Acessibilidade / Reportar erro

Flora das cangas da Serra dos Carajás, Pará, Brasil: Bryaceae

Flora of the cangas of Serra dos Carajás, Pará, Brazil: Bryaceae

Resumo

Este estudo apresenta um tratamento taxonômico para as espécies de Bryaceae registradas em áreas de canga na Serra dos Carajás, no estado do Pará, com descrição detalhada, ilustração e comentários morfológicos das espécies. Foram registrados três gêneros e três espécies: Bryum coronatum, Rhodobryum subverticillatum e Rosulabryum capillare.

Palavras-chave:
Brioflora; FLONA Carajás; musgos; taxonomia

Abstract

The study presents a taxonomic treatment for the Bryaceae species recorded in areas of cangas in Serra dos Carajás, Pará state, with detailed description, illustration and morphologic comments. Three genera and three species were recorded: Bryum coronatum, Rhodobryum subverticillatum and Rosulabryum capillare.

Key words:
Bryoflora; FLONA Carajás; mosses; taxonomy

Bryaceae

Bryaceae Schwägr. é uma família de distribuição cosmopolita, que reúne 15 gêneros e ca. 175 espécies no Neotrópico (Gradstein et al. 2001Gradstein SR, Churchill SP & Salazar-Allen N (2001) Guide to the bryophytes of Tropical America. Memoirs of The New York Botanical Garden 86: 1-577.). No Brasil, são conhecidos sete gêneros e 53 espécies (Costa & Peralta 2015Costa DP & Peralta DF (2015) Bryophyte diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1063-1071.). Os membros desta família são identificados pelas plantas eretas, formando tufos geralmente densos, caulídios solitários, ramificados ou conectados por estolões, radiculosos, ocasionalmente tomentosos, filídios uniformemente dispostos ou agrupados em tufos comais ou em forma de roseta, costa simples, peristômio duplo (normalmente com 16 dentes) com exóstoma e endóstoma bem desenvolvidos, raramente reduzidos (Ochi 1980Ochi H (1980) A revision of the neotropical Bryoideae, Musci (first part). Title, Journal of the Faculty of Education, Tottori University. Natural Science 29: 49-54., 1981Ochi H (1981) A revision of the neotropical Bryoideae, Musci (second Part). Title, Journal of the Faculty of Education, Tottori University. Natural Science 30:21-55.; Gradstein et al. 2001Gradstein SR, Churchill SP & Salazar-Allen N (2001) Guide to the bryophytes of Tropical America. Memoirs of The New York Botanical Garden 86: 1-577.). Nas cangas da Serra dos Carajás foi registrada uma espécie de cada gênero: Bryum Hedw, Rhodobryum (Schimp.) Limpr. e Rosulabryum Spence.

    Chave de identificação dos gêneros de Bryaceae das cangas da Serra dos Carajás
  • 1. Plantas grandes e robustas, >15 mm de comprimento. Caulídio com estolões subterrâneos. Filídios eretos (secos ou úmidos), distantes ao longo do caulídio e fortemente agrupados no ápice, formando uma roseta............................ 2. Rhodobryum

    1'. Plantas pequenas a medianas, 2-10 mm de comprimento. Caulídio sem estolões subterrâneos. Filídios frequentemente torcidos em espiral ao redor do caulídio quando secos e eretos quando úmidos, equidistantes tornando-se agrupados em direção ao ápice do caulídio 2

    • 2. Filídios equidistantes tornando-se agrupados em direção ao ápice do caulídio, de formas variadas (ovalados, oblongos, obovalados a lanceolados), rizoides tuberosos ausentes.................................................................................... 1. Bryum

    • 2'. Filídios fortemente agrupados em direção ao ápice do caulídio (rosulados), filídios obovalados a espatulados, rizoides tuberosos presentes................................................................................................................................... 3. Rosulabryum

1. Bryum Hedw.

Gênero polifilético que engloba aproximadamente 50 espécies no Neotrópico (Gradstein et al. 2001Gradstein SR, Churchill SP & Salazar-Allen N (2001) Guide to the bryophytes of Tropical America. Memoirs of The New York Botanical Garden 86: 1-577.), sendo 19 reconhecidas para o Brasil (Costa & Peralta 2015Costa DP & Peralta DF (2015) Bryophyte diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1063-1071.). Ocorrem comumente sobre solo, húmus e rocha, raramente são epífitas (Gradstein et al. 2001Gradstein SR, Churchill SP & Salazar-Allen N (2001) Guide to the bryophytes of Tropical America. Memoirs of The New York Botanical Garden 86: 1-577.). Caracterizam-se principalmente pelos filídios de formas variadas (ovalados, oblongos, obovalados a lanceolados), geralmente bordeada por células lineares, células da lâmina grandes, hexagonais (raro oblongo-lineares), peristômio duplo bem desenvolvido (Ochi 1980Ochi H (1980) A revision of the neotropical Bryoideae, Musci (first part). Title, Journal of the Faculty of Education, Tottori University. Natural Science 29: 49-54.; Gradstein et al. 2001Gradstein SR, Churchill SP & Salazar-Allen N (2001) Guide to the bryophytes of Tropical America. Memoirs of The New York Botanical Garden 86: 1-577.).

1.1. Bryum coronatum Schwägr., Spec. Musc. Frond. Suppl. 1 (2): 193. 1816. Fig. 1a-d

Figura 1
a-d. Bryum coronatum – a. hábito; b. ápice do filídio; c. filídios; d. base do filídio. e-h. Rhodobryum subverticillatum – e. ápice do filídio; f. filídios; g. células da base; h. hábito. i-l. Rosulabryum capillare – i. hábito; j. filídios; k. ápice do filídio; l. base do filídio.
Figure 1
a-d. Bryum coronatum – a. habit; b. leaf apex; c. leaves; d. leaf base. e-h. Rhodobryum subverticillatum – e. leaf apex; f. leaves; g. cells of the leaf base; h. habit. i-l. Rosulabryum capillare – i. habit; j. leaves; k. leaf apex; l. leaf base.

Plantas verdes a marrom-avermelhadas, 4-10 mm de comprimento. Filídios equidistantes tornando-se agrupados em direção ao ápice do caulídio, torcidos em espiral ao redor do caulídio quando secos e eretos quando úmidos, lanceolado a ovalado-lanceolado, 1,2-1,5 × 0,4-0,5 mm, ápice agudo a longo-acuminado, costa excurrente (células do ápice 9-11:1), margem plana a inflexa na base, fracamente serrilhada próximo ao ápice, bordeada por 1-2 fileiras de células lineares. Células da lâmina romboidal-hexagonais, 30-50 × 12-25 µm, células basais quadráticas, 12-38 µm.

Material selecionado: Canaã dos Carajás, S11D, 6°23'41,1"S, 50°21'24,8"W, 29.IV.2015, A.L. Ilkiu-Borges et al. 3464 (MG). S11B, 6°21'19,1"S, 50°23'27,4"W, 29.IV.2015, A.L. Ilkiu-Borges et al. 3528 (MG); Serra do Tarzan, 6°19'43,7"S, 50°08'0,3"W, 31.IV.2015, A.L. Ilkiu-Borges et al. 3576 (MG). Parauapebas, N2, 6°03'28"S, 50°15'09"W, 31.VIII.2015, A.L. Ilkiu-Borges et al. 3589 (MG); N4, 19.IX.1985, N.A. Rosa et al. 4677 (MG); N5, 10.IX.1992, R.C.L. Lisboa 1405 (MG); N6, 6° 03' 20,7"S, 50°15'15,8"W, 23.II.2016, A.L. Ilkiu-Borges et al. 3746 (MG). N7, 6°9' 27,2"S, 50°10'15,2"W, 24.II.2016, A.L. Ilkiu-Borges et al. 3763 (MG); N8, 6°10'00,6"S, 50° 09'34,1"W, 24.II.2016, A.L. Ilkiu-Borges et al. 3805 (MG).

Essa espécie é reconhecida pelo hábito acrocárpico, plantas com filídios geralmente retorcidos. Quando fértil, é facilmente identificada pela cápsula pendente, grande (em relação à planta) e suspensa por uma seta avermelhada, que são características da família ou gênero, mas especificamente de Bryum coronatum, a cápsula é cilíndrica com um pescoço curto e arredondado, como uma “coroa", o que lhe rendeu o epíteto específico.

No herbário MG, existem registros de coleta desta espécie realizados em 1985 em vegetação rupestre na Serra dos Carajás. Segundo os dados dos coletores, este musgo é bastante comum nos lageados de ferro (ou cangas).

Pantropical. No Brasil: AC, AM, BA, CE, DF, GO, MA, MG, MT, PA, PB, PE, PI, PR, RJ, RN, RO, RR, RS, SC, SE, SP e TO. Serra dos Carajás: Serra Sul: S11D, S11B e Serra do Tarzan; Serra Norte: N2, N4, N5, N6, N7 e N8.

2. Rhodobryum (Schimp.) Limpr.

Existem 10 espécies registradas no Neotrópico (Gradstein et al. 2001Gradstein SR, Churchill SP & Salazar-Allen N (2001) Guide to the bryophytes of Tropical America. Memoirs of The New York Botanical Garden 86: 1-577.) e sete no Brasil (Costa & Peralta 2015Costa DP & Peralta DF (2015) Bryophyte diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1063-1071.). Ocorrem principalmente sobre solo ou húmus (Gradstein et al. 2001Gradstein SR, Churchill SP & Salazar-Allen N (2001) Guide to the bryophytes of Tropical America. Memoirs of The New York Botanical Garden 86: 1-577.). Suas plantas são relativamente grandes e robustas, com caulídio estolonífero subterrâneo, ramos eretos, formando uma roseta no ápice, filídios obovalado-espatulados ou oblongo-obovalados, ápice obtuso a curto-acuminado, borda diferenciada por células lineares (Gradstein et al. 2001Gradstein SR, Churchill SP & Salazar-Allen N (2001) Guide to the bryophytes of Tropical America. Memoirs of The New York Botanical Garden 86: 1-577.; Koponen & Fuertes 2010Koponen T & Fuertes E (2010) Contribution to the bryological flora of Argentina. II. Rhodobryum (Bryaceae, Musci). Bryologist 113 132-143.).

2.1 Rhodobryum subverticillatum Broth., Ergebn. Bot. Exped. Südbras. 299. 1924. Fig. 1e-h

Plantas amareladas a avermelhadas, 15-20(-50) mm de comprimento. Filídios distantes ao longo do caulídio e fortemente agrupados no ápice, formando uma roseta, eretos (secos ou úmidos), obovalado-espatulados, 3-4 × 1-1,3 mm, ápice agudo ou acuminado, costa curto-excurrente, margem plana a flexuosa, denteada da metade da lâmina até o ápice, dentes distintos, bordeada por 2-5 fileiras de células lineares. Células da lâmina romboidal-hexagonais, 50-55 × 10-15 µm, células basais retangulares, 60-85 × 20-40 µm.

Material examinado: Parauapebas, N1, 28.III.1993, J.S. Ramos & C.S. Rosário 626 (MG).

Essa espécie se diferencia das outras espécies de Bryaceae, pelas plantas grandes e robustas, com estolões e formando uma roseta de filídios no ápice. A única amostra dessa espécie foi registrada por Moraes & Lisboa (2006) no município de Parauapebas, na canga da mina N1, perto de uma bomba d'água sobre rocha de ferro. Nas expedições recentes, realizadas durante esse projeto, inclusive na canga N1, essa espécie não foi coletada novamente. Segundo Koponen & Fuertes (2010), essa espécie cresce geralmente em locais úmidos e sombreados, sobre rocha, solo ou húmus.

Argentina, Uruguai e Brasil. No Brasil: AM, BA, ES, MG, PA, PE, RJ, SE, SC e SP. Serra dos Carajás: Serra Norte: N1.

3. Rosulabryum Spence.

É um gênero polifilético com 54 espécies no globo (ca. 15 no Neotrópico) com distribuição tropical a sul-temperada (Spence 1996Spence JR (1996) Rosulabryum genus novum (Bryaceae). Bryologist 99: 222-224.). No Brasil, ocorrem quatro espécies (Costa & Peralta 2015Costa DP & Peralta DF (2015) Bryophyte diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1063-1071.). As espécies de Rosulabryum ocorrem principalmente sobre solo ou solo sobre rochas em habitats expostos, ocasionalmente sobre troncos (na base de árvores) ou em troncos em decomposição (Spence 1996Spence JR (1996) Rosulabryum genus novum (Bryaceae). Bryologist 99: 222-224.). O gênero reúne plantas com filídios torcidos em espiral ao redor do caulídio quando secos e eretos quando úmidos, agrupados no ápice do caulídio (rosulados), filídios obovalados a espatulados e rizoides tuberosos geralmente presentes (Spence 1996Spence JR (1996) Rosulabryum genus novum (Bryaceae). Bryologist 99: 222-224.).

3.1 Rosulabryum capillare (Hedw.) J.R. Spence, Bryologist 99(2): 223. 1996Spence JR (1996) Rosulabryum genus novum (Bryaceae). Bryologist 99: 222-224..

Bryum capillare Hedw., Species Muscorum Frondosorum 182. 1801. Fig. 1i-l

Plantas verdes, 2-3 mm de comprimento. Filídios fortemente agrupados em direção ao ápice do caulídio (rosulados), torcidos em espiral ao redor do caulídio quando secos e eretos quando úmidos, obovalado a oblongo-lanceolado, 1,2-2 × 0,2-0,5 mm, ápice longo acuminado a pilífero, costa longo-excurrente (células do ápice 19-28:1), margem plana, fracamente serrilhada próximo ao ápice, bordeada por 2-3 fileiras de células lineares. Células superiores hexagonais a romboidais, 37-60 × 7-15 µm, células basais sub-quadráticas, 25-45 µm.

Material examinado: Parauapebas, N1, 24.III.1993, J. S. Ramos & C. S. Rosário 212 (MG).

Rosulabryum capillare é reconhecido em campo pelos filídios fortemente torcidos em espiral ao redor do caulídio quando secos, podendo por isso ser confundido com Bryum coronatum. Todavia, se diferenciam pela costa longo-excurrente com células longas (19-28:1) de R. capillare, enquanto B. coronatum apresenta costa excurrente com células mais curtas (9-11:1). Além disso, a cápsula de R. capillare apresenta pescoço longo e delgado e a de B. coronatum apresenta pescoço curto e arredondado, formando uma coroa.

Em geral, R. capillare apresenta plantas com até 10 mm de comprimento (Crum & Anderson 1981), mas as das amostras estudadas estavam pouco desenvolvidas, ficando pouco visível o hábito rosulado. As amostras estudadas foram registradas por Moraes & Lisboa (2006), mas a espécie não foi coletada novamente nas expedições à mina N1, durante esse projeto.

Pantropical. No Brasil: BA, CE, DF, ES, GO, MG, MS, MT, PA, PE, PB, PI, PR, RJ, RN, RO, RS, SC e SP. Serra dos Carajás: Serra Norte: N1.

  • Lista de exsicatas
    Carodoso A 1997(1.1). Ilkiu-Borges AL 3464 (1.1), 3467 (1.1), 3469 (1.1), 3528 (1.1), 3576 (1.1), 3580 (1.1), 3584 (1.1), 3589 (1.1), 3732 (1.1), 3733 (1.1), 3749 (1.1), 3752 (1.1), 3763 (1.1), 3773 (1.1), 3805 (1.1). Lisboa RCL 1405 (1.1), 1408 (1.1), 1410 (1.1), 1411 (1.1), 1413 (1.1), 1414 (1.1), 1415 (1.1), 1416 (1.1), 1417 (1.1), 1487 (3.1). Ramos JS 626 (2.1), 212 (3.1), 644 (3.1). Rosa NA 4677 (1.1).
  • Editor de área: Dr. Alexandre Salino

Agradecimentos

Agradecemos ao Museu Paraense Emílio Goeldi e Instituto Tecnológico Vale, a infraestrutura e demais apoios fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho, assim como à Dra. Ana Maria Giulietti Harley e ao Dr. Pedro Viana, coordenadores do projeto conveniado MPEG/ITV/FADESP (01205.000250/2014-10) e ao projeto aprovado pelo CNPq (processo 455505/2014-4), o financiamento; ao ICMBio, em especial ao biólogo Frederico Drumond Martins, a licença de coleta concedida e suporte nos trabalhos de campo; ao CNPq, a bolsa de Iniciação Científica concedida ao primeiro autor e a bolsa de Produtividade em Pesquisa concedida à segunda autora.

Referências

  • Costa DP & Peralta DF (2015) Bryophyte diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1063-1071.
  • Crum HA. & Anderson LE (1981) Mosses of Eastern North America. Vol. 1. New York Columbia University Press, New York. Pp. 538-574.
  • Gradstein SR, Churchill SP & Salazar-Allen N (2001) Guide to the bryophytes of Tropical America. Memoirs of The New York Botanical Garden 86: 1-577.
  • Koponen T & Fuertes E (2010) Contribution to the bryological flora of Argentina. II. Rhodobryum (Bryaceae, Musci). Bryologist 113 132-143.
  • Moraes ENR & Lisboa RCL (2006) Musgos (Bryophyta) da Serra dos Carajás, estado do Pará, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílío Goeldi, série Ciências Naturais 1: 39-68.
  • Ochi H (1980) A revision of the neotropical Bryoideae, Musci (first part). Title, Journal of the Faculty of Education, Tottori University. Natural Science 29: 49-54.
  • Ochi H (1981) A revision of the neotropical Bryoideae, Musci (second Part). Title, Journal of the Faculty of Education, Tottori University. Natural Science 30:21-55.
  • Spence JR (1996) Rosulabryum genus novum (Bryaceae). Bryologist 99: 222-224.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2017
  • Aceito
    26 Jun 2017
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Rua Pacheco Leão, 915 - Jardim Botânico, 22460-030 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21)3204-2148, Fax: (55 21) 3204-2071 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rodriguesia@jbrj.gov.br