Acessibilidade / Reportar erro

O “estranho” filho adotivo. Uma leitura clínica do Unheimlich na adoção

Resumos

A preocupação com a questão da origem do filho ocupa um lugar central no imaginário dos pais adotivos. A “revelação” torna-se, então, um significante-chave gerador de estado de ansiedade, quando o natural seria criar condições para a livre circulação da palavra sobre a adoção no seio da família. O estado de estrangeiro na consangüinidade parece fazer cair por terra as garantias de um lugar delegado, outorgado, conquistado.

O fantasma edipiano se reacende de um modo particular, pois não havendo a barreira da consangüinidade, perde-se a garantia de que a interdição do incesto se cumprirá. Realçamos essa condição de estrangeiro na vivência edípica, sobretudo porque tal expressão ganhou destaque nos depoimentos de pais e aparece também em comentários e definições de legisladores estudiosos do assunto.

O estranho remete ao assustador, provocador de medo e horror, mas, ao mesmo tempo, ao conhecido e, há muito, familiar. Um dos sentidos do Unheimlich, “refere-se a tudo que deveria ter permanecido secreto e oculto, mas veio à luz” e o Heimlich: “um lugar livre da influência de fantasmas”. Pode-se dizer, então, que o estranho não significa o novo, o alheio, e sim algo familiar e há muito estabelecido pelo imaginário. Aquilo que deveria ter permanecido oculto se revelou. Na peça Édipo Rei, Sófocles manifesta, com engenhosa maestria, os passos e o drama da revelação, a revelação da dupla filiação de Édipo. Os adotivos parecem viver, em ato e na realidade, aquilo que a maioria vive em sonhos, ou seja, a duplicidade de casal parental presente na fantasia do romance familiar.

Pais adotivos; mito de Édipo; Unheinlich; revelação


La preocupación con la cuestión del origen del hijo ocupa un lugar central en el imaginario de los padres adoptivos. La “revelación” se convierte así, en un significante clave, generador de ansiedades, cuando lo natural sería crear, en el seno de la familia, condiciones para la libre circulación de la palabra en lo que se refiere a la adopción. El estado de extranjero en la consanguinidad parece hacer perder las garantías de un lugar delegado, otorgado, conquistado.

El fantasma edípico se reenciende de un modo particular, pues no estando la barrera de la consanguinidad, se pierde la garantía de que la interdicción del incesto será cumplida. Realzamos esta condición de extranjero en la vivencia edípica, sobretodo, porque tal expresión ganó destaque en los relatos de padres y también aparece en comentarios y definiciones de legisladores y estudiosos del tema.

Lo extraño remite a lo asustador, provocador de miedo y horror, pero, al mismo tiempo, a lo conocido y familiar. Uno de los sentidos del Unheimlich, “se refiere a todo lo que debiera haber permanecido secreto y oculto, pero vino a luz” y al Heimlich: “un lugar libre de la influencia de fantasmas”. Puede decirse entonces que lo extraño no significa lo nuevo, lo ajeno y sí algo familiar y establecido hace tiempo por lo imaginario. Aquello que debería haber seguido oculto y se revelo. En Edipo Rey, Sófocles manifiesta, con ingeniosa maestría, los pasos y el drama de la revelación de la doble filiación de Edipo. Los adoptivos parecen vivir, en acto y en la realidad, aquello que la mayoría vive en sueños, o sea, la duplicidad de parejas de padres presente en la novela familiar del neurótico.

Padres adoptivos; mito de Edipo; Unheimlich; revelación


La question de l’origine de l’enfant est centrale dans l’imaginaire des parents adoptifs. La “révélation” devient alors un signifiant-clé générant des états d’anxiété, alors qu’il serait naturel de créer des conditions permettant de discuter librement de l’adoption au sein de la famille. Le fait d’être étranger dans la consanguinité semble faire s’effondrer les garanties d’une place déléguée, attribuée, conquise.

Le fantasme Œdipien se rallume d’une manière particulière, puisqu’en l’absence de la barrière de la consanguinité, le respect de l’interdiction de l’inceste ne sera plus garanti. Nous soulignons cette condition d’étranger dans l’expérience oedipienne, surtout parce qu’une telle expression gagna en relief dans les témoignages des parents et apparaît également dans les commentaires et définitions des législateurs qui étudient le sujet.

L’étranger renvoie à l’épouvantable, provocateur de crainte et d’horreur, mais, en même temps, au connu et, depuis longtemps, familier. L’un des sens de Unheimlich, “se réfère à tout ce qui devrait avoir été maintenu secret et dissimulé, mais qui a été dévoilé”, et Heimlich, à “un endroit libre de toute influence des fantasmes”. On peut alors dire qu’ “étranger” ne veut pas dire “nouveau”, autre, mais quelque chose de familier et depuis longtemps établi dans l’imaginaire. Ce qui devait être maintenu caché a été révélé. Dans la pièce L’OEdipe Roi, Sophocles exprime avec une ingénieuse maîtrise, les étapes et le drame de la révélation, la révélation de la double filiation d’Œdipe. Les enfants adoptés semblent vivre, dans les faits et la réalité, ce que la majorité vit en rêve, c’est-à-dire la duplicité du couple parental présente dans le fantasme du roman familial.

Parents adoptifs; mythe d’Oedipe; Unheimlich; révélation


Concern with the question of an adopted child’s origin occupies a central place in the imagination of adoptive parents. A “revelation” therefore becomes a key signifier that generates a state of anxiety, when the more natural situation would be to arrange for an informal family discussion about adoption. The state of the foreigner to consanguinity would seem to eliminate the guarantee of a delegated, granted, conquered place.

The Oedipus fantasy is seen in a very particular way because, due to the lack of the barrier of consanguinity, it loses the guarantee with which the interdiction of incest is marked. We discuss here the condition of foreigner in the Oedipal experience mainly because it has often been expressed in parents’ discourse as well as in comments and definitions by legislators who study the subject.

The uncanny is frightening, stirring up both fear and terror, but it is also related to the known and the very familiar. One aspect of Unheimlich “refers to everything that should have remained private and secret, but came to light.” Heimlich refers to “a place free from the influence of fantasies.” It can be said, then, that uncanny does not mean something new, but something familiar that has long been present in the imagination. Something that should have stayed in the shadows is brought up to light. In Oedipus Rex, Sophocles shows rare sensibility as he unveils, step by step, the conflict of the revelation, the revelation of Oedipus’ double filiation. Adopted children seem to live, both in action and in reality, what the most people live in dreams: the duplicity of the parental couple present in the fantasy of the family romance.

Adoptive parents; Oedipus mith; uncanny; Unheimlich; revelation


Texto completo disponível apenas em PDF.

Referências

  • BERNARDINO, L.M. F., “Mãe é uma só? Contribuições psicanalíticas ao estudo da adoção”, Palavração Revista de Psicanálise, temática – A Lei e a lei, Biblioteca Freudiana de Curitiba, Centro de Trabalho em Psicanálise, ano 2, n. 2, out./94.
  • BRANDÃO, J. Dicionário etimológico Petrópolis: Vozes, 1991. v. 1.
  • CHANTEL, Marie-Magdeleine. Mal-estar na procriação. As mulheres e a medicina da reprodução. Trad. de Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Campo Matêmico, 1995.
  • FREUD, S. (1908). Romances Familiares. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas Trad. de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1985. v. 9.
  • FREUD, S. (1919). O estranho. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas Trad. de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1985. v. 12.
  • FREIRE, Fernando (org.). Abandono e adoção. Contribuições para uma cultura da adoção I. Curitiba: Associação Brasileira Terra dos Homens, Gráfica Vicentina Ltda, 1994. v. I e II.
  • HAMAD, N. L’enfant adotif et sés familles Paris: Denoël, 2001.
  • LEVINZON, Gina Khafif. A criança adotiva na psicoterapia psicanalítica São Paulo: Escuta, 1999.
  • LEVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco 2. ed. Trad. de Mariano Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1982.
  • MARQUES, Artur. O regime jurídico da adoção estatutária São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
  • NOGUEIRA, Paulo Lucio. Estatuto da criança e do adolescente comentado Rio de Janeiro: Saraiva. 1993.
  • SCHETTINI FILHO, Luiz. Compreendendo os pais adotivos Recife: Bagaço, 1998.
  • SIQUEIRA, Liborni. Adoção no tempo e no espaço. Doutrina e jurisprudência Rio de Janeiro: Forense. 1992.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2004

Histórico

  • Recebido
    Jul 2003
  • Aceito
    Nov 2003
Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental Av. Onze de Junho, 1070, conj. 804, 04041-004 São Paulo, SP - Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: secretaria.auppf@gmail.com