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Perfil lipídico tecidual de ratos alimentados com diferentes fontes lipídicas

Tissue lipid profile of rats fed with different lipid sources

Resumos

OBJETIVO:Determinar se fontes lipídicas com diferentes razões de ácidos graxos insaturados e saturados (PUFA+MUFA)/SFA na dieta altera o perfil lipídico tecidual, a concentração de lipídios (mg/g) dos tecidos hepáticos e mesentérico e a digestibilidade lipídica. MÉTODOS: Foi realizada cromatografia gasosa para determinar o perfil de ácidos graxos nos tecidos hepático e adiposo de ratos alimentados com diferentes fontes lipídicas. O coeficiente de digestibilidade foi determinado a partir da relação entre a quantidade de lipídios consumidos e a quantidade fecal excretada. RESULTADOS:Diferentes fontes lipídicas (óleo de soja, manteiga, margarina e gorduras de porco e de peixe) não alteraram o coeficiente de digestibilidade e o peso hepático, mas alteraram a deposição de lipídios em todos os tecidos adiposos estudados. Não foi possível fazer a correlação direta entre o perfil dietário dos ácidos graxos não essenciais e sua deposição nos tecidos estudados, visto que a lipogênese de novo impede a identificação dos ácidos graxos dietários. CONCLUSÃO:Não foi constatada uma relação direta entre o perfil dietário dos ácidos graxos e sua deposição nos tecidos estudados, exceto para os ácidos graxos trans e linoléico (C18:2) que não são sintetizados no rato. Esses ácidos graxos apresentaram uma concentração tecidual diretamente proporcional àquela das fontes dietárias. Quanto à razão (PUFA+MUFA)/SFA, encontrada no tecido hepático dos diferentes grupos, observa-se que esta foi diretamente proporcional aos valores apresentados pelas fontes lipídicas dietárias. Entretanto, essa associação não foi observada nos tecidos adiposos analisados.

Ácidos graxos monoinsaturados; Ácidos graxos não saturados; Digestão; Gorduras na dieta


OBJECTIVE:To determine if lipid sources with different unsaturated to saturated fatty acid ratios, (PUFA+MUFA)/SFA in the diet alter the lipid profile of tissues, the lipid concentration (mg/g) of the hepatic and mesenteric tissues and the lipid digestibility. METHODS:Gas chromatography was used to determine the profile of fatty acids in the hepatic and adipose tissues of rats fed with different lipid sources. The digestibility coefficient was determined based on the ratio between lipid intake and excreted in the feces. RESULTS:Different lipid sources (soy oil, butter, margarine and pig and fish fat) did not alter the digestibility coefficient and the hepatic weight, but they altered the lipid deposition in all adipose tissue evaluated. No direct correlation was observed between dietary non-essential fatty acid profile and its deposition in the studied adipose tissues, because of de novo which impedes the identification of the dietary fatty acid. CONCLUSION:A direct relationship was not verified between the dietary fatty acid profile and its deposition in the studied adipose tissues, except for the trans and linoleic (C18:2) fatty acids which are not synthesized in the rat. The tissue concentration of these fatty acids was directly proportional to their dietary sources. The (PUFA+MUFA)/SFA ratio found in the hepatic tissue of the different groups, was directly proportional to the values presented in the dietary lipid sources. However, this association was not observed in the adipose tissue.

Fatty acids, monounsaturated; Fatty acids, unsaturated; Digestion; Dietary fats


ORIGINAL ORIGINAL

Perfil lipídico tecidual de ratos alimentados com diferentes fontes lipídicas

Tissue lipid profile of rats fed with different lipid sources

Martha Elisa Ferreira de AlmeidaI; José Humberto de QueirozII; Maria Eliana Lopes Ribeiro de QueirozII; Neuza Maria Brunoro CostaIII; Sérgio Luis Pinto MattaIV

IUniversidade Federal de Viçosa, Departamento de Química. Av. P.H. Rolfs, s/n., 30570-000, Viçosa, MG, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: M.E.F. ALMEIDA. E-mail: <martha.almeida@ufv.br>

IIUniversidade Federal de Viçosa, Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular. Viçosa, MG, Brasil

IIIUniversidade Federal de Viçosa, Departamento de Nutrição e Saúde. Viçosa, MG, Brasil

IVUniversidade Federal de Viçosa, Departamento de Biologia Geral. Viçosa, MG, Brasil

RESUMO

OBJETIVO:Determinar se fontes lipídicas com diferentes razões de ácidos graxos insaturados e saturados (PUFA+MUFA)/SFA na dieta altera o perfil lipídico tecidual, a concentração de lipídios (mg/g) dos tecidos hepáticos e mesentérico e a digestibilidade lipídica.

MÉTODOS: Foi realizada cromatografia gasosa para determinar o perfil de ácidos graxos nos tecidos hepático e adiposo de ratos alimentados com diferentes fontes lipídicas. O coeficiente de digestibilidade foi determinado a partir da relação entre a quantidade de lipídios consumidos e a quantidade fecal excretada.

RESULTADOS:Diferentes fontes lipídicas (óleo de soja, manteiga, margarina e gorduras de porco e de peixe) não alteraram o coeficiente de digestibilidade e o peso hepático, mas alteraram a deposição de lipídios em todos os tecidos adiposos estudados. Não foi possível fazer a correlação direta entre o perfil dietário dos ácidos graxos não essenciais e sua deposição nos tecidos estudados, visto que a lipogênese de novo impede a identificação dos ácidos graxos dietários.

CONCLUSÃO:Não foi constatada uma relação direta entre o perfil dietário dos ácidos graxos e sua deposição nos tecidos estudados, exceto para os ácidos graxos trans e linoléico (C18:2) que não são sintetizados no rato. Esses ácidos graxos apresentaram uma concentração tecidual diretamente proporcional àquela das fontes dietárias. Quanto à razão (PUFA+MUFA)/SFA, encontrada no tecido hepático dos diferentes grupos, observa-se que esta foi diretamente proporcional aos valores apresentados pelas fontes lipídicas dietárias. Entretanto, essa associação não foi observada nos tecidos adiposos analisados.

Termos de indexação:Ácidos graxos monoinsaturados. Ácidos graxos não saturados. Digestão. Gorduras na dieta.

ABSTRACT

OBJECTIVE:To determine if lipid sources with different unsaturated to saturated fatty acid ratios, (PUFA+MUFA)/SFA in the diet alter the lipid profile of tissues, the lipid concentration (mg/g) of the hepatic and mesenteric tissues and the lipid digestibility.

METHODS:Gas chromatography was used to determine the profile of fatty acids in the hepatic and adipose tissues of rats fed with different lipid sources. The digestibility coefficient was determined based on the ratio between lipid intake and excreted in the feces.

RESULTS:Different lipid sources (soy oil, butter, margarine and pig and fish fat) did not alter the digestibility coefficient and the hepatic weight, but they altered the lipid deposition in all adipose tissue evaluated. No direct correlation was observed between dietary non-essential fatty acid profile and its deposition in the studied adipose tissues, because of de novo which impedes the identification of the dietary fatty acid.

CONCLUSION:A direct relationship was not verified between the dietary fatty acid profile and its deposition in the studied adipose tissues, except for the trans and linoleic (C18:2) fatty acids which are not synthesized in the rat. The tissue concentration of these fatty acids was directly proportional to their dietary sources. The (PUFA+MUFA)/SFA ratio found in the hepatic tissue of the different groups, was directly proportional to the values presented in the dietary lipid sources. However, this association was not observed in the adipose tissue.

Indexing terms: Fatty acids, monounsaturated. Fatty acids, unsaturated. Digestion. Dietary fats.

INTRODUÇÃO

A composição de lipídios dietários pode influenciar não somente os componentes das membranas celulares e a mobilização dos triacilgliceróis presentes nas lipoproteínas séricas, mas também a deposição e a mobilização dos lipídios teciduais1,2, sendo importante ressaltar a reversibilidade deste processo quando é alterado o perfil de ácidos graxos dietários3,4.

Os ácidos graxos armazenados nos tecidos exercem efeitos importantes no metabolismo celular, podendo atuar desde a modulação enzimática5 até a regulação da expressão gênica6.

Quanto à mobilização dos ácidos graxos, tem sido demonstrado que este processo é dependente do tamanho da cadeia, do grau de saturação, da distribuição posicional e da polaridade das moléculas de ácidos graxos esterificados ao glicerol. A enzima lipase hormônio sensível apresenta maior especificidade para as moléculas de triacilgliceróis ricas em ácidos graxos poliinsaturados, sendo também demonstrado que a presença de moléculas de ácido esteárico nas posições (sn 1,3 e sn 3) do glicerol em grandes quantidades nas moléculas de triacilgliceróis dietários promove um menor coeficiente de digestibilidade destas fontes lipídicas7,8.

Alimentos que possuem elevada razão ácidos poliinsaturados/saturados (PUFA/SFA) têm demonstrado efeitos benéficos sobre a glicemia e o metabolismo lipídico, promovendo até mesmo a redução da gordura corporal total e da termogênese em modelos animais e no homem9,10. Entretanto, o consumo exarcebado destas fontes alimentícias poderá trazer graves conseqüências, visto que os ácidos graxos insaturados são altamente suscetíveis à peroxidação lipídica, podendo contribuir para a formação das placas ateromatosas11, induzir a carcinogênese5, bem como promover a inibição de dessaturases, que atuam no metabolismo das moléculas de ácido linolênico (ω3) e de ácido linoléico (ω 6)12.

O ser humano possui elevada capacidade de sintetizar ácidos graxos, sendo que grande parte destas moléculas é saturada e geralmente são depositadas na região abdominal13. Tem sido demonstrado que esta deposição, principalmente a adiposidade visceral, está diretamente relacionada com as doenças cardiovasculares, uma vez que poderá propiciar resistência insulínica, hipertrigliceridemia, diminuição da concentração de HDL-colesterol e aumento da concentração das pequenas e densas partículas de LDL-colesterol, que são fatores importantes na gênese da aterosclerose4,14. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar o perfil de ácidos graxos presentes nos tecidos hepáticos e adiposos, visando a identificar os efeitos das diferentes fontes lipídicas sobre a deposição de ácidos graxos teciduais.

MÉTODOS

Foram utilizados 50 ratos machos adultos da linhagem Wistar provenientes do Biotério da Universidade Federal de Viçosa (Viçosa, MG), pesando entre 250 e 290g. Os animais foram divididos aleatoriamente em cinco grupos de 10 animais, e mantidos em gaiolas individuais durante 28 dias, em ambiente com fotoperíodo de 12 horas e temperatura entre 22 e 24ºC. Os animais receberam água destilada e dieta ad libitum. O consumo alimentar foi quantificado diariamente para o cálculo do coeficiente de digestibilidade. Foram utilizadas cinco dietas semi-purificadas, sendo suas composições baseadas na formulação recomendada pelo American Institute of Nutrition AIN-93M15. O amido de milho, a sacarose, o óleo de soja refinado, a manteiga, a margarina e a banha de porco foram adquiridos no comércio local e distribuídos nas dietas na quantidade de 127,3g de cada fonte lipídica estudada, de forma que todas as dietas fossem isoenergéticas, isoprotéicas e isolipídicas. Os grupos foram classificados da seguinte forma: S: óleo de soja ou controle; L: gordura de porco; B: manteiga; M: margarina; F: gordura de peixe.

Para minimizar a oxidação das fontes lipídicas utilizadas, todas as dietas foram preparadas quinzenalmente e estocadas a 4ºC, até o momento de sua distribuição aos animais.

Na última semana os animais receberam dieta adicionada de corante Índigo Carmin para obtenção de fezes marcadas, que foram estocadas a 4ºC até o momento da extração dos lipídios totais.

Para a obtenção da gordura de peixe, utilizou-se do espécime do gênero Piaractus mesopotamicus (pacus) que foi adquirido de criação em cativeiro em Viçosa, na primeira quinzena de junho de 2002, sendo o peso médio de 1,5kg por animal. O tecido adiposo celomático aparente foi removido, aquecido por 5 minutos em béquer sob chama de Bunsen e, em seguida, a gordura foi filtrada em peneira plástica e armazenada em frasco âmbar sob refrigeração.

No final do experimento, após jejum noturno de 12 horas, os animais foram anestesiados com CO2 e, após abertura torácica e abdominal, amostras de tecidos hepático e adiposo mesetérico (perirrenal e omental) foram removidas, lavadas com solução salina (0,9%), pesadas, armazenadas em recipientes plásticos e congeladas para posterior extração e análise dos ácidos graxos.

Cada amostra de fígado e de tecido adiposo foi individualmente descongelada e macerada em GRAL para a extração dos lipídios totais16. Na extração dos lipídios totais das fezes adotou-se a mesma metodologia empregada para os tecidos, utilizando-se o conteúdo total das amostras. Também foi realizada a extração lipídica das fontes utilizadas, visando remover sujidades que viessem interferir no processo de derivatização. Os extratos lipídicos foram diluídos em 5mL de clorofórmio e armazenados a -20ºC em frascos âmbar, até a etapa da derivatização (saponificação, seguida pela acidificação e esterificação) dos ácidos graxos17. As amostras esterificadas foram concentradas com nitrogênio gasoso, diluídas em 1mL de hexano e analisadas por cromatografia gasosa.

Foi injetada uma alíquota de 1µL no cromatógrafo a gás CG-17A Shimadzu/Class, equipado com uma coluna capilar de sílica fundida SP-2560 (biscianopropil polysiloxane) de 100m e 0,25mm de diâmetro interno, e razão de split (divisão de fluxo) de 1:75 usando o nitrogênio como gás de arraste a uma velocidade linear de 14,48cm/seg. A temperatura inicial era de 100ºC, seguida pela temperatura programada em três etapas: a primeira etapa de 10ºC/min até 180ºC, a segunda etapa de 1ºC/min até 240ºC e a terceira etapa de 240ºC mantidos por 10 minutos. As temperaturas do injetor e do detector de ionização de chama foram mantidas a 250ºC e 260ºC, respectivamente. Os picos foram identificados por comparação dos tempos de retenção com padrões de metil ésteres conhecidos (SIGMA Chemical Co, no. 189-19). Os resultados foram expressos como percentual da concentração relativa (100mg de lipídio/1mL de hexano).

Os valores foram representados como média (M), desvio-padrão (DP). A análise de variância (ANOVA), seguida pelo teste de Tukey, foi realizada para verificar se havia diferença significante (p<0,01 e p<0,05) entre os grupos.

Todos os procedimentos realizados com os animais respeitaram os princípios éticos contidos na Declaração de Helsinki (2000), além do atendimento a legislações específicas do País.

RESULTADOS

Uma relação importante quanto à análise da influência dos lipídios dietários sobre o metabolismo lipídico é a razão de PUFA/SFA. A elevação desta razão traz benefícios à saúde, visto que grandes quantidades de ácidos graxos poliinsaturados reduzem os lipídios séricos. O perfil em ácidos graxos de cada fonte lipídica estudada encontra-se na Tabela 1.

O óleo de soja apresenta alto teor de ácidos graxos insaturados e como a margarina é um derivado do óleo de soja, esta se assemelha em alguns aspectos ao óleo. A principal diferença está no teor de ácidos graxos poliinsaturados, que é menor na margarina. Também devem ser destacados os teores de ácidos graxos trans presentes na margarina, diferenciando esta fonte das demais. As gorduras de porco e peixe se assemelham inclusive nas relações entre ácidos graxos insaturados e saturados.

Quanto à digestibilidade das fontes lipídicas, não foram verificadas diferenças estatísticas entre os grupos. Os coeficientes de digestibilidade foram de 96,2; 96,5; 97,0; 96,6 e 96,9%, respectivamente para óleo de soja, gordura de porco, manteiga, margarina e gordura de peixe, valores estes considerados estatisticamente iguais pelo teste de Tukey (p<0,01).

Mesmo não havendo diferenças estatísticas quanto ao peso do fígado nos diferentes grupos (Figura 1A), observa-se que as fontes lipídicas alteraram a concentração de lipídios hepáticos (Figura 1B), bem como o seu perfil de ácidos graxos (Tabela 2).


Os ácidos graxos trans foram detectados apenas no grupo que recebeu margarina, que é a fonte mais rica neste tipo de ácido graxo (Tabela 1). A deposição do ácido linoléico (C18:2) foi proporcional àquela detectada nas fontes lipídicas estudadas (Tabela 2). O óleo de soja foi a fonte lipídica que apresentou maior concentração do ácido linolênico (C18:3), entretanto este tipo de ácido graxo não foi detectado no tecido hepático, inferindo-se que os ácidos graxos essenciais (linoléico e, principalmente, o linolênico) deram origem à série dos ácidos eicosapentaenóico (EPA) e docosaexaenóico (DHA), que foram identificados apenas no tecido hepático.

A razão (PUFA+MUFA)/SFA encontrada no tecido hepático dos diferentes grupos foi proporcional aos valores apresentados pelas fontes lipídicas dietárias, ou seja, quanto maior a razão na fonte dietária maior foi a razão no tecido analisado. A deposição de lipídios no tecido adiposo mesentérico (Figura 2) mostrou-se dependente da razão (PUFA+MUFA)/SFA, visto que a deposição no tecido adiposo mesentérico dos grupos S e B foi inversa à referida razão (PUFA+MUFA)/SFA das fontes óleo de soja e manteiga, ou seja, quanto maior o seu teor na fonte alimentícia menor foi a deposição neste tecido (Tabela 2).


Embora a razão (PUFA+MUFA)/SFA (Tabela 3) do tecido adiposo mesentérico dos grupos (S e B) tenha sido semelhante, as concentrações totais de PUFA e de MUFA diferiram entre si, demonstrando que o grupo S apresentou maior concentração tecidual de ácidos graxos poliinsaturados.

A manteiga foi a fonte dietária que apresentou maior concentração do ácido mirístico (C14:0) (Tabela 2), sendo que o grupo B que recebeu tal fonte lipídica foi o grupo que apresentou a maior concentração deste tipo de ácido graxo no tecido adiposo mesentérico (Tabela 3). Os animais alimentados com margarina apresentaram as maiores concentrações dos ácidos trans elaídico (18:1 t) e linoelaídico (18:2 t) (Tabelas 2 e 3), embora não tenha sido possível predizer as diferenças estatísticas entre os grupos. O perfil de ácido linoléico (C18:2) foi proporcional àquele identificado nas fontes lipídicas (Tabela 2). O grupo F apresentou menor razão de (PUFA+MUFA)/SFA, em virtude de sua elevada concentração de ácidos graxos saturados (C16:0 e C18:0).

DISCUSSÃO

A composição de ácidos graxos de um óleo ou gordura apresenta variações devido a fatores climáticos, dietários, processamento etc. O perfil das fontes lipídicas analisadas (óleo de soja18, gordura de porco10,19 e gordura de peixe20) está de acordo com os estudos citados. A manteiga apresentou um perfil lipídico diferente19, sendo que tal fato pode ser atribuído às variações que os alimentos possuem.

Tem sido demonstrado21 que a quantidade de lipídios e o seu perfil de ácidos graxos podem regular a atividade da lipase pancreática e, conseqüentemente, a digestibilidade dos lipídios. A variabilidade do coeficiente de digestibilidade dos óleos e gorduras se deve às diferenças quanto ao ponto de fusão, ao tipo e à posição dos ácidos graxos presentes nas moléculas de triacilgliceróis7. Assim, estudos têm sido realizados com ratos e cobaias para avaliar o coeficiente de digestibilidade de óleos e gorduras, visto que esses modelos apresentam similaridades com humanos22. Os coeficientes de digestibilidade das fontes lipídicas utilizadas no experimento não apresentaram diferenças estatísticas (p<0,01 e p<0,05), e estão de acordo com os coeficientes apresentados para o óleo de soja, a gordura de porco e a margarina22. Entretanto, foram observados em outros estudos coeficientes de 90,0% para a gordura de porco8 e de 90,7% para a manteiga22, demonstrando que este parâmetro pode apresentar variações.

Seria esperado que o grupo S apresentasse maior coeficiente de digestibilidade, quando comparado aos demais grupos, pois na análise do óleo de soja encontrou-se uma menor concentração de ácido esteárico (Tabela 1). Em outros estudos8,23, ratos alimentados com fontes lipídicas ricas em ácido graxo esteárico apresentam uma menor digestibilidade lipídica, uma vez que este ácido graxo é pobremente absorvido nos enterócitos.

O perfil diversificado de ácidos graxos das fontes lipídicas utilizadas não mostrou influenciar o peso do fígado dos animais, assim como em outros experimentos já realizados8,24. Entretanto, este mesmo órgão mostrou-se sensível à deposição de lipídios (Figura 1B). As fontes lipídicas que apresentam quantidades semelhantes de ácidos graxos saturados e insaturados promoveram deposição lipídica hepática semelhante à encontrada em outro estudo24. Como os ácidos graxos monoin-saturados (MUFA) também possuem este efeito de redução dos níveis lipidêmicos, a razão (PUFA+MUFA)/SFA tem sido considerada como melhor indicador do efeito dos lipídios dietários sobre os lipídios séricos25. No presente estudo, os animais dos grupos B, M e F que apresentavam razões (PUFA+MUFA)/SFA tão distintas (Tabela 2) não revelaram diferenças estatísticas quanto à deposição lipídica hepática. Provavelmente a distribuição posicional dos ácidos graxos nas cadeias de glicerol dietários pode ter exercido um papel importante quanto à deposição hepática encontrada.

O tecido adiposo mesentérico dos animais alimentados com óleo de soja apresentou menor concentração de lipídios totais, quando comparado com o grupo que recebeu a manteiga, sendo tal fato atribuído à grande diferença na relação (PUFA+MUFA)/SFA apresentada pelas duas fontes lipídicas.

O ácido palmitoléico (C16:1), mesmo não sendo detectado no óleo de soja e na margarina, foi identificado em todos os tecidos analisados, indicando que este ácido graxo foi oriundo da lipogênese de novo ou dos processos de elongação e dessaturação2. A lipogênese de novo é um processo que impede a correlação direta entre o perfil de ácidos graxos dietários e a deposição tecidual, podendo ser feita tal associação apenas com os ácidos graxos essenciais e com aqueles do tipo trans, que não são sintetizados pelo ser humano nem por ratos26,27.

Os ácidos eicosapentaenóico (C20:5) e docosahexaenóico (C22:6) foram identificados unicamente no fígado, podendo ser um indicativo que tais ácidos tenham sido sintetizados a partir do ácido linolênico.

A deposição de ácido linoléico (C18:2) nos tecidos analisados foi proporcional àquela identificada nas fontes lipídicas (Tabela 2), ou seja, quanto maior a concentração deste ácido graxo nas fontes alimentícias, maior foi a deposição tecidual. Mesmo não sendo realizada a análise estatística do ácido linolênico (C18:3) entre os diversos grupos e tecidos, apenas o grupo M apresentou este tipo de ácido graxo nos tecidos analisados.

Quanto à razão (PUFA+MUFA)/SFA encontrada no tecido hepático dos diferentes grupos, observa-se que esta apresentou tendência de crescimento proporcional aos valores apresentados pelas fontes lipídicas dietárias refletindo, portanto, que a razão apresentada pela dieta se reproduziu neste tecido.

Pelos resultados apresentados quanto ao perfil de ácidos graxos teciduais sugere-se que a composição de ácidos graxos dos alimentos exerce forte influência na deposição tecidual, assim como em outros estudos2,3,5,28,29 que correlacionam a maioria dos ácidos graxos dietários (principalmente saturados) com a sua deposição tecidual em modelos animais.

CONCLUSÃO

Pelos resultados apresentados, conclui-se que apenas o ácido linoléico e aqueles do tipo trans medidos nos tecidos estudados refletiram os ácidos graxos dietários, sendo que o tecido hepático foi aquele que apresentou um perfil favorável, quando analisada a razão entre ácidos graxos insaturados e saturados.

AGRADECIMENTOS

Aos colegas de laboratórios e aos professores de todos os departamentos citados, que ajudaram na obtenção e na análise dos dados, bem como à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pelo suporte financeiro.

COLABORAÇÃO

M.E.F. ALMEIDA realizou todas as análises experimentais e escreveu a dissertação. J.H. QUEIROZ contribuiu como professor orientador do trabalho e acompanhou toda a coleta de dados em todos os laboratórios. M.E.L.R. QUEIROZ contribuiu com a co-orientação sobre os processos metodológicos quanto à extração e à saponificação dos ácidos graxos dos tecidos hepático e adiposo, que ocorreu no Laboratório de Química da Água, do Curso de Química, e N.M.B. COSTA contribui quanto à análise cromatográfica dos ácidos graxos, que ocorreu no Laboratório de Bromatologia do Curso de Nutrição. S.L.P. MATTA e N.M.B. COSTA contribuíram com as orientações sobre o manejo e o sacrifício dos animais e sobre a coleta de material biológico (tecidos hepático e adiposo), que ocorreu no Laboratório de Nutrição Experimental do Curso de Nutrição.

Recebido em: 26/10/2006

Versão final reapresentada em: 16/6/2008

Aprovado em: 24/6/2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2009
  • Data do Fascículo
    Fev 2009

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2006
  • Aceito
    24 Jun 2008
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