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Insatisfação com imagem corporal e adesão à terapia antirretroviral entre indivíduos com HIV/AIDS

Body image dissatisfaction and adherence to antiretroviral therapy in people with HIV/AIDS

Resumos

OBJETIVO: Este estudo teve como objetivo avaliar a associação entre insatisfação com a imagem corporal e adesão à terapia antirretroviral. MÉTODOS: Participaram do estudo 80 indivíduos infectados com o vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imu-nodeficiência adquirida. Foi administrado questionário de autopreenchimento para avaliar o nível de adesão à medicação, com metodologia de escalas de silhuetas para avaliar a satisfação com a imagem corporal. As aná-lises incluíram estatística descritiva, teste t de Student, Qui-quadrado e estimativa de Odds ratio. RESULTADOS: Os resultados mostraram elevada insatisfação com a imagem corporal tanto entre os homens quanto entre as mulheres (75,0%). A insatisfação corporal foi mais prevalente no grupo com sobrepeso (40,0% vs 15,0%; p=0,041) e entre os indivíduos com queixas de depressão, mas tais diferenças não foram significativas (28,3% vs. 15,0%; p=0,233). No grupo de insatisfeitos com a imagem corporal, 62,0% das mulheres tinham sobrepeso e 58,0% dos homens eram eutróficos. A adesão irregular aos antirretrovirais foi mais prevalente entre as mu-lheres, em comparação aos homens (77,8% vs 47,7; p=0,006). Existiu uma associação positiva e significativa entre insatisfação com a imagem corporal e baixos níveis de adesão (OR=4,69 IC:1,491-17,792; p=0,003). CONCLUSÃO: Este estudo mostrou associação entre insatisfação com a imagem corporal, sobrepeso e baixa adesão à terapia antirretroviral. Intervenções que objetivem reduzir a insatisfação com a imagem corporal são recomendadas para indivíduos infectados com o vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida, sob tratamento antirretroviral.

Estado nutricional; HIV; Imagem corporal; Sobrepeso; Terapia antirretroviral


OBJECTIVE: This study assessed the association between body image dissatisfaction and adherence to antiretroviral therapy. Methods Eighty individuals with Human Immunodeficiency Virus/Acquired Immunodeficiency Syndrome participated in the study. A self-report inventory on adherence to therapy and figure rating scales were used to assess body image dissatisfaction. Statistical treatment included descriptive statistics, Student's t-test, chi-square test and estimation of odds ratio. RESULTS: The results showed that body image dissatisfaction was high in men and women (75.0%). Body image dissatisfaction was more likely to be present in overweight individuals (40.0% vs 15.0%; p=0.041) and individuals with symptoms of depression, but these differences were not significant (28.3% vs 15.0%; p=0.233). Sixty-two percent of the women with body image dissatisfaction were overweight and 58.0% of the men were normal weight. Men were more likely to adhere to treatment than women (52.3% vs 22.2%; p=0.006). There was a positive and significant association between body image dissatisfaction and low adherence to antiretroviral therapy (OR=4.69 CI: 1.491-17.792; p=0.003). CONCLUSION: This study found that body image dissatisfaction is associated with excess weight and low adherence to antiretroviral therapy. Thus, interventions to reduce body image dissatisfaction in people undergoing antiretroviral therapy for Human Immunodeficiency Virus/Acquired Immunodeficiency Syndrome are recommended.

Nutritional status; HIV; Body image; Overweight; Antiretroviral therapy


ORIGINAL ORIGINAL

Insatisfação com imagem corporal e adesão à terapia antirretroviral entre indivíduos com HIV/AIDS

Body image dissatisfaction and adherence to antiretroviral therapy in people with HIV/AIDS

Luísa Helena Maia LeiteI; Alma PapaII; Rosane Castanheiras ValentiniI

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Hospital Escola São Francisco de Assis. Av. Pres. Vargas, 2863, Cidade Nova, 20210-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: L.H.M. Leite. E-mail: <luisamaia@uol.com.br>.

RESUMO

OBJETIVO: Este estudo teve como objetivo avaliar a associação entre insatisfação com a imagem corporal e adesão à terapia antirretroviral.

MÉTODOS: Participaram do estudo 80 indivíduos infectados com o vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imu-nodeficiência adquirida. Foi administrado questionário de autopreenchimento para avaliar o nível de adesão à medicação, com metodologia de escalas de silhuetas para avaliar a satisfação com a imagem corporal. As aná-lises incluíram estatística descritiva, teste t de Student, Qui-quadrado e estimativa de Odds ratio.

RESULTADOS: Os resultados mostraram elevada insatisfação com a imagem corporal tanto entre os homens quanto entre as mulheres (75,0%). A insatisfação corporal foi mais prevalente no grupo com sobrepeso (40,0% vs 15,0%; p=0,041) e entre os indivíduos com queixas de depressão, mas tais diferenças não foram significativas (28,3% vs. 15,0%; p=0,233). No grupo de insatisfeitos com a imagem corporal, 62,0% das mulheres tinham sobrepeso e 58,0% dos homens eram eutróficos. A adesão irregular aos antirretrovirais foi mais prevalente entre as mu-lheres, em comparação aos homens (77,8% vs 47,7; p=0,006). Existiu uma associação positiva e significativa entre insatisfação com a imagem corporal e baixos níveis de adesão (OR=4,69 IC:1,491-17,792; p=0,003).

CONCLUSÃO: Este estudo mostrou associação entre insatisfação com a imagem corporal, sobrepeso e baixa adesão à terapia antirretroviral. Intervenções que objetivem reduzir a insatisfação com a imagem corporal são recomendadas para indivíduos infectados com o vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida, sob tratamento antirretroviral.

Termos de indexação: Estado nutricional. HIV. Imagem corporal. Sobrepeso. Terapia antirretroviral.

ABSTRACT

OBJECTIVE: This study assessed the association between body image dissatisfaction and adherence to antiretroviral therapy. Methods Eighty individuals with Human Immunodeficiency Virus/Acquired Immunodeficiency Syndrome participated in the study. A self-report inventory on adherence to therapy and figure rating scales were used to assess body image dissatisfaction. Statistical treatment included descriptive statistics, Student's t-test, chi-square test and estimation of odds ratio.

RESULTS: The results showed that body image dissatisfaction was high in men and women (75.0%). Body image dissatisfaction was more likely to be present in overweight individuals (40.0% vs 15.0%; p=0.041) and individuals with symptoms of depression, but these differences were not significant (28.3% vs 15.0%; p=0.233). Sixty-two percent of the women with body image dissatisfaction were overweight and 58.0% of the men were normal weight. Men were more likely to adhere to treatment than women (52.3% vs 22.2%; p=0.006). There was a positive and significant association between body image dissatisfaction and low adherence to antiretroviral therapy (OR=4.69 CI: 1.491-17.792; p=0.003).

CONCLUSION: This study found that body image dissatisfaction is associated with excess weight and low adherence to antiretroviral therapy. Thus, interventions to reduce body image dissatisfaction in people undergoing antiretroviral therapy for Human Immunodeficiency Virus/Acquired Immunodeficiency Syndrome are recommended.

Indexing terms: Nutritional status. HIV. Body image. Overweight. Antiretroviral therapy.

INTRODUÇÃO

Após a introdução da Terapia Antirretro-viral Combinada de Alta Potência (HAART), a Sín-drome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) tornou-se uma doença crônica, sendo a resposta ao tratamento (sucesso ou falha) condicionada a uma série de fatores interdependentes que afetam a chamada "adesão terapêutica". A não adesão ao tratamento resulta em replicação viral per-sistente, resistência viral e falha do projeto tera-pêutico, tornando-se um problema tanto indi-vidual quanto de saúde pública1.

O processo de avaliação da adesão ao tra-tamento antirretroviral é bastante complexo, pois nenhum método disponível é totalmente satis-fatório. O ideal é combinar mais de um método, em conjunto com o autorrelato dos pacientes, que, quando feito adequadamente, torna-se excelente ferramenta para avaliar a adesão ao tratamento, por meio de perguntas específicas, sem julgamento de valor, e com a existência de boa interação paciente-profissional2.

O apoio dado às pessoas que vivem com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), para que elas melhorem a adesão terapêutica, não pode ser feito sem um olhar global, que leve em conta os sentimentos do indivíduo em relação à doença, suas condições de vida, motivações, bar-reiras e obstáculos ao tratamento3. Inúmeros fato-res sociodemográficos, tais como idade, raça, sexo, renda e escolaridade; e clínicos, relacionados com efeitos colaterais de medicações, estresse psicológico e uso de drogas ilícitas, têm sido apontados por afetar negativamente a adesão terapêutica4,5.

Por outro lado, a infecção pelo HIV pode ter efeitos significativos sobre a aparência física, o que pode afetar diretamente a autoestima dos indivíduos e a adesão terapêutica6,7. Ao longo da história da epidemia, indivíduos infectados pelo HIV experimentaram drásticas mudanças corpo-rais, evoluindo da desnutrição grave para mu-danças corporais relacionadas com a lipodistrofia e, finalmente, registra-se um aumento expressivo da prevalência de indivíduos com sobrepeso8-10.

Alguns estudos têm explorado a presença de insatisfação com a imagem corporal em indi-víduos com HIV/AIDS com lipodistrofia11,12, porém poucas são as informações disponíveis sobre o potencial impacto da tendência nutricional de sobrepeso/obesidade na adesão aos antirretro-virais6.

Segundo Slade13, a imagem corporal é a figura que cada um tem em mente acerca do tamanho e da forma de seu corpo, assim como das respostas emocionais (sentimentos) a ele associadas. Uma vez que a imagem corporal se refere a uma experiência psicológica sobre a apa-rência e o funcionamento do corpo, o desconten-tamento - muitas vezes relacionado ao peso - po-de estar associado a uma insatisfação com a ima-gem corporal.

Este estudo teve como objetivo avaliar a associação entre insatisfação com a imagem cor-poral e adesão ao tratamento antirretroviral, entre indivíduos com HIV/AIDS, visando ao desenvol-vimento de ações de reforço da autoestima e da adesão terapêutica.

MÉTODOS

O estudo foi realizado em um Serviço de Assistência Especializada (SAE) ao portador de HIV/AIDS, da cidade do Rio de Janeiro.

Foi conduzido um estudo descritivo trans-versal, por meio da aplicação de instrumentos para medir as barreiras, obstáculos e motivações ao tratamento antirretroviral e a satisfação com a imagem corporal.

Foram incluídos no estudo 80 indivíduos adultos, infectados pelo HIV, que compareceram à consulta de enfermagem no período de março a dezembro de 2010. Os critérios de inclusão fo-ram: uso de antirretrovirais por mais de 6 meses e idade entre 18 e 65 anos. Aqueles que atendiam aos critérios de inclusão foram convidados a res-ponder a um questionário de autopreenchimento, sob a supervisão de duas enfermeiras treinadas. Dentre os indivíduos recrutados, cinco se recusa-ram a participar por falta de tempo.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob Parecer nº 43/09, tendo todos os participantes assinado um Termo de consenti-mento livre e esclarecido antes de sua inclusão na amostra.

As informações demográficas, como data de nascimento e sexo, foram fornecidas pelo pró-prio participante. Informações complementares, como o ano do teste de sorologia para HIV, ano de início do tratamento com antirretrovirais, últi-ma contagem de linfócitos T-CD4 (células/mm3) e carga viral (cópias/mm3), foram obtidas de regis-tros em prontuários médicos.

Medida de adesão ao tratamento com antirretrovirais

Cada participante respondeu a um ques-tionário de autopreenchimento contendo 54 itens. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados uma versão para língua portuguesa de um guia de entrevistas do modelo MOTHIV, criado e desenvolvido por Tourrete-Turgis & Rébillon, dispo-nível em língua francesa, espanhola e portu-guesa13.

O modelo MOTHIV propõe um diagnóstico das motivações ao tratamento antirretroviral, cen-trado no paciente e nas suas condições de vida. Os problemas relativos à adesão são identificados pela avaliação de um conjunto de fatores cogni-tivos, comportamentais, sociais e emocionais3.

O questionário aplicado continha 54 itens, sendo dividido em três partes: a primeira, con-tendo 14 itens relacionados com as causas mais comuns para o não uso dos antirretrovirais; a se-gunda, composta de 22 itens, voltada para a ava-liação dos sintomas e efeitos colaterais ligados ao HIV e seu tratamento; e a terceira, contendo uma lista com 18 fatores de stress relacionados às condições de vida, suporte social, mudanças na rotina e acontecimentos da vida que dificul-taram a adesão nos últimos três meses.

Definição de adesão terapêutica

Para cada opção de resposta, atribui-se a pontuação zero para ausência do problema, e 1 para a presença do problema. Definiu-se como "boa adesão" ao tratamento a pontuação inferior a 30%, e como adesão "irregular" a pontuação igual ou superior a esse valor. A seleção do ponto de corte foi feita após a testagem de diferentes limites. Primeiramente, realizou-se a distribuição por percentis, em seguida escolheu-se como refe-rência o percentil 40 (16 pontos), correspondente a 30% dos 54 itens estudados. Essa escolha arbi-trária foi conduzida, pois o método original não sugeria o uso de pontos de corte específicos.

As adaptações realizadas no instrumento referem-se à inclusão de questões relativas à ava-liação nutricional e utilização da escala de silhuetas para avaliar a satisfação com a imagem corporal.

Definição de "queixas de depressão" e "queixas de lipodistrofia"

Neste estudo, queixas de depressão foram consideradas quando os indivíduos responderam que "se sentiam deprimidos", "se sentiam angus-tiados emocionalmente", "se sentiam sozinhos e sem motivação" e "não tinham projetos para o futuro".

Adicionalmente, queixas de lipodistrofia foram consideradas quando os indivíduos respon-deram notar mudanças em seus corpos, isoladas ou associadas, tais como: afinamento da face, membros superiores ou inferiores; aumento das mamas em mulheres; aumento do volume abdo-minal ou acúmulo de gordura em região cervical, em ambos os sexos.

Avaliação do estado nutricional

Para avaliação do estado nutricional, o Ín-dice de Massa Corporal (IMC) foi calculado, di-vidindo-se a medida do peso (kg) por altura (m2), usando as definições da Organização Mundial da Saúde (OMS): IMC<18,5kg/m2: baixo peso; IMC 18,5-24,9kg/m2: peso normal; IMC 25-29kg/m2: sobrepeso e IMC>30kg/m2: obesidade.

Satisfação com a imagem corporal

Para avaliar a satisfação com a imagem corporal, foi aplicada a metodologia de Escalas de Silhuetas. Cada participante selecionou, em um conjunto de nove desenhos de figuras huma-nas validado para população brasileira por Kakeshita & Almeida15 e descrito em população HIV positiva por Campião, Vaz & Leite16, qual a figura que melhor representava sua forma atual e qual correspondia à sua imagem idealizada. A estimativa da insatisfação com a imagem corporal foi feita utilizando-se a discordância entre a silhueta atual e a silhueta idealizada, classificando—se os indivíduos em "satisfeitos" ou "insatis-feitos".

Todas as informações foram armazenadas em um banco de dados e analisadas usando-se o programa STATA 9.2 (Stata Corp., College Station, USA). Variáveis categóricas foram comparadas usando-se o teste Qui-quadrado, e variáveis con-tínuas foram comparadas usando-se o teste t de Student. Para avaliar a associação de insatisfação da imagem corporal, queixas de depressão e adesão irregular, foi feita a estimativa de Odds ratio (OR), com 95% de intervalo de confiança. Para todas as análises foi considerado como signi-ficativo um p<0,05.

RESULTADOS

Participaram do estudo 80 indivíduos adul-tos infectados pelo vírus HIV, sendo 36 mulheres e 44 homens, com idade Média (M) de 40,63 anos, Desvio-Padrão=DP=10,05. Não existiam di-ferenças significativas entre os grupos para va-riáveis demográficas e clínicas (Tabela 1).

Os resultados demonstraram que grande parte dos indivíduos (55%) apresentava-se na faixa de IMC normal, porém, quando comparados de forma dicotômica, foi possível verificar a predo-minância de sobrepeso/obesidade no grupo de mulheres, em comparação aos homens (58% vs. 27%; p=0,010) (Tabela 2).

A maioria dos indivíduos entrevistados estava insatisfeita com sua forma física atual (75,0%), não sendo notadas diferenças signifi-cativas entre homens e mulheres (80,6% vs. 70,5%; p=0,299). No grupo de insatisfeitos, verificou-se que homens e mulheres se diferen-ciavam em suas expectativas de mudanças das dimensões corporais: a maioria das mulheres (76,0%) desejava ter uma silhueta mais magra, enquanto 61,0% dos homens desejava formas físicas mais corpulentas. (Tabela 3).

Ainda no grupo de insatisfeitos com a ima-gem corporal, a avaliação do estado nutricional mostrou que 62% das mulheres apresentavam IMC>25kg/m2, ao passo que 58% dos homens eram eutróficos.

Quando avaliada em análise univariada a associação de diferentes variáveis e a insatisfação com a imagem corporal, observou-se que os indi-víduos insatisfeitos apresentaram maior pro-porção de queixas relativas a depressão (28,3% vs. 15,0%; p=0,233), embora não significativa. Apresentaram também maior proporção de sobre-peso (40,0% vs. 15,0%; p=0,041) e uma expres-siva diferença na pontuação de problemas ligados à adesão aos antirretrovirais (M=25,38, DP=15,9 vs. M=13,0, DP=12,5 pontos; p=0,002) (Tabe-la 4).

De forma geral, a maioria dos indivíduos estudados apresentava problemas relativos à ade-são terapêutica, com 61,2% deles com pon-tuação superior a 30% dos itens avaliados. A pon-tuação média observada para o grupo foi de 22,29 pontos, DP=15,98, e mediana de 22 pontos. A distribuição por percentis (20, 40, 50, 60, 80) atingiu respectivamente 7, 16, 22, 24 e 34,6 pon-tos.

Observou-se maior frequência de adesão irregular entre as mulheres comparativamente aos homens (77,80% vs. 47,73%; p=0,006). A adesão irregular também foi mais prevalente entre o gru-po de insatisfeitos com a imagem corporal em comparação aos satisfeitos (71,7% vs. 35,0%; p=0,003) e entre os indivíduos com queixas rela-tivas a depressão (90% vs. 52%; p=0,002).

A análise da Odds ratio sobre a associação entre satisfação com a imagem corporal e adesão terapêutica demonstrou que existiam 4,69 vezes mais chances de indivíduos insatisfeitos com a sua imagem corporal serem menos aderentes ao tra-tamento antirretroviral em comparação aos satis-feitos (OR=4,69 IC:1,491-14,7921; p=0,003), bem como 7,87 vezes mais chances de indivíduos com queixas de depressão apresentarem mais problemas de adesão terapêutica em compa-ração àqueles sem tais queixas (OR:7,87; IC: 1,516-40,893; p=0,003).

DISCUSSÃO

Este estudo avaliou a associação entre satisfação com a imagem corporal e adesão tera-pêutica, entre indivíduos infectados pelo HIV, sob terapia antirretroviral. É reconhecido que HIV/AIDS tem impactos físicos, sociais e psicológicos. Muitos fatores psicológicos têm sido explorados por afetar a adesão aos antirretrovirais4, porém pouco se sabe sobre o papel da insatisfação com a imagem corporal. Nos últimos tempos, sobrepeso e obesidade têm sido comumente descritos na população HIV positiva9,10. Porém, poucos estu-dos exploraram o impacto dessa tendência nutri-cional na adesão terapêutica, ou avaliaram so-mente a insatisfação com partes específicas do corpo, tais como o aumento da adiposidade abdo-minal6.

Os resultados encontrados mostraram alto nível de insatisfação com a imagem corporal entre os participantes, com quase 75% de insatisfeitos, não havendo diferença entre os sexos. Tais dados são consistentes com estudos prévios, que mos-traram alta proporção de homens17,18 e mulheres insatisfeitos com a própria imagem corporal. En-tretanto, esses estudos avaliaram a insatisfação relativa às mudanças corporais provocadas pela lipodistrofia7,19.

Entre os insatisfeitos com a imagem corpo-ral, a maioria das mulheres desejava reduzir suas dimensões, enquanto os homens desejavam for-mas mais corpulentas. Outros estudos também mostraram a mesma tendência, tanto em popula-ção HIV negativa20,21, quanto entre indivíduos bra-sileiros infectados pelo HIV16. Da mesma forma, outras investigações em população feminina não infectada pelo HIV também mostraram acentuada insatisfação com a imagem corporal, entre mulhe-res com excesso de peso22,23.

As diferenças encontradas nas preferências de silhuetas por homens e mulheres poderiam, em parte, ser explicadas, primeiramente, pela alta prevalência de sobrepeso nas mulheres estudadas. Já entre os homens, a expectativa por formas mais corpulentas poderia ser um desejo de minimizar o impacto ou o risco de ocorrência da lipodistrofia (sobretudo de membros inferiores, superiores e face), o que tem-se demonstrado ter impacto significativo na visão masculina sobre seus corpos, estando associado a uma pobre imagem cor-poral17.

Os resultados encontrados não permitem confirmar essa hipótese, pois não foi encontrada associação significativa entre sinais de lipodistrofia (queixas relatadas pelos participantes) e insatisfa-ção com a imagem corporal.

Um aspecto importante identificado é que os indivíduos insatisfeitos com a imagem corporal apresentaram uma tendência de mais comumente se queixarem de sintomas de depressão. Apesar de não ter sido utilizado um instrumento espe-cífico para medir esta condição, tais informações são importantes, pois a depressão parece estar intimamente associada à má adesão ao trata-mento antirretroviral, à reduzida qualidade de vida e à diminuição de sobrevida entre esses indi-víduos5,24.

Os resultados deste estudo permitem des-tacar uma provável associação entre a insatisfação com a imagem corporal e a adesão irregular à te-rapia antirretroviral. Indivíduos insatisfeitos apre-sentaram uma média significativamente mais ele-vada de problemas relativos à adesão terapêutica, atingindo sobretudo as mulheres.

Guaraldi et al.25 relataram que, em popu-lação HIV positiva, a insatisfação com a imagem corporal pode levar à depressão por meio do estigma da doença e da diminuição da autoesti-ma. Mais recentemente, foi descrito em homens infectados pelo HIV que a depressão é um impor-tante mediador da relação entre a insatisfação com a imagem corporal e a má adesão à terapia antirretroviral26.

Os resultados encontrados sugerem que a satisfação com a imagem corporal é um impor-tante aspecto a ser explorado dentro da conste-lação de fatores associados à adesão terapêutica irregular, entre indivíduos com HIV/AIDS - prin-cipalmente pelo potencial de ser modificado no contexto clínico, por meio de intervenções que objetivem a redução da insatisfação corporal e o reforço da autoestima. Intervenções nutricionais, mudanças do estilo de vida e outras ações menos convencionais voltadas para a estética, saúde e beleza podem ser adotadas no ambiente clínico visando ao reforço da adesão, sobretudo entre mulheres.

As limitações deste estudo estão relaciona-das com o desenho de corte transversal, que não permitiu estabelecer uma relação de causalidade entre insatisfação com a imagem corporal e ade-são irregular. Além disso, o uso de um único méto-do subjetivo para medir a adesão, bem como o uso de pontos de corte arbitrários, podem não ter sido suficientes para identificar todos os pro-blemas associados. Por fim, a não utilização de um instrumento específico para medir a depres-são exige cautela na interpretação dos resultados. Apesar de tais limitações, os dados obtidos podem servir como base para a adoção de intervenções na prática clínica e para futuras pesquisas nesse campo, que possam melhor esclarecer as as-sociações identificadas.

Neste estudo foi avaliada a associação entre a insatisfação corporal e a adesão à terapia antirretroviral, entre homens e mulheres infecta-dos pelo HIV. Observou-se alta prevalência de adesão irregular entre os insatisfeitos com a ima-gem corporal. Sobrepeso/obesidade foi um impor-tante fator negativo associado com adesão ir-regular entre as mulheres. As informações suge-rem que abordagens multidisciplinares, que obje-tivem a redução da insatisfação corporal e o re-forço da autoestima, são recomendadas em pa-cientes sob terapia antirretroviral.

COLABORADORE S

L.H.M. Leite foi responsável pelo desenho do estudo, análise e discussão dos resultados e elaboração do manuscrito. A. Papa & R.C. Valentini contribuíram para o desenho do estudo, realização das entrevistas e elaboração do manuscrito. Todos os autores partici-param da elaboração da versão final do manuscrito.

(Recebido em: 22/2/2011)

(Versão final reapresentada em: 7/7/2011)

(Aprovado em: 25/8/2011)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2011

Histórico

  • Revisado
    07 Jul 2011
  • Recebido
    22 Fev 2011
  • Aceito
    25 Ago 2011
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