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RESENHA DE LIVROS

Em defesa da clínica

Leandro Alves Rodrigues dos Santos

Estrutura e constituição da clínica psicanalítica - uma arqueologia das práticas de cura, psicoterapia e tratamento

Christian Ingo Lenz Dunker

São Paulo: AnnaBlume, 2011, 658 págs.

Certa vez, durante um congresso do campo lacaniano, Antonio Quinet alcunhou Christian Dunker como um epistemólogo da psicanálise, fazendo uma referência elogiosa aos esforços constantes que esse autor empreende no sentido de ampliar as significações acerca dos conceitos psicanalíticos que, quando tomados apressadamente e de forma superficial, podem levar a equívocos ou limitações. O elogio parece justo, pois, com isso, Dunker promove um salutar exercício de problematização e crítica inteligente, desta vez tornando público um trabalho de fôlego, denso e vital para a cena psicanalítica brasileira.

Densidade que, vale dizer, não se limita apenas ao fato de que seu Estrutura e constituição da clínica psicanalítica - uma arqueologia das práticas de cura, psicoterapia e tratamento chegue a mais de seiscentas páginas, fato relativamente raro na bibliografia psicanalítica, mas que surge sim pela própria disposição do autor em empreender uma jornada rumo a uma dimensão pouco explorada, que diz respeito aos meandros do que Freud chamou de um tratamento pela palavra, uma prática clínica que tocasse o anímico, que promovesse mudanças estruturais para além do bem- -estar do paciente. Esse aspecto ético, que atravessou o percurso de Freud na invenção da psicanálise, impulsionando-o inclusive a se afastar de uma medicina mais curativa, foi bem retratado por Lacan e, principalmente, por Foucault, autores nos quais Dunker se apoia para conceber a espinha dorsal desse trabalho.

Tanto Lacan, com sua ousada releitura da obra freudiana, bem como Foucault, com sua ferramenta conceitual representada pela arqueologia do saber, demonstraram, cada qual a seu modo, as possíveis origens dos que precederam a psicanálise, desde os xamãs, feiticeiros, curandeiros, médicos e especialistas de toda ordem, alvos de variados tipos de demandas que os homens a eles endereçaram, por vários séculos. Em suas obras, também passaram em revista o que poderia haver nessas relações específicas que, por meio ou não da sugestão, acabavam por operar mudanças, milagres, curas e afins. Não é sem razão, portanto, que nasce a psicanálise, fruto de um momento histórico e dos laços característicos da subjetividade de uma época na qual Freud e sua Viena vitoriana se inseriam.

Dessa forma, o autor retrocede na linha do tempo, partindo dos gregos, que iniciaram a clínica, como Hipócrates e Platão, passando por pensadores como Santo Agostinho e Montaigne, chegando a Charcot e Pinel, mais ligados aos males da alma, num período no qual a dissociação entre corpo e mente já estava em marcha. Devemos incluir nisso também articulações com Sócrates e Alcebíades, relação prototípica da transferência, além de Descartes e suas preocupações com o método, tão crucial nas empreitadas promovidas pelos mais inquietos.

Essa parte mais histórica do livro fornece a base para Dunker assentar um tema central de sua pesquisa, o problema do poder na clínica psicanalítica que, se levado em consideração e tomado como objeto de análise, está presente - de forma sub-reptícia ou mais escancarada - na condição de dínamo de qualquer tratamento, podendo tingir de cores variadas um processo usualmente carregado de boas intenções, como é corriqueiro nas profissões de ajuda.

Porém, o que Dunker evidencia é que há sempre em jogo um aspecto político, como Foucault demonstrou em seus trabalhos que tratavam do nascimento da clínica moderna, da historicização que efetivou acerca do tema da loucura e, em especial, como isso poderia ser pensado em termos de uma engrenagem sofisticada que, em última instância, visava à domesticação dos corpos, alienação das consciências e adaptação a um sistema econômico vigente. E o psicanalista nesse cenário, como fica? Afinal, Foucault sempre manteve uma postura dúbia com relação à psicanálise, ora enaltecendo-a, ora indo no caminho contrário, dispondo-a ao lado da confissão religiosa. Nesse sentido, Dunker avançou e, mesmo que o desafio pareça hercúleo, pelo gigantismo do tema ou pela ausência de operadores que pudessem ajudá-lo, ainda assim nos oferece um panorama de suas investigações com distinções sutis, quando marca a "[...] importância de distinguir, no espectro mais amplo do tratamento (Behandlung) as noções de cura (Kur), de psicoterapia (Psychoterapie) e clínica (Klinic)", lembrando também que "[...] tais noções formavam zonas de compromisso como se verificou na noção de restabelecimento (Heilung), localizada entre a cura e a terapia, bem como a noção de saúde (Genesung), localizada entre a clínica e a cura" (Dunker, 2011, p. 607).

De acordo com os postulados de Dunker, há um alerta latente aos psicanalistas, advertindo-os que certos termos e conceitos necessitam ser compreendidos em uma amplitude mais abrangente como, por exemplo, na questão da cura, que pode ser limitada apenas ao termo mais trivial da medicina, ligado à remissão dos sintomas e a uma suposta homeostase do organismo ou, como Lacan também sugeria, expandida como na cura do queijo, processo intenso de transformação, ou ainda na curadoria de uma exposição artística ou na cura da tinta fresca na parede. O mesmo raciocínio valeria para a noção de tratamento, do sintoma ou de patologia, regularmente encontrados no vocabulário freudiano. Isso, ao menos em tese, proporcionaria aos psicanalistas uma ressignificação de suas práticas, de suas estratégias e do lugar que ocupam na relação com o paciente. Em suma, se há um aspecto político em questão, e se falamos de poder, como em qualquer outra relação, com o que o psicanalista teria de se preocupar para se manter fiel à tradição freudiana, de uma psicanálise leiga e independente de qualquer regulamentação ou cabresto colocado à força por algum campo de saber?

Há uma acusação que incomoda os psicanalistas, quando ouvem que suas práticas, no fundo, são moralizantes, ortopédicas ou adaptativas. Por vezes, os psicanalistas têm dificuldades de responder, faltando-lhe argumentos. Essa obra de Christian Dunker talvez possa colaborar nesse sentido, ajudando os psicanalistas a se questionarem, a repensarem a prática cotidiana, o lugar que ocupam no mundo atualmente, o que estabelecem como uma direção do tratamento de cada um que os procura, em tempos que se caracterizam por uma acentuada busca do fácil, indolor e rápido. Mais uma vez os doentes interrogam os médicos, dificultando os ideais da clínica, e não apenas da clínica psicanalítica.

Leandro Alves Rodrigues dos Santos

Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo - USP (São Paulo, SP, Br); Filiado ao Departamento de Psicologia Clínica (PSC) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - USP; Psicanalista; Professor e supervisor universitário no Centro Universitário de Santo André - UNI-A/Anhanguera (Santo André, SP, Br); Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - São Paulo (São Paulo, SP, Br).

Rua do Bosque, 286 - Vila Bastos

09040-280 Santo André, SP, Brasil

Fone: (11) 4438-8148

e-mail: leandroarsantos@uol.com.br

Transtornos do espectro do autismo

Silvia Cristina Rosas

Transtornos do espectro do autismo

Ceres Araújo e José Salomão Schwartzman (Orgs.)

São Paulo: Memnon, 2011

Além de agregar um conjunto de informações que atualizam o leitor sobre terminologias, pesquisas e intervenções relacionadas aos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), o livro o convoca ao exercício interdisciplinar, não na acepção que se refere a grupos de profissionais que atuam juntos, mas como atitude profissional, de intercomunicação entre saberes. Essa observação pode parecer simplista, uma vez que interdisciplinaridade é o termo do momento na área da saúde e da educação, mas a obra trata de assunto que, historicamente, tem gerado divergências entre profissionais, seja quanto à compreensão do fenômeno ou quanto à forma de tratamento. Representantes de áreas que, antes, pouco dialogavam se unem para, nesta obra, compartilhar seus conhecimentos com o público interessado no estudo e no tratamento dos TEA. E o tom da dinâmica interdisciplinar é dada, já, pela dupla de organizadores: Ceres Alves de Araújo (psicóloga de orientação junguiana) e José Salomão Schwartzman (médico neuropediatra), ambos com vasta experiência clínica e com publicações, individualmente, sobre o tema (O Processo de Individuação no Autismo e Autismo Infantil, respectivamente). A disponibilidade dos autores ao diálogo se evidencia na linguagem clara, mantida técnica, que utilizam; cada um, em sua especialidade, escreve para ser compreendido por especialistas de outras áreas.

E como que para não arranhar o caráter interdisciplinar da obra, os capítulos não são apresentados, como comumente ocorre, a partir de divisões em partes delimitadas por áreas de conhecimento ou por qualquer ordem que sugira hierarquia, mas sem perder, com isso, seu aspecto didático.

A apresentação geral do transtorno é explanada em, pode-se dizer, um primeiro bloco de capítulos que englobam de histórico à explicação do recente termo que dá título ao livro (TEA), da concepção psicanalítica aos achados genéticos, neurofisiológicos e neuroanatômicos em pessoas com TEA, com a conclusão de que a desordem é de origem orgânica e de etiologia multifatorial, o que dificulta sua reprodução em modelos animais para pesquisa nessa área. Inversamente à ordem em que se costuma apresentar qualquer condição, esse bloco se encerra com capítulo sobre estudos epidemiológicos, no qual a informação de que não existem dados epidemiológicos de TEA nos países em desenvolvimento revela o descompasso entre o investimento profissional de pesquisadores brasileiros e o empregado, na esfera governamental, no nosso país.

A próxima sequência de capítulos é de grande utilidade aos profissionais envolvidos com a rotina de familiares e/ou com o processo educacional e social de pessoas com TEA; intercalam-se a compreensão dos TEA nos aspectos familiar, psicológico (funcionamento psíquico, comportamental e cognitivo) e da linguagem, assim como os respectivos modelos de avaliação e de intervenção, além de informações sobre o tratamento psicofarmacológico. Desponta, entre essa sequência, o capítulo Tratamentos Controversos e Alternativos, como uma chamada ao olhar crítico que se deve ter frente a diversos tratamentos existentes; os alternativos, com algum respaldo teórico, mas sem estudos que reconheçam sua eficácia ou aqueles sem corpo teórico que os sustentem, e os controversos, que podem causar danos ao paciente. O capítulo deixa uma mensagem ao leitor: diante das evidências de pesquisas, de vários anos de experiências clínicas e de resultados comprovados em determinados modelos de intervenção, não deve mais haver espaço para especulações sem fundamento acerca dos TEA.

E ao ser finalizado, o livro surpreende. Após vários capítulos em que dialogam áreas do conhecimento científico envolvidas com o estudo ou com o tratamento dos TEA, a atitude interdisciplinar se amplia em conversa com uma forma de linguagem não científica: a Arte, especificamente, o cinema. Sem pretender analisar filmes, os autores enaltecem a importância do cinema ao retratar pessoas com TEA, e explicam que aumentar sua visibilidade ao público em geral pode contribuir com sua identificação e, consequentemente, com a diminuição do preconceito a que essas pessoas são submetidas, muitas vezes, por falta de informação.

TEA é leitura indicada a profissionais e estudantes da saúde e da educação, que queiram manter atualizados seus conhecimentos, e aprimorar sua prática, seja clínica ou educacional, e a interessados em conhecer o foco de estudo e de atuação de cada uma das áreas profissionais implicadas.

Silvia Cristina Rosas

e-mail: td@memnon.com.br

Cèline e a medicina

Fabiano Massarro Salvador

O que haveria de novo em um título como este figurando em uma revista científica internacional direcionada a questões psicopatológicas?

Ela inaugura um novo espaço dentro da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental - RLPF.

A ideia nasceu de conversas com o prof. dr. Manoel Tosta Berlinck, Editor Responsável da RLPF. A literatura é, como se sabe, a mais rica fonte de saberes psicopatológicos levando em consideração a subjetividade, e nossa revista ganharia muito se apresentasse textos de cunho literário sem perder de vista o seu eixo norteador.

Sigmund Freud, por exemplo, apresentou e elaborou ideias muito importantes partindo da literatura. Basta lembrar os benéficos usos que fez das ideias de J. W. Goethe, Heinrich Heine, Romain Rolland, Wilhelm Jensen, Fiódor Dostoiévski, E.T.A. Hoffmannn, dentre outros. Uma das riquezas da psicopatologia fundamental - e da psicanálise - é possuir, em suas tradições, justamente tal aspecto: o de estabelecer interfaces com diferentes saberes, inclusive os artísticos, e não se restringir tão somente ao estudo de sinais e sintomas mentais. Afinal, não existe um único saber capaz de compreender o pathos psíquico. Por essa e outras razões não será proposto nesta seção um retorno a Freud e sim um retorno à literatura.

Orientado por esse pensamento no decurso da minha formação, sempre procurei, talvez por teimosia, mas também por desejo, saber mais acerca daquilo que me era apresentado. O interesse pelas origens, bem como o temor acerca das mesmas, pode ser intensa motivação sublimadora realizada por incessante pesquisa. Sempre achei as teorias e descobertas dos autores das áreas em referência muito estimulantes e possuidoras de um alcance impossível de inferir. Porém, sempre tive, também, a impressão que faltava algo, queria saber o que havia antes de tais ideias possuírem o status de verdade científica, bem como, por que outras teorias não tinham uma envergadura como as mais famigeradas? Assim fui traçando um caminho paralelo de pesquisa. Lia o recomendado, mas também aquilo que nas minhas caminhadas por bibliotecas, livrarias e sebos, muitas vezes saltava aos meus olhos.

Percorrendo bibliotecas e lojas de livros descobri muitas coisas. Possuindo um amor quase patológico por eles, vejo-os como guardiões de grandes descobertas. Talvez por ter a psicanálise como eixo norteador em minha prática clínica, os assuntos chamando minha atenção são de largo espectro. Atento sempre para notas de rodapé. Elas não passam incólumes por mim, pois é por meio delas que descubro verdadeiros tesouros. Afora a formação científica, meu interesse recai principalmente por romances. Destaco em especial autores russos, alemães e franceses.

É sobre a obra de um deles que falarei agora.

O autor em questão é Louis Ferdinand Cèline (1894-1961). Considero esta escolha feliz por algumas razões. Cèline foi figura bastante controversa, perspicaz e dotado de uma qualidade estilística bastante original. Romancista famoso, antissemita confesso, destruidor de verdades prontas, médico e profundo conhecedor das mazelas humanas, sobretudo as que têm como elementos constitutivos os moralismos de sua época. Todas essas questões estão presentes em livros como: Morte a crédito (1951), Viagem ao fim da noite (1952), De castelo em castelo (1957) e Norte (1960), para citar os mais conhecidos, todos publicados no Brasil.

Eles impressionam bastante, aqui e ali podem ser áridos, de tons quase confessionais e repletos de neologismos. Essas obras ecoam em mim há muito tempo.

Porém, tinha notícia da existência de outro livro de Cèline. Pouco sabia sobre ele, pois estava esgotado. Sabia, entretanto, que era sua tese de medicina. Dei início, então, a uma diligente peregrinação por livrarias e sebos até encontrá-lo e o persistente esforço não foi em vão.

Esse pequeno livro de exatas 147 páginas publicado em 1952 (talvez antes de Viagem, considerada sua opus magnum) narra a interessante história de um médico húngaro. A tese de Cèline se intitula A vida e a obra de Semmelweis e é um belíssimo livro.

Oferece ao leitor um panorama muito esclarecedor de como era praticada a ciência médica na Europa Central em meados de 1845, sobretudo na Hungria e na Áustria, na época pertencentes à monarquia habsburga sob os auspícios de Franz Josef. Afora mostrar esse rico universo onde a medicina era tida como de ponta, Cèline traz a baila importantes nomes dentro da história da medicina como: Rokitansky, Hebra, Heller, Helm e Skoda. Este último chefe-diretor do Hospital Geral de Viena. É importante salientar que médicos vindos de vários países (em especial EUA), aportavam em Viena para especializarem-se com os vienenses.

Cèline, numa prosa por vezes poética e irônica, descreve um universo científico sob o signo da dualidade. Universo este repleto de avanços e recuos, temores e audácias.

Esta última qualidade - a audácia - encontra-se no espírito do médico húngaro Ignác Fülöp Semmelweis. O caminho percorrido por Semmelweis foi bastante difícil. Jovem, parte para Viena para estudar medicina, cidade ímpar no que dizia respeito a pesquisas científicas. Seu contato com a medicina foi bastante intenso. Homem sensível, Semmelweis deixava-se afetar por quaisquer brincadeiras que seus colegas fizessem com ele. Tais brincadeiras frequentemente tinham origem no forte sotaque húngaro do personagem. O mesmo confidenciava aos pais seu descontentamento com o universo vienense. Sentia-se deslocado. Apaixonado pela música desde cedo, deixara para trás a musicalidade húngara para adentrar no melancólico e frio universo da capital do Sacro Império dos Habsburgos.

Certa feita Semmelweis tem uma crise nervosa e retorna a Budapeste. Lá se interessa pelas plantas e, influenciado por seus estudos, escreve tese de medicina de doze páginas levando o título de A vida das plantas. Apresenta-a, é aprovado e inicia atividade médica. Seu modelo era Skoda, achava-o brilhante. Tentou ser seu assistente, mas não teve sucesso. Era muito jovem. No lugar de Skoda torna-se assistente de Klin, médico responsável pela maternidade do Hospital Geral de Viena. É com esse médico que Semmelweis passa por situações muito difíceis, sobretudo por acreditar ser vítima de perseguições de Klin e seus seguidores.

Estas são algumas das questões abordadas na tese de Cèline. Mas a grande querela refere-se à morte de um sem número de parturientes com febre puerperal ocorrendo na metade do século XIX. Semmelweis começa a observar seus colegas, e nota que, após empreenderem estudos anatômicos e dissecações de cadáveres, examinavam mulheres que haviam dado à luz, ou estavam em vias de dar. Semmelweis nota, também, o altíssimo índice de mortalidade das parturientes. Segundo o médico era mais seguro dar à luz na rua do que no hospital.

O jovem médico, após pensar demoradamente sobre suas observações, atina que as partículas cadavéricas imperceptíveis a olho nu, mas não ao olfato, eram as causadoras das mortes, pelo simples ou não tão simples fato de os médicos não terem o hábito de lavarem as mãos. Mesmo Viena sendo uma espécie de modelo de prática de medicina, os colegas de Semmelweis apresentavam inúmeras resistências às suas observações. Até médicos de outros países não acreditavam nas ideias de Semmelweis, mesmo com a taxa de mortalidade caindo para pífios 0,23%. Com a instalação de pias de cobre e a desodorização das mãos dos médicos com cloreto de cal, Semmelweis instituiu uma nova maneira de se pensar a higiene e a vida.

A batalha de Semmelweis foi longa e árdua. Foi literalmente uma viagem ao fim da noite. Para aqueles que ainda lerão esta obra de Cèline é interessante notar como Viena possuía um decoro e uma moralidade ingentes, uma vez que os médicos seguidores de Klin acreditavam que muitas das mortes tinham uma etiologia bastante peculiar. Alegavam que os óbitos ocorriam por serem mulheres solteiras, pobres e de moralidades questionáveis.

Podemos imaginar que resistências seriam combatidas por Sigmund Freud décadas depois. Ou seja, apesar de Semmelweis não ter empreendido uma luta contra patologias mentais, foi um adversário feroz da morte e da estupidez que rondava os hospitais da época. Sua coragem, suponho, influenciou muitos a seguirem seu caminho. Caminho dos vitoriosos, construído numa relação dialética, de ódio, admiração e, finalmente, aceitação.

Fabiano Massarro Salvador

Psicólogo Clínico na Estância Morro Grande Clínica de Reabilitação Social (Ibiúna, SP, Br).

Av. Regente Feijó, 1000 - Jd. Anália Franco

03342-000 São Paulo, SP, Brasil

e-mail: massarro@ig.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2011
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