Acessibilidade / Reportar erro

Tempo, idade e cultura: uma contribuição à psicopatologia da depressão no idoso. Parte I: Temporalidade e cultura

Resumos

Procuramos aqui relacionar dois aspectos fundamentais das intuições culturais sobre a passagem do tempo – a temporalidade cíclica e a contínua – com a terapêutica médica e especialmente com a psicopatologia, numa visão crítica do constructo moderno da depressão no idoso. Inspirado em perspectivas de natureza antropológica, o texto se apóia na experiência clínica cotidiana e na atitude fenomenológica que orienta essa prática. Nas concepções culturais que tendem a perceber a passagem do tempo de forma predominantemente cíclica, o envelhecer é parte de um movimento eterno, e a família se perpetua em seus descendentes, nas suas tradições, no vínculo com a terra ou no exercício do ofício familiar. As transformações culturais que têm proporcionado a passagem para enfoques mais direcionais do tempo vão destacando cada vez mais o papel individual na história social. Quando mais difícil for a passagem de Weltanschauungen tradicionais, de tendência circular, fatalista, repetitiva e eterna, para outras de tendência individualizante, burocratizante, planejadora e sucessiva, maiores as dificuldades para uma senectude satisfatória e maior a tendência à medicalização desse fracasso.

Psicopatologia e cultura; temporalidade e medicina; depressão no idoso; psicogeriatria


Buscamos aquí relacionar dos aspectos fundamentales de las intuiciones culturales sobre el pasaje del tiempo – la temporalidad cíclica y la continua – con la terapéutica médica y más especialmente con la psicopatología, en una visión critica del constructo moderno de la depresión en la vejez. Inspirado en perspectivas antropológicas, el texto busca apoyo en la experiencia clínica diaria y en la actitud fenomenológica que la orienta. En las concepciones culturales del tiempo que tienden a percibir su pasaje de forma predominantemente cíclica, envejecer es parte de un movimiento eterno, y la familia se perpetúa en sus descendientes, en sus tradiciones, en el vínculo con la tierra o en el ejercicio del trabajo familiar. Las transformaciones culturales que han proporcionado el pasaje para enfoques más direccionales del tiempo van destacando cada vez más el rol individual en la historia social. Cuanto más dificultoso sea el pasaje de Weltanschauungen tradicionales, de tendencia circular, fatalista, repetitiva y eterna para otras de tendencia individualizante, burocratizante, planeadora y sucesiva, más grandes las dificultades para una senectud satisfactoria así como la tendencia a la medicalización de este fracaso.

Psicopatología y cultura; temporalidad y medicina; depresión en el anciano; psicogeriatría


Nous cherchons ici à mettre en rapport deux aspects fondamentaux des conceptions intuitives culturelles sur la passage du temps – la temporalité cyclique et la temporalité continue – avec la thérapeutique médicale et notament avec la psychopathologie, dans une vision critique du concept moderne de dépression chez la personne agée. Inspiré des perspectives de nature anthropologique, le texte se fonde sur l’expérience clinique quotidienne et sur l’attitude phénoménologique guidant cette pratique. Dans les conceptions culturelles qui tendent à percevoir le passage du temps comme cyclique, le vieillissement fait partie d’un mouvement éternel et la famille se perpétue par ses descendants, ses traditions, ses liens avec la terre ou par l’exercice du métier familial. Les transformations culturelles qui ont une approche plus directionnelle du passage du temps montrent de plus em plus le rôle individuel dans l’histoire social. Plus il sera dificile de passer des Weltanschauungen traditionnelles, tendant à la circularité, à la répétition, au fatalisme et à l’éternité, à d’autres Weltanschauungen de tendance à l’individualisation, à la bureaucratie, à la planification et à la succession, plus les difficultés d’avoir une vieillesse satisfaisante seront grandes et la tendance à la médicalisation de ce problème sera plus importante.

Psychopatologie et culture; temporalité et médicine; dépression de la personne âgée; psychogériatrie


Two fundamental aspects of cultural intuitive conceptions of time’s passage – cyclic and continuous temporality – are here related to medical therapy and psychopathology, in a critical view of depression in old age as a modern construct. Although inspired by anthropological perspectives this paper is based on daily clinical experience and on a phenomenological attitude. In predominantly cyclical cultural perceptions of time the process of ageing is part of an eternal movement, and families perpetuate themselves in their descendants, in their traditions, in land ties or in the practice of familiar crafts or skills. Cultural transformations that give rise to more directional approaches of time’s passage tend to implement individual roles more and more in social history. The more difficult the change from fatalist, repetitive, eternal cycling traditional Weltanschauungen to individualizing, bureaucratizing, planning and successive ones, the larger the chances of an unsuccessful old age and “medicalization” of this failure.

Psychopathology and culture; temporality and medicine; depression and ageing; psychogeriatrics


Texto completo disponível apenas em PDF.

Referências

  • ALONSO-FERNANDEZ, F. Fundamentos de la psiquiatria actual Madrid: Paz Montalvo, 1968. 2 vv.
  • ATLAN, H. Entre o cristal e a fumaça Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
  • AUGUSTINE, Saint. T. The Confessions of St. Augustine New York: Pocket Books, 1952.
  • BARREAU, H. Le Temps Paris: PUF, 1996.
  • BERGSON, E. (1888) Essai sur les Données Immédiates de la Conscience 14. ed. Paris: PUF, 1970. 182 p.
  • BINSWANGER, L. Mélancolie et manie Paris: PUF, 1987.
  • CIPOLLA NETO, J.; MARQUES, N. e MENA BARRETO, L. S. Introdução ao estudo da cronobiologia São Paulo: Ícone/Edusp, 1988.
  • COVENEY, P. e HIGHFIELD, R. A flecha do tempo São Paulo: Siciliano, 1993.
  • DAVIES, P. O enigma do tempo Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.
  • EINSTEIN, A. Espaço-tempo. In: O tesouro da enciclopédia britânica 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
  • ELIAS, N. Sobre o tempo Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
  • FRASER, J. T. Of Time, Passion, and Knowledge Princeton: Princeton Univ. Press, 1990.
  • FUCHS, T. Melancholia as a Desynchronization: Towards a Psychopathology of Interpersonal Time. Psychopathology, v. 34, n. 4, p. 179-86, 2001.
  • GELL-MANN, M. O Quark e o Jaguar Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
  • GLASS, L. e MACKEY, M. C. From Clocks to Chaos: the Rhythms of Life. Princeton: Princeton University Press, 1988.
  • GOULD, S. J. Seta do tempo, ciclo do tempo São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
  • HALL, E. A dança da vida Lisboa: Relógio D’Água, 1996.
  • HAWKING, S. Uma breve história do tempo Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
  • HEIDEGGER, M. Ser e tempo Petrópolis: Vozes, 1995.
  • HESS, D. J. Science and Technology in a Multicultural World New York: Columbia University Press, 1995.
  • HUSSERL, E. Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1994.
  • JAMES, W. The Principles of Psychology New York: Henry Holt, 1890. 2 vv.
  • JANET, P. L’évolution de la mémoire et de la notion du temps Paris: Édition A. Chahine, 1928. Tome III: L’organisation du temps, p. 419-624.
  • JASPERS, K. Psicopatologia geral Rio de Janeiro: Atheneu, 1973. 2 vv.
  • KANT, I. Crítica da razão pura Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1969.
  • KLEIN, É. e SPIRO, M. Le Temps et sa flèche Paris: Flammarion, 1996.
  • MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
  • MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1995.
  • MINKOWSKI, E. Traité de psychopathologie Paris: Synthélabo, 1999. (Les Empêcheurs de Penser en Rond).
  • NOVELLO, M. Os diferentes vazios e os diferentes tempos da cosmologia. In: KATZ, C. (org.). Temporalidade e psicanálise. Petrópolis: Vozes, 1995.
  • NOWOTNY, H. Le Temps à Soi: Genèse et Structuration d’un Sentiment du Temps. Paris: MSH, 1992.
  • NUNES, B. Experiências do tempo. In: NOVAES, A. (org.). Tempo e história São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
  • OLSHANSKY, S. J. e CARNES, B. A. The Quest for Immortality: Science at the Frontiers of Aging. New York: W.W. Norton, 2001.
  • PIAGET, J. A noção do tempo na criança. Rio de Janeiro: Record, 1970.
  • PIETTRE, B. La science et le temps. In: MEHEUT, M. (org.). Penser le temps Paris: Ellipses, 1996.
  • POIREL, C. Los ritmos circadianos en psicopatologia Madrid: Alhambra, 1982.
  • POMIAN, K. Tempo/temporalidade – Enciclopédia Einaudi Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1993. v. 29.
  • PORTELLA, E. Obsessão e delírio Rio de Janeiro: Imago, 1976.
  • PRIGOGINE, I. e STENGERS, I. Entre o tempo e a eternidade São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
  • REINBERG, A. Les rythmes biologiques. Paris: Flammarion, 1997.
  • ROSSI, P. Os sinais do tempo São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
  • RUELLE, D. Acaso e caos 2. ed. São Paulo: Unesp, 1994.
  • RUSSEL, B. Conseqüências filosóficas da teoria da relatividade. In: O tesouro da enciclopédia britânica 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
  • SUTTER. L’anticipation Paris: PUF, 1983.
  • SZAMOSI, G. Tempo e espaço Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
  • TOYNBEE, A. O ciclo do tempo. In: O tesouro da enciclopédia britânica 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
  • WERTHEIM, M. The Pearly Gates of Cyberspace New York: W.W. Norton, 1999.
  • ZEE, A. Time Inversion. In: SHORE, W. H. (ed.). Mysteries of Life and the Universe New York: Harcourt, 1992.
  • ZERUBAVEL, E. Hydden Rhythms: Schedules and Calendars in Social Life. Berkeley: University of California Press, 1981.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2005

Histórico

  • Recebido
    Jul 2005
  • Aceito
    Out 2005
Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental Av. Onze de Junho, 1070, conj. 804, 04041-004 São Paulo, SP - Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: secretaria.auppf@gmail.com