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Motivações para a pesquisa e o desenvolvimento de aços inoxidáveis com camadas espessas enriquecidas com nitrogênio

1. Introdução

É conhecido, que o carbono apresenta um efeito significativo nas propriedades dos aços; a alteração do seu teor, em conjunto com tratamentos térmicos e/ou mecânicos, modifica todas as propriedades do aço. Sabe-se também, que esse efeito se deve principalmente: à transformação alotrópica do ferro; à diferença de solubilidade intersticial do carbono e do seu efeito quando em solução sólida nas diferentes fases do ferro; à possibilidade de formar carbonetos de ferro e de outros elementos de liga; e à transformação martensítica.

Comparando o nitrogênio com o carbono, pode se dizer que: o nitrogênio apresenta maior solubilidade, e menor tendência à precipitação para um mesmo nível de endurecimento; assim como o carbono, estabiliza a fase gama do ferro e permite a obtenção de martensita, quando submetido ao resfriamento rápido; em contraste com o elemento supracitado, quando adicionado ao aço, propicia um maior limite de escoamento e de resistência, sem sacrificar a tenacidade na condição recozida, [11 SIMMONS, J. W., “Overview: high-nitrogen alloying of stainless steels”, Materials Science and Engineering, v.207, p. 159-169, 1996.]. Ou seja, quando comparado ao carbono, o nitrogênio apresenta influência análoga nas propriedades e desempenho dos aços, com algumas vantagens.

Sendo assim, adição do nitrogênio ao aço, afeta de forma significativa em diversas propriedades desse, sendo essas: a dureza; as propriedades elásticas e plásticas; o limite de fadiga; a resistência ao desgaste e à corrosão. Por conseguinte, inspirados nesse fenômeno, diversos grupos de pesquisa ao redor do mundo passaram a se dedicar ao estudo da adição de nitrogênio ao aço, analisando tanto seus processos, quanto suas propriedades. Dessa forma, baseado em informações do banco de dados do portal de periódicos CAPES, acessado no dia 28/03/2020, conclui-se que, o tema nitretação ainda é extremamente atual. Pois foi verificado, ao pesquisar pelas palavras chave “Nitriding” e “Steel”, que nos últimos 10 anos, segundo o portal, foram produzidos 3225 artigos revisados por pares.

A nitretação dos aços pode ser realizada por longos períodos e temperaturas de até 560ºC. Nesses casos, a espessura da camada de compostos e de difusão formada depende da temperatura, tempo e atmosfera de tratamento, bem como, da composição da liga. Genel et all [22 GENEL, K., DEMIRKOL, M., ÇAPA, M., “Effect of ion nitriding on fatigue behaviour of AISI 4140 steel”, Materials Science and Engineering A, v.279, pp. 207–216, 2000.], realizou a nitretação do aço AISI 4140, temperado e revenido (320HV) na atmosfera de 30%N2+70%H2 por 16h, e na temperatura de 475ºC, e a partir desses processos, observou camadas de composto de 6µm. No que tange a profundidade de endurecimento, obteve, o valor de 350 µm com dureza maior ou igual a 400HV.

Entretanto, se o material de interesse for um aço inoxidável, as temperaturas de nitretação ficam limitadas a 400ºC, usualmente definidas como nitretação a plasma em baixas temperaturas (Low Temperature Plasma nitriding – LTPN). Temperaturas maiores, ou logos tempos de nitretação, usualmente levam à precipitação de nitretos de cromo. O cromo é o principal responsável pela formação da camada passiva nos aços inoxidáveis. Quando esse elemento está na forma de nitretos, o filme passivo nem sempre se forma, e quando formado nem sempre é estável. Consequentemente, o aço passa a apresentar baixo desempenho quanto à corrosão. Se ao aço inoxidável for adicionado nitrogênio em solução sólida, a resistência à corrosão ainda pode ser aprimorada. Quando o aço está imerso em meio eletroquímico agressivo, o nitrogênio solúvel nesse, reage com o meio, conforme a reação N+4H++3e-➔NH4+. Essa reação neutraliza o efeito da acidez, e diminui a tendência de corrosão localizada [33 GRABKE, H.J., “The role of nitrogen in the corrosion of iron and steels”, ISIJ International, v.36, n.7, pp. 777–786, 1996.,44 OLEFJORD, I., WEGRELIUS, L., “The influence of nitrogen on the passivation of stainless steels”, Corrosion Science, v. 38, n.7, pp.1203–1220, 1996.].

Consequentemente, os processos de nitretação de aços inoxidáveis em baixas temperaturas, permitem a obtenção das camadas resistentes à corrosão, com elevado teor de nitrogênio, mas com espessuras de camada usualmente inferiores a 10µm.

Considerando situações onde a resistência à fadiga é relevante, um ponto importante que deve ser considerado, são as tensões residuais e a profundidade de endurecimento. Conforme [22 GENEL, K., DEMIRKOL, M., ÇAPA, M., “Effect of ion nitriding on fatigue behaviour of AISI 4140 steel”, Materials Science and Engineering A, v.279, pp. 207–216, 2000.], o limite de resistência à fadiga, responde linearmente ao aumento da profundidade de endurecimento. Para aplicações onde o desempenho ao desgaste é relevante, deve se considerar como critério de otimização: a dureza da camada, a tensão de escoamento da superfície e a espessura. Uma camada dura, rígida e espessa, aumenta a separação das superfícies, diminui a área de contato e diminui o coeficiente de atrito [55 TAKASHI, N., KATO, T., “Influence of a hard surface layer on the limit of elastic contact Part II: Analysis Using a Modified GW Model”, Jounal. Tribribology, v.124, n.4, pp. 785-793, 2002.], além de melhorar a resistência à abrasão. Sendo assim, tratamentos de superfície que produzam camadas duras, rígidas, espessas e com tensões residuais compressivas apresentam um campo de aplicação em situações de fadiga e desgaste.

Atualmente, os processos de nitretação, que permitem obtenção de camadas mais espessas, entre 500 e 1000µm, são os processos de nitretação à alta temperatura (HTGN - High Temperature Gas Nitriding), e o tratamento térmico de solubilização após nitretação à plasma (SHTPN – Solution Heat Treatment after Plasma Nitriding). O processo de SHTPN, permite obter camadas espessas (até 750µm), com durezas equivalentes às obtidas na têmpera de aços (até 700HV) e elevadas tensões residuais (até 500Mpa) [66 BERTON, E.M., “Corrosão e propriedades mecânicas da martensita de nitrogênio formada sobre o aço AISI 409 tratado pelo SHTPN”, Tese de D.Eng. UTFPR, Curitiba, Pr, Brasil, 2019.]. Além disso, essa superfície ainda pode ser submetida ao tratamento de nitretação em baixa temperatura. Como resultado, obtêm-se camadas de fases expandidas, sobre a camada previamente obtida com espessuras da ordem de 10µm, e dureza de até 1300HV. Camadas como essa, apresentam elevada dureza superficial, gradiente de dureza mais brando, e melhor suporte para a camada de fase expandida, obtida pela LTPN. Para o leitor interessado, maiores informações sobre os tratamentos de HTGN e SHTPN, estão disponíveis na bibliografia [77 GARZÓN, C. M., TSCHIPTSCHIN, A. P. “Nitretação gasosa em alta temperatura de aços inoxidáveis”, Revista Matéria, v. 10, n. 4, pp. 502–525, 2005.

8 BERTON, E. M., NEVES, J. C. K., MAFRA, M., et al., “Nitrogen enrichment of AISI 409 stainless steel by solution heat treatment after plasma nitriding”, Kovove Mater., v. 55, pp. 1–5, 2017.

9 SUNG, J.H., KONG, J.H., YOO, D.K., et al., “Phase changes of the AISI 430 ferritic stainless steels after high-temperature gas nitriding and tempering heat treatment”, Materials Science and Engineering A, 2008, doi:10.1016/j.msea.2007.11.078
https://doi.org/10.1016/j.msea.2007.11.0...

10 REIS, R. F., MALISKA, A. M., BORGES, P. C. “Nitrogen surface enrichment of austenitic stainless steel ISO 5832-1”, J Mater Sci, v.46, pp. 846–854, 2011.

11 BORGES, P. C., ROCHA, L. A., “Solution heat treatment of plasma nitrided 15-5PH stainless steel Part I. Improvement of the corrosion resistance”, Kovove Mater., v. 49, pp. 107–117, 2011
-1212 TSCHIPTSCHIN, A.P., VARELA, L.B., PINEDO, C.E., et al., “Development and microstructure characterization of single and duplex nitriding of UNS S31803 duplex stainless steel”, Surface & Coatings Technology, v. 327, pp. 83–92, 2017].

Por fim, a impossibilidade de se obterem camadas espessas pelo tratamento de nitretação em baixa temperatura, estimula os pesquisadores a estudarem processos como HTGN ou SHTPN concomitantes ou não com outros tratamentos superficiais. Sendo assim, devido ao potencial de aplicação na indústria metal mecânica de: camadas nitretadas espessas, duras e com elevadas tensões residuais, o estudo dos processos HTGN ou SHTPN, podem ser relevantes.

BIBLIOGRAFIA

  • 1
    SIMMONS, J. W., “Overview: high-nitrogen alloying of stainless steels”, Materials Science and Engineering, v.207, p. 159-169, 1996.
  • 2
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    GRABKE, H.J., “The role of nitrogen in the corrosion of iron and steels”, ISIJ International, v.36, n.7, pp. 777–786, 1996.
  • 4
    OLEFJORD, I., WEGRELIUS, L., “The influence of nitrogen on the passivation of stainless steels”, Corrosion Science, v. 38, n.7, pp.1203–1220, 1996.
  • 5
    TAKASHI, N., KATO, T., “Influence of a hard surface layer on the limit of elastic contact Part II: Analysis Using a Modified GW Model”, Jounal. Tribribology, v.124, n.4, pp. 785-793, 2002.
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  • 9
    SUNG, J.H., KONG, J.H., YOO, D.K., et al, “Phase changes of the AISI 430 ferritic stainless steels after high-temperature gas nitriding and tempering heat treatment”, Materials Science and Engineering A, 2008, doi:10.1016/j.msea.2007.11.078
    » https://doi.org/10.1016/j.msea.2007.11.078
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    MAFTOUM, R.A., BORGES, P.C., BORGES, P.C., MARQUEZE, C.M., “Influência do nitrogênio na resistência à erosão por cavitação do aço inoxidável martensítico”, Revista Matéria, v. 22, n. 1, e11933, 2017.
  • 14
    REIS, R. F., BORGES P. C., PANDOLFO, V., “Nitretação por plasma do aço ISO 5832-1 em alta temperatura: Influência do tempo de tratamento e sua aplicação no processo SHTPN”, Revista Matéria, v.18, n.04, pp. 1525-1540, 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020
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