Acessibilidade / Reportar erro

Flora das cangas da Serra dos Carajás, Pará, Brasil: Rhizophoraceae

Flora of the canga of Serra dos Carajás, Pará, Brazil: Rhizophoraceae

Resumo

É apresentado o tratamento florístico de Rhizophoraceae para as formações de canga da Serra dos Carajás, no estado do Pará, Brasil, com descrição morfológica, comentários sobre distribuição geográfica e habitats preferenciais, bem como ilustração de Cassipourea peruviana, a única espécie da família registrada na área.

Palavras-chave:
Amazônia; canga; Cassipourea; Floresta Nacional de Carajás; Malpighiales

Abstract

The floristic treatment of Rhizophoraceae from the canga formations of the Serra dos Carajás, in Pará state, Brazil, is presented and includes morphological descriptions, comments on geographic distribution and preferential habitats, as well as illustrations of Cassipourea peruviana, the only registered species of Rhizophoraceae in the area.

Key words:
Amazonia; canga vegetation; Cassipourea; Carajás National Forest; Malpighiales

Rhizophoraceae

Rhizophoraceae apresenta distribuição predominantemente pantropical e compreende 15 gêneros com cerca de 149 espécies (Juncosa & Tomlinson 1988Juncosa AM & Tomlinson PB (1988) A historical and taxonomic synopsis of Rhizophoraceae and Anisophylleaceae. Annals of the Missouri Botanical Garden 75: 1278-1295.; Xi et al. 2012Xi Z, Ruhfel BR, Schaefer H, Amorim AM, Sugumaran M, Wurdack KJ, Endress PK, Matthews ML, Stevens PF, Mathews S & Davis CC (2012) Phylogenomics and a posteriori data partitioning resolve the Cretaceous angiosperm radiation Malpighiales. Proceedings of the National Academy of Sciences, USA 109: 17519-17524.). A família inclui algumas das espécies mais comuns nos manguezais de todo o mundo e suas plantas são caracterizadas por serem árvores ou arbustos com folhas simples, alternas, opostas ou verticiladas, geralmente glabras; por apresentarem estípulas inter ou intrapeciolares, geralmente caducas, com coléteres; por suas flores dispostas em cimas, panículas, racemos ou mesmo solitárias, uni ou bissexuadas, actinomorfas, diclamídeas, 3-16-meras, com cálice gamossépalo, com prefloração valvar, persistente no fruto, pétalas livres, com prefloração convoluta, inteiras ou fimbriadas, estames 3-numerosos, ovário súpero ou ínfero, 2-6-locular, 2-pluri-carpelar; pelos frutos do tipo cápsula, drupa ou baga; e pelas sementes com embrião verde, sem albúmen e, em alguns casos, germinando ainda quando presas ao fruto (viviparidade) (Prance et al. 1975Prance GT, Silva MF, Albuquerque BW, Araújo IJS, Carreira LMM, Braga MMN, Macedo M, Conceição PN, Lisbôa PLB, Braga PI, Lisbôa RCL & Vilhena RCQ (1975) Revisão taxonômica das espécies amazônicas de Rhizophoraceae. Acta Amazonica 5: 5-22.; Juncosa & Tomlinson 1988Juncosa AM & Tomlinson PB (1988) A historical and taxonomic synopsis of Rhizophoraceae and Anisophylleaceae. Annals of the Missouri Botanical Garden 75: 1278-1295.).

No Brasil são registradas 10 espécies de Rhizophoraceae distribuídas em quatro gêneros, a saber: Cassipourea Aubl. (3 spp.), Paradrypetes Kuhlm. (2 spp.), Rhizophora L. (3 spp.) e Sterigmapetalum Kuhlm. (2 spp.) (Costa-Lima 2017Costa-Lima JL (2017) Rhizophoraceae. In: Flora do Brasil 2020 [em construção]. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB24368>. Acesso em 13 julho 2017.
http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora...
). Na Serra dos Carajás foi registrado apenas Cassipourea, com uma única espécie, Cassipourea peruviana Alston.

1. Cassipourea Aubl.

O gênero Cassipourea inclui cerca de 55 espécies e possui distribuição pantropical, ocorrendo na América Central e do Sul, África Tropical, Madagáscar, sul da Índia e Sri Lanka, com maior riqueza de espécies na África Tropical (Alston 1925Alston AHG (1925) Revision of the genus Cassipourea. Bulletin of Miscellaneous Information, Kew 1925: 241-276.; Juncosa & Tomlinson 1988Juncosa AM & Tomlinson PB (1988) A historical and taxonomic synopsis of Rhizophoraceae and Anisophylleaceae. Annals of the Missouri Botanical Garden 75: 1278-1295.). De acordo com Costa-Lima (2017)Costa-Lima JL (2017) Rhizophoraceae. In: Flora do Brasil 2020 [em construção]. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB24368>. Acesso em 13 julho 2017.
http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora...
, no Brasil ocorrem três espécies, todas com distribuição no Domínio Amazônico. As espécies do gênero são árvores ou arbustos, com folhas opostas ou verticiladas, estípulas interpeciolares, com inflorescências geralmente condensadas, flores (4-)5(-6)-meras, com pedicelos articulados, pétalas numerosamente fimbriadas, estames numerosos, ovário súpero e frutos do tipo cápsula septicida. Indivíduos de Cassipourea são frequentemente confundidos em campo e, principalmente, em coleções de herbário com espécies de Myrtaceae e Mouriri (Melastomataceae), especialmente pelas folhas opostas e flores alvacentas dispostas em inflorescências axilares congestas. Entretanto, podem ser diferenciadas destas pela presença de estípulas interpeciolares e pelas pétalas com fímbrias densamente recobertas por tricomas, cuja densidade confere às pétalas um aspecto plumoso.

1.1. Cassipourea peruvianaAlston, Kew Bull. 1925Alston AHG (1925) Revision of the genus Cassipourea. Bulletin of Miscellaneous Information, Kew 1925: 241-276.: 268. 1925.Fig. 1a-f

Figura 1
a-f. Cassipourea peruviana - a. ramo florido; b. estípula, vista abaxial; c. detalhe das inflorescências; d. flor com a corola removida; e. pétala, vista adaxial; f. fruto. (a-c. D.C. Daly et al. 1903; d-f. N.A. Rosa et al. 4638). Ilustração: Felipe Martins.
Figure 1
a-f. Cassipourea peruviana - a. flowering branch; b. stipule, ventral view; c. inflorescences; d. flower with removed corolla; e. petal, dorsal view; f. fruit. (a-c. D.C. Daly et al. 1903; d-f. N.A. Rosa et al. 4638). Illustration: Felipe Martins.

Árvores, 8-20 m alt.; ramos jovens pubescentes, passando a glabrescentes a glabros quando senescentes, ritidoma liso, lenticelas pouco desenvolvidas a ausentes. Estípulas 2,2-3,7 mm compr., triangulares, pubescentes. Pecíolos 1,8-5,4 mm compr. Lâminas foliares 5,6-13 × 2,4-4,8 cm, cartáceas, estreito-elípticas, glabras na face adaxial, pilosas na face abaxial apenas ao longo das nervuras, base atenuada, margem inteira, ápice cuspidado; venação secundária 6-10 pares. Fascículos com até 8 flores; pedicelos 1,5-4,2 mm compr.; cálice externamente esparsamente piloso quando em botão e glabro quando maduro, internamente densamente piloso, lobos 0,6-2,2 × 0,8-2,3 mm, triangulares a largamente triangulares, ápice agudo; corola alva, pétalas com lâminas 3-6,8 mm compr., espatuladas, ápice numerosamente fimbriado, fímbrias densamente pilosas; estames 18-25, dispostos em 1 verticilo, adnatos na base formando tubo estaminal, filetes 2,5-3,6 mm compr.; estilete 3,4-5 mm compr., crasso, piloso; ovário ca. 1 × 2 mm, hemisférico, piloso. Frutos 5-8,6 × 4,6-7,4 mm, oblongoides; estilete persistente.

Material examinado: Sine loco accuratio, estrada de Marabá, 25.I.1971, fl., B.G.S. Ribeiro & O.C. Nascimento 61 (IAN). Parauapebas [Marabá], Serra dos Carajás, entrada da estrada para a serraria, 05.IV.1977, fl. e fr., M.G. Silva & R. Bahia 3041 (MG, MO, NY); “Azul”, near camp at Serra Norte (22 km NW, then 10-15 Km SW), 5º59’S, 50º28’W, 08-12.XII.1981, fl., D.C. Daly et al. 1903 (IAN, INPA, MO, NY-2 exs.); margem da estrada para o Rio Itacaiúnas, 21.VIII.1984, fl. e fr., N.A. Rosa et al. 4638 (IAN, MG); Reserva Biológica da Serra dos Carajás, Área 4 do Igarapé Bahia, próximo aos tanques de rejeito, 04.I.1992, fl., G. Santos et al. 459 (MO).

Única espécie de Cassipourea registrada na Serra dos Carajás, C. peruviana Alston pode ser facilmente distinguida das duas outras espécies congenéricas que ocorrem no Brasil (i.e., Cassipourea guianensis Aubl. e C. spruceana Benth.) pelas folhas com lâminas estreitamente elípticas e pelas flores evidentemente pediceladas. Nas demais espécies, as lâminas foliares são largamente elípticas a ovadas e as flores são sésseis a subsésseis.

Cassipourea peruviana ocorre no norte da América do Sul no Domínio Amazônico, com registros na Bolívia, Brasil, Colômbia, Guiana, Suriname e Venezuela. No Brasil foi registrada em quase todos os estados da Região Norte (Costa-Lima 2017Costa-Lima JL (2017) Rhizophoraceae. In: Flora do Brasil 2020 [em construção]. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB24368>. Acesso em 13 julho 2017.
http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora...
), vegetando em florestas de igapó, de várzea e de terra firme. Na Serra dos Carajás foi encontrada na Serra Norte e proximidades, onde ocorre na floresta de terra firme e em área transicional entre a vegetação rupestre e a floresta adjacente.

  • Lista de exsicatas
    Daly DC 1903 (1.1). Rosa NA 4638 (1.1). Ribeiro BGS 61 (1.1). Santos G 459 (1.1). Silva MG 3041 (1.1).
  • Editor de área: Dr. Pedro Viana

Agradecimentos

Agradeço aos curadores e ao corpo técnico dos herbários do Museu Paraense Emílio Goeldi (MG), da Embrapa Amazônia Oriental (IAN) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), o acesso às suas coleções e empréstimo de materiais. Nominalmente agradeço ao Pedro Viana, um dos coordenadores do projeto “Flora de Carajás”, o auxílio prestado e ao Earl Chagas, a leitura e as sugestões na versão inicial do texto.

Referências

  • Alston AHG (1925) Revision of the genus Cassipourea Bulletin of Miscellaneous Information, Kew 1925: 241-276.
  • Costa-Lima JL (2017) Rhizophoraceae. In: Flora do Brasil 2020 [em construção]. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB24368>. Acesso em 13 julho 2017.
    » http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB24368
  • Juncosa AM & Tomlinson PB (1988) A historical and taxonomic synopsis of Rhizophoraceae and Anisophylleaceae. Annals of the Missouri Botanical Garden 75: 1278-1295.
  • Prance GT, Silva MF, Albuquerque BW, Araújo IJS, Carreira LMM, Braga MMN, Macedo M, Conceição PN, Lisbôa PLB, Braga PI, Lisbôa RCL & Vilhena RCQ (1975) Revisão taxonômica das espécies amazônicas de Rhizophoraceae. Acta Amazonica 5: 5-22.
  • Xi Z, Ruhfel BR, Schaefer H, Amorim AM, Sugumaran M, Wurdack KJ, Endress PK, Matthews ML, Stevens PF, Mathews S & Davis CC (2012) Phylogenomics and a posteriori data partitioning resolve the Cretaceous angiosperm radiation Malpighiales. Proceedings of the National Academy of Sciences, USA 109: 17519-17524.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2017
  • Aceito
    16 Nov 2017
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Rua Pacheco Leão, 915 - Jardim Botânico, 22460-030 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21)3204-2148, Fax: (55 21) 3204-2071 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rodriguesia@jbrj.gov.br