de curta distância focal. Há uma fotocélula no interior da noz, como a que temos hoje em pelo menos um tipo de câmera, que automaticamente ajusta a exposição para uma ampla cadeia de iluminação. Há filme suficiente para cem exposições, e a mola para operar o obturador e trocar o filme é acionada assim que o filme é inserido. Ela produz seu resultado a cores e pode ainda ser estereoscópica e gravar com duas lentes de vidro espaçadas, já que formidáveis avanços na técnica estereoscópica estão a poucos passos.

O fio que aciona o obturador pode passar por baixo da manga da camisa de um homem, proporcionando fácil acesso a seus dedos. Uma rápida pressão, e a fotografia é tirada. Em um par de vidros ordinários está posicionado um quadrado de linhas finas próximo ao topo de uma lente, onde está fora do alcance da visão ordinária. Quando um objeto aparece no quadrado, ele se alinha para a fotografia. Enquanto o cientista do futuro se movimenta em seu laboratório ou em campo, a cada vez que olha para algo digno de registro ele dispara o obturador, sem nem um clique audível. Não é fantástico?

A única coisa literalmente fantástica nesta câmera é a ideia de poder tirar quantas fotos quisermos.

A fotografia a seco virá a existir? Ela já está entre nós, sob duas formas diferentes. Quando Mathew Brady realizou suas fotografias da Guerra de Secessão, a placa tinha que estar molhada durante o tempo de exposição. Agora ela precisa estar molhada durante a revelação. Talvez no futuro não necessite estar molhada em nenhuma etapa. Há muito temos filmes impregnados com emulsões diazóicas que geram uma fotografia sem revelação, de forma que a foto aparece assim que a câmera é operada. A exposição ao gás da amônia destrói o pigmento não exposto e a foto pode ser levada à luz e examinada. Atualmente o processo é lento, mas sua velocidade pode ser acelerada, e não existem dificuldades de granulação como as que mantêm os pesquisadores fotográficos ocupados hoje em dia. Seria útil em muitas ocasiões poder apertar o botão da câmera e olhar a foto imediatamente.

Outro processo em uso atualmente é igualmente lento, e mais ou menos desajeitado. Há cinquenta anos têm sido usados papéis impregnados com um composto de iodo que escurecem nos pontos onde são tocados por contato elétrico, devido à transformação química produzida. Eles têm sido utilizados para realizar registros, uma vez que um ponteiro movendo-se sobre eles pode deixar traços por onde passa. Se o potencial elétrico do ponteiro é variado conforme o movimento, a linha torna-se clara ou escura de acordo com o potencial.

Esse esquema é usado atualmente em transmissões de fax. O ponteiro desenha uma série de linhas próximas espaçadas sobre o papel, uma após a outra. Enquanto se movimenta, seu potencial varia de acordo com uma corrente variável recebida por fiação de uma estação distante, onde essas variações são produzidas por uma fotocélula que reproduz a imagem. Os pontos escuros da linha traçada reproduzem os pontos escuros da imagem observada pela fotocélula. Quando a imagem toda é coberta, uma réplica aparece do lado do receptor.

Tanto uma cena quanto a fotografia dessa cena podem ser observadas por fotocélula desta maneira, linha por linha. Todo este aparato constitui uma câmera, com o adicional, que pode ser dispensado se desejado, de realizar fotos à distância. É lento, e a fotografia é pobre em detalhes. Ainda assim, trata-se de outro processo de fotografia a seco no qual a foto é finalizada assim que tirada.

Somente um homem corajoso diria que este processo permanecerá sempre desajeitado, lento e pobre em detalhes. Equipamentos de televisão hoje em dia transmitem dezesseis imagens razoavelmente boas por segundo, e isso envolve apenas duas diferenças essenciais em relação ao processo descrito acima. Em primeiro lugar, o registro é feito por um feixe de elétrons em movimento, em vez de um ponteiro, já que o primeiro pode correr pela imagem mais rapidamente. A outra diferença envolve meramente o uso de uma tela que brilha momentaneamente ao toque dos elétrons, em vez de papel ou película quimicamente tratados que são permanentemente alterados. Essa velocidade é necessária em televisão, já que se trata de imagens em movimento, e não de imagens congeladas.

Se usarmos película quimicamente tratada no lugar da tela brilhante e permitirmos ao aparelho transmitir apenas uma imagem em vez de uma sucessão delas, o resultado será uma câmera rápida para fotografia a seco. A ação da película tratada precisa ser mais rápida do que nos modelos atuais, mas ela provavelmente será. Mais séria é a objeção de que este esquema envolveria colocar a película dentro de uma câmara a vácuo, uma vez que feixes de elétrons comportam-se normalmente apenas nestes ambientes rarefeitos. Esta dificuldade poderia ser impedida limitando o feixe de elétron a um lado de uma divisória, e pressionando a película contra o outro lado; para tanto, a divisória precisaria permitir aos elétrons uma movimentação perpendicular à sua superfície e impedi-los de saírem pelos lados. Tais divisórias, em forma crua, poderiam certamente ser construídas, e elas não constituem um entrave para o desenvolvimento geral desta tecnologia.

Tal como a fotografia a seco, a microfotografia tem ainda um longo caminho a ser percorrido. O esquema básico de reduzir o tamanho do registro e examiná-lo através de projeção, em vez de observá-lo diretamente, oferece possibilidades incríveis demais para serem ignoradas. A combinação da projeção ótica com a redução fotográfica já está produzindo alguns resultados em microfilme para objetivos acadêmicos, e os potenciais são altamente sugestivos. Hoje em dia, com o microfilme, reduções a um fator linear de vinte podem ser empregadas e ainda produzir clareza total quando o material é re-ampliado para observação. Os limites são estabelecidos pela granulação da película, pela excelência do sistema ótico e pela eficiência das fontes de luz empregadas. Todos estes itens estão avançando rapidamente.

Suponhamos uma razão linear de cem para uso futuro. Consideremos uma película da mesma espessura que o papel, embora películas mais finas sejam certamente viáveis. Até mesmo sob essas condições, chegaria a 10.000 o fator total entre o volume de um registro ordinário em livros e sua réplica em microfilme. A Enciclopédia Britânica poderia ser reduzida ao volume de uma caixa de fósforos. Uma biblioteca de milhões de títulos poderia ser condensada em um dos cantos de uma mesa. A raça humana tem produzido, desde a invenção do tipo móvel, um acervo completo sob a forma de revistas, jornais, livros, panfletos, anúncios publicitários, correspondência, gerando um volume correspondente a bilhões de livros; tudo isso, unido e comprimido, poderia ser estocado em uma van. Mera compressão, evidentemente, não é suficiente; é preciso não apenas criar e armazenar um registro, mas também poder consultá-lo, e este aspecto do problema será apresentado a seguir. Até mesmo excelentes bibliotecas modernas não são consultadas de maneira geral, são apenas superficialmente exploradas por alguns poucos.

A compressão é importante, contudo, quando se trata de custos. O material para o microfilme da Enciclopédia Britânica custaria dez centavos, e poderia ser mandado para qualquer lugar por dois centavos. Quanto custaria a impressão de um milhão de cópias? Imprimir uma folha de jornal, em grande escala, custa uma pequena fração de um centavo. O material completo da Enciclopédia Britânica sob forma reduzida em microfilme caberia em uma folha de 21,6 cm por 27,9 cm. Uma vez disponível, com os métodos de reprodução fotográficos do futuro, reproduções em grandes quantidades poderiam provavelmente ser produzidas por um centavo cada, além do custo dos materiais. A confecção da cópia original? Isso introduz o assunto seguinte.

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Para criar registros usamos hoje um lápis ou uma máquina de escrever. Vem em seguida o processo de compilação e correção, seguido por um intrincado processo de composição tipográfica, impressão e distribuição. Considerando o primeiro estágio do procedimento, será que o autor do futuro vai parar de escrever a mão ou à máquina e falar diretamente com o gravador? Ele já faz isso, indiretamente, falando com um estenógrafo ou com um cilindro de cera. Mas se ele quiser que sua fala produza diretamente um registro datilografado, os elementos também estão todos aqui. Tudo que ele precisa fazer é se aproveitar dos mecanismos existentes e alterar sua linguagem.

Em uma recente Exposição Mundial uma máquina chamada Voder foi exibida. Uma garota apertou suas teclas e ela emitiu um discurso reconhecível. Nenhuma corda vocal humana entrou no processo em momento algum; as teclas simplesmente combinaram algumas vibrações produzidas eletricamente e as transmitiram por um alto-falante. Nos laboratórios Bell existe uma máquina que faz o oposto, denominada Vocoder. O alto-falante é substituído por um microfone, que capta o som. Ao falarmos com ele, as teclas correspondentes se movem. Este pode ser um elemento do sistema postulado.

O outro elemento é encontrado no estenótipo, aquele aparelho um tanto desconcertante geralmente encontrado em reuniões públicas. Uma garota bate em suas teclas languidamente e olha ao redor da sala, e às vezes para o alto-falante, com um olhar ansioso. Daí emerge uma linha datilografada que registra em linguagem foneticamente simplificada aquilo que o alto-falante teria dito. Mais tarde esse trecho é redatilografado em linguagem ordinária, já que em sua forma original ele é inteligível apenas para os iniciados. Combine estes dois elementos, deixe o Vocoder comandar o estenótipo e o resultado é uma máquina que datilografa ao se falar com ela.

Nossas línguas atuais não são adaptadas especialmente para esse tipo de mecanização, é verdade. É estranho que os inventores de idiomas universais não tenham se apossado da ideia de criar um que sirva melhor à técnica de transmissão e registro de discurso. A mecanização pode vir a forçar a questão, especialmente no campo científico, com o que o jargão científico se tornaria ainda menos inteligível para o leigo.

Podemos agora visualizar um pesquisador do futuro em seu laboratório. Suas mãos estão livres e ele não está preso a um local fixo. Enquanto se locomove, faz observações, fotografa e comenta. O tempo é automaticamente registrado para unir os dois registros. Se ele vai a campo, pode estar conectado por rádio ao seu gravador. Enquanto pondera sobre suas notas durante a noite, faz comentários novamente para o gravador. Seu registro datilografado, assim como suas fotografias, podem ambos estar em miniatura, de modo que ele os projeta para examiná-los.

Muita coisa precisa acontecer, contudo, entre a coleta de dados e as observações, entre a extração de material paralelo do registro e a inserção final de novo material em um arquivo comum. Para o pensamento maduro não existem substitutos mecânicos. Mas pensamento criativo e pensamento essencialmente repetitivo são coisas muito diferentes. Para este último existem, e poderão existir ainda mais, poderosos auxílios mecânicos.

Somar uma coluna de números é um processo de pensamento repetitivo, e há muito foi devidamente relegado às máquinas. É verdade, a máquina é às vezes controlada por um teclado, e torna-se necessário um certo tipo de processamento para ler os números e mostrar as teclas correspondentes, mas até isso é possível evitar. Já foram feitas máquinas capazes de ler números datilografados por fotocélulas e então apertar as teclas correspondentes; há combinações de fotocélulas para explorar o texto impresso, circuitos elétricos para selecionar as variações consequentes e circuitos relés para interpretar o resultado para que bobinas longas pressionem as teclas correspondentes.

Toda essa complicação é necessária devido à forma desajeitada com que aprendemos a escrever números. Se nós os registrássemos posicionalmente, simplesmente pela configuração de uma série de pontos em um cartão, o mecanismo de leitura automático se tornaria comparativamente simples. Na realidade, se os pontos forem furos, temos a máquina de perfurar cartões há muito criada pela Hollerith para auxiliar no censo, e agora utilizada no mundo empresarial. Alguns tipos de negócios complexos praticamente não poderiam operar sem essas máquinas.

A adição é apenas uma operação. Realizar computação aritmética envolve também subtração, multiplicação e divisão, e ainda algum método de armazenagem temporária de resultados, remoção destes para manipulação futura e registro dos resultados finais via impressão. Existem atualmente dois tipos de máquinas para estes propósitos: teclados para contabilidade e similares, manualmente controlados para a inserção de dados e geralmente controlados automaticamente no que se refere à sequência de operações, e máquinas de perfurar cartões nas quais operações separadas são geralmente delegadas a uma série de máquinas, e os cartões então fisicamente transmitidos de uma a outra. Ambas são muito úteis, mas quando se trata de computações complexas, as duas encontram-se em fase puramente embrionária.

A contagem elétrica rápida surgiu logo depois que os físicos acharam desejável fazer a contagem de raios cósmicos. Para seus próprios propósitos eles prontamente construíram uma válvula termiônica capaz de contar até 100.000 impulsos elétricos por segundo. As máquinas aritméticas avançadas do futuro serão elétricas por natureza e seu desempenho será cem vezes superior à velocidade atual, ou mais.

Além disso, elas serão muito mais versáteis que as máquinas comerciais atuais, de forma que serão facilmente adaptadas a uma grande variedade de operações. Serão controladas por um cartão ou película, selecionarão seus próprios dados e os manipularão de acordo com as instruções inseridas, desempenharão complexas computações aritméticas em velocidades cada vez maiores, e registrarão resultados tornando-os facilmente acessíveis) para distribuição ou manipulação posterior. Tais máquinas possuirão objetivos enormes. Uma delas receberá instruções e dados de uma sala cheia de garotas munidas de teclados simples, e entregará folhas de resultados computados de poucos em poucos minutos. Haverá sempre muitas coisas a computar nos detalhados negócios de milhões de pessoas dedicadas a compexas tarefas)

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Os processos repetitivos de raciocínio, no entanto, não estão restritos a questões de aritmética e estatística. Na realidade, a cada vez que fatos e registros são combinados de acordo com processos lógicos estabelecidos, o aspecto criativo do pensamento diz respeito apenas à seleção de dados e ao processo a ser empregado - a manipulação é repetitiva por natureza, logo, uma questão ideal para ser relegada às máquinas. Embora possível, pouca coisa foi feita neste sentido além dos limites da aritmética, basicamente devido a razões econômicas. As necessidades das empresas e o extenso mercado obviamente à espera asseguraram o advento de máquinas aritméticas fabricadas em grande escala assim que os métodos de produção tornaram-se suficientemente avançados.

Máquinas para análises avançadas não encontraram a mesma situação, já que não havia e não há um vasto mercado para elas; os usuários de métodos avançados de manipulação de dados são uma parcela muito pequena da população. Mas existem máquinas capazes de resolver equações diferenciais, assim como equações funcionais e integrais. Há muitas máquinas especiais, como o sintetizador harmônico que faz a previsão das marés. Haverá muitas mais, surgindo certamente primeiro pelas mãos dos cientistas e em pequenas quantidades.

Se o raciocínio científico fosse limitado aos processos lógicos da aritmética, não chegaríamos muito longe em nossa compreensão do mundo físico. Seria como tentar dominar totalmente o pôquer pelo uso da matemática da probabilidade. O ábaco, com suas contas dispostas em fios paralelos, levou os árabes à numeração posicional e ao conceito de zero muitos séculos antes do resto do mundo, e trata-se de um ferramenta útil - tão útil que ainda existe.

Há uma distância imensa entre o ábaco e o moderno teclado de uma máquina de contabilidade. Será um passo equivalente para a máquina aritmética do futuro. Mas até mesmo esta máquina nova não levará o cientista aonde ele precisa chegar. O peso da detalhada e laboriosa manipulação da matemática avançada também precisa ser aliviado se quisermos liberar os cérebros para algo mais que transformações detalhadas repetitivas de acordo com regras estabelecidas. Um matemático não é um homem que pode manipular números facilmente, e é freqüente que não saiba fazê-lo. Ele é basicamente um indivíduo hábil no uso da lógica simbólica em um plano elevado e, especialmente, é um homem de julgamento intuitivo na escolha do processo manipulativo que emprega.

Tudo mais ele deveria poder deixar para as máquinas, com a mesma confiança com a qual delega a partida de seu carro ao intrincado mecanismo por trás dele. Apenas então matemáticos serão de fato efetivos em trazer o crescente conhecimento do atomismo moderno para a solução útil dos problemas avançados da química, metalurgia e biologia. Por essa razão ainda estão por vir mais máquinas que permitam aos cientistas manejar questões matemáticas avançadas. Algumas delas serão suficientemente bizarras para contentar o mais meticuloso especialista nos atuais artefatos da civilização.

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O cientista, todavia, não é o único que manipula dados e faz observações do mundo pelo uso de processos lógicos, embora ele às vezes preserve esta aparência ao adotar qualquer um que se torne lógico, à maneira como o título de cavaleiro é concedido a um líder trabalhista britânico. Sempre que processos lógicos de pensamento são empregados - isto é, sempre que um pensamento segue uma sequência antecipada - há uma oportunidade para as máquinas. A lógica formal já foi um instrumento preciso nas mãos do professor ao testar seus alunos. É totalmente possível construir uma máquina que manipule premissas de acordo com a lógica formal, simplesmente pelo uso inteligente de circuitos relés. Insira uma série de premissas em tal equipamento e gire a manivela: ele fornecerá prontamente conclusão após conclusão, tudo de acordo com as leis lógicas, sem cometer mais erros do que seria esperado de uma máquina de calcular.

A lógica pode tornar-se extremamente difícil e seria muito bom otimizar a segurança em seu uso. As máquinas para análises mais avançadas têm sido geralmente aquelas capazes de resolver equações. Estão começando a surgir ideias para a criação de transformadores de equação, que irão rearranjar a relação expressa por uma equação de acordo com a lógica estrita e avançada. O progresso é inibido pela forma excessivamente crua por meio da qual matemáticos expressam suas relações. Eles empregam um simbolismo pouco consistente que cresceu como Topsy - um fato estranho neste campo tão lógico.

Um novo simbolismo, provavelmente posicional, aparentemente deve preceder a redução de transformações matemáticas a processos mecânicos. A aplicação da lógica aos assuntos cotidianos vai além da lógica estrita do matemático. Talvez possamos um dia inserir argumentos em uma máquina com a mesma confiança com que fazemos a entrada de vendas em uma caixa registradora. Mas a máquina da lógica não se parecerá com a caixa registradora, nem mesmo no modelo aerodinâmico.

Esqueça por enquanto a manipulação de ideias e sua inserção no gravador. Embora tenhamos chegado longe neste aspecto, parece que estamos piores do que nunca: podemos estender enormemente nossos registros, mas mesmo em seu volume atual temos dificuldades em consultá-los. Esta é uma questão muito maior do que a mera extração de dados para propósitos de pesquisa científica; ela envolve o processo todo através do qual o homem faz uso de sua herança de conhecimento adquirido. A ação primária de maior importância é a seleção, e neste quesito estamos realmente capengas. Deve haver milhões de pensamentos requintados e a soma da experiência na qual eles se baseiam, todos depositados dentro de muros de pedra de forma arquitetônica aceitável; mas ainda que o estudioso consiga chegar até lá, em diligente pesquisa, uma vez por semana, suas sínteses provavelmente não estarão à altura das exigências de sua época.

A seleção, no sentido mais amplo, é uma ferramenta de pedra ultrapassada nas mãos de um marceneiro. Todavia, em sentido mais restrito, e em outras áreas, algo já foi feito nesse campo na área mecânica. O encarregado de uma fábrica lança uma pilha de alguns milhares de cartões de trabalhadores dentro de uma máquina selecionadora, tecla um código de acordo com uma convenção estabelecida e produz em pouco tempo uma lista de todos os empregados que moram na cidade de Trenton e que sabem falar espanhol. Mesmo tais equipamentos são lentos demais quando se quer, por exemplo, encontrar um conjunto de impressões digitais em um arquivo de cinco milhões. Equipamentos de seleção deste tipo irão em breve ter sua velocidade de revisão de dados aumentada para algumas centenas por minuto. Através do uso de fotocélulas e microfilme, eles supervisionarão mil itens por segundo, e imprimirão cópias daqueles selecionados.

Este processo, no entanto, é simples seleção: ele procede pelo exame de uma grande série de itens um a um, escolhendo aqueles que possuem certas características especificadas. Há outra forma de seleção melhor ilustrada pela comunicação via telefones automáticos. Um número é digitado e a máquina seleciona e conecta apenas um entre milhões de números possíveis. Ela não passa por todas elas. Ele presta atenção apenas a uma classe fornecida pelo primeiro dígito, depois apenas a subclasse dada pelo segundo dígito, e assim por diante, dirigindo-se então, de forma rápida e quase livre de erros, para a estação selecionada. São necessários alguns segundos para fazer a seleção, embora o processo pudesse ser agilizado se o aumento da velocidade fosse economicamente interessante. Ele poderia ser extremamente rápido se substituísse a chave mecânica pela válvula termoiônica, de modo que a seleção completa seria feita em um centésimo de segundo. Ninguém deseja gastar o dinheiro necessário para fazer essa mudança no sistema de telefonia, mas a ideia geral é aplicável em outros campos.

Tomemos como exemplo o prosaico problema da grande loja de departamentos. A cada vez que uma venda é realizada, há diversas etapas a serem cumpridas. O inventário precisa ser revisado, o vendedor precisa receber crédito pela venda, a contabilidade geral precisa de uma entrada e, o mais importante, o cliente precisa ser cobrado. Já foi desenvolvido um equipamento de registro central que realiza grande parte deste trabalho satisfatoriamente. O vendedor deposita em um balcão o cartão de identificação do cliente, seu próprio cartão e o cartão do artigo vendido - todos eles cartões perfurados. Ao puxar uma alavanca, contatos são feitos através dos furos, uma máquina central faz as entradas necessárias e o recibo é impresso para o cliente.

Mas pode haver dez mil clientes fazendo compras na loja e antes que a operação toda possa ser finalizada alguém tem que selecionar o cartão correto e inseri-lo no escritório central. Atualmente a seleção rápida pode inserir o cartão correto em um instante, e devolvê-lo em seguida. Ocorre, no entanto, outra dificuldade. Alguém precisa ler o total no cartão para que a máquina possa somar a ele o item computado. Os cartões poderiam ser do tipo de fotografia a seco que descrevi anteriormente. Os totais seriam então lidos por fotocélulas, e o novo total inserido por um feixe de elétrons.

Os cartões podem ser em miniatura, ocupando pouco espaço, e precisam mover-se rapidamente. Eles não devem ser transferidos para longe, mas meramente para uma posição onde a fotocélula e o gravador possam operá-los. Pontos posicionais podem realizar a entrada dos dados. No final do mês uma máquina pode facilmente ler esses cartões e imprimir uma conta ordinária. Com a seleção por válvula, na qual nenhuma parte mecânica é envolvida nos interruptores, pouco tempo precisa ser empregado para a utilização do cartão correto - um segundo deveria ser suficiente para a operação toda. O registro todo no cartão pode ser feito por pontos magnetizados em uma folha de aço, em vez de pontos observados oticamente, seguindo o esquema pelo qual Poulsen há muito tempo inseriu a fala em um fio magnético. Este método tem a vantagem de ser simples e fácil de apagar. Pelo uso da fotografia, entretanto, é possível projetar o registro ampliado e à distância pelo processo normalmente usado em aparelhos de televisão.

Podemos considerar a seleção rápida desta forma, e a projeção distante para outros propósitos. Ser capaz de datilografar uma folha entre um milhão frente a um operador em um ou dois segundos, podendo adicionar notas a ela, é sugestivo por várias razões. Pode até mesmo ser útil em bibliotecas, mas isso é outra história. Seja como for, existem atualmente algumas combinações interessantes possíveis. Poderíamos, por exemplo, falar em um microfone da maneira descrita em conexão com a máquina de escrever controlada pela fala, e então fazer seleções. O que certamente passaria para trás o arquivista usual.

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O verdadeiro âmago da questão da seleção, no entanto, vai além do atraso na adoção de mecanismos por bibliotecas, ou da ausência de desenvolvimento de dispositivos. Nossa incapacidade de acessar um documento é amplamente provocada pela artificialidade dos sistemas de indexação. Quando dados de qualquer tipo são armazenados, eles são arquivados alfabeticamente ou numericamente, e a informação é encontrada (quando o é) pelo rastreamento de subclasse a subclasse. Isso pode ser feito em apenas um lugar, a menos que cópias sejam usadas; é preciso criar regras para definir qual caminho irá encontrá-las, e as regras são desajeitadas. Além disso, quando um item é encontrado, é necessário deixar o sistema e reiniciar um novo caminho.

A mente humana não funciona desta maneira; ela opera por associação. Ao apreender um item, ela instantaneamente salta para o próximo item sugerido pela associação de pensamentos, de acordo com alguma intrincada rede de trilhas carregada pelas células do cérebro. Ela possui outras características, evidentemente; trilhas que não são seguidas com frequência tendem a desaparecer, os itens não são completamente permanentes, a memória é transitória. Ainda assim, a velocidade de ação, o intrincamento das trilhas, o detalhamento das imagens mentais, são mais impressionantes que qualquer outra coisa na natureza.

O homem não pode esperar a total duplicação deste processo mental artificialmente, mas certamente deveria ser capaz de aprender com ele. De formas modestas ele pode até melhorá-lo, já que seus registros possuem permanência relativa. A primeira ideia, porém, a ser tirada da analogia, diz respeito à seleção. A seleção por associação, e não por indexação, ainda pode ser mecanizada. Não se pode esperar por enquanto atingir a velocidade e a flexibilidade com as quais a mente segue uma trilha associativa, mas deve ser possível ganhar da mente decisivamente quanto à permanência e à clareza dos itens recuperados do acervo.

Consideremos um equipamento futuro para uso individual, que é um tipo de arquivo e biblioteca privados e mecanizados. Ele precisa de um nome e, para criar um ao acaso, vamos chamá-lo de "memex". Um memex é um aparelho no qual um indivíduo guarda todos os seus livros, registros e comunicações, e que é mecanizado de forma a poder ser consultado com grande velocidade e flexibilidade. É um suplemento íntimo ampliado de sua memória.

Ele é basicamente uma mesa de trabalho, embora possa presumivelmente ser operado à distância. No topo da mesa ficam telas inclinadas translúcidas, nas quais podem ser projetados conteúdos para leitura. Há um teclado e uma série de botões e manivelas; no restante, ele se parece com uma mesa ordinária.

Em um dos cantos do móvel está o material de consulta. O problema do volume está bem solucionado por avançados microfilmes. Apenas uma pequena parte do interior do memex é voltada para o armazenamento, o restante é dedicado ao mecanismo. Ainda assim, se o usuário inserisse 5.000 páginas de material por dia, ele levaria centenas de anos para esgotar o espaço de armazenagem, de modo que poderia adicionar conteúdo livremente.

A maior parte dos conteúdos do memex é adquirida em microfilme pronto para inserção. Livros de todos os tipos, fotografias, revistas atuais, jornais, são assim obtidos e adicionados. Correspondências de trabalho seguem o mesmo caminho. E há provisão para entradas diretas. No topo do memex há um cilindro transparente. Encontram-se nele notas escritas à mão, fotografias, apontamentos, todo tipo de coisa. Quando um desses itens está devidamente posicionado, uma alavanca faz com que ele seja fotografado no próximo espaço em branco em uma seção da película do memex, através da técnica da fotografia a seco.

Existe, é claro, a possibilidade de acessar o acervo pelo esquema tradicional de indexação. Se o usuário deseja consultar um determinado livro, ele aperta seu código de classificação no teclado, e a capa do livro prontamente aparece diante dele, projetada em uma das posições de exibição. Códigos usados com frequência são mnemônicos, de modo que ele raramente consulta sua agenda de códigos; mas, quando necessário, um simples apertar de tecla projeta-os na tela. Além disso, há alavancas suplementares. Virando uma dessas alavancas para a direita, o usuário vira as páginas do livro diante dele; cada página é projetada em uma velocidade que permite uma rápida visualização de reconhecimento. Se ele vira a alavanca ainda mais à direita, pula dez páginas do livro; mais à direita, cem páginas. O sentido oposto, para a esquerda, lhe dá o mesmo controle de trás para frente.

Um botão especial transfere-o imediatamente para a primeira página do índice. Qualquer livro em sua biblioteca pode então ser consultado com muito mais facilidade do que se fosse apanhado em uma estante. Como ele possui diversas posições de projeção, pode deixar um item em exibição enquanto busca outro. Ele pode adicionar notas nas margens e comentários, exatamente como se tivesse a página diante de si. Aproveitando um tipo possível de fotografia a seco, isso poderia ser feito pelo esquema empregado hoje no teleautógrafo encontrado em salas de espera de estações de trem.

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Tudo isso é convencional, exceto pela projeção futura dos mecanismos e equipamentos atuais. Trata-se, contudo, de um passo imediato para a indexação associativa, cuja ideia básica consiste em possibilitar que qualquer item busque outro item imediata e automaticamente. Essa é a característica essencial do memex. O processo de tentar duas coisas ao mesmo tempo é o que importa de fato.

Quando o usuário está construindo uma trilha, ele a nomeia, insere-a em sua agenda de códigos e datilografa-a no teclado. Diante dele aparecem dois itens a serem unidos, projetados em modos de exibição adjacentes. Na parte inferior de cada um deles há espaços em branco destinados ao código, e um ponteiro está posicionado para indicá-los. O usuário aperta uma única tecla e os itens são permanentemente unidos. O código aparece no espaço reservado para ele. Fora do campo de exibição, mas também no espaço do código, há uma série de pontos para visualização por fotocélula, e em cada item esses pontos, por sua posição, designam o número de indexação do outro item.

Portanto, a qualquer momento, quando um desses itens está em exibição, o outro pode ser instantaneamente reexibido, bastando apertar um botão situado abaixo do espaço do código correspondente. Além disso, quando numerosos itens tiverem sido unidos desta maneira para formar uma trilha, eles podem ser revisados um a um, rápida ou lentamente, com o girar de uma alavanca como aquela usada para virar as páginas de um livro. É exatamente como se itens físicos de fontes bem separadas tivessem sido unidos para formar um novo livro. É mais do que isso, já que qualquer item pode ser conectado a numerosas trilhas.

Vamos imaginar que o proprietário do memex se interesse pela origem e pelas propriedades do arco e flecha. Especificamente, ele está estudando por que o curto arco turco era aparentemente superior ao arco longo inglês nos confrontos das Cruzadas. Ele tem dezenas de livros e artigos pertinentes possíveis em seu memex. Primeiro, folheia uma enciclopédia, encontra um artigo interessante, embora incompleto, e projeta-o. Em seguida, em um relatório, encontra outro item relevante, e conecta os dois. Assim vai construindo com vários itens uma nova trilha. Ocasionalmente, ele insere um comentário próprio, seja conectando-o à trilha principal, seja chegando a ela por uma trilha lateral. Quando se torna evidente que as propriedades elásticas dos materiais disponíveis eram determinantes para a qualidade do arco, ele parte para uma trilha lateral que o leva a livros sobre elasticidade e tabelas de constantes físicas. Ele insere então uma página de análises de próprio punho. Dessa forma, o usuário constrói uma trilha de seus interesses através do labirinto de materiais disponíveis.

E suas trilhas não desaparecem. Muitos anos depois, sua conversa com um amigo volta-se para os estranhos caminhos pelos quais as pessoas resistem às inovações, mesmo as de interesse vital. Ele possui um exemplo no fato de que os ultrajados europeus se furtaram a adotar o arco turco. Na realidade, ele possui uma trilha sobre o tema. Um toque traz à tona sua agenda de códigos. Apertando algumas teclas, ele projeta o início da trilha. Uma alavanca passa por ela conforme o interesse de ambos, parando em itens relevantes, partindo em excursões laterais. É uma trilha interessante, pertinente à discussão. Então ele coloca o reprodutor em ação, fotografa a trilha toda e entrega-a a seu amigo para inserção em seu próprio memex, onde ela será conectada à sua própria trilha geral.

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Formas totalmente novas de enciclopédias surgirão, trazendo uma malha de trilhas associativas, prontas para serem adicionadas ao memex e então ampliadas. O advogado terá ao seu alcance) as opiniões e sentenças de toda sua carreira, e da experiência de amigos e especialistas no assunto. O especialista em patentes tem à disposição as milhões de patentes já conferidas, com trilhas familiares a qualquer ponto de interesse de seus clientes. O médico, intrigado pelas reações de um paciente, analisa a trilha estabelecida no estudo de um caso similar mais antigo e perpassa rapidamente casos análogos na história, com referências laterais a clássicos para investigar a anatomia e histologia pertinentes. O químico, lutando com a síntese de um composto orgânico, tem acesso a toda a literatura química em seu laboratório, com trilhas seguindo as analogias dos compostos, e trilhas laterais sobre seu comportamento físico e químico.

O historiador, diante da vasta narrativa cronológica de um povo, compara-a a uma trilha que se atém unicamente aos elementos mais relevantes, e pode seguir a qualquer momento trilhas contemporâneas que lhe permitam cobrir toda a civilização em determinada época. Surge uma nova profissão - a abertura de trilhas - capitaneada por aqueles que sentem prazer na tarefa de estabelecer trilhas úteis entre a enorme massa de registros comuns. A herança dos mestres vai além de suas contribuições ao acervo do mundo, ela passa a ser o próprio andaime com o qual seus discípulos se erguem.

Assim, a ciência deve implantar os caminhos pelos quais o homem produz, armazena e consulta os registros da espécie. Seria impressionante salientar os instrumentos do futuro mais espetacularmente, em vez de nos atermos aos métodos e elementos por ora conhecidos, submetidos a um desenvolvimento veloz, como foi feito aqui. Dificuldades técnicas de todos os tipos foram ignoradas, é certo, mas também ignorados são os meios ainda desconhecidos que podem vir a qualquer momento acelerar o progresso técnico tão violentamente como ocorreu com o advento da válvula termiônica. Para que essa imagem não seja tão lugar-comum nos dias de hoje, pode ser benéfico mencionar uma possibilidade como essa, não para profetizar, mas meramente para sugerir, já que profecias baseadas na extensão do que é conhecido possuem substância, enquanto profecias baseadas no desconhecido são apenas dupla adivinhação.

Todos os nossos passos para a criação ou absorção do material de registro procedem de um dos sentidos - o tátil, quando tocamos uma tecla, o oral quando falamos ou ouvimos, o visual quando lemos. Será que um dia o caminho poderá ser estabelecido mais diretamente?

Sabemos que quando o olho vê, toda a informação consequente é transmitida ao cérebro por meio de vibrações elétricas no canal do nervo ótico. Esta é uma analogia exata com as vibrações elétricas que ocorrem no cabo de um sistema de televisão: elas transmitem a imagem das fotocélulas que a levam para o radiotransmissor através do qual é feita a emissão. Sabemos ainda que se nos aproximarmos do cabo com os instrumentos apropriados, não precisamos tocá-lo. Podemos receber essas vibrações por indução elétrica e então descobrir e reproduzir a cena sendo transmitida, exatamente como se faz o grampo no fio do telefone.

Os impulsos que correm nos nervos do braço de um datilógrafo transmitem para seus dedos a informação traduzida que chega a seus olhos ou ouvidos, para que esses dedos sejam levados a apertar as teclas apropriadas. Será que essas correntes poderiam ser interceptadas, seja na forma original na qual a informação é transmitida para o cérebro, seja na forma maravilhosamente metamoforseada pela qual ela chega aos dedos?

Através do corpo já fizemos a introdução de sons nos canais auditivos dos surdos para que eles possam ouvir. Não seria possível aprendermos a introduzi-los sem o atual incômodo de primeiramente transformar vibrações elétricas em vibrações mecânicas que o mecanismo humano prontamente transforma de volta à forma elétrica? Com dois eletrodos no crânio o encefalograma agora produz traçados que possuem alguma relação com o fenômeno elétrico indo para o cérebro em si. É verdade, o registro é ininteligível, exceto enquanto aponta algum problema de funcionamento significativo no mecanismo cerebral, mas quem colocaria limites no que se pode alcançar?

No mundo exterior, todas as formas de inteligência, seja de som ou visão, foram reduzidas à forma de correntes variáveis em um circuito elétrico, de modo que possam ser transmitidas. Dentro da moldura humana acontece exatamente o mesmo tipo de processo. Devemos sempre fazer a transformação para movimentos mecânicos para proceder de um fenômeno elétrico para outro? É um pensamento sugestivo, mas ele praticamente não se garante sem perder contato com a realidade imediata.

É provável que o espírito do homem se eleve se ele puder melhor revisar seu passado sombrio e analisar mais plena e objetivamente seus problemas atuais. Ele precisa construir uma civilização tão complexa que tem que mecanizar seus registros mais completamente se quiser levar os experimentos à sua conclusão lógica sem ficar completamente assoberbado no meio do caminho por demandar demais de sua limitada memória. Suas explorações podem ser mais agradáveis se ele re-adquirir o privilégio de esquecer as inúmeras coisas que não precisa ter imediatamente à mão, com alguma segurança de que poderá encontrá-las novamente caso elas se provem importantes.

As aplicações da ciência construíram para o homem uma casa bem equipada e estão ensinando-o a viver nela de forma saudável. Elas lhe permitiram jogar milhares de pessoas umas contra as outras com armas cruéis. Elas podem ainda lhe permitir abarcar o grande acervo de conhecimento criado pelo homem e crescer graças à sabedoria da espécie. Talvez ele morra em conflito antes de aprender a usar este vasto acervo para seu próprio bem. Contudo, na aplicação da ciência às necessidades e desejos do homem, seria um momento infeliz para interromper o processo, ou perder a esperança nos resultados.

VANEVAR BUSH

Nascido em Massachusetts em 1890, licenciou-se em engenharia dando aulas de matemática para custear as despesas do curso. Depois de concluir a licenciatura em 1913, foi trabalhar para a General Electric, voltando pouco depois à universidade para fazer o doutorado. Durante a Primeira Guerra, desenvolveu investigações na indústria do armamento, designadamente no campo da detecção magnética de submarinos. Após o término da guerra, definiu o departamento de engenharia eletrotécnica no MIT. Em 1937 foi nomeado presidente no Carnegie Institute. Durante a Segunda Guerra fundou o National Defense Research Committe (NDRC), cuja missão era congregar tarefas de cientistas, militares, governantes e empresários na pesquisa e investigação no setor militar. Morreu em 1974, poucos anos antes do surgimento da World Wide Web.

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    Publicado originalmente em
    Atlantic Monthly, July, 1945.
    Traduação de Luana Villac.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011
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