Acessibilidade / Reportar erro

Tijolos de solo-cimento usados para Habitação de Interesse social (HIS) em mutirão: estudo de caso em olaria comunitária

Soil-cement brick used in Social Housing (HIS) in housing cooperative construction – A case study in a community brick making

RESUMO

Práticas mais sustentáveis que reduzam os impactos causados no meio ambiente são cada vez mais utilizadas, juntamente com o crescimento de normas, programas e certificações que atuam nos setores industriais com a finalidade de mitigar ações que prejudiquem o meio ambiente. A indústria da construção civil é uma das que mais contribuem com o prejuízo ambiental devido seus altos índices de perdas e desperdícios. Consequentemente, o uso de materiais sustentáveis na construção se encontra cada vez mais necessário. Esse trabalho tem como objetivo principal um estudo do tijolo solo-cimento, mais conhecido como tijolo ecológico, produzido em olaria comunitária e usado em HIS (Habitação de interesse social) na cidade de Limeira-SP. Para isso foi realizado, em laboratório, a verificação da resistência à compressão axial do tijolo solo-cimento, bem como suas dimensões, de acordo com a norma NBR 8492:2012. Os dados foram analisados estatisticamente e comparados com valores requisitados pela norma NBR 8491:2012. Além disso, foram analisados tijolos fabricados em ambiente controlado, com quatro relações de solo e cimento diferentes e feito o mesmo procedimento para a verificação da resistência à compressão axial e dimensões. Outro fator estudado foi a substituição parcial da matéria prima natural por resíduos do próprio tijolo. Conforme as etapas anteriores, também foram analisadas as dimensões e a resistência à compressão axial. Os resultados encontrados foram satisfatórios: os tijolos com adições de agregados reciclados apresentaram valores de resistência à compressão maiores do que o convencional.

Palavras-chave
Tijolo solo-cimento; Reciclagem

ABSTRACT

More sustainable practices that reduce the impacts caused on the environment are increasingly used, together with the growth of standards, programs and certifications that work in the industrial sectors in order to mitigate actions that harm the environment. The construction industry is one that most contribute to environmental damage due to its high rates of losses and waste. Consequently, the use of sustainable materials in construction is increasingly necessary. This aims study the soil-cement brick, better known as ecological brick, produced in community pottery and used in HSI (Housing of social interest) in the city of Limeira-SP. For this purpose, in the laboratory, the verification of the axial compression strength of the soil-cement brick was carried out, as well as its dimensions, according to the standard NBR 8492:2012. The data were analyzed statistically and compared with values required by the standard NBR 8491:2012. In addition, bricks manufactured in a controlled environment with four different soil and cement ratios were analyzed and the same procedure was performed to check the axial compression strength and dimensions. Another factor studied was the partial replacement of the natural raw material with residues from the brick itself. According to the previous steps, dimensions and resistance to axial compression were also analyzed. The results found were satisfactory: the bricks with additions of recycled aggregates showed higher compressive strength values than the conventional one.

Keywords
Soil-cement brick; Recycling

1.

INTRODUÇÃO

A construção civil, apesar da sua grande importância, sempre esteve ligada a grandes perdas e desperdícios. Segundo Pinto [1[1] PINTO T.P., Metodologia para a gestão diferenciada de resíduos sólidos na construção urbana. Tese (Doutorado em Engenharia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.], no Brasil, aproximadamente 50% dos resíduos sólidos urbanos são resíduos de construção e demolição (RCD), sendo que a taxa de geração de entulho por ano é de 0,52 toneladas por habitante.

Porém, com o passar do tempo essa situação está lentamente sofrendo uma mudança devido ao aumento da concorrência, a recessão econômica, a globalização, a necessidade de redução de custos e a exigência de certificação da qualidade por parte de órgãos e empresas governamentais para participação em licitações. Tudo isso leva a mudanças no comportamento das empresas para se adequarem ao mercado.

O Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat é um exemplo de instrumento do Governo Federal para certificar construtoras e fabricantes de materiais [2[2] BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL. SiMaC - Sistema de Qualificação de Empresas de Materiais, Componentes e Sistemas Construtivos, 2021. https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/habitacao/pbqp-h/simac-sistema-de-qualificacao-de-empresas-de-materiais-componentes-e-sistemas-construtivos/
https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/ha...
]. Com isso, cria-se “um cenário de isonomia competitiva, que propicie soluções mais baratas e de melhor qualidade para a redução do déficit habitacional no país” [3[3] MAPA DA OBRA. Programa do Governo Federal visa organizar a construção civil, 2017. https://www.mapadaobra.com.br/gestao/programa-do-governo-federal-visa-organizar-construcao-civil/
https://www.mapadaobra.com.br/gestao/pro...
]. Ademais, há necessidade de satisfazer a norma de desempenho, a NBR 15.575 [4[4] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 15.575: edificações habitacionais- Desempenho. Rio de Janeiro: ABNT, 2013.], que estabelece as diretrizes e os requisitos mínimos de desempenho que devem ser atingidos pelos diferentes componentes e sistemas da construção. Com o início, em 2016, da vigência dos critérios da NBR 15.575 [4[4] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 15.575: edificações habitacionais- Desempenho. Rio de Janeiro: ABNT, 2013.], iniciou-se um novo patamar para as exigências técnicas baseadas nas normativas estabelecidas pela ABNT. A partir dessa data, as habitações precisam ter um novo patamar de qualificações, oferecendo parâmetros de qualidade e segurança que antes não existiam nas construções.

Outra medida tomada foi a Resolução Nº 307 do CONAMA de 5 de julho de 2002 [5[5] CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE (CONAMA). Resolução CONAMA nº 307/02, de 5 de julho de 2002. Brasília: Diário Oficial, 2002.], a qual “estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil, disciplinando as ações necessárias de forma a minimizar os impactos ambientais” [5[5] CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE (CONAMA). Resolução CONAMA nº 307/02, de 5 de julho de 2002. Brasília: Diário Oficial, 2002.]. Esse documento define que os geradores de resíduos de construção civil são responsáveis por sua disposição final.

Os benefícios gerados pela reciclagem do RCD são inúmeros, dentre eles podemos citar: redução no consumo de recursos naturais não renováveis como a brita e areia, redução das áreas necessárias para aterros, redução da poluição [6[6] RESTELLI, R.E., LIMA, E.P., SCHENATTO, F.J.A., “Assessing the Use of Pine Chip Ash in Manufacturing Soil–Cement Bricks”. In: LEAL FILHO W., TORTATO U., FRANKENBERGER F. (org). Integrating Social Responsibility and Sustainable Development. World Sustainability Series. Cham: Springer, 2021.], geração de novos postos de trabalho e produção de insumos de construção a baixo custo.

Portanto, os consumidores, o mercado, as indústrias, as empresas, os fabricantes de materiais, e a sociedade em geral estão valorizando cada vez mais técnicas sustentáveis e ecológicas de qualidade, como a construção com tijolos solo-cimento.

Aproximadamente oito milhões de moradias fazem parte do déficit habitacional do Brasil [7[7] GRAVAS, D., “Déficit habitacional é recorde no país”, O Estado de S. Paulo, 2019. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,deficit-habitacional-e-recorde-no-pais,70002669433.
https://economia.estadao.com.br/noticias...
], de modo que o estado de São Paulo é um dos que mais agregam nesse número com quase dois milhões de unidades em falta [8[8] SILVA, E., “São Paulo tem déficit de 474 mil moradias, diz estudo”, Folha de S. Paulo, 20219. https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/sao-paulo-tem-deficit-de-474-mil-moradias-diz-estudo.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
]. Assim, programas voltados para a redução desses dados devem ser desenvolvidos e melhorados. É com esse objetivo que esse trabalho foi realizado, propondo melhorias no processo e no produto de uma a olaria comunitária, que tenta facilitar a construção de moradias dignas a famílias de baixa renda utilizando o mutirão como tecnologia construtiva.

A olaria comunitária se enquadra dentro de um programa de assistência técnica assegurado pela Lei Federal 11.888 [9[9] BRASIL. Lei 11.888, de 24 de Dezembro de 2008. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11888.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
], a qual “assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social” [9[9] BRASIL. Lei 11.888, de 24 de Dezembro de 2008. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11888.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
]. O programa faz parte da política pública do município no qual se encontra a olaria comunitária, e engloba a realização do projeto arquitetônico, projetos complementares, aprovação do projeto legal, orçamento e acompanhamento da obra. Além da produção de tijolos solo-cimento por meio da olaria comunitária, outros serviços são prestados pelo município, como a doação de materiais e apoio com mão de obra do Centro de Ressocialização. A partir de um convênio firmado com a Fundação Dr. Manuel Pedro Pimentel – FUNAP, trabalhadores que necessitam cumprir trabalhos para a sociedade prestam serviços para auxiliar na construção das moradias [10[10] EUPHROSINO, C.A., PIMENTEL, L.L., CAMARINI G., et al., “Mapeamento do processo produtivo e construtivo de alvenaria de tijolo de solo-cimento para habitação de interesse social”, Matéria (Rio J.), v. 24, n. 4, 2019.].

Como uma maneira de combater o déficit habitacional e auxiliar as famílias de baixa renda, a assistência técnica prestada às famílias carentes é feita por profissionais de arquitetura e engenharia civil do município. Nesta assistência são introduzidas as técnicas de construção com tijolos ecológicos, que vão desde a produção dos tijolos pelos próprios beneficiários até a execução da obra.

No intuito de participar e auxiliar no desenvolvimento dos componentes de solo-cimento, este trabalho foi desenvolvido para estudar melhorias no sistema produtivo dos componentes. Assim, o objetivo foi avaliar a qualidade dos componentes de solo-cimento produzidos na olaria comunitária pelos próprios usuários (famílias) e propor novas formulações visando otimizar o processo. Assim, foram estudados, em laboratório, o traço da própria olaria e novos traços, todos com os mesmos materiais, incluindo a reciclagem das perdas em função dos componentes quebrados, avaliando a necessidade de mudanças nos procedimentos.

2.

CONSTRUÇÃO COM SOLO E SOLO-CIMENTO

Desde a antiguidade o solo é usado como material de construção [11[11] BAUER, L.A.F., Materiais de Construção, 5ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 1995.]. Gregos e romanos utilizavam o solo como material de construção pelo menos dez mil anos atrás e muitas dessas obras se encontram resistentes ao tempo, conservando sua qualidade. Uma grande estrutura antiga que se tem notícia com uso de solo estabilizado em sua construção é a Muralha da China no século III, feita com uma mistura de solo e cal.

No Brasil, o uso do solo-cimento teve início em bases e sub-bases da pavimentação. Em 1948, teve seu primeiro emprego associado à construção de paredes monolíticas em obras residenciais da Fazenda Inglesa em Petrópolis (RJ) e no ano seguinte no Hospital Adriano Jorge, do serviço Nacional de Tuberculose, em Manaus (AM), o qual nos dias de hoje ainda se encontra em funcionamento e em excelente estado de conservação. Em 1978 o solo-cimento foi aprovado como uma técnica de construção de habitações populares pelo antigo BNH, sendo amplamente aplicado em moradias devido a pesquisas desenvolvidas pelo IPT e pelo CEPED, as quais comprovavam o bom desempenho dessa técnica [12[12] FIQUEROLA, V., “Alvenaria de Solo-cimento”, Téchne, v. 85, pp. 30-36, 2004.].

Após o desenvolvimento das paredes monolíticas de solo-cimento, iniciou-se o processo de produção dos tijolos de solo-cimento, também conhecido como tijolo ecológico. Este tijolo é composto por uma mistura de solo, água e cimento Portland, o qual possui papel de aglomerante que estabiliza o solo, proporcionando uma melhora nas propriedades da mistura [13[13] BALDOVINO, J.J.A., IZZO, R.L.S, TEIXEIRA, W., et al., “Variáveis que influenciam na resistência à tração e à compressão simples de dois solos sedimentares estabilizados com cimento’, Matéria (Rio J.), v. 25, n. 2, 2019.]. O tijolo solo-cimento pode ser fabricado em diversos formatos, vazado ou maciço. Os mais comuns são os blocos vazados (Figura 1), mas podem ser produzidos tijolos maciços.

Figura 1.
Tijolos de solo-cimento vazados.

A fabricação destes tijolos não passa pela queima, como é o caso dos tijolos produzidos nas olarias convencionais, as quais lançam na atmosfera uma grande quantidade de CO2 pela queima dos combustíveis nos fornos. Neste caso tem-se somente o consumo de energia que foi consumida na produção do cimento Portland e na prospecção do solo usado para a produção dos tijolos, sendo inferior à consumida pelos tijolos convencionais [14[14] SOUZA, I.U.L., SOUZA, G.F.G., BUENO, O.F., “Alvenaria sustentável com a utilização de tijolos ecológicos”, In: 5ª Jornada Científica e Tecnológica e 2º Simpósio de Pós-Graduação do IFSULDEMINAS, Inconfidentes, 2013.].

A facilidade de obtenção dos materiais para a produção do tijolo de solo-cimento é uma das vantagens do componente, pois o solo utilizado poderá ser retirado do próprio local de construção, de maneira a contribuir para o desenvolvimento sustentável.

Outro ponto positivo do tijolo de solo-cimento é o seu formato auto encaixável que permite um assentamento mais fácil e com pouco uso de argamassa, dispensando vários tipos de acabamento como reboco, massa corrida, pinturas e rejuntes. O ideal seria apenas um impermeabilizante nas paredes protegendo da ação do tempo.

Além disso, os tijolos possuem furos que auxiliam nas instalações das redes hidráulicas e elétricas que neles ficam embutidas, e são instaladas juntamente com levantamento das paredes. Dessa maneira, não há a necessidade de quebrar as paredes para essas instalações e, consequentemente, há um menor desperdício de material.

A parte estrutural fica por conta das armaduras e dos grautes que também são estrategicamente posicionados nos furos criando as colunas de sustentação das paredes e das lajes. Nas vergas, contra vergas e viguetas são usados os blocos canaletas de solo cimento, nos quais ocorre a concretagem horizontal. Assim, são economizadas as formas de madeira e mão de obra de carpintaria. Além disso, o sistema estrutural fica distribuído ao longo da construção evitando que grandes cargas fiquem concentradas em poucos pontos [15[15] ECO PRODUÇÃO. Tijolo ecológico modular: manual prático. Curitiba: Eco Produção, 2017.]. Esse sistema construtivo baseado nos tijolos de solo-cimento traz uma economia global que varia de 20 a 40% em relação ao sistema construtivo convencional [16[16] SEBRAE. Como montar uma fábrica de tijolos ecológicos.http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ideias/como-montar-uma-fabrica-de-tijolos-ecologicos,ce387a51b9105410VgnVCM1000003b74010aRCRD
http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSeb...
].

Além da viabilidade econômica, as obras ocorrem em menor tempo, considerando a mesma quantidade de mão de obra por não necessitar de algumas etapas que são importantes na construção convencional [17[17] PENTEADO, P.T., MARINHO, R.C., Análise comparativa de custo e produtividade dos sistemas construtivos: alvenaria de solo-cimento, alvenaria com blocos cerâmicos e alvenaria estrutural com blocos de concreto na construção de uma residência popular. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Engenharia de Produção Civil), Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2011.]. Como consequência, a construção pode ser finalizada em um tempo até 30% mais curto em relação à alvenaria convencional [16[16] SEBRAE. Como montar uma fábrica de tijolos ecológicos.http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ideias/como-montar-uma-fabrica-de-tijolos-ecologicos,ce387a51b9105410VgnVCM1000003b74010aRCRD
http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSeb...
].

Desta forma, esta técnica construtiva com tijolo solo-cimento além de ser caracterizada como ecológica, também possui facilidades de execução, que proporcionam maior rapidez e menor custo. Ademais, a qualidade evidenciada por tal material nos quesitos de habitabilidade e durabilidade relacionados a NBR 15575 [4[4] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 15.575: edificações habitacionais- Desempenho. Rio de Janeiro: ABNT, 2013.] permite considerá-lo com alto potencial de uso em habitações de interesse social [18[18] GIORGI, P., GRIGOLETTI, G.C., LIMA, R.C.A., et al., “Avaliação de sustentabilidade e habitabilidade de blocos de solo-cimento segundo a norma ABNT NBR 15575”, Matéria (Rio J.), v. 23, n. 3, 2018.].

Muito tem se estudado sobre o solo-cimento. Trabalhos recentes têm abordado a incorporação de resíduos na mistura tendo uma resistência à compressão bastante satisfatória, tais como cerâmica: 0,8 MPa a 3,0 MPa [19[19] SILVA, V.M., GOES, L.C., DUARTE, J.B., et al., “Incorporation of ceramic waste into binary and ternary soil-cement formulation for the production of solid bricks”, Materials Research, v. 17, n. 2, pp. 326-331, 2014.], rochas ornamentais: 3,6 MPa a 9,7 MPa [20[20] RIBEIRO, S.V., “Reutilização de resíduo de rocha ornamental na produção de tijolos solo-cimento”. Dissertação (Mestrado em Engenharia e Ciências dos Materiais), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, 2013.], casca de ovo: 4,0 MPa a 4,5 MPa [21[21] AMARAL, M.C., SIQUEIRA, F.B., DESTEFANI, A.Z. et al., “Soil cement bricks incorporated with eggshell waste”, Waste and Resource Management, v. 166, pp. 137-141, 2013.], granito: 4,0 MPa a 4,5 MPa [22[22] RIBEIRO, S.V., HOLANDA, J.N.F., “Soil cement bricks incorporated with granite cutting sludge”, International Journal of Engineering Science and Innovative Technology, v. 3, pp. 401-407, 2014.], lodo de estação de tratamento de água: 4,2 MPa a 5,2 MPa [23[23] RODRIGUES, L.P., HOLANDA, J.N.F., “Recycling of Water Treatment Plant Waste for Production of Soil-Cement Bricks”, Procedia Materials Science, v. 8, pp. 197-202, 2015.], Grits (resíduo da indústria de papel): 5,1 MPa a 5,6 MPa [24[24] SIQUEIRA, S.B., HOLANDA, J.N.F., “Effect of incorporation of grints waste on the densification behavior of soil-cement bricks”, Cerâmica, v. 61, pp. 414-419, 2015.], RCD: 4,1 MPa a 7,7 MPa [25[25] CONTRERAS, M., TEIXEIRA S.R., LUCAS, M.C., et al., “Recycling of construction and demolition waste for producing new construction material (Brazil – Case study)”, Construction and Building Materials, v. 123, pp. 594-600, 2016.], resíduos industriais: 4,3 MPa a 4,8 MPa [26[26] SIQUEIRA, F.B., AMARAL, M.C., BOU-ISSA R.A., et al., “Influence of industrial solid waste addition on properties of soil-cement bricks”, Cerâmica, v. 62, pp. 237-241, 2016.], areia de fundição: 1,3 MPa a 1,4 MPa [27[27] LEONEL, R.F., FOLGUERAS, M.V., DALLA VALENTINA, L.V.O., et al., “Characterization of soil-cement bricks with incorporation of used foundry sand”, Cerâmica, v. 63, pp. 329-335, 2017.], areia de fundição e pó de pedra: 2,3 MPa a 3,2 MPa [27[27] LEONEL, R.F., FOLGUERAS, M.V., DALLA VALENTINA, L.V.O., et al., “Characterization of soil-cement bricks with incorporation of used foundry sand”, Cerâmica, v. 63, pp. 329-335, 2017.]; lama de cal remanescente da indústria de celulose: 1,75 MPa a 2,8 MPa [28[28] AMARAL, M.C., HOLANDA, J.N.F., “Sustainable soil-cement bricks incorporated with lime mud from cellulose industry”, In: Rahman, R.O.A., Hussain, C.M. (eds), Handbook of Advanced Approaches Towards Pollution Prevention and Control. Amsterdam: Elsevier, 2021. v. 2.]. Destes resultados observa-se que os valores da resistência à compressão são bastante variáveis (de 0,8 MPa até 9,7 MPa) a em função do tipo de resíduo utilizado.

Neste trabalho experimental foi utilizado um resíduo do próprio canteiro de produção dos tijolos e da obra, que foram incorporados à mistura para avaliação dimensional e da resistência à compressão.

3.

MATERIAIS E MÉTODOS

O programa experimental foi desenvolvido em três etapas, salientando-se que os materiais utilizados foram sempre os mesmos utilizados na olaria comunitária. A primeira etapa foi a avaliação dimensional seguida da determinação da resistência à compressão do tijolo produzido pelas famílias na olaria. A segunda etapa foi reproduzir o traço da olaria em ambiente de laboratório e produzir, com os mesmos materiais, outros traços recomendados pela Associação Brasileira de Cimento Portland – ABCP, nesta etapa também foram avaliadas as dimensões e a resistência à compressão dos tijolos. Na terceira etapa, também realizada em laboratório, fez-se o uso de resíduos dos próprios tijolos ecológicos da olaria e das obras como matéria prima dos tijolos, substituindo parcialmente a matéria prima natural. Nesta etapa, da mesma forma que as anteriores, foram avaliadas as dimensões e a resistência à compressão dos tijolos.

O cimento utilizado na produção dos tijolos foi o CP II E-32. O solo é proveniente de Minas Gerais e é classificado com textura de areia silto-arenosa, com densidade 2650 kg/m3, caracterizado como solo arenoso constituído por 10% de argila, 8% de silte e 82% de material arenoso (Figura 2).

Figura 2.
Curva granulométrica do solo da olaria comunitária.
A produção dos tijolos na olaria comunitária pelas famílias seguiu os seguintes passos (Figura 3):
  1. Enchimento do carrinho de mão e transporte até o local de produção (Figura 3a e Figura 3b);

  2. Peneiramento manual do solo para eliminar as partículas mais grossas (Figura 3c);

  3. Mistura manual de cimento e saibro (1:7) (Figura 3d), com água (Figura 3e) até obter a consistência (empírica) (Figura 3f);

  4. Transferência da mistura para a máquina (Figura 3g) e prensagem manual (Figura 3h);

  5. Estoque dos tijolos prontos em local coberto por 7 dias para o processo de cura (Figura 3i);

  6. Estoque dos tijolos em local aberto até serem levados para a obra (> 28 dias) (Figura 3j).

Figura 3.
Produção dos tijolos de solo-cimento na olaria comunitária.
3.1.

Etapa 1 – Tijolo produzido pelas famílias na olaria comunitária

Nesta etapa analisaram-se as dimensões e a resistência à compressão dos tijolos de solo-cimento produzidos pelas famílias carentes beneficiadas com a assistência técnica municipal. Os ensaios foram realizados de acordo com a NBR 8492 [29[29] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8492: Tijolo de solo-cimento – Análise dimensional, determinação da resistência à compressão e da absorção de água – Método de ensaio. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.] e os resultados comparados com os requisitos da NBR 8491 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8491: Tijolo de solo-cimento - Requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.].

A NBR 8491 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8491: Tijolo de solo-cimento - Requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.] estabelece que a partir de um lote de 10000 tijolos devem ser retirados aleatoriamente, no mínimo, 7 tijolos para os ensaios de variação dimensional e de resistência à compressão. Como os projetos residenciais necessitam de, aproximadamente, 7000 a 10000 tijolos, produzidos por uma família beneficiada que construirá sua casa, essa quantidade foi considerada como um lote e dele foram retirados os tijolos para os ensaios.

Com os tijolos preparados, fez-se a determinação das dimensões dos tijolos. As dimensões esperadas são 250 mm × 125 mm × 62,5 mm, com variação de ±1 mm em cada dimensão [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8491: Tijolo de solo-cimento - Requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.].

O ensaio de resistência à compressão seguiu as recomendações da NBR 8492 [29[29] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8492: Tijolo de solo-cimento – Análise dimensional, determinação da resistência à compressão e da absorção de água – Método de ensaio. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.], em que o tijolo é dividido em duas partes (Figura 4a), essas partes são unidas por uma camada de argamassa (Figura 4b) e faz-se o capeamento das faces de trabalho com pasta de cimento Portland de consistência plástica (Figura 4c), para obtenção de faces planas e paralelas. A força aplicada pela máquina de ensaios é paralela ao eixo dos furos do tijolo de solo-cimento.

Figura 4.
Preparo dos tijolos de solo-cimento para ensaio de resistência à compressão.

Os tijolos já capeados foram submersos em água. Após 6 horas de imersão (tempo mínimo) os tijolos foram ensaiados para determinação da resistência à compressão. Os ensaios foram realizados na máquina de ensaios Versa Tester de capacidade 150 kN nas idades de 7, 14 e 28 dias, sendo 7 tijolos para cada idade totalizando 21 tijolos.

3.2.

Etapa 2 – Produção dos tijolos em laboratório

Nesta etapa, foi reproduzido em laboratório o traço utilizado pela olaria comunitária (1:7) (cimento:solo), avaliando se a produção dos tijolos pelas famílias apresentava a resistência à compressão desejada. Novos traços com os mesmos materiais foram produzidos com as proporções recomendadas pela Associação Brasileira de Cimento Portland – ABCP para esse tipo de tijolo 1:10, 1:11 e 1:12 (cimento:solo) [31[31] ABCP. Fabricação de tijolos solo-cimento com a utilização de prensas manuais. São Paulo, 2000.]. A produção do tijolo foi feita em conformidade com a NBR 10833 [32[32] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 10833: Fabricação de tijolo e bloco de solo-cimento com utilização de prensa manual ou hidráulica - Procedimentos. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.]. A moldagem também foi em prensa manual. Foram produzidos e curados em laboratório 21 tijolos para cada traço, sendo ensaiados 7 para cada idade de 7, 14 e 28 dias.

O preparo dos tijolos para ensaio seguiu os mesmos procedimentos descritos no item anterior. As dimensões e a resistência à compressão foram obtidas em conformidade com as normas brasileiras [29[29] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8492: Tijolo de solo-cimento – Análise dimensional, determinação da resistência à compressão e da absorção de água – Método de ensaio. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.,30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8491: Tijolo de solo-cimento - Requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.].

3.3.

Etapa 3 – Produção em laboratório de tijolos com material reciclado

Com o transporte, armazenamento e manuseio, dos tijolos pelas famílias na olaria comunitária e na obra, muitos se quebram ou se danificam (Figura 5). Deste modo, este resíduo foi utilizado como matéria prima substituindo parcialmente o solo nas misturas. Essa substituição teve o intuito de reaproveitar esse material danificado na própria olaria, deixando a obra mais limpa.

Figura 5.
Tijolos quebrados e danificados na obra.

Esses resíduos tiveram uma primeira moagem em moinho de mandíbulas, transformando-os em agregado graúdo (Figura 6a). Em seguida, para transformá-lo em pó para substituir o solo, o resíduo foi moído em aparelho Los Angeles (Figura 6b).

Figura 6.
Resíduo transformado em material pulverulento para substituição do solo.

Com esse resíduo moído fez-se novo estudo com o traço 1:7 (cimento:solo) da olaria comunitária para avaliar o desempenho mecânico dos tijolos. O solo foi substituído pelo material reciclado nas proporções de 20%, 40%, 60% e 80 % em volume. Os tijolos foram moldados e submetidos à avaliação dimensional e ao ensaio de resistência à compressão nas idades de 7, 14 e 28 dias. O preparo dos corpos de prova para ensaio seguiu o mesmo procedimento para os ensaios dos tijolos da olaria comunitária, descritos na Etapa 1, conforme a Tabela 1.

Tabela 1.
Corpos de prova produzidos e ensaiados com o material reciclado.
4.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1.

Tijolo de solo-cimento produzido pelas famílias na olaria comunitária

Os resultados das dimensões dos tijolos produzidos pelas famílias na olaria comunitária estão apresentados na Tabela 2. As dimensões esperadas para os tijolos são 250 mm × 125 mm × 62,5 mm, com variação de ±1 mm em cada dimensão [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8491: Tijolo de solo-cimento - Requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.]. Desse modo, na largura apenas um tijolo não estava aceitável, no comprimento apenas 2 e na altura 13 tijolos estavam fora do padrão. Essa variação na altura ocorreu pelo fato de se ter uma produção manual dos tijolos. Neste caso, os tijolos não foram prensados adequadamente e ficaram mais alto do que o estabelecido pela norma devido à menor força de prensagem. Neste sentido, faz-se necessária uma melhor orientação às famílias e maior fiscalização na qualidade produção para que essa diferença seja minimizada. Por outro lado, nenhum tijolo teve altura inferior ao estabelecido pela norma, sendo que a quantidade de material utilizada na prensagem foi adequada.

Tabela 2.
Resultado das dimensões dos tijolos produzidos na olaria comunitária.

A resistência à compressão dos tijolos nas idades de 7, 14 e 28 dias está apresentada na Tabela 3. Segundo a NBR 8491 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8491: Tijolo de solo-cimento - Requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.], os tijolos com idade mínima de 7 dias devem apresentar uma resistência média mínima de 2,00 MPa e individual mínima de 1,7 MPa. Os tijolos solo-cimento produzidos na olaria comunitária apresentaram esses valores mínimos a partir de 14 dias de idade. A norma brasileira estabelece que os tijolos sejam transportados a partir de 14 dias de idade. Portanto, os tijolos produzidos pelas famílias já estão em conformidade com as normas brasileiras, visto que os tijolos são transportados para a obra com, pelo menos, 1 mês de idade, ou seja, eles são transportados e utilizados com uma resistência média de 3,4 MPa (28 dias), acima do estabelecido pela norma brasileira.

Tabela 3.
Resultados da resistência à compressão dos tijolos.

Este resultado indica que a dosagem dos materiais que compõem o tijolo de solo-cimento está adequada para a sua produção, pois atinge os resultados mínimos preconizados pelas normas brasileiras, antes de serem transportados para a obra.

Em geral, os resultados de resistência deste tipo de tijolos estão em conformidade com outros trabalhos. Ferrari et al. [33[33] FERRARI, V.J., SOUZA, A.H.C., BALTAZAR, H.P., et al., “Tijolos vazados de solo-cimento produzidos com solo da Região do Arenito Caiuá do Paraná”, Revista Ambiente Construído, v. 14, n. 3, pp. 131-148, 2014.] estudando tijolos produzidos com solos da região de Arenito Caiuá obtiveram resultados entre 2,0 MPa e 3,2 MPa. Soares et al. [34[34] SOARES, R.A.L, SOARES, R.A.L., LIMA, Y.C.C., “Avaliação do tijolo ecológico produzido em Teresina – PI”, In: 60º Congresso Brasileiro de Cerâmica, Águas de Lindóia, 2016.], estudando tijolos com solo de Teresina (Piauí), chegaram a um valor médio de 3,7 MPa. Neste trabalho o valor médio dos tijolos produzidos pelas famílias foi de 3,4 MPa aos 28 dias, indicativo de um produto com boa resistência mecânica, corroborado por valores da literatura, e que satisfazem as normas brasileiras.

4.2.

Tijolo de solo-cimento produzido em laboratório

Esta etapa do trabalho foi realizada com os mesmos materiais utilizados na olaria comunitária. Foram produzidos tijolos de solo-cimento com 4 traços volumétricos diferentes: 1:7, 1:10, 1:11 e 1:12 (cimento: solo). Foram avaliadas as dimensões dos tijolos e também as resistências à compressão, apresentados nas Tabelas 4 e 5, respectivamente.

Tabela 4.
Resultado das dimensões médias dos tijolos produzidos em laboratório.
Tabela 5.
Resultados do ensaio de resistência à compressão aos 7, 14 e 28 dias.

Em relação às dimensões, os traços de laboratório satisfizeram os valores estabelecidos por norma: 250 mm × 125 mm × 62,5 mm com variação, em cada dimensão, de ±1 mm [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8491: Tijolo de solo-cimento - Requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.]. A produção em laboratório tinha maior controle dimensional e não houve desvios individuais que excedessem os limites estabelecidos pela norma [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8491: Tijolo de solo-cimento - Requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.].

Em relação á resistência à compressão, observa-se que os traços recomendados pela ABCP apresentaram resultados inferiores ao traço da olaria comunitária. Esse resultado já era esperado tendo em vista o maior consumo de cimento do traço da olaria comunitária. Mesmo em ambiente com controle de temperatura e umidade, e em condições ótimas de produção, os tijolos mantiveram seu comportamento em conformidade com o traço. Ao atingir a idade de 14 dias, os corpos de prova já adquiriram melhor resistência pelo desenvolvimento das reações de hidratação do cimento Portland e os traços já atingem resistências mais satisfatórias. Mesmo assim, somente o traço da olaria comunitária apresenta valores médios acima de 2,00 MPa e individuais acima de 1,7 MPa, em 14 dias. Após a idade de 28 dias, todos os corpos de prova atingiram o valor mínimo estabelecido pela norma brasileira [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8491: Tijolo de solo-cimento - Requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.]. Até mesmo os traços recomendados pela ABCP atingiram os valores estabelecidos por norma.

Ao atingir a idade de 28 dias, todos os traços obtiveram médias maiores que 2,00 MPa e valores individuais maiores que 1,7 MPa, satisfazendo, então, as normas Brasileiras.

4.3.

Análise do tijolo de solo-cimento com material reciclado

Esta etapa do trabalho foi realizada com os mesmos materiais utilizados na olaria comunitária, mas substituindo o solo pelos próprios tijolos de solo-cimento que sofreram danos na obra e foram processados para se tornarem material reciclado para compor os traços. O traço utilizado foi o da olaria comunitária 1:7 (cimento:solo).

Os resultados das dimensões médias dos tijolos com material reciclado encontram-se na Tabela 6. As dimensões seguiram os valores estabelecidos, não havendo variações individuais significativas.

Tabela 6.
Resultado das dimensões médias dos tijolos produzidos em laboratório com material reciclado.

Os resultados da resistência à compressão estão apresentados na Tabela 7. Esses resultados indicam que teores de substituição de solo por material reciclado de 80% conseguem atingir 2,00 MPa aos 7 dias. No entanto, aos 14 dias todos os traços com os diferentes teores de substituição atingem a resistência mínima exigida por norma.

Tabela 7.
Resultados da resistência à compressão dos tijolos com material reciclado.

Na idade de 7 dias, os teores acima de 20% de substituição por agregado reciclado já superam os valores obtidos sem substituição (1,56 MPa). Aos 14 e aos 28 dias, somente teores acima de 60% de substituição superam os valores sem os materiais reciclados.

A melhora obtida na resistência dos tijolos de solo cimento quando da substituição do solo pelo material reciclado pode ser explicada pela presença de cimento nos resíduos que não foi totalmente hidratado na produção anterior dos tijolos. Desse modo, uma maior quantidade de cimento na composição do tijolo ecológico acarreta não só no aumento da resistência à compressão [35[35] SANTOS, L.M.A., SILVA NETO, J.A., AZEREDO, A.F.N., “Caracterização de solo para misturas de adobe contendo cimento Portland como estabilizante”, Matéria (Rio J.), v. 25, n. 1, 2020.,36[36] ISLAM, M. S., ELAHI, T.E., SHAHRIAR, A.R. et al., “Effectiveness of fly ash and cement for compressed stabilized earth block construction”, Construction and Building Materials, v. 255, 119392, 2020.] como em uma maior resistência à tração e diminuição dos vazios [13[13] BALDOVINO, J.J.A., IZZO, R.L.S, TEIXEIRA, W., et al., “Variáveis que influenciam na resistência à tração e à compressão simples de dois solos sedimentares estabilizados com cimento’, Matéria (Rio J.), v. 25, n. 2, 2019.].

Tais dados demonstram melhores resultados em relação a outras pesquisas registradas na literatura, como por exemplo, Castro, et al [37[37] CASTRO, M.A.M., COSTA, F.G., BORBA S.C., et al., “Avaliação das propriedades físicas e mecânicas de blocos de solo-cimento formulados com coprodutos siderúrgicos”, Matéria (Rio J.), v. 21, n. 3, 2016.] que substituiu porcentagens do solo por resíduos siderúrgicos e alcançou a maior média de 2,3 MPa em 28 dias de cura. Já Paschoalin Filho, Storopoli e Dias [38[38] PASCHOALIN, J.A., STOROPOLI, J.H., DIAS, A.J.G, “Evaluation of compressive strength and water absorption of soilcement bricks manufactured with addition of pet (polyethylene terephthalate) wastes”, Acta Scientiarum. Technology, v. 38, n. 2, p.163-171, 2016.] utilizaram resíduos de garrafa PET triturados na fabricação do bloco e atingiram resistências de 1,13 MPa em 7 dias, 1,27 MPa em 14 dias, e 1,97 MPa em 28 dias. Nascimento et al [39[39] NASCIMENTO, E.S.S., SOUZA, P.C., OLIVEIRA, H.A., et al., “Soil-cement brick with granite cutting residue reuse”, Journal of Cleaner Production, v. 321, 129002, 2021.] trabalharam com resíduo de corte de granito e encontraram resistências para o tijolo de 1,3 MPa a 2,2 MPa em 7 dias.

5.

CONCLUSÕES

O objetivo deste trabalho foi avaliar se a produção de tijolos de solo-cimento para HIS pela olaria comunitária estava dentro das normas vigentes, bem como se seria possível obter o mesmo desempenho dos tijolos com a substituição de solo por material reciclado.

Dos resultados obtidos, observa-se que a produção de tijolos pelas famílias apresenta produtos com desempenho parcialmente em conformidade com as normas brasileiras. O único cuidado que deve ser tomado é em relação às dimensões dos tijolos. Na compactação as famílias precisam ser melhor orientadas para que a quantidade de material e a compactação do solo pela prensa manual sejam mais efetivas e assegure melhor desempenho dimensional. A resistência à compressão atingiu os valores mínimos estabelecidos por norma, aos 14 dias de idade.

Em relação à produção em ambiente controlado, observou-se que os resultados da resistência á compressão foram semelhantes aos da olaria comunitária. Esse resultado indica que a compactação do solo na prensa está sendo realizada, pois produziu tijolos resistentes. As dimensões se apresentaram com valores aceitáveis pela norma.

A substituição de solo por material reciclado apresentou resultados bastante satisfatórios e o produto poderá ser utilizado na olaria comunitária na produção de tijolos, reaproveitando totalmente as perdas de materiais e componentes nas etapas de produção, transporte e execução das paredes. Com esse procedimento a olaria comunitária transforma o processo com produção de um produto mais sustentável.

AGRADECIMENTOS

As autoras agradecem à família da olaria comunitária que cedeu os tijolos para os ensaios, aos técnicos dos Laboratório de Materiais de Construção (LMC) da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (FEC-UNICAMP), ao Laboratório de Materiais de Construção da Pontíficia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) pelo apoio técnico. Agradecem também a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 (88882.435173/2019-01).

BIBLIOGRAFIA

  • [1]
    PINTO T.P., Metodologia para a gestão diferenciada de resíduos sólidos na construção urbana Tese (Doutorado em Engenharia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
  • [2]
    BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL. SiMaC - Sistema de Qualificação de Empresas de Materiais, Componentes e Sistemas Construtivos, 2021. https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/habitacao/pbqp-h/simac-sistema-de-qualificacao-de-empresas-de-materiais-componentes-e-sistemas-construtivos/
    » https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/habitacao/pbqp-h/simac-sistema-de-qualificacao-de-empresas-de-materiais-componentes-e-sistemas-construtivos/
  • [3]
    MAPA DA OBRA. Programa do Governo Federal visa organizar a construção civil, 2017. https://www.mapadaobra.com.br/gestao/programa-do-governo-federal-visa-organizar-construcao-civil/
    » https://www.mapadaobra.com.br/gestao/programa-do-governo-federal-visa-organizar-construcao-civil/
  • [4]
    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 15.575: edificações habitacionais- Desempenho. Rio de Janeiro: ABNT, 2013.
  • [5]
    CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE (CONAMA). Resolução CONAMA nº 307/02, de 5 de julho de 2002. Brasília: Diário Oficial, 2002.
  • [6]
    RESTELLI, R.E., LIMA, E.P., SCHENATTO, F.J.A., “Assessing the Use of Pine Chip Ash in Manufacturing Soil–Cement Bricks”. In: LEAL FILHO W., TORTATO U., FRANKENBERGER F. (org). Integrating Social Responsibility and Sustainable Development. World Sustainability Series Cham: Springer, 2021.
  • [7]
    GRAVAS, D., “Déficit habitacional é recorde no país”, O Estado de S. Paulo, 2019 https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,deficit-habitacional-e-recorde-no-pais,70002669433
    » https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,deficit-habitacional-e-recorde-no-pais,70002669433
  • [8]
    SILVA, E., “São Paulo tem déficit de 474 mil moradias, diz estudo”, Folha de S. Paulo, 20219 https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/sao-paulo-tem-deficit-de-474-mil-moradias-diz-estudo.shtml
    » https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/sao-paulo-tem-deficit-de-474-mil-moradias-diz-estudo.shtml
  • [9]
    BRASIL. Lei 11.888, de 24 de Dezembro de 2008. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11888.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11888.htm
  • [10]
    EUPHROSINO, C.A., PIMENTEL, L.L., CAMARINI G., et al, “Mapeamento do processo produtivo e construtivo de alvenaria de tijolo de solo-cimento para habitação de interesse social”, Matéria (Rio J.), v. 24, n. 4, 2019.
  • [11]
    BAUER, L.A.F., Materiais de Construção, 5ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 1995.
  • [12]
    FIQUEROLA, V., “Alvenaria de Solo-cimento”, Téchne, v. 85, pp. 30-36, 2004.
  • [13]
    BALDOVINO, J.J.A., IZZO, R.L.S, TEIXEIRA, W., et al., “Variáveis que influenciam na resistência à tração e à compressão simples de dois solos sedimentares estabilizados com cimento’, Matéria (Rio J.), v. 25, n. 2, 2019.
  • [14]
    SOUZA, I.U.L., SOUZA, G.F.G., BUENO, O.F., “Alvenaria sustentável com a utilização de tijolos ecológicos”, In: 5ª Jornada Científica e Tecnológica e 2º Simpósio de Pós-Graduação do IFSULDEMINAS, Inconfidentes, 2013.
  • [15]
    ECO PRODUÇÃO. Tijolo ecológico modular: manual prático Curitiba: Eco Produção, 2017.
  • [16]
    SEBRAE. Como montar uma fábrica de tijolos ecológicos.http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ideias/como-montar-uma-fabrica-de-tijolos-ecologicos,ce387a51b9105410VgnVCM1000003b74010aRCRD
    » http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ideias/como-montar-uma-fabrica-de-tijolos-ecologicos,ce387a51b9105410VgnVCM1000003b74010aRCRD
  • [17]
    PENTEADO, P.T., MARINHO, R.C., Análise comparativa de custo e produtividade dos sistemas construtivos: alvenaria de solo-cimento, alvenaria com blocos cerâmicos e alvenaria estrutural com blocos de concreto na construção de uma residência popular. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Engenharia de Produção Civil), Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2011.
  • [18]
    GIORGI, P., GRIGOLETTI, G.C., LIMA, R.C.A., et al, “Avaliação de sustentabilidade e habitabilidade de blocos de solo-cimento segundo a norma ABNT NBR 15575”, Matéria (Rio J.), v. 23, n. 3, 2018.
  • [19]
    SILVA, V.M., GOES, L.C., DUARTE, J.B., et al., “Incorporation of ceramic waste into binary and ternary soil-cement formulation for the production of solid bricks”, Materials Research, v. 17, n. 2, pp. 326-331, 2014.
  • [20]
    RIBEIRO, S.V., “Reutilização de resíduo de rocha ornamental na produção de tijolos solo-cimento”. Dissertação (Mestrado em Engenharia e Ciências dos Materiais), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, 2013.
  • [21]
    AMARAL, M.C., SIQUEIRA, F.B., DESTEFANI, A.Z. et al., “Soil cement bricks incorporated with eggshell waste”, Waste and Resource Management, v. 166, pp. 137-141, 2013.
  • [22]
    RIBEIRO, S.V., HOLANDA, J.N.F., “Soil cement bricks incorporated with granite cutting sludge”, International Journal of Engineering Science and Innovative Technology, v. 3, pp. 401-407, 2014.
  • [23]
    RODRIGUES, L.P., HOLANDA, J.N.F., “Recycling of Water Treatment Plant Waste for Production of Soil-Cement Bricks”, Procedia Materials Science, v. 8, pp. 197-202, 2015.
  • [24]
    SIQUEIRA, S.B., HOLANDA, J.N.F., “Effect of incorporation of grints waste on the densification behavior of soil-cement bricks”, Cerâmica, v. 61, pp. 414-419, 2015.
  • [25]
    CONTRERAS, M., TEIXEIRA S.R., LUCAS, M.C., et al, “Recycling of construction and demolition waste for producing new construction material (Brazil – Case study)”, Construction and Building Materials, v. 123, pp. 594-600, 2016.
  • [26]
    SIQUEIRA, F.B., AMARAL, M.C., BOU-ISSA R.A., et al, “Influence of industrial solid waste addition on properties of soil-cement bricks”, Cerâmica, v. 62, pp. 237-241, 2016.
  • [27]
    LEONEL, R.F., FOLGUERAS, M.V., DALLA VALENTINA, L.V.O., et al., “Characterization of soil-cement bricks with incorporation of used foundry sand”, Cerâmica, v. 63, pp. 329-335, 2017.
  • [28]
    AMARAL, M.C., HOLANDA, J.N.F., “Sustainable soil-cement bricks incorporated with lime mud from cellulose industry”, In: Rahman, R.O.A., Hussain, C.M. (eds), Handbook of Advanced Approaches Towards Pollution Prevention and Control. Amsterdam: Elsevier, 2021. v. 2.
  • [29]
    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8492: Tijolo de solo-cimento – Análise dimensional, determinação da resistência à compressão e da absorção de água – Método de ensaio. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.
  • [30]
    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8491: Tijolo de solo-cimento - Requisitos Rio de Janeiro: ABNT, 2012.
  • [31]
    ABCP. Fabricação de tijolos solo-cimento com a utilização de prensas manuais. São Paulo, 2000.
  • [32]
    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 10833: Fabricação de tijolo e bloco de solo-cimento com utilização de prensa manual ou hidráulica - Procedimentos. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.
  • [33]
    FERRARI, V.J., SOUZA, A.H.C., BALTAZAR, H.P., et al, “Tijolos vazados de solo-cimento produzidos com solo da Região do Arenito Caiuá do Paraná”, Revista Ambiente Construído, v. 14, n. 3, pp. 131-148, 2014.
  • [34]
    SOARES, R.A.L, SOARES, R.A.L., LIMA, Y.C.C., “Avaliação do tijolo ecológico produzido em Teresina – PI”, In: 60º Congresso Brasileiro de Cerâmica, Águas de Lindóia, 2016.
  • [35]
    SANTOS, L.M.A., SILVA NETO, J.A., AZEREDO, A.F.N., “Caracterização de solo para misturas de adobe contendo cimento Portland como estabilizante”, Matéria (Rio J.), v. 25, n. 1, 2020.
  • [36]
    ISLAM, M. S., ELAHI, T.E., SHAHRIAR, A.R. et al., “Effectiveness of fly ash and cement for compressed stabilized earth block construction”, Construction and Building Materials, v. 255, 119392, 2020.
  • [37]
    CASTRO, M.A.M., COSTA, F.G., BORBA S.C., et al, “Avaliação das propriedades físicas e mecânicas de blocos de solo-cimento formulados com coprodutos siderúrgicos”, Matéria (Rio J.), v. 21, n. 3, 2016.
  • [38]
    PASCHOALIN, J.A., STOROPOLI, J.H., DIAS, A.J.G, “Evaluation of compressive strength and water absorption of soilcement bricks manufactured with addition of pet (polyethylene terephthalate) wastes”, Acta Scientiarum. Technology, v. 38, n. 2, p.163-171, 2016.
  • [39]
    NASCIMENTO, E.S.S., SOUZA, P.C., OLIVEIRA, H.A., et al., “Soil-cement brick with granite cutting residue reuse”, Journal of Cleaner Production, v. 321, 129002, 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2021
  • Aceito
    07 Mar 2022
Laboratório de Hidrogênio, Coppe - Universidade Federal do Rio de Janeiro, em cooperação com a Associação Brasileira do Hidrogênio, ABH2 Av. Moniz Aragão, 207, 21941-594, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel: +55 (21) 3938-8791 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revmateria@gmail.com