Acessibilidade / Reportar erro

Flora das cangas da Serra dos Carajás, Pará, Brasil: Gnetaceae

Flora of the cangas of the Serra dos Carajás, Pará, Brazil: Gnetaceae

Resumo

Gnetaceae é uma pequena família monotípica de Gimnospermas com aproximadamente 40 espécies do gênero Gnetum de distribuição pantropical. Na FLONA Carajás, são registradas três espécies de Gnetum: G. leyboldii e G. schwackeanum, exclusivas de formações florestais, e G. nodiflorum, registrada em canga. Para G. nodiflorum são apresentados descrição detalhada, ilustrações, distribuição e comentários morfológicos.

Palavras-chave:
Gimnosperma; Gnetales; Gnetum; taxonomia

Abstract

Gnetaceae is a small, monotypic family of Gymnosperms with about 40 species of Gnetum of pantropical distribution. Of the three species found in the FLONA Carajás, G. leyboldii and G. schwackeanum occur in the forest, while only G. nodiflorum was recorded in canga. For Gnetum nodiflorum, a detailed morphological description, illustrations, distribution and morphological comments are presented.

Key words:
Gymnosperm; Gnetales; Gnetum; taxonomy

Gnetaceae

A ordem Gnetales compreende apenas três gêneros distribuídos em três famílias (Ephedraceae, Gnetaceae e Welwitschiaceae), com morfologias bem distintas entre elas. Gnetaceae compreende cerca de 40 espécies incluídas num único gênero, Gnetum, com distribuição pantropical (Price 1996Price, R. 1996. Systematics of the Gnetales: a review of morphological and molecular evidence. International Journal of Plant Sciences 157: 40-49.; The Plant List 2010The Plant List. 2010. Versão 1. Publicado na Internet.Disponível em <http://www.theplantlist.org/>. Acesso em 5 abril 2016.
http://www.theplantlist.org...
). São referidas oito espécies para a América do Sul, seis delas com ocorrência para o Brasil (Cavalcante 1978Cavalcante, P.B. 1978. Contribuição ao conhecimento das Gnetáceas da Amazônia (Gimnospermas). Acta Amazonica 8: 201-215.; BFG 2015BFG. 2015. Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113.). No estado do Pará ocorrem Gnetum leyboldii Tul., G. nodiflorum Brongn., G. schwackeanum Taub. ex Schenck e G. venosum Spruce ex Schenck (BFG 2015BFG. 2015. Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113.). São registradas três espécies de Gnetum para a Floresta Nacional de Carajás (FLONA Carajás), mas apenas Gnetum nodiflorum é encontrado nas cangas, sendo G. leyboldii e G. schwackeanum exclusivos das formações florestais de Carajás, e portanto não incluídas nesse trabalho.

1. Gnetum L.

Quando em estado vegetativo, as espécies de Gnetum podem ser facilmente confundidas com espécies de Angiospermas. O hábito arbóreo, arbustivo ou especialmente lianescente, lenhoso e robusto, associado às folhas simples, opostas, coriáceas, com nervação broquidódroma, de margem inteira, são similares a várias espécies de plantas floríferas. Porém, a distinção dessas é imediata a partir da análise das estruturas reprodutivas. De acordo com Markgraf (1929)Markgraf, F. 1929. Monographie der Gattung Gnetum. Bulletin du Jardin Botanique de Buitenzorg - serie III 9: 448-455., seguido por Jörgensen & Rydin (2015)Jörgensen, A. & Rydin, C. 2015. Reproductive morphology in the Gnetum cuspidatum group (Gnetales) and its implications for pollination biology in the Gnetales. Plant Ecology and Evolution 148: 387-396., as estruturas reprodutivas de Gnetum reprodutivas são arranjadas em estróbilos (cones) espiciformes alongados, nos quais as unidades masculinas e/ou femininas são posicionadas em diversos níveis, no interior de estruturas carnosas e denominadas colares (collars). Os estróbilos masculinos podem ser morfologicamente bissexuados mas sempre são funcionalmente unissexuados, devido a presença de óvulos estéreis (Jörgensen & Rydin 2015Jörgensen, A. & Rydin, C. 2015. Reproductive morphology in the Gnetum cuspidatum group (Gnetales) and its implications for pollination biology in the Gnetales. Plant Ecology and Evolution 148: 387-396.). A semente é envolta por uma sarcotesta carnosa e vistosa, o que a leva muitas vezes a ser confundida com um fruto. Na Amazônia algumas espécies possuem grande valor etnobotânico, sendo suas sementes utilizadas por comunidades ribeirinhas na alimentação ou como isca para pesca. A resina também é utilizada como incenso, e o caule fibroso é utilizado como corda rudimentar (Cavalcante 1978Cavalcante, P.B. 1978. Contribuição ao conhecimento das Gnetáceas da Amazônia (Gimnospermas). Acta Amazonica 8: 201-215.).

1.1. Gnetum nodiflorum Brongn. Voy. Monde 1: 12. 1829. Figs. 1a-h; 2a-h

Figura 1
Gnetum nodiflorum - a. ramos aéreos, com as lenticelas em detalhe; b. seção transversal do ramo aéreo; c. ramo da planta masculina; mostrando os estróbilos; d. detalhe do nó (colar), com os microesporangióforos dispostos em verticilos; e. detalhe do microsporangióforo com dois microesporângios; f. ramo da planta feminina, mostrando os estróbilos com nós e entrenós; g. estróbilos femininos com os óvulos organizados em verticilos; h. ramo com duas sementes. (a-e. N.F.O. Mota et al. 3386; f-h. N.F.O. Mota et al. 3430). Desenhado por João Silveira.
Figure 1
Gnetum nodiflorum - a. aerial branches, with lenticels in detail; b. transversal section of an aerial branch; c. branch of a male plant, showing strobiles with nodes and internodes; d. detail of a collar with microsporangiophores arranged in whorls; e. detail of microsporangiophore with two microsporangia; f. branch of a female plant, showing strobiles; g. female strobiles with ovules arranged in whorls; h. branch with two seeds. (a-e. N.F.O. Mota et al. 3386; f-h. N.F.O. Mota et al. 3430). Drawn by João Silveira.

Figura 2
Gnetum nodiflorum - a. hábito do indivíduo masculino, na Serra Norte (N2); b. ramo da planta masculina; c. estróbilos masculinos; d. ramificação com lenticelas características da espécie; e. colar carnoso com microsporangióforos e microsporângios; f. Ramo lateral com estróbilos femininos; g. detalhe dos estróbilos femininos com os óvulos dispostos em verticilos; h. semente. (Fotos: N. Mota).
Figura 2
Gnetum nodiflorum - a. habit of a male plant, in Serra Norte (N2); b. branch, male plant; c. male strobiles; d. branching, with lenticels in detail; e. fleshy collar with microsporangiophores and microsporangia; f. Lateral branch with female strobiles; g. detail of female strobiles with ovules arranged in whorls; h. seed. (Photos: N. Mota).

Plantas dióicas; liana robusta, tronco lenhoso, DAP até 15 cm diâm., ramos aéreos lenhosos, glabros, seção transversal circular. Folhas restritas aos ramos laterais; pecíolo 0,5-0,8 cm compr., canaliculado, lenhoso, glabro; lâmina 7-20 × 5-10 cm, elíptica, oblonga ou raramente ovada, assimétrica, glabra, ápice obtuso a arredondado, base arredondada a subcordada, face adaxial com nervura principal impressa, 4-6 pares de nervuras secundárias. Estróbilo espiciforme, colariforme, unissexuado, axilar ou raro terminal, ramificado ou não; estróbilo masculino com 5-20 nós, entrenós uniformes, 1-2 cm compr., nós cupuliformes, carnosos (colar); colar com numerosos microsporangióforos verticilados; microesporangióforos com dois microesporângios distais, protegidos por duas brácteas; brácteas 2-4 mm compr., opostas, conadas na base, ápice triangular; estróbilo feminino com cada colar portando 6-8 óvulos, verticilados. Sementes oblongas, 2-3(4) × 2-2,5 cm, cilíndricas, micrópila apical aberta, areolada, sarcotesta carnosa, quando madura vermelha a vinácea.

Material selecionado: Parauapebas: N1, 6°18'00"S, 50°16'59"W, 5.XII.2013, sem., S.S. Santos et al. 154 (MG); N2, 6°3'20"S, 50°15'14"W, 678 m, 23.VI.2015, pl. masc., N.F.O. Mota et al. 3386 (MG); N4, 6°6'18"S, 50°10'57"W, 715 m, 26.VI.2015, pl. fem./sem., N.F.O. Mota et al. 3430 (MG); N8, 6°6'26"S, 50°11'0.3"W, 3.I.2011, sem., L. Tyski 10 (HCSJ).

Vegetativamente G. nodiflorum pode ser confundida pelo hábito com G. paniculatum, espécie que não ocorre no estado do Pará (BFG 2015BFG. 2015. Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113.). No entanto, na presença das estruturas reprodutivas, essas espécies são facilmente diferenciadas: G. nodiflorum apresenta estróbilos laxos, com entrenós longos, enquanto G. paniculatum apresenta estróbilos congestos, devido aos entrenós curtos. As sementes de G. nodiflorum são oblongas, com 2-3 cm de comprimento e ápice areolado, enquanto as de G. paniculatum são maiores com até 6 cm de comprimento e ápice agudo. Dentre os materiais coletados na área de estudo alguns haviam sido identificados anteriormente como G. leyboldii (N.A. Rosa 477 e S.S. Santos 154). Porém, ambas são facilmente diferenciadas pela forma e textura da lâmina foliar, pelos micro e megaestróbilos e pela forma e tamanho das sementes. Em G. nodiflorum as folhas de são coriáceas e assimétricas, enquanto as de G. leyboldii são papiráceas e simétricas. Também, em G. nodiflorum os estróbilos são laxos e as sementes são menores enquanto, em G. leyboldii, os estróbilos são congestos e sementes tem 3-5 cm compr. e ápice arredondado apiculado.

Gnetum nodiflorum apresenta ampla distribuição na Amazônia, ocorrendo na Colômbia, Guianas, Equador, Peru e Brasil (Cavalcante 1978Cavalcante, P.B. 1978. Contribuição ao conhecimento das Gnetáceas da Amazônia (Gimnospermas). Acta Amazonica 8: 201-215.; Funk et al. 2007Funk, V.A.; Berry, P.E.; Alexander, S.; Hollowell, T.H. & Kelloff, C.L. 2007. Checklist of the plants of the Guiana Shield (Venezuela: Amazonas, Bolivar, Delta Amacuro; Guyana, Surinam, French Guiana). Contributions from the United States National Herbarium 55: 1-584.). No país é referida para os estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Roraima e Goiás. Nas cangas da Serra dos Carajás foi observada apenas na Serra Norte, nos blocos N1, N2, N4 e N8, em capões de mata. Seus ramos aéreos podem atingir a copa das árvores mais altas dos capões, a cerca de 15 m de altura.

Lista de exsicatas

  • Mota, N.F.O. 3386, 3430 (1.1); Rosa, N.A. 477 (1.1); Santos, S.S. 154 (1.1); Tyski, L. 10 (1.1).

Agradecimentos

Agradecemos ao Museu Paraense Emílio Goeldi e ao Instituto Tecnológico Vale, a estrutura e o apoio fundamentais ao desenvolvimento desse trabalho. Aos curadores dos herbários consultados, o acesso aos materiais examinados. Ao ICMBio, especialmente ao Frederico Drumond Martins, a licença de coleta concedida e o suporte nos trabalhos de campo. Ao João Silveira, a confecção das ilustrações e ao Leandro Soares, a editoração das pranchas. Ao Programa de Capacitação Institucional (MPEG/MCTI), a bolsa concedida à primeira autora. Ao projeto objeto do convênio MPEG/ITV/FADESP (01205.000250/2014-10) e ao projeto aprovado pelo CNPq (processo 455505/2014-4), o financiamento.

Referências

  • BFG. 2015. Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113.
  • Cavalcante, P.B. 1978. Contribuição ao conhecimento das Gnetáceas da Amazônia (Gimnospermas). Acta Amazonica 8: 201-215.
  • Funk, V.A.; Berry, P.E.; Alexander, S.; Hollowell, T.H. & Kelloff, C.L. 2007. Checklist of the plants of the Guiana Shield (Venezuela: Amazonas, Bolivar, Delta Amacuro; Guyana, Surinam, French Guiana). Contributions from the United States National Herbarium 55: 1-584.
  • Jörgensen, A. & Rydin, C. 2015. Reproductive morphology in the Gnetum cuspidatum group (Gnetales) and its implications for pollination biology in the Gnetales. Plant Ecology and Evolution 148: 387-396.
  • Markgraf, F. 1929. Monographie der Gattung Gnetum Bulletin du Jardin Botanique de Buitenzorg - serie III 9: 448-455.
  • Price, R. 1996. Systematics of the Gnetales: a review of morphological and molecular evidence. International Journal of Plant Sciences 157: 40-49.
  • The Plant List. 2010. Versão 1. Publicado na Internet.Disponível em <http://www.theplantlist.org/>. Acesso em 5 abril 2016.
    » http://www.theplantlist.org

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2016
  • Aceito
    09 Out 2016
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Rua Pacheco Leão, 915 - Jardim Botânico, 22460-030 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21)3204-2148, Fax: (55 21) 3204-2071 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rodriguesia@jbrj.gov.br