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Caracterização metalográfica e mecânica do aço ABNT/SAE 1020 submetido ao tratamento termoquímico de cementação e ao tratamento térmico de têmpera

Metallographic and mechanical characterization of ABNT/SAE 1020 steel subjected to the thermochemical treatment of carburizing and the thermal treatment of the quenching

RESUMO

O uso de tratamentos em aços tem como característica melhorar o desempenho mecânico desses materiais durante aplicação. Nesse contexto, a cementação sólida é um tratamento termoquímico que possibilita o aumento da dureza nas superfícies dos metais, por meio da difusão de carbono da atmosfera de um forno para a superfície do metal. A têmpera, por sua vez, é um tratamento térmico que tem o intuito de elevar a dureza do aço, por meio do aquecimento do metal até a austenitização e o posterior resfriamento rápido, formando uma microestrutura predominantemente martensítica. O objetivo do presente trabalho foi caracterizar as microestruturas formadas após a aplicação de têmpera e cementação sólida em aços ABNT/SAE 1020, utilizando técnicas metalográficas e ensaios de dureza. Após a realização dos tratamentos, as amostras foram analisadas via ensaios de dureza Rockwell e microdureza Vickers, microscopia óptica e macrografia. Os resultados dos ensaios de dureza mostraram que a dureza das amostras temperadas e cementadas foi superior à dureza das amostras sem tratamento. Além disso, não houve influência significativa da granulometria do carvão vegetal na dureza das amostras cementadas, devido à alta variabilidade dos valores. Por meio da microscopia óptica e dos resultados de ensaios de microdureza Vickers, foi possível identificar que as amostras cementadas apresentaram elevada dureza da região da camada cementada, causada pela formação de martensita de alto e baixo carbono, com um núcleo mais tenaz, devido à presença de ferrita e perlita. As amostras com têmpera, por sua vez, apresentaram uma microestrutura de baixa dureza, o que também foi verificado pelo ensaio de microdureza.

Palavras-chav
Têmpera; cementação sólida; metalografia; dureza; microestrutura

ABSTRACT

The use of steel heat treatments aims to improve the mechanical performance of these materials during their application. In this context, solid cementation is a thermochemical treatment that makes it possible to increase the hardness on metal surfaces, through the diffusion of carbon from the atmosphere of an oven to the metal surface. On the other hand, quenching is a heat treatment that aims to increase the hardness of the steel, by heating the metal until austenitization and subsequent rapid cooling, forming a predominantly martensitic microstructure. The objective of the present work was to characterize the microstructures formed after the application of the quenching and solid carburizing of ABNT/SAE 1020 steels, using metallographic techniques and hardness tests. After carrying out the treatments, the samples were analyzed using Rockwell hardness tests, Vickers microhardness tests, and by optical microscopy and macrography. The results of the sample hardness tests showed that the hardness of the carburized and quenched samples is superior to the hardness of the untreated samples. In addition, there was no significant influence of the granulometry of charcoal on the hardness of the carburized samples, due to the high variability of the hardness values obtained. Through the optical microscopy and the results obtained in the Vickers microhardness tests, it was possible to notice that the carburized samples showed a great increase in the hardness of the region of the carburized layer, caused by the formation of high and low carbon martensite, with a more tenacious due to the presence of ferrite and pearlite. The quenched samples presented a low hardness microstructure, which was also verified by the microhardness test.

Keywords
Quenching; solid cementation; metallography; hardness; microstructure

1. INTRODUÇÃO

Os aços são os materiais mais usados no mundo, pois possuem uma excelente combinação de propriedades mecânicas, elétricas e químicas, associadas a um custo competitivo [11 CELESTINO, P.A.P., FELIPE, R.C.T.S., MACHADO, T.G., “Análise comparativa entre o tratamento térmico (têmpera) e o tratamento termoquímico (cementação) realizado em aço 1040”, Holos, v. 3, n. 23, pp. 223-232, 2007., 22 MAHARJAN, N., ZHOU, W., WU, N., “Direct laser hardening of AISI 1020 steel under controlled gas atmosphere”, Surface and Coatings Technology, v. 385, n. 1, 125399, 2020.]. Segundo VALE [33 VALE, A.R.M., Tratamento Térmico, Santa Maria, UFSM, 2011.], com o aquecimento e posterior resfriamento dos aços, é possível modificar as características dos mesmos, tornando-os mais duros, dúcteis, resistentes, frágeis, de acordo com a aplicação desejada e, por isso, a maior parte dos aços disponíveis no mercado foram submetidos a algum tratamento prévio.

Atualmente, existem diversos tratamentos disponíveis para aços, nos quais se destacam os térmicos e termoquímicos. De acordo com KRAUSS [44 KRAUSS, G., Steels: Processing, Structure, and Performance, 2. ed., ASM International, 2015.], existem vários tratamentos térmicos como a têmpera, normalização, recozimento, que são essencialmente constituídos pelo aquecimento de um material a uma determinada temperatura e um posterior resfriamento, com o intuito de modificar estruturalmente o material. Segundo MEI e SILVA [55 MEI, P.R., SILVA, A.L.C., Aços e Ligas Especiais, 3. ed., Blucher, 2010.], a têmpera consiste em aquecer o material até a austenitização completa do mesmo, e resfriá-lo rapidamente, para a obtenção da microestrutura martensítica, aumentando a sua dureza de maneira significativa.

Por outro lado, a cementação é um dos tratamentos termoquímicos mais utilizados, tendo como objetivo o endurecimento da superfície do material, mantendo um núcleo tenaz. O endurecimento superficial é alcançado por meio da difusão na superfície de átomos de carbono provenientes da atmosfera do forno, em uma elevada temperatura, e um posterior resfriamento rápido do material [66 CRUZ, M.P.N., Efeito da composição química, da atmosfera cementante e dos ciclos termoquímicos na microestrutura e dureza de aços baixo carbono cementados e temperados, Dissertação de M., UFSC, Florianópolis, SC, Brasil, 2014., 77 GALIOTTO, A., ROSSO, A.R., ALMEIDA, E.A.S., et al. “Characterization of Different Surface Layers Produced by Solid Boron-Nitro-Carburizing Thermochemical Treatment on AISI 1020”, Materials Research, v. 22, n. 5, e20190316, 2019.]. BISINELI et al. [88 BISINELI, A.R., SILVA, L.R.R., ZANCANELLA, A.C.B., et al. “Influência da concha de ostra como ativador do carvão vegetal para cementação sólida em caixa do aço ABNT/SAE 1020”, Acta Mechanìca et Mobilitatem, v. 5, n. 1, pp. 11-18, 2020.] investigaram o uso de cementação em aços ABNT/SAE 1020 e verificaram um aumento na dureza superficial, com a formação de martensita de alto carbono nas bordas do material de análise.

Segundo MEI e SILVA [55 MEI, P.R., SILVA, A.L.C., Aços e Ligas Especiais, 3. ed., Blucher, 2010.], por ser um aço com baixo teor de carbono, o aço ABNT/SAE 1020 não é indicado para ser submetido à têmpera. Caso seja realizada a têmpera neste aço, é recomendado que seja aquecido acima de 900 ºC (zona crítica). Após o seu resfriamento, a microestrutura tenderá a ser composta por martensita em ripas [44 KRAUSS, G., Steels: Processing, Structure, and Performance, 2. ed., ASM International, 2015., 99 COLPAERT, H., Metalografia dos Produtos Siderúrgicos Comuns, 4. ed., Blucher, 2008.]. Conforme trabalho realizado por SILVA [1010 SILVA, D.M., Avaliação do ganho de resistência mecânica versus fragilidade do aço 1020 endurecido por têmpera e revenido, Monografia de G., UTFPR, Ponta Grossa, PR, Brasil, 2014.], quando este aço é submetido ao processo de têmpera, à uma temperatura de 920 ºC durante 20 minutos e resfriado rapidamente com o uso de água, apresenta um valor de dureza que varia entre 36 e 54 HRC (Rockwell C). O aço ABNT/SAE 1020 é largamente usado em aplicações onde há ciclos repetidos de tensão, e por isso é de grande interesse em diversos setores industriais [1111 SANTOS, F.F., SILVA, S.C., ABRÃO, A.M., et al. “Influência da operação de roleteamento sobre a integridade superficial do aço ABNT 1020”, Matéria (Rio J.), v. 25, n. 2, e-12651, 2020.].

A partir desse contexto, este trabalho busca caracterizar e comparar as microestruturas obtidas das amostras do aço ABNT/SAE 1020, que foram submetidas à cementação sólida, com diferentes granulometrias de carvão vegetal, ou ao tratamento por têmpera. Após a realização dos tratamentos, as amostras foram analisadas por ensaios de dureza Rockwell, de microdureza Vickers e das técnicas metalográficas de microscopia óptica e macrografia. Posteriormente à execução dessas análises, foram obtidas informações relevantes para verificar a influência dos diferentes tratamentos aplicados nas microestruturas resultantes, e em seus respectivos valores de dureza.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Para as análises experimentais foram utilizadas onze amostras cilíndricas (30 mm de comprimento e 25 mm de diâmetro) do aço ABNT/SAE 1020 conforme recebida pelo fornecedor. O desenho experimental é apresentado na Figura 1.

Figura 1
Procedimento geral de caracterização do aço.

2.1 Tratamentos de cementação e têmpera

Para a produção das amostras cementadas, foram utilizados quatro intervalos distintos de granulometrias do carvão vegetal: entre 4,0 e 12,5 mm; entre 1,0 e 4,0 mm; entre 0,5 e 1,0 mm; e por fim, menor que 0,5 mm.

No tratamento de têmpera, foram utilizadas duas amostras do aço ABNT/SAE 1020, dispostas em um forno Mufla Dentsply Vulcan 3-550PD e um recipiente com água em temperatura ambiente (25 ºC). Segundo OLUWAFEMI et al. [1212 OLUWAFEMI, O.M., OKE, S.R., OTUNNIYI, I.O., et al. “Effect of carburizing temperature and time on mechanical properties of AISI/SAE 1020 steel using carbonized palm kernel shell”, Leonardo Electronic Journal of Practices and Technologies, v. 14, n. 27, pp. 41-56, 2015.], em estudo de cementação em temperaturas distintas (800, 850, 900 e 950 ºC), observaram que quanto maior a temperatura, maior a tensão de resistência do material. Por outro lado, DARMO et al. [1313 DARMO, S., SOENOKO, R., SISWANTO, E., et al. “Study on mechanical properties of pack carburizing SS400 steel with energizer pomacea canalikulata lamarck shell powder”. International Journal of Mechanical Engineering and Technology, v. 9, n. 5, pp. 14-23, 2018.], investigaram a cementação do aço SS440, realizada em 3, 5 e 7 horas, e observaram que quanto maior o tempo, melhor a difusão e maior a dureza superficial. Portanto, em busca de certificar que o aço ABNT/SAE 1020 estivesse totalmente austenitizado, provendo maior tempo de difusão do carbono no material, a temperatura de aquecimento no forno foi de 1000 ºC, durante um tempo de 9 horas. Após o aquecimento, as amostras foram resfriadas rapidamente em um recipiente com água a 25 ºC. Por fim, para as amostras que foram submetidas à cementação utilizou-se os mesmos parâmetros de aquecimento das submetidas à têmpera.

2.2 Ensaios de dureza Rockwell

Para verificar e quantificar o aumento de dureza, proveniente dos diferentes tratamentos realizados, as amostras foram submetidas ao ensaio de dureza Rockwell, utilizando o durômetro Importecnica MSM. Durante os ensaios de dureza, foi notada a necessidade de utilizar as escalas B e C da dureza Rockwell, pois as amostras possuíam uma grande variação nos valores de dureza devido aos distintos tratamentos aplicados. Foram realizadas 34 medições de dureza em cada amostra, divididas em: nove medições na região do topo; nove medições na região da base; dezesseis medições na região da superfície lateral, com quatro medições a cada giro de 90º. A distribuição das marcações realizadas no durômetro podem ser visualizadas com mais detalhes na Figura 2.

Figura 2
Marcações do ensaio nas regiões de a) topo e base, e da b) superfície lateral.

2.3 Preparação das amostras para ensaios de microdureza e análises metalográficas

Foi realizado um corte transversal na metade do comprimento das amostras utilizando um torno convencional. Após a realização do corte das amostras, foram feitos o lixamento e o polimento das mesmas. Para o lixamento, foram usadas oito granulometrias diferentes de lixas (80, 120, 220, 320, 400, 600, 800 e 1200). Com a troca da granulometria da lixa, foi feita uma rotação na amostra de 90º, para evitar que as superfícies das amostras ficassem inclinadas e irregulares, dificultando a realização dos ensaios posteriores. Durante todo o lixamento, foi utilizado um fluxo contínuo de água, para evitar o sobreaquecimento das amostras. No polimento das amostras, foi utilizado um pano para polimento metalográfico. Neste trabalho, foram utilizadas soluções com a alumina em suspensão, granulação de 1,0 e 0,3 µm.

2.4 Ensaios de microdureza Vickers

Foi utilizado o durômetro da Mitutoyo modelo HM-100. Durante a realização do ensaio, foi utilizada uma carga de 0,5 kg, com um tempo de aplicação de 15 segundos, e foram realizadas 24 medições em cada uma das amostras testadas, concentrando mais medições na parte mais próxima da borda, a região mais impactada pela cementação. Para existir uma referência comparativa, para os valores de microdureza encontrados nas amostras que foram submetidas aos tratamentos de têmpera e cementação, foram realizadas três medições de microdureza Vickers, nos pontos de 0,075, 6,000 e 12,000 mm, nas amostras sem tratamento.

2.5 Análise por microscopia óptica e macrografia

Antes da análise por microscopia óptica, as amostras foram atacadas quimicamente por meio da imersão em um recipiente de vidro, com uma solução de Nital 3%, durante um período de 10 segundos. Após o ataque químico na superfície da amostra, foi utilizado álcool para cessar a reação química e um soprador térmico para a secagem. A microscopia óptica foi realizada com o uso de um microscópio Olympus modelo BX51M.

As macrografias, por sua vez, foram realizadas após um novo lixamento das amostras, utilizando as lixas com granulometria de 80, 120, 220, 320 e 400, e um ataque químico com o uso do reativo de iodo, imergindo as amostras no reagente durante um período de aplicação de 60 segundos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Ensaios de dureza Rockwell

Os resultados obtidos para as amostras cementadas nos ensaios de dureza Rockwell são apresentados na Figura 3. As amostras que utilizaram as duas granulometrias intermediárias do carvão vegetal, entre 0,5 e 1,0 mm e entre 1,0 e 4,0 mm mostraram uma tendência de dureza média acima das demais granulometrias.

Figura 3
Dureza média das amostras cementadas.

Entretanto, devido os desvios padrão mensurados nas amostras serem relativamente alto, estatisticamente os valores possuem características iguais. Há característica do aumento do desvio padrão proporcional ao aumento do tamanho de grão do carvão, em que hipótese é dada pela redução de contato efetivo entre o carburizante e superfície do material cementado, acarretando uma maior variação de dureza ao longo da amostra, conforme Figura 4.

Figura 4
Esquema ilustrativo entre o contato do carburizante (partículas) de acordo com seu tamanho na superfície da amostra.

Ao comparar as amostras sem tratamento e com têmpera, observou-se que as escalas da dureza Rockwell encontradas nas amostras foram distintas das amostras com cementação, pois para as amostras cementadas a escala referida é HRC e as amostras com têmpera e sem tratamento a escala utilizada foi HRB, respectivamente 73,46 ± 3,67 HRB e 92,21 ± 5,65 HRB. A têmpera aumentou a dureza para o aço ABNT/SAE 1020, porém muito inferior ao proporcionado pela cementação. Este resultado era previsto, pois o aço ABNT/SAE 1020 é um aço de baixo teor de carbono e não possui uma boa temperabilidade, entretanto, os valores da dureza encontrados nas amostras com têmpera foram bem menores que os obtidos por SILVA [1010 SILVA, D.M., Avaliação do ganho de resistência mecânica versus fragilidade do aço 1020 endurecido por têmpera e revenido, Monografia de G., UTFPR, Ponta Grossa, PR, Brasil, 2014.]. A redução da dureza é esclarecida pelo crescimento dos grãos, reduzindo os defeitos, a energia superficial dos contornos de grão, devido ao elevado tempo de permanência em elevada temperatura na austenitização, explicado por PADILHA e SILICIANO [1414 PADILHA, A., SILICIANO, F., Encruamento, recristalização, crescimento de grão. 3. ed. ABM, 2005.].

Durante a análise dos resultados de dureza das amostras cementadas, foi observada uma diferenciação da dureza encontrada na superfície lateral e nas regiões de topo e base das amostras. Esta diferença pode ser explicada pela diferença no fornecimento de carbono, causada pelo posicionamento das amostras na caixa metálica, uma vez que as amostras estavam na posição vertical ao comprimento, inicialmente mergulhadas no carbono antes do processo e ao findar do processo, ao abrir a caixa, devido ao rearranjo do carburizante, o topo das amostras estavam expostos ao gás da caixa (Figura 5).

Figura 5
a) Amostra imersa antes do procedimento. b) Amostra parcialmente exposta após o procedimento. c) Seção representativa da superfície da amostra parcialmente imersa e parcialmente exposta ao meio interno da caixa de cementação.

Analisando a Figura 5, nota-se que nas amostras cementadas, ao se aproximar da região do topo, apresentam um decréscimo nos valores médios de dureza e um aumento na variabilidade. Esta diferença pode ser explicada pela possível diferença no fornecimento de carbono, causada pelo posicionamento das amostras na caixa (Figura 6). A região da superfície lateral mais próxima do topo, Posição 4, possivelmente ficou com um fornecimento de cemento sólido menor e mais instável se comparada com a região mais próxima da base, Posição 1, pois a base das amostras ficou posicionada no fundo da caixa metálica, recebendo carbono de forma mais intensa. Uma maior dureza nas bases de amostras de aço ABNT/SAE 1020 tratados por cementação foi verificada também no estudo de BISINELI et al. [88 BISINELI, A.R., SILVA, L.R.R., ZANCANELLA, A.C.B., et al. “Influência da concha de ostra como ativador do carvão vegetal para cementação sólida em caixa do aço ABNT/SAE 1020”, Acta Mechanìca et Mobilitatem, v. 5, n. 1, pp. 11-18, 2020.], que ressalta a importância da adição de carbono no meio cementante para aumento da dureza superficial da amostra.

Figura 6
Dureza média na superfície lateral das amostras com cementação.

Ao analisar separadamente as regiões do topo e da base das amostras cementadas (Figura 7), é possível confirmar a tendência de valores menores de dureza média para a região de topo, quando comparado com a região da base.

Figura 7
Diferença na dureza média entre topo e base das amostras com cementação.

Este comportamento foi verificado em todas as granulometrias utilizadas na cementação, reafirmando a hipótese da diferença de fornecimento de carbono entre o topo e a base. A redução de dureza é devida a exposição da superfície do topo da amostra durante o processo, já o desvio padrão é maior acarretado pela redução do contato das partículas, uma vez que as partículas finas tendem a ir para o fundo da caixa e as partículas maiores do cementante ficar na parte superior da caixa.

3.2 Ensaios de microdureza Vickers

Com base nos perfis de microdureza das amostras (Figura 8), é possível verificar que todos os tratamentos realizados resultaram em um crescente aumento na dureza do aço sem tratamento, confirmando os resultados obtidos no ensaio de dureza Rockwell. Analisando especificamente os perfis de microdureza das amostras cementadas, nota-se significativa dureza na região próxima à borda, que vai reduzindo de acordo com o aumento da distância até a borda. Isso era previsto pois a cementação tem o objetivo de aumentar a dureza superficial mantendo um núcleo com uma dureza menor.

Figura 8
Perfil de microdureza das amostras.

Porém, com relação às amostras temperadas, a região da borda mostrou-se com menor dureza do que o núcleo, resultado que não está de acordo com o esperado para este tratamento, pois a região da borda da amostra deveria apresentar um resfriamento mais rápido que a região central, devido ao elevado tempo, em elevada temperatura, em um meio não inerte. Conforme citado por KUANG et al. [1515 KUANG, C., WANG, J., LI, J., ZHANG, S., LIU, H., YANG, H., "Effect of continuous on microstructure and bake hardness behavior of low carbon steel", Journal of Iron and Steel Research, v. 22, n. 2, pp. 163-170, 2015.], ocorre uma maior descarbonetação na superfície do que no interior da amostra, explicando o gradiente de dureza da superfície em relação ao interior da amostra na seção transversal. Assim, é possível verificar que a cementação apresentou uma elevada dureza, sendo muito mais expressiva que a têmpera na região próxima à borda. Esta diferença na dureza se deve à deficiente temperabilidade do aço ABNT/SAE 1020, devido à menor quantidade presente de carbono em sua composição.

3.3 Microscopia óptica

A microscopia óptica realizada na borda da amostra sem tratamento (Figuras 9a-9b) mostrou uma microestrutura granular composta por colônias de perlita, com coloração mais escura, e grãos de ferrita equiaxial, com coloração mais clara. Comparando as regiões de borda e de núcleo (Figuras 9b-9c), não foram observadas diferenças na microestrutura, demonstrando uma uniformidade em toda a seção transversal da amostra. A Figura 9d mostra o núcleo da amostra sem tratamento com uma ampliação maior, denotando uma diferença de coloração entre as colônias de perlitas.

Figura 9
Micrografias da amostra sem tratamento: (a) borda da amostra sem tratamento (100x), (b) borda da amostra sem tratamento (200x), (c) núcleo da amostra sem tratamento (200x) e (d) núcleo da amostra sem tratamento (500x).

As micrografias nas amostras submetidas à têmpera denotaram uma microestrutura formada por ferrita acicular e perlita, conforme Figura 10, uma vez que para aço de baixo carbono como o ABNT/SAE 1020 não há característica da formação clara da martensita, não podendo esquecer da descarbonetação superficial parcial, devido a temperatura e o tempo de aquecimento muito acima do recomendado para este tipo de tratamento. Segundo COLPAERT [99 COLPAERT, H., Metalografia dos Produtos Siderúrgicos Comuns, 4. ed., Blucher, 2008.], durante a fase de aquecimento dos tratamentos térmicos que envolvem a austenitização completa do aço, o carbono possui uma elevada mobilidade, podendo reagir com o oxigênio que está presente na atmosfera do forno, formando o monóxido de carbono, reduzindo assim a quantidade de carbono presente no aço e dificultando a formação da martensita. O autor investigou um aço de médio carbono superaquecido durante o tratamento da têmpera e verificou uma alta descarbonetação superficial parcial, resultando em microestrutura muito similar à encontrada nas amostras temperadas deste trabalho.

Figura 10
Micrografias da amostra submetida ao tratamento por têmpera: (a) borda da amostra com têmpera (100x), (b) borda da amostra com têmpera (200x) e (c) núcleo da amostra com têmpera (200x).

Com a perda acentuada de carbono na região da borda e um resfriamento mais rápido que no núcleo, formou-se uma microestrutura composta por ferrita acicular (Figuras 10a-10b), ao invés da martensita. Por apresentar uma quantidade excessiva de ferrita acicular em sua borda, os valores de microdureza encontrados para as amostras temperadas, considerados muito baixos, foram confirmados via micrografia. No núcleo da amostra temperada, grãos perlíticos foram verificados, envolvidos por ferrita de Widmanstätten, conforme Figura 9c. Esta região não apresentou a ferrita acicular, pois foi submetida a um resfriamento mais lento e a descarbonetação ocorreu apenas em uma pequena região muito próxima a borda. Como o núcleo da amostra apresentou uma concentração maior de perlita que a borda e sendo a perlita uma microestrutura mais dura que a ferrita, é possível verificar o motivo do perfil da microdureza da amostra apresentar um crescimento, conforme os pontos de medição mais próximos do núcleo da amostra.

A borda da amostra cementada com granulometrias de carvão variando entre 4,0 e 12,5 mm, possui uma evidente e visível diferença na tonalidade das cores, sendo que a região mais próxima da borda possui uma coloração mais clara que a região mais afastada, conforme Figura 11a. As duas regiões possuem uma microestrutura predominantemente martensítica, conforme DEWANGAN, BEHERA e CHOWRASIA [1616 DEWANGAN, S., BEHERA, S., CHOWRASIA, M.K., “Comparative analysis into mechanical properties and microstructural attributes of quenched and tempered 0.2%-C steel”, World Journal of Engineering, v. 17, n. 1, pp. 127-133, 2020.], porém a região mais clara contém martensita de alto carbono, devido ao maior fornecimento de carbono, e a região um pouco mais afastada, contém martensita de baixo carbono. Esta diferença da martensita ao longo da camada cementada pode ser confirmada a partir do perfil de microdureza, que até aproximadamente 0,5 mm de distância da borda, as amostras apresentaram valores de 850 e 900 HV, possivelmente uma região predominantemente martensítica de alto carbono. A Figura 11b mostra a microestrutura composta por agulhas de martensita de alto carbono com perlita ou austenita retida em seus contornos. Verifica-se a evidência de grãos austeníticos prévios, pois a partir da formação de austenita, com o aquecimento de uma estrutura martensítica, duas morfologias podem ser formadas, uma estrutura equiaxial em torno dos contornos de grão austeníticos prévios e uma acicular (ripas e agulhas) [1717 HERMENEGILDO, T.F.C., Efeito do NB na Cinética de Revenimento de Aços de Baixo Carbono, Dissertação de M., UFOP, Ouro Preto, MG, Brasil, 2016., 1818 FERDIAN, C., ARIATI, M., NORMA, A., “Method for detecting austenite grains in low-carbon steel after hot deformation”, Metal Science and Heat Treatment, v. 55, n. 5-6, pp. 281-284, 2013.]. A Figura 11c, por sua vez, mostra a região da martensita de baixo carbono ampliada, evidenciando as ripas que compõem esta microestrutura.

Durante a realização da microscopia, foi identificada uma região entre a camada cementada e o núcleo da amostra que representa a transição de uma região de maior dureza (camada cementada) para uma região de menor dureza (núcleo), conforme Figura 11d. A maior parte da microestrutura nesta região é constituída por grãos perlíticos com seus contornos compostos por ferrita de Widmanstätten, ambas de baixa dureza. Também é possível observar a presença de martensita de baixo carbono e bainita, microestruturas associadas a maiores valores de dureza. O núcleo da amostra cementada, constituído principalmente por perlita e ferrita de Widmanstätten, se mostra uma microestrutura dúctil, tenaz e com baixa dureza, conforme esperado de uma amostra que foi submetida à cementação. Na Figura 11e, nota-se bainita, porém em menor quantidade e tamanho que na região intermediária. O núcleo da amostra foi ampliado 1000x, para visualizar com maior clareza a ferrita de Widmanstätten, conforme Figura 11f. Esta ferrita possui uma forma de ripa ou placa alongada, que pode se formar a partir dos contornos ou do interior dos grãos austeníticos, e é formada pelo aumento da velocidade de resfriamento, porém menor que a velocidade de resfriamento necessária para a formação da ferrita acicular [1717 HERMENEGILDO, T.F.C., Efeito do NB na Cinética de Revenimento de Aços de Baixo Carbono, Dissertação de M., UFOP, Ouro Preto, MG, Brasil, 2016., 1818 FERDIAN, C., ARIATI, M., NORMA, A., “Method for detecting austenite grains in low-carbon steel after hot deformation”, Metal Science and Heat Treatment, v. 55, n. 5-6, pp. 281-284, 2013.].

Figura 11
Micrografias da amostra submetida a cementação [12,5 mm > Grão > 4,0 mm]: (a) borda da amostra (50x), (b) borda da amostra (200x), (c) borda da amostra (1000x), (d) região intermediária da amostra (200x), (e) núcleo da amostra (200x) e (f) núcleo da amostra (1000x).

A micrografia da amostra cementada com granulometrias de carvão entre 1,0 e 4,0 mm também possui uma diferenciação de coloração entre as regiões da borda, evidenciando a formação da martensita de alto e baixo carbono (Figura 12a). A microestrutura do núcleo é composta em grande parte por grãos perlíticos com contornos constituídos por ferrita de Widmanstätten, conforme Figura 12b, similar ao encontrado na amostra cementada com granulometrias de carvão entre 4,0 e 12,5 mm.

Figura 12
Micrografias da amostra submetida a cementação [4,0 mm > Grão > 1,0 mm]: (a) borda da amostra (50x) e (b) núcleo da amostra (200x).

A Figura 13 apresenta a amostra cementada com uma granulometria de carvão entre 1,0 e 0,5 mm. É perceptível a variação da cor na região da borda (Figura 13a), caracterizando a martensita de alto e baixo carbono, muito similar às amostras cementadas analisadas anteriormente. Nota-se no núcleo desta amostra, conforme Figura 13b, grãos perlíticos e ferrita de Widmanstätten nos contornos de grãos.

Figura 13
Micrografias da amostra submetida a cementação [1,0 mm > Grão > 0,5 mm]: (a) borda da amostra (50x) e (b) núcleo da amostra (200x).

A amostra submetida à cementação com menor granulometria do carvão vegetal, por sua vez, apresentou uma microestrutura similar às outras amostras cementadas. Na borda das amostras, é possível notar uma região predominantemente martensítica, possuindo a martensita de alto e baixo carbono (Figura 14a), e no núcleo, grãos perlíticos envoltos por ferrita de Widmanstätten (Figura 14b).

Figura 14
Micrografias da amostra submetida a cementação [0,5 mm > Grão]: (a) borda da amostra (50x) e (b) núcleo da amostra (200x).

3.4 Macrografias

Com a realização da macrografia nas amostras (Figura 15), pode-se confirmar a formação da camada cementada nas amostras que foram tratadas por cementação. Há uma clara diferença de coloração entre a borda e o núcleo das amostras. Além disso, é nítido a diferença visual entre a amostra com têmpera e sem tratamento, demonstrando que houve uma modificação na microestrutura em função da têmpera.

Figura 15
Macrografia das amostras.

4. CONCLUSÕES

Este trabalho investigou a influência do tratamento termoquímico de cementação na dureza e na microestrutura de aços de baixo carbono ABNT/SAE 1020. Os resultados do ensaio de dureza das amostras mostraram que a dureza das amostras temperadas e cementadas possuem um incremento significativo, quando comparada com as amostras que permaneceram sem tratamento. Na análise da dureza das amostras, é importante notar que a dureza esperada das amostras temperadas deveria ser maior do que a obtida neste trabalho, devido a não formação da martensita. Com os resultados do ensaio de dureza não foi possível verificar a influência da granulometria do carvão vegetal na dureza das amostras cementadas, pois os valores de dureza apresentaram alta variabilidade.

Com as imagens obtidas da microscopia óptica e os resultados no ensaio de microdureza Vickers, foi possível identificar e diferenciar as microestruturas formadas nas bordas e nos núcleos das amostras. Nas amostras cementadas, foi possível verificar que o grande aumento na dureza da região da camada cementada foi causada pela formação de martensita de alto e baixo carbono, sendo que o núcleo se mostrou menos duro e mais tenaz, devido à presença de ferrita e perlita. As amostras com têmpera, por sua vez, apresentaram uma microestrutura de baixa dureza, conforme demonstrado no ensaio de microdureza Vickers.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo - IFES e ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica - PPGMEC da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG pela estrutura física e apoio. Os autores agradecem às agências brasileiras CAPES, CNPq, FINEP e FAPEMIG pelo apoio financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2020
  • Aceito
    13 Set 2021
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