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Estrutura ou Sintoma? Debate sobre a Clínica Psicanalítica das Toxicomanias na Assistência Pública

Dias de Assumpção Bastos, Adriana; Pacelli Ferreira, Ademir. Psicanálise e toxicomania. Desafios na Assistência Pública. 2012. Juruá, Curitiba

No livro, Psicanálise e Toxicomania. Desafios na Assistência Pública, Adriana Dias de Assumpção Bastos e Ademir Pacelli Ferreira desenvolvem uma discussão abrangente sobre a problemática da clínica psicanalítica, uso de drogas e atendimento na Instituição Pública. Essa pesquisa psicanalítica desenvolvida num Centro Municipal de Tratamento de Dependência Química teve como ponto de partida, dentre outras, as seguintes questões: o uso de drogas é um sintoma? e, tal sintoma é um sintoma específico da atualidade? Tais indagações destacam uma direção para a clínica psicanalítica do uso de drogas que pode ser assim indicada: é possível que a toxicomania seja um sintoma, uma forma de compromisso, não para todos, mas tão somente para alguns sujeitos que usam drogas.

Os autores consideram que a direção clínica estabelecida pelas políticas públicas tem apontado para uma "clínica do sujeito". Dentro dessa perspectiva, buscam circunscrever os fundamentos que tanto a teoria quanto a clínica psicanalítica oferecem, nesse sentido, delimitando de que realidade se trata quando se tem como foco o sujeito. Ou seja, retomando o pensamento freudiano e lacaniano, colocam em destaque a chamada realidade psíquica. De fato, encontra-se, aqui, uma das principais contribuições da psicanálise para o campo das ciências humanas. Tal perspectiva, desde os primórdios da psicanálise, representou para o então neurologista Sigmund Freud, um árduo esforço de teorização. Todavia, o avanço que Freud realizou foi tão amplo que é possível, aos seus leitores, desencavar verdadeiros tesouros encerrados em seu discurso teórico. Um destes foi desvendado por Jacques Lacan, na releitura que fez do Entwurfem seu seminário, A ética da psicanálise. Quando Lacan se interroga por que os éticos sempre retornam ao problema enigmático da relação do prazer com o bem final, naquilo que dirige a ação humana enquanto moral, isso provém do fato de o prazer aparecer, em muitos casos, como o termo oposto ao esforço moral. Torna-se preciso, no entanto, que ele encontre aí a referência final, aquela à qual o bem que orienta a ação humana deve, no final das contas, reduzir-se. Eis como o conflito se coloca no interior de toda elaboração ética.

Levando em conta essa visada ética pela qual se aborda a clínica psicanalítica do sujeito, os autores destacam um ponto decisivo nesta direção clínica: não se trata de consertar os pacientes, sejam usuários de drogas ou infratores, e sim, trata-se de favorecer a fala do sujeito. Como alicerce desta clínica do sujeito, traçam um percurso do discurso psicanalítico, tanto teórico quanto clínico, em Freud e Lacan - do mal-estar na civilização ao mal-estar dos laços sociais - numa busca bem-sucedida de demonstrar o vigor deste discurso como fundamento da clínica contemporânea.

Ao ser perguntado sobre o que havia de novo na psicanálise, André Green respondeu: Freud. Entre os diversos comentadores do pai da psicanálise, Lacan, em seu retorno a Freud, teve o mérito de colocar a psicanálise como eixo fundamental do atendimento clínico de ponta, possibilitando, definitivamente, a clínica institucional nos espaços públicos. Para exemplificar, tanto a atualidade quanto o vigor do discurso psicanalítico, os autores examinam cinco casos clínicos, que corroboram que a população-alvo nas instituições públicas de atendimento a usuários de drogas é, em última instância, constituída por jovens. O que dá uma importância e responsabilidade maior a esta modalidade de prática clínica.

O debate sobre se a toxicomania é ou não uma nova modalidade de estrutura clínica, conduz os autores a percorrerem suas diversas expressões na psicose, na neurose e na perversão, procurando destacar os mecanismos pelos quais são constituídas. A partir da pesquisa realizada concluem que a constituição da realidade para a psicanálise se organiza através da resposta que o sujeito dá frente à castração - o recalque, o desmentido ou a foraclusão - e, ao longo da obra de Freud e de Lacan, não há nenhuma indicação de que a toxicomania seja uma forma específica de negação da castração no Outro. Os autores partem, assim, da perspectiva da toxicomania como fenômeno clínico. Consideram, dessa forma, que trata-se muito mais de um paliativo diante da angústia, no sentido de anestesiá-la, produzindo uma forma de lidar com a castração que pode estar presente em qualquer uma das três estruturas.

Tais conclusões, no entanto, não evitam um diálogo com outros autores, cuja leitura pode apontar para perspectivas diametralmente opostas às suas, contribuindo assim para que se estabeleça um diálogo profícuo, no qual o leitor possa acolher as posições com as quais mais se identifica. Por exemplo, em "Estrutura perversa e Toxicomania", os autores tomam como fio condutor os textos de Joel Birman, "Dionísio desencantado" e "Feitiço e feiticeiro no pacto com o diabo", nos quais este autor propõe que a toxicomania corresponderia à estrutura da perversão. Outra aproximação entre a toxicomania e a perversão é apontada por Jésus Santiago, em seu texto, "A toxicomania não é uma perversão" quando o autor infere, a partir do texto freudiano, "Mal-estar na civilização" (1930), que a droga pode ser interpretada como uma satisfação substitutiva. O pensamento desenvolvido por este autor possibilita uma passagem para a visão de que, em alguns casos, a toxicomania permite que esta possa ocupar o lugar de um sintoma.

Em síntese, a leitura do livro Psicanálise e Toxicomania. Desafios na Assistência Pública torna-se obrigatória para todos aqueles que se dedicam ao atendimento clínico dos usuários de drogas. Contudo, pela pesquisa psicanalítica cuidadosa e minuciosa desenvolvida e pela amplitude com que as questões suscitadas foram tratadas, considera-se uma leitura também indispensável, a todos aqueles que se dedicam ou tenham interesse em se debruçar sobre as questões cruciais da clínica psicanalítica.

Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2013

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014
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