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Utilização do biocarvão de bagaço de laranja na remoção de tetraciclina em água residuária

Use of orange bagasse biocarbon for the removal of tetracycline in wastewater

RESUMO

Diversos estudos têm relatado a presença de micropoluentes emergentes em níveis de traços em diversas partes do mundo, sendo encontrados em esgotos sanitários, efluentes hospitalares, efluentes industriais, águas superficiais, ambientes marinhos e sedimentos. Neste contexto, o presente artigo se baseou no estudo da capacidade de remoção da tetraciclina nos efluentes utilizando um tratamento terciário à base de biocarvão de bagaço de laranja. A metodologia foi baseada no estudo das interações com o fármaco e na aplicação em efluentes domésticos. O modelo de Langmuir foi o que melhor se adaptou ao biocarvão, configurando adsorção de natureza física, favorável para o processo de dessorção. O modelo cinético que mais se ajustou foi o de pseudo-segunda ordem e o tempo de equilíbrio estimado para o biocarvão foi de oito minutos. O método espectrofotométrico apresentou-se seguro, econômico e viável para monitoramento do processo adsortivo. O biocarvão teve capacidade de adsorção da tetraciclina de 100% em águas residuárias domésticas e a eficiência da filtração com biocarvão foi em média 25% maior do que com o carvão comercial. Diante do exposto conclui-se a possibilidade de conversão de um resíduo da agroindústria de baixo valor e sem destinação apropriada, em um produto de valor agregado, o biocarvão do bagaço da laranja, a ser utilizado como tratamento terciário para o reuso de efluentes na irrigação de culturas e como adsorvente para remoção da tetraciclina em águas residuárias domésticas.

Palavras-chave
Biochar; Efluentes; Fármacos

ABSTRACT

Several studies have reported the presence of emerging micro pollutants at trace levels in different parts of the world, being found in sanitary sewers, hospital effluents, industrial effluents, surface waters, marine environments and sediments. In this context, this article was based on the study of the ability to remove tetracycline in effluents using a tertiary treatment based on bio-charcoal from orange pomace. The methodology was based on the study of interactions with the drug and the application in domestic effluents. Langmuir's model was the one that best adapted to the biochar, configuring adsorption of physical nature, favorable for the desorption process. The most adjusted kinetic model was the pseudo-second order and the estimated equilibrium time for the biochar was eight minutes. The spectrophotometric method proved to be safe, economical and viable for monitoring the adsorptive process. The biochar had a tetracycline adsorption capacity of 100% in domestic wastewater and the efficiency of filtration with biochar was on average 25% higher than with commercial coal. In view of the above, the possibility of converting a low-value agroindustrial residue to a value-added product, the orange bagasse biocarbon, to be used as a tertiary treatment for the reuse of effluents in irrigation is concluded of cultures and as an adsorbent for tetracycline removal in domestic wastewater.

Keywords
Biochar; Effluents; Drugs

1. INTRODUÇÃO

O avanço tecnológico ocorrido a partir da 2a Grande Guerra Mundial introduziu no mercado uma ampla variedade de substâncias ou compostos químicos utilizados cotidianamente, como medicamentos, produtos de higiene pessoal e defensivos agrícolas, no intuito de proporcionar maior qualidade de vida ao ser humano. Porém, conforme o Programa de Pesquisa em Saneamento Básico [11 PROSAB. Programa de Pesquisa em Saneamento Básico. Remoção de microrganismos emergentes e micro contaminantes orgânicos no tratamento de água para consumo humano. In: PÁDUA, V. L. (Coord.) Desenvolvimento e otimização de tecnologias de tratamento de águas para abastecimento público, que estejam poluídas com microrganismos, toxinas e micro contaminantes. Rio de Janeiro: ABES. 2009. 392 p.], a presença desses contaminantes emergentes no meio ambiente, tem causado prejuízos cumulativos à fauna, à flora e ao próprio homem.

Dentre os micropoluentes emergentes, os fármacos têm lugar de destaque em função da variedade de substâncias e de sua disseminação ambiental via esgoto in natura. Das classes dos fármacos, os antibióticos se destacam por apresentarem um crescimento vertiginoso do consumo mundial. Conforme a Fundação Fio Cruz [22 FUNDAÇÃO FIO CRUZ. Rumo à era pós-antibiótico. 2015. Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/pt-br/content/rumo-ra-pos-antibiotico>, Acesso em: 23 set. 2019.
<https://portal.fiocruz.br/pt-br/content...
] e a revista científica The Lancet informam, entre os anos de 2000 e 2010, o consumo de antibióticos aumentou em 76% em países dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

HOMEM e SANTOS [33 HOMEM, V.; SANTOS, L. “Degradation and removal methods of antibiotics from aqueous matrices–a review”. Journal of environmental management, v. 92, n. 10, pp. 2304-2347, 2011.] citam que há uma crescente preocupação da comunidade científica com a presença de micropoluentes emergentes em ambientes aquáticos (principal rota de potencial contaminação) e seus possíveis impactos ambientais, pois pouco é conhecido sobre o efeito dessas substâncias no meio ambiente.

Conforme SANTOS et al. [44 SANTOS, L.V.D.S., JACOB, R.S., LANGE, L.C., et al., “Estudo da biodegradabilidade de fluoroquinolona por meio da utilização de biomassas aeróbias e anaeróbias”. Engenharia Sanitaria e Ambiental, v. 25, n. 1, pp. 69-77, 2020.], o consumo global de medicamentos em 2020 deve atingir 4,5 trilhões de doses, representando aumento de 24% em relação a 2015. Portanto, elevada ênfase tem sido dada a avaliação de impacto no meio ambiente através de dados ecotoxicológicos. Segundo TERNES et al. [55 TERNES, T.A.; GIGER, W.; JOSS, A. Introduction. In: TERNES, T. A.; JOSS, A. Human Pharmaceuticals, Hormones and Fragrances: The challenge of micropollutants in urban water management. London: IWA Publishing, 2006.] E REEMTSMA et al. [66 REEMTSMA, T., WEISS, S., MUELLER, J., et al., “Polar pollutants entry into the water cycle by municipal wastewater: a European perspective”. Environmental science & technology, v.40, n. 17, p. 5451-5458, 2006.], o desenvolvimento adequado de pesquisas poderá determinar que alguns destes poluentes emergentes sejam incluídos nos programas de monitoramento e até mesmo tenham seus limites legais estabelecidos no futuro.

AQUINO et al. [77 AQUINO, S.F.; BRANDT, E.M.F.; CHERNICHARO, C.A. L. “Remoção de fármacos e desreguladores endócrinos em estacoes de tratamento de esgoto: revisão da literatura”. Engenharia Sanitaria e Ambiental, v. 18, n. 3, pp. 187-204, 2013.] citam que estudos acerca dos micropoluentes emergentes surgiram devido a acontecimentos que estiveram relacionados aos efeitos da exposição de seres humanos e animais aos compostos em questão em todo o mundo. Já BORGES et al. [88 BORGES, R.M., MINILLO, A., LEMOS, E.G. de M., et al.,” Uso de filtros de carvão ativado granular associado a microrganismos para remoção de fármacos no tratamento de água de abastecimento”. Engenharia Sanitaria e Ambiental, v. 21, n. 4, pp. 709-720, 2016.] complementam que alguns compostos emergentes causam efeitos em nível bioquímico, com consequências sobre o sistema endócrino e, em alguns casos, podem acarretar deficiência no sistema imunológico, carcinogenia e mutagenia.

Exemplos podem ser citados como a incidência de câncer no sistema reprodutor de filhas de mulheres que utilizaram o dietilestilbestrol entre os anos de 1940 a 1970, composto destinado a redução do risco de aborto em gestantes, declínio da qualidade do sêmen em homens nos anos de 1938 a 1990, em animais silvestre destaca-se o episódio onde foram observadas anomalias no sistema reprodutor de jacarés devido à contaminação com o pesticida DDT (2,2 bis-p-clorofenil-1,1,1-tricloroetano) e seu metabólito DDE (2,2 bis-p-clorofenil-1,1-dicloroetileno) e vários eventos foram observados também na feminização de peixes oriundo à presença de hormônios naturais femininos ou substâncias que as mimetizam, como o 17β-estradiol e dos alquilfenóis, presentes nos efluentes das ETE [55 TERNES, T.A.; GIGER, W.; JOSS, A. Introduction. In: TERNES, T. A.; JOSS, A. Human Pharmaceuticals, Hormones and Fragrances: The challenge of micropollutants in urban water management. London: IWA Publishing, 2006.].

A situação passa a ser mais preocupante quando se constata que diariamente milhões de toneladas de efluentes, sem tratamento adequado, são despejados nas águas em todo o mundo, acarretando na degradação e contribuindo com a contaminação dos recursos hídricos [11 PROSAB. Programa de Pesquisa em Saneamento Básico. Remoção de microrganismos emergentes e micro contaminantes orgânicos no tratamento de água para consumo humano. In: PÁDUA, V. L. (Coord.) Desenvolvimento e otimização de tecnologias de tratamento de águas para abastecimento público, que estejam poluídas com microrganismos, toxinas e micro contaminantes. Rio de Janeiro: ABES. 2009. 392 p.]. Além disso, o programa ressalta que os serviços de coleta e tratamento de esgotos no Brasil, ainda se apresentam sob forma precária e as atividades agrícolas são intensas, podendo-se concluir que além da presença de compostos orgânicos da classe dos micropoluentes emergentes nos mananciais de água, os níveis de concentração podem ser significativamente mais elevados do que os observados nos países desenvolvidos.

BOTTONI e CAROLI [99 BOTTONI, P.; CAROLI, S. “Presence of residues and metabolites of pharmaceuticals in environmental compartments, food commodities and workplaces: A review spanning the three-year period 2014–2016”. Microchemical Journal, v. 136, pp. 2-24, 2018.] citam que esses micropoluentes emergentes podem ser eliminados ou convertidos no meio ambiente por diferentes formas de tratamento complementares. Estudos recentes apontam os processos oxidativos avançados [1010 MICHAEL-KORDATOU, I.; KARAOLIA, P.; FATTA-KASSINOS, D. “The role of operating parameters and oxidative damage mechanisms of advanced chemical oxidation processes in the combat against antibiotic-resistant bacteria and resistance genes present in urban wastewater”. Water research, v. 129, pp. 208-230, 2018.], filtração em carvão ativado [1111 BENSTOEM, F., NAHRSTEDT, A., BOEHLER, M., et al., “Performance of granular activated carbon to remove micropollutants from municipal wastewater - a meta-analysis of pilot-and large-scale studies”. Chemosphere, v. 185, pp. 105-118, 2017.], processos com membranas de nanofiltração, osmose reversa [1212 LIMA, D.R., AFONSO, R.J., LIBÂNIO, M., et al., “Avaliação da remoção de fármacos e de desreguladores endócrinos em águas de abastecimento por clarificação em escala de bancada”. Química Nova, v. 37, n. 5, pp. 783-788, 2014., 1313 SHANMUGANATHAN, S., LOGANATHAN, P., KAZNER, C., et al., “Submerged membrane filtration adsorption hybrid system for the removal of organic micropollutants from a water reclamation plant reverse osmosis concentrate”. Desalination, v.401, pp. 134-141, 2017.] e processos com cloração como alternativas promissoras e mais eficazes [1414 NOUTSOPOULOS, C., KOUMAKI, E., MAMAIS, D., et al., “Removal of endocrine disruptors and non-steroidal anti-inflammatory drugs through wastewater chlorination: the effect of pH, total suspended solids and humic acids and identification of degradation by-products”. Chemosphere, v. 119, pp. 109-114, 2015.].

O processo físico-químico da adsorção pode ser empregado na remoção de poluentes com eficácia, a exemplo do uso de carvão ativado no tratamento de águas residuais, sendo muitas vezes considerado superior às demais técnicas, inclusive por poder operar com baixo custo e poder ser integrado com outros sistemas [1515 LIMA, E.C. “Removal of emerging contaminants from the environment by adsorption”. Ecotoxicology and environmental safety, v. 150, pp. 1-17, 2018.]. Os processos adsortivos proporcionam uma proposta promissora, eficiente, economicamente viável, ecologicamente sustentável, e vêm despertando interesses em relação à pesquisa de novos materiais que possam ser utilizados como adsorventes, principalmente em relação à bioadsorção. Neste sentido, o estudo de novas fontes para produção de biossorventes sugere a utilização de resíduos agrícolas como alternativa ao carvão de origem florestal, no qual pode-se citar estudos com fibra de coco e de cana de açúcar para remoção de corantes [1616 MERCI, A., REZENDE, M.I., CONSTANTINO, L.V. Avaliação de diferentes fatores na remoção de remazol brilliant blue de soluções aquosas por adsorção em fibras de cana de açúcar e coco verde. Matéria (Rio de Janeiro), v. 24, n. 3, 2019.], com a utilização de carvão ativado de dendê in natura na adsorção de paracetamol [1717 FERREIRA, R.C., LIMA, H.H.C.D., COUTO JUNIOR, O.M., et al. Utilização de carvão ativado de dendê in natura e funcionalizado em meio ácido na adsorção de paracetamol. Matéria (Rio de Janeiro), v. 23, n. 1, 2018.], com a utilização da farinha da casca da banana como bioadsorvente de metais pesados [1818 LEANDRO-SILVA, E., PIPI, A.R.F., MAGDALENA, A.G., et al. Aplicação dos modelos de Langmuir e Freundlich no estudo da casca de banana como bioadsorvente de cobre (II) em meio aquoso. Matéria (Rio de Janeiro), v. 25, n. 2, 2020.] e até estudos adsortivos para dessulfurização de combustíveis utilizando a fibra de coco [1919 NASCIMENTO, J.D.L., MAGALHÃES JÚNIOR, G.A., PORTELA, R.R., et al. Aplicação de processo adsortivo para dessulfurização de combustíveis utilizando fibra de coco como adsorvente. Matéria (Rio de Janeiro), v. 24, n. 3, 2019.].

Dados do Ministério da Agricultura indicam que anualmente o Brasil é o responsável por 18 milhões de toneladas ou cerca de 30% da safra mundial da laranja. Conforme FIORENTIN et al. [2020 FIORENTIN, L.D., MENON, B.T., de BARROS, S.T., et al., “Isotermas de sorção do resíduo agroindustrial bagaço de laranja”. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 14, n. 6, pp. 653-659, 2010.], o resíduo da laranja pode causar muitos problemas econômicos e ambientais devido principalmente à sua elevada fermentação. Usualmente, parte do bagaço tem sido empregado como aditivo na alimentação de ruminantes na forma de ensilagem. Contudo, a indústria possui interesse em desenvolver novas aplicações para o bagaço da laranja, destacando-se a utilização deste material como adsorvente no tratamento de efluentes. Alguns estudos já foram realizados com o bagaço da laranja como adsorvente nas indústrias de lavagens de jeans [2121 STRÖHER, A.P., MENEZES, M.L., FIORENTIN, L.D., et al. Utilização do bagaço de laranja no tratamento de efluente proveniente da lavagem de jeans. e-xacta, v. 5, n. 1, 2012.], bem como estudos voltados à produção do biocarvão à base do bagaço da laranja [2222 FIORENTIN, L.D., MENON, B.T., ALVES, et al. Determinação da cinética e das isotermas de secagem do bagaço da laranja. Acta Scientiarum. Technology, v. 32, n. 2, p. 147-152, 2010.].

Desta maneira, o objetivo do presente artigo consiste na utilização de um biocarvão à base do bagaço da laranja como sistema terciário de tratamento de água residuária e investigar a capacidade de remoção desse sistema terciário de baixo custo combinado com um sistema secundário de baixo custo para o fármaco tetraciclina.

MATERIAIS E MÉTODOS

A água residuária utilizada no presente artigo foi proveniente da Estação de Tratamento de Esgoto do bairro Rosa Elze, no município de São Cristóvão, estado de Sergipe. A ETE trata as águas residuárias geradas pelos bairros do Rosa Elze e do Eduardo Gomes, atuando com vazão aproximada de 7,6 L s-1, composta por cinco lagoas de estabilização disposta em série, sendo duas facultativas e três de maturação perfazendo uma área total de 29.650 m2 [2323 CARVALHO, R.S., SANTOS FILHO, J.S., SANTANA, L.O.G., et al., “Influência do reuso de águas residuárias na qualidade microbiológica do girassol destinado à alimentação animal”. Ambi-Água, Taubaté, v. 8, n. 2, pp. 157-167, 2013.].

Amostras das águas residuárias foram coletadas à jusante do sistema de tratamento (in natura) e transportadas semanalmente até o Laboratório de Química Ambiental da Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, em recipiente plástico, tipo PEAD (polietileno de alta densidade) de 10 litros com tampa e acondicionada em reservatórios plásticos de 5 litros com tampa em refrigerador em temperatura média entre 6 a 10oC. Todo o procedimento de coleta das águas residuárias foi baseado conforme os protocolos internos do ITPS (Instituto Tecnológico e de Pesquisas do Estado de Sergipe), órgão devidamente credenciado pelo INMETRO.

Como as amostras de efluentes domésticos tratados coletados in natura à jusante da ETE Rosa Elze apresentaram concentração de tetraciclina em estudo abaixo dos limites de detecção, foi necessário para a realização dos testes, enriquecer o efluente com concentrações conhecidas do fármaco para realização dos ensaios de adsorção.

2.1 Interações com fármaco

Todas as análises com o fármaco tetraciclina foram realizadas através da espectrofotometria UV – Vis no Laboratório de Química Ambiental da Universidade Federal de Sergipe com o espectrofotômetro marca Biochrom. A tetraciclina produzida pelaSigma-Aldrich possui estrutura molecular conforme a Figura 1 (C22H24N2O8).

Figura 1
Estrutura molecular da tetraciclina (C22H24N2O8; PM: 444,435 g mol-1; PE: 790,622 ºC).

Para preparação e quantificação da tetraciclina foram preparadas soluções aquosas na concentração de 0,44 mg L-1 . A análise desta solução por espectrofotometria de absorção molecular indica que a tetraciclina absorve em 273 nm e 357 nm. As soluções de tetraciclina foram preparadas em concentrações adequadas a cada tipo de experimentos em um intervalo entre 222,22 mg L-1 e 0,44 mg L-1 . Esta faixa de concentração foi escolhida em função de ensaios preliminares relacionados a sensibilidade do método analítico para análise deste fármaco.

A curva de calibração utilizada na quantificação do fármaco foi desenvolvida seguindo o método de validação de proposta pelo INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) revisado em 2016, conforme o seguinte procedimento:

  • Linearidade:

    A curva de calibração foi obtida em função da média de sete experimentos empregando uma série de diluição, neste caso, na ordem de 44,4 mg L-1 a 0,44 mg L-1 visando a obtenção de um comportamento linear da concentração do fármaco em função da absorbância como definição da faixa de trabalho analiticamente válida para a quantificação.

  • Precisão:

    A precisão é um importante critério de validação, pois representa a repetibilidade e reprodutibilidade dos resultados obtidos a partir de um método de análise. Neste estudo a precisão foi expressa através do coeficiente de variação (CV) das medidas de absorbância em cada concentração, no comprimento de onda de 273 nm. O coeficiente de variação é calculado a partir dos valores de média e desvio, conforme a Equação 01

CV   =   s / x * 100 (1)

Onde:

s = desvio-padrão das medidas de absorbância;

x = concentração média determinada.

• Limite de Detecção (LD):

O limite de detecção foi obtido a partir do método simplificado onde o parâmetro é definido em função da Equação 02:

LD   =   3 , 3 s / b (2)

Onde:

s = desvio-padrão da leitura dos brancos;

b = coeficiente angular da curva analítica.

• Limite de Quantificação (LQ):

Em leituras do branco com adição de concentrações variadas do analito próximas ao Limite de Detecção foram obtidos os valores do desvio padrão de sete repetições em função da concentração do analito e atribuído o valor de LQ, calculado a partir da Equação 03:

LQ   =   10 s / b (3)

Onde:

s = desvio-padrão da leitura dos brancos;

b = coeficiente angular da curva analítica.

• Robustez

A robustez do método foi avaliada na medição dos valores de absorbância no comprimento de onda de 273 nm da solução de fármaco na concentração de 222,2 mg L-1 em diferentes condições de temperatura, pH e força iônica. Para as leituras de diferentes temperaturas foi empregado o método de banho maria para aquecimento e resfriamento por gelo. O pH da solução foi modificado utilizando NaOH e HNO3 em concentrações de 0,01 mol L-1. Para a variação de força iônica na solução foi utilizada soluções de NaCl em concentrações de 0,01 a 0,10 mol L-1 e medidas de condutividade elétrica.

  • Influência de pH:

    O efeito de pH no processo de adsorção foi analisado nas faixas de 4, 7 e 10 (respectivamente: básico, neutro e ácido). Para o ajuste da fase ácida e básica foram adicionados soluções de ácido clorídrico e hidróxido de sódio, respectivamente, em erlenmeyers com 25 mL da solução de tetraciclina (44,4 mg L-1) e massa de carvão igual à 0,5 grama.

  • Influência da temperatura:

    Os ensaios de adsorção foram conduzidos nas temperaturas de 25, 30, 35 ºC. Mantendo as condições de agitação, concentração do analito no volume de 25 mL e massa de reagentes iguais à 200 rpm, 44,4 mg L-1, massa de 0,5 grama.

  • Isotermas de adsorção:

    Para avaliar a capacidade adsortiva do biocarvão e determinar a melhor isoterma para o processo em questão, ensaios de adsorção foram realizados nas condições de agitação igual a 200 rpm, volume de 25 mL da solução de tetraciclina (59,10 mg L-1), e temperatura de 25 ºC, variando apenas a massa de biocarvão em valores de 0,03 a 0,5 grama. Os dados obtidos foram tratados de acordo com a revisão da literatura de modo a diagnosticar a natureza do processo de adsorção.

  • Cinética de adsorção:

    Para análise da cinética do processo de adsorção foram realizados ensaios com o volume de 25 mL da solução de analito na concentração de 66,7 mg L-1 em contato com massa de carvão ativado igual à 30 mg em erlenmeyers. Foi observado o decaimento da concentração da solução até o equilíbrio, ao obter a absorbância de amostras retiradas em intervalos de tempo pré-determinados. Após, foi feito o ajuste dos dados aos modelos matemáticos cinéticos de Pseudo-Primeira e Pseudo-Segunda ordem.

2.2 Aplicação em efluentes domésticos

Para análise da remoção de fármaco pelo adsorvente, utilizamos como matriz um efluente de ETE em pH natural e contendo 44,4 mg L de tetraciclina. O processo de filtragem foi realizado até a obtenção de uma amostra filtrada com volume equivalente a 50 ml. Após a obtenção das amostras filtradas e para efeito de comparação, foram realizadas medidas espectrofotométricas de amostras em três situações diferentes:

  1. Efluente direto da ETE;

  2. Efluente com tetraciclina com concentração de 1 10-4 mol L-1;

  3. Efluente com tetraciclina com concentração de 1 10-4 mol L-1 após filtragem com biocarvão.

Para cada amostra citada foram traçados espectros na faixa de UV-visível em um intervalo de varrimento entre 200 a 700 nm. O procedimento basicamente consistiu na leitura do espectro amostral, no qual uma parte da radiação é absorvida seletivamente pela amostra de acordo com a sua estrutura molecular e atômica, conferindo a presença ou não de determinada(s) substância(s) nas amostras, observados nos gráficos absorbância versus comprimento de onda.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Ensaios de Adsorção

Determinação e quantificação da tetraciclina:

Na Figura 2 é possível observar que o aumento da concentração promove um aumento proporcional na absorbância. Esse comportamento do sistema pode ser descrito pela Lei de Lambert-Beer, segundo a qual e sob determinadas condições experimentais, a absorbância é diretamente proporcional à concentração da espécie e ao caminho ótico percorrido pelo feixe de luz incidente.

Figura 2
Espectro de absorção da tetraciclina*

Portanto, é possível a determinação de uma faixa de trabalho em que a resposta da absorbância em função da concentração da espécie apresenta um comportamento linear, esse gráfico é denominado de curva de calibração. Essa curva (Figura 3) obedece a equação da reta, y = ax + b, em que “y” é absorbância, “x” é a concentração, “a” o coeficiente angular e “b” o coeficiente linear. O coeficiente linear também é chamado de sensibilidade.

Figura 3
Curva analítica para a tetraciclina

A curva analítica é o resultado da média de sete repetições (n=7) e pode ser expressa pela equação y= 0,0322x+ 0,088 (r2 = 0,9996, n=7). O limite de detecção (LD), para um número de sete amostras corresponde a concentração de 0,095 mg.L-1, por sua vez o limite de quantificação (LQ) foi definido como 0,29 mg.L-1. A precisão do método pode ser expressa pelo coeficiente de variação, que é da ordem de 0,54 %, o que demonstra o valor de precisão aceitável para a faixa de concentração estudada.

Nos ensaios de robustez, a espectrofotometria de absorção molecular mostrou a variação do valor de absorbância para uma concentração de 44,44 mg L-1 em função da modificação das condições de temperatura, de força iônica e de pH.

A partir dos dados da Tabela 1, podemos quantificar a diminuição da absorbância em função do aumento de 3oC na temperatura que pode ser descrita pela equação y = -0,0099x + 0,7362 (r2 = 0,1832). Por sua vez o aumento da força iônica estabilizou o valor de absorbância na faixa de 0,02 a 0,08 mol L-1 de NaCl e teve uma variação muito pequena, já o pH indicou aumento da absorbância do meio ácido para o neutro igual a 13,70%. Os testes indicaram que o método apresenta uma adequada robustez frente a pequenas variaçõedas condições experimentais.

Tabela 1
Ensaio da robustez do sinal analítico da tetraciclina em diferentes condições da análise* * para concentração de 44,44 mg L-1 de tetraciclina. .

3.2 Processo de adsorção

O teste de capacidade de remoção da tetraciclina pela adsorção no carvão ativado do bagaço da laranja foi realizado com massas de biocarvão variando entre 0,03 a 0,5 gramas em contato com 25 mL de solução de tetraciclina em concentração inicial de 59,11 mg L-1 durante 10 minutos em shaker com agitação de 200 rpm. Na Tabela 2 constam os valores de massa do carvão correspondente à sua capacidade de remoção do fármaco.

Tabela 2
Porcentagem de remoção da tetraciclina e função da massa de biocarvão.

De acordo com os resultados obtidos, o aumento da massa de biocarvão resultou em maior eficiência na redução do fármaco livre em solução, fato explicado pela proporcionalidade direta entre o quantitativo de carvão e o volume de poros e/ou de centros ativos do mesmo que ficam à disposição para a adsorção [2424 RODRIGUES, S.L. “Remoção em fase líquida do fármaco Diclofenac por adsorção em biocarvão”. Dissertação de M. Sc., PPGEQB/UNL, Lisboa, Portugal, 2015.]. Para maior compreensão do processo de adsorção aqui estudado foi realizado o teste da cinética em condições de menor velocidade para alcance do equilíbrio do sistema, visando oportunizar a coleta de dados sobre a cinética envolvida. Na Figura 4, a porcentagem de tetraciclina adsorvida no biosorvente está em função do tempo de contato até o alcance do equilíbrio.

Figura 4
Comportamento da concentração de tetraciclina em função do tempo de adsorção.

3.3 Isotermas de Adsorção

Ao tratar os dados do teste de capacidade adsortiva do biocarvão do bagaço da laranja foi possível analisar quais as condições cinéticas do processo de adsorção da tetraciclina. A Tabela 3 apresenta os valores dos parâmetros dos modelos de isoterma Langmuir e Freundlich e as Figuras 5 e 6, os ajustes lineares para cada isoterma, respectivamente.

Figura 5
Ajuste para isoterma de adsorção de Langmuir.
Figura 6
Ajuste para a isoterma de adsorção de Freundlich.
Tabela 3
Valores dos parâmetros para as equações da isoterma de Langmuir e Freundlich

De acordo com os coeficientes de correlação (R2) para cada ajuste, a isoterma que melhor representa o processo de adsorção é a de Langmuir, que obteve o valor mais próximo de 1. Resultado contrário aos realizados com o biocarvão do bagaço da laranja para adsorção de ácido acético [2525 MARTINI, P.R.R. “Conversão pirolítica de bagaço residual da indústria de suco de laranja e caracterização química dos produtos”. Dissertação de M. Sc., PPGQ/UFSM, Santa Maria, RS, Brasil, 2009.] e corroborado com os experimentos de [2626 SANTOS, C.M. “Uso de cascas de laranja como adsorvente de contaminantes no tratamento de água”. Dissertação de M. Sc., PPGCA/UEP, Sorocaba, SP, Brasil, 2015.] com biocarvão de cascas de laranja para remoção de contaminantes inorgânicos Zinco (Zn), Alumínio (Al), Cádmio (Cd), Cobre (Cu), Níquel (Ni) e Chumbo (Pb) e do orgânico Etilbenzeno e [2727 ARAÚJO, L.S., COUTINHO, A.R., ALVAREZ-MENDEZ, M.O., et al., “Caracterização e avaliação de fatores que determinam a remoção de microcistina-LR em carvão ativado granular produzido a partir de diferentes matérias-primas”. Engenharia Sanitaria e Ambiental, v. 23, n. 6, pp. 1131-1142, 2018.] com carvão ativado granular. Segundo este modelo, estamos partindo dos pressupostos que a adsorção acontece em monocamadas, com sítios ativos do carvão em igual afinidade pelo adsorvato, em que as interferências na adsorção de sítios vizinhos são desprezadas, e uma das características importantes para o presente artigo é que a isoterma de Langmuir indica que a adsorção é reversível [2828 TCHOBANOGLOUS, G., BURTON, F.L., STENSEL, H.D. Wastewater Engineering: Treatment and Reuse. 1.819 p. 3a Edição. McGraw-Hill. New York, 2003., 1818 LEANDRO-SILVA, E., PIPI, A.R.F., MAGDALENA, A.G., et al. Aplicação dos modelos de Langmuir e Freundlich no estudo da casca de banana como bioadsorvente de cobre (II) em meio aquoso. Matéria (Rio de Janeiro), v. 25, n. 2, 2020.].

3.4 Cinética de Adsorção

É possível notar que o equilíbrio da reação acontece em oito minutos (de acordo do a Figura 4), e portanto a concentração de equilíbrio (Ce) é dada como 51,70 mg L-1, resultado favorável ao obtido por [2929 COSTA JUNIOR, S.S. “Carvão ativado produzido a partir do endocarpo de coco da baía (Coccus Nucifera) aplicado no tratamento de efluente têxtil”. Dissertação de M. Sc., PPGE, UFPB. João Pessoa, PB, 2014.] com o biocarvão endocarpo de coco-da-baía para remoção de corantes que obteve tempo de contato de 6 horas, bem como ao tempo de equilíbrio estimado por [2424 RODRIGUES, S.L. “Remoção em fase líquida do fármaco Diclofenac por adsorção em biocarvão”. Dissertação de M. Sc., PPGEQB/UNL, Lisboa, Portugal, 2015.] de 17 horas do biocarvão de casca de batata para remoção de diclofenaco, SANTOS [2626 SANTOS, C.M. “Uso de cascas de laranja como adsorvente de contaminantes no tratamento de água”. Dissertação de M. Sc., PPGCA/UEP, Sorocaba, SP, Brasil, 2015.] descreve um adsorvente que precisou de 4 horas para atingir o tempo de equilíbrio na remoção de compostos inorgânicos e etilbenzeno com a utilização de biocarvão com cascas de laranja e [3030 JESUS, J.H.F., CUNHA, G.D.C., CARDOSO, E.M.C., et al., “Evaluation of waste biomasses and their biochars for removal of polycyclic aromatic hydrocarbons”. Journal of environmental management, n. 200, pp. 186-195, 2017.] com tempos de equilíbrios entre o intervalo de 1 hora e 2,5 horas com a utilização de biocarvão de cascas de laranja para remoção de HPA, e portanto a concentração de equilíbrio (Ce) é dada como 1,16 10-4 mol L-1.

Em relação a velocidade de reação entre o adsorvente e o adsorbato foram realizados os ajustes para os modelos matemáticos de Pseudo-Primeira e Pseudo-Segunda Ordem. Contudo, o modelo de primeira ordem não apresentou um comportamento linear (R2 < 0,4), sendo o modelo matemático de Pseudo-Segunda Ordem aquele que apresentou o melhor ajuste aos resultados experimentais conforme a Figura 7 e a Tabela 4.

Figura 7
Quantidade de tetraciclina adsorvida em função do tempo.
Tabela 4
Valores dos parâmetros cinéticos do processo de adsorção.

O resultado corrobora com [3131 KALINKE, C., MANGRICH, A.S., MARCOLINO-JUNIOR, L.H., et al., “Biochar prepared from castor oil cake at different temperatures: A voltammetric study applied for Pb2+, Cd2+ and Cu2+ ions preconcentration”. Journal of hazardous materials, n. 318, pp. 526-532, 2016.] em experimentos envolvendo o biocarvão do farelo de mamona e com [3030 JESUS, J.H.F., CUNHA, G.D.C., CARDOSO, E.M.C., et al., “Evaluation of waste biomasses and their biochars for removal of polycyclic aromatic hydrocarbons”. Journal of environmental management, n. 200, pp. 186-195, 2017.] que afirma o modelo cinético de segunda ordem ser o mais apropriado para adsorção dos HPA para os biocarvões do bagaço do coco e a casca da laranja. Também em estudos feitos com o carvão ativado do dendê in natura, o modelo de segunda ordem foi o que mais se ajustou para a adsorção do paracetamol [1717 FERREIRA, R.C., LIMA, H.H.C.D., COUTO JUNIOR, O.M., et al. Utilização de carvão ativado de dendê in natura e funcionalizado em meio ácido na adsorção de paracetamol. Matéria (Rio de Janeiro), v. 23, n. 1, 2018.] bem como em experimentos realizados para dessulfurização de combustíveis utilizando fibra de coco como adsorvente [1919 NASCIMENTO, J.D.L., MAGALHÃES JÚNIOR, G.A., PORTELA, R.R., et al. Aplicação de processo adsortivo para dessulfurização de combustíveis utilizando fibra de coco como adsorvente. Matéria (Rio de Janeiro), v. 24, n. 3, 2019.]. AHMED [3232 AHMED, M.J. “Adsorption of quinolone, tetracycline, and penicillin antibiotics from aqueous solution using activated carbons”. Environmental toxicology and pharmacology, v. 50, pp. 1-10, 2017.] concluiu em sua revisão de literatura que para adsorção de fármacos, dados da cinética foram bem descritos pelo modelo de pseudo-segunda ordem em antibióticos de quinolona, tetraciclina e penicilina.

Para a obtenção de mais informações sobre o comportamento do processo de adsorção da tetraciclina em biocarvão do bagaço da laranja, foram realizados testes com o volume de 25mL da concentração do fármaco igual a 44,44 mg L-1 em contato com massa de 0,50 grama de biocarvão em erlenmeyers acomodados em shaker sobre agitação de 200 rpm durante 30 minutos, em diferentes condições de pH e temperatura (Tabela 5).Estes estudos são necessários pelo fato de as condições citadas poderem afetar a carga da superfície do biocarvão [2424 RODRIGUES, S.L. “Remoção em fase líquida do fármaco Diclofenac por adsorção em biocarvão”. Dissertação de M. Sc., PPGEQB/UNL, Lisboa, Portugal, 2015.].

ROULIA e VASSILIADIS [3333 ROULIA, M., VASSILIADIS, A.A. “Sorption characterization of a cationic dye retained by clays and perlite”. Microporous and Mesoporous Materials, v. 116, pp. 732-740, 2008.] analisaram a influência do pH na capacidade de adsorção da bentonita em adsorver corantes catiônicos e verificaram que, por exemplo, em meio básico ocorreu adsorção máxima do corante, MERCI, REZENDE e CONSTANTINO [1616 MERCI, A., REZENDE, M.I., CONSTANTINO, L.V. Avaliação de diferentes fatores na remoção de remazol brilliant blue de soluções aquosas por adsorção em fibras de cana de açúcar e coco verde. Matéria (Rio de Janeiro), v. 24, n. 3, 2019.] concluíram que a adsorção observada do corante pelas fibras de coco e cana-de-açúcar foi significativa em pH 2. Já no presente estudo pode ser verificado que o processo de adsorção não sofre interferência significativa com a mudança de pH (coeficiente de variação de 1,56 %), sendo a variação consequência da alteração no processo de medição, como observado no teste de robustez.

Conforme MORAIS et al. [3434 MORAIS, L.C., SANTOS, C.M., ROSA, A.H. “Thermodynamic parameters of a solid biofuel from orange peel”. Chemical engineering, v. 43, pp. 583-588, 2015.], em termos termodinâmicos, foi verificado o efeito da temperatura na adsorção de contaminantes no qual foram analisados os parâmetros da entalpia, entropia e energia livre de Gibbs, no qual, segundo os autores, quando o acréscimo da temperatura favorece a adsorção, o processo sinaliza uma adsorção regida pela interação do tipo física. Situação de acordo com os resultados encontrados no presente estudo, no qual pode-se observar o acréscimo de adsorção da tetraciclina conforme a temperatura foi aumentada. AHMED [3232 AHMED, M.J. “Adsorption of quinolone, tetracycline, and penicillin antibiotics from aqueous solution using activated carbons”. Environmental toxicology and pharmacology, v. 50, pp. 1-10, 2017.] corrobora citando a observação em seu estudo de revisão de literatura, a natureza endotérmica e espontânea da adsorção em antibióticos de quinolona, tetraciclina e penicilina.

Tabela 5
Efeito do pH e da temperatura na adsorção de tetraciclina.

3.5 Aplicação em efluentes domésticos

No espectro de absorção de UV-visível (Figura 8) das soluções A e B pode-se observar que na amostra B, há a presença de duas bandas características de máxima absorção (276 e 357 nm) em um pH médio de 6,5, configurando, portanto, a presença da substância tetraciclina de acordo com estudos realizados por ROSSI [3535 ROSSI, J.R. “Tratamento eletroquímico do antibiótico cloridrato de tetraciclina em efluente sintético”. Dissertação de M. Sc., PPGEA/UTFP, Londrina, PR, Brasil, 2017.] para a tetraciclina com valores de 276 e 359 nm e Gul [3636 GUL. S. “Degradação do antibiótico tetraciclina por vários processos em mistura salina”. Tese de M. Sc., CIÊNCIAS/USP, São Carlos, SP, Brasil, 2014.] com o espectro de adsorção da tetraciclina apresentando dois picos de adsorção máxima com valores de 276 e 360 nm. Já na amostra A, contendo apenas o efluente sem tetraciclina, pode-se observar a inexistência de picos, ou seja, a não detecção da tetraciclina, comportamento também observado com a solução da amostra C no qual pode-se afirmar que após filtragem com o biocarvão, a substância tetraciclina foi retida via adsorção.

Figura 8
Espectros dos experimentos.

4. CONCLUSÕES

A utilização de biossorventes no tratamento terciário de águas residuárias é o foco de inúmeras pesquisas visando a melhoria da qualidade das mesmas. Neste contexto, o biocarvão à base do bagaço de laranja apresentou resultados promissores no que diz respeito a remoção de tetraciclina em efluente doméstico pós-tratamento secundário.

O estudo do comportamento cinético da interação do biocarvão com a tetraciclina através das isotermas indicam que o modelo de Langmuir é o que melhor descreve o comportamento do sistema, ou seja, é possível que o biocarvão esteja retendo a tetraciclina via adsorção física. Os modelos cinéticos de pseudo-primeira ordem e pseudo-segunda ordem foram testados no estudo de adsorção e o sistema que melhor se adaptou ao modelo de pseudo-segunda ordem. O tempo de equilíbrio estimado para o biocarvão foi de oito minutos, sendo considerado um excelente no que diz respeito ao seu uso como biossorvente para remoção de contaminantes.

Em estudos sobre o comportamento do processo de adsorção da tetraciclina foi observado a não influência do pH. Contudo, com o acréscimo da temperatura, em termos termodinâmicos, foi verificado que favoreceu a adsorção, no qual pode-se inferir que a adsorção é regida pela interação do tipo física. Neste viés, o resultado da adsorção da tetraciclina em carvão ativado derivado de bagaço de laranja indicou a probabilidade da regeneração do adsorvente, possibilitando o seu reuso.

Importante destacar que, ao seguir a metodologia para acreditação de métodos analíticos sugeridos pelo INMETRO, o método espectrofotométrico empregado nessa pesquisa para a determinação e quantificação da tetraciclina se mostrou seguro, econômico e viável, podendo ser utilizado em trabalhos futuros principalmente pelo fato da simplicidade da utilização, bem como possuir custo baixo para operacionalização.

O biocarvão teve capacidade de adsorção da tetraciclina de 100% em águas residuárias domésticas.

Diante do exposto conclui-se a possibilidade de conversão de um resíduo da agroindústria de baixo valor e sem destinação apropriada, a um produto de valor agregado, o biocarvão do bagaço da laranja, como adsorvente para remoção da tetraciclina em águas residuárias domésticas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2020
  • Aceito
    26 Fev 2021
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