Acessibilidade / Reportar erro

Padrões espaciais de samambaias em Floresta Estacional Perenifólia na transição Amazônia-Cerrado

Spatial patterns of ferns in Evergreen Seasonal Forest in Amazonia-Cerrado transition

Resumo

O clima e as condições edáficas são importantes preditores dos padrões espaciais e da diversidade alfa de espécies vegetais. A distribuição espacial das populações vegetais fornece informações sobre processos ecológicos que regem as comunidades. Nesse estudo investigamos a riqueza e os padrões espaciais intra e interespecíficos de espécies de samambaias em uma Floresta Estacional Perenifólia na transição Amazônia-Cerrado. Descrevemos os padrões espaciais através da função O’ring univariada e bivariada. Registramos quatro espécies de samambaias (Trichomanes pinnatum, Lindsaea pallida, Adiantum incertum e Campyloneurum phyllitidis). Todas as espécies exibiram o padrão espacial intraespecífico agregado. O padrão interespecífico positivo foi observado entre as espécies T. pinnatum e A. incertum, e L. pallida e A. incertum, porém, não observamos relações espaciais entre T. pinnatum e L. pallida. A forte sazonalidade climática aliada à homogeneidade topográfica pode estar influenciando na baixa riqueza de espécies. A agregação observada para essas espécies é um indicativo de que a limitação de dispersão e a estruturação do habitat estão determinando suas distribuições espaciais. As associações espaciais positivas das espécies podem estar sendo potencializadas pelo estresse ambiental durante o período de seca. A ausência de relações espaciais pode ser um indício de que a neutralidade pode explicar parcialmente a distribuição de samambaias na floresta estudada.

Palavras-chave:
associações espaciais interespecíficas; associações espaciais intraespecíficas; distribuição espacial; riqueza de espécies

Abstract

The climate and soil conditions are important predictors of spatial patterns and alpha diversity of plant populations. The spatial distribution of plant populations provides information about ecological processes that control the communities. In this study we investigated the richness and intra and interspecific spatial patterns of ferns in an Evergreen Seasonal Forest in the Amazonia-Cerrado transition. We described the spatial patterns by the univariate and bivariate O’ring function. We recorded four species of ferns samambaias (Trichomanes pinnatum, Lindsaea pallida, Adiantum incertum e Campyloneurum phyllitidis). All species exhibited the intraspecific spatial pattern aggregated. A positive interspecific pattern was observed between T. pinnatum and A. incertum, and L. pallida and A. incertum, however, we did not observe spatial relations between T. pinnatum and L. pallida. The strong climatic seasonality combined with a topographic homogeneity may be influencing the low species richness. The aggregation of these species is indicative that the dispersion limitation and the habitat structuration are determining their distribution. The species positive spatial associations may be reinforced by the environmental stress during the dry season. The absence of spatial relationships may be an indication that neutrality may partially explain the distribution of ferns in the studied forest.

Key words:
interspecific spatial associations; intraspecific spatial associations; spatial distribution; species richness

Introdução

O grupo das samambaias representa menos de 4% das espécies da flora vascular mundial, ainda assim, essas espécies ocupam quase todos os tipos de habitats de regiões tropicais, subtropicais, temperadas, boreais e austrais (Sharpe et al. 2010Sharpe JM, Mehltreter K & Walker LR (2010) Ecological importance of ferns. In: Mehltreter K, Walker LR & Sharpe JM (eds.) Fern ecology. Cambridge University Press, New York. Pp. 1-17.). Essa ampla distribuição geográfica é resultante das adaptações morfoecológicas adquiridas pelas samambaias durante seu longo período evolutivo e devido a sua elevada capacidade de dispersão (Moran & Smith 2001Moran RC & Smith AR (2001) Phytogeographic relationships between Neotropical and African-Madagascar pteridophytes. Brittonia 53: 304-351. ). De modo geral, em escala global, o principal fator determinante da distribuição das samambaias é o limite de dispersão inerente a cada espécie (Tuomisto et al. 2003Tuomisto H, Ruokolainen K & Yli-Halla M (2003) Dispersal, environment and floristic variation of Western Amazonian Forests. Science 299: 241-244.).

Variações edáficas e topográficas ao longo do hábitat também são importantes preditores da distribuição espacial das samambaias em diferentes escalas (Tuomisto & Poulsen 1996Tuomisto H & Poulsen AD (1996) Influence of edaphic specialization on pteridophyte distribution in Neotropical forests. Journal of Biogeography 232: 283-293., 2000Tuomisto H & Poulsen AD (2000) Pteridophyte diversity and species composition in four Amazonian rain forests. Journal of Vegetation Science 11: 383-396.; Tuomisto et al. 2003Tuomisto H, Ruokolainen K & Yli-Halla M (2003) Dispersal, environment and floristic variation of Western Amazonian Forests. Science 299: 241-244.), bem como as relações interespecíficas de coexistência e competição (Poulsen & Balslev 1991Poulsen AD & Balslev H (1991) Abundance and cover of ground herbs in an Amazonian rain forest. Journal of Vegetation Science 2: 315-322. ). Por exemplo, a especialização de hábitats (e.g., edáfica e topográfica) reduz os níveis de competição interespecífica de espécies herbáceas e garante a coexistência de um maior número de espécies em escala local, porém a competição intraespecífica também pode interferir no padrão de distribuição de espécies e na densidade local de indivíduos (Poulsen & Balslev 1991Poulsen AD & Balslev H (1991) Abundance and cover of ground herbs in an Amazonian rain forest. Journal of Vegetation Science 2: 315-322. ; Rechenmacher et al. 2007Rechenmacher C, Schmitt JL & Budke JC (2007) Estrutura e distribuição espacial de uma população de Blechnum tabulare (Thunb.) Kuhn (Pteridophyta, Blechnaceae) em um mosaico Floresta-Campo no Sul do Brasil. Pesquisas, Botânicas 58: 177-185.; Chacón-Labella et al. 2014Chacón-Labella J, Cruz M, Vicuna R, Tapia K & Escudero A (2014) Negative density dependence and environmental heterogeneity effects on tree ferns across succession in a tropical montane forest. Perspectives in Plant Ecology 16: 52-63.). Nesse caso, tal como previsto pela hipótese de Janzen-Connell, a agregação provocada pela limitação de dispersão dos propágulos é reduzida devido a exclusão de indivíduos por processos de mortalidade denso-dependentes, os quais promovem a distribuição aleatória ou regular nos indivíduos adultos (Janzen 1970Janzen DH (1970) Herbivores and the number of tree species in tropical forests. The American Naturalist 104: 501-528.; Connell 1971Connell J (1971) On the role of natural enemies in preventing competitive exclusion in some marine animals and in rain forest trees. In: Boer PJ & Gradwell GR (eds.) Dynamics of populations. Centre for Agricultural Publishing and Documentation, Wageningen. Pp. 298-312.).

A formação de adensamentos populacionais é outro fator relevante em determinar a distribuição de samambaias devido ao aumento na capacidade de monopolizar os recursos do hábitat, tais como luz, nutrientes e água, e influenciar nas relações intra e interespecíficas (Slocum et al. 2004Slocum MG, Aide TM, Zimmerman JK & Navarro L (2004) Natural regeneration of subtropical montane forest after clearing fern thickets in the Dominican Republic. Journal of Tropical Ecology 20: 483-486., 2006Slocum MG, Aide TM, Zimmerman JK & Navarro L (2006) A strategy for restoration of montane forest in anthropogenic fern thickets in the Dominican Republic. Restoration Ecology 14: 526-536.; Walker & Sharpe 2010Sharpe JM, Mehltreter K & Walker LR (2010) Ecological importance of ferns. In: Mehltreter K, Walker LR & Sharpe JM (eds.) Fern ecology. Cambridge University Press, New York. Pp. 1-17.). Esses adensamentos podem ser formados por meio da dispersão limitada dos esporos e pela reprodução vegetativa (e.g., apogamia, produção de gemas e ramificação de rizomas seguida da desintegração da conexão) (Richard et al. 2000Richard M, Bernhardt T & Bell G (2000) Environmental heterogeneity and the spatial structure of fern species diversity in one hectare of old-growth forest. Ecography 23: 231-245.; Sharpe et al. 2010Sharpe JM, Mehltreter K & Walker LR (2010) Ecological importance of ferns. In: Mehltreter K, Walker LR & Sharpe JM (eds.) Fern ecology. Cambridge University Press, New York. Pp. 1-17.). Embora as samambaias apresentem eficiência na dispersão, grande parte dos esporos não levada pelo vento, cai próxima ao indivíduo dispersor, configurando o limite de dispersão em pequenas escalas e conduzindo ao adensamento da população (Peck et al. 1990Peck JH, Peck CJ & Farrar DR (1990) Influences of life history attributes on formation of local and distant fern populations. American Fern Journal 80: 126-142.). Contudo, a estruturação espacial dos recursos em microescala também pode gerar o adensamento das samambaias ao induzir o crescimento massivo de indivíduos, e resultar em um padrão espacial agregado, o tipo mais comum de distribuição espacial das samambaias (Karst et al. 2005Karst J, Gilbert B & Lechowicz MJ (2005) Fern community assembly: the roles of chance and the environment at local and intermediate scales. Ecology 86: 2473-2486. ; Schmitt & Windisch 2007Schmitt JL & Windisch PG (2007) Estrutura populacional e desenvolvimento da fase esporofítica de Cyathea delgadii Sternb. (Cyatheaceae, Monilophyta) no sul do Brasil. Acta Botanica Brasilica 21: 731-740.; Rechenmacher et al. 2007Rechenmacher C, Schmitt JL & Budke JC (2007) Estrutura e distribuição espacial de uma população de Blechnum tabulare (Thunb.) Kuhn (Pteridophyta, Blechnaceae) em um mosaico Floresta-Campo no Sul do Brasil. Pesquisas, Botânicas 58: 177-185.; Jones et al. 2007Jones MM, Olivas RP, Tuomisto H & Clark DB (2007) Environmental and neighbourhood effects on tree fern distributions in a Neotropical lowland rain forest. Journal of Vegetation Science 18: 13-24.; Mallmann et al. 2013Mallmann IT, Rocha LD & Schmitt JL (2013) Padrão de distribuição espacial de quatro espécies de samambaias em três fragmentos de mata ciliar do rio Cadeia, RS, Brasil. Revista Brasileira de Biologia 11: 139-144.). Desse modo, espécies de samambaias que formam adensamentos podem apresentar dissociação espacial entre si, embora essas informações sejam insuficientes para espécies de florestas tropicais devido à escassez de estudos (Richard et al. 2000Richard M, Bernhardt T & Bell G (2000) Environmental heterogeneity and the spatial structure of fern species diversity in one hectare of old-growth forest. Ecography 23: 231-245.).

A maior riqueza e diversidade de samambaias estão concentradas nas regiões de florestas tropicais úmidas, pincipalmente em florestas montanas, onde a elevada heterogeneidade ambiental favorece o estabelecimento de diversas formas biológicas (Tryon 1972Tryon RM (1972) Endemic areas geographic speciation in Tropical American ferns. Biotropica 4: 121-131., 1986Tryon RM (1986) The biogeography of species, with special reference to ferns. The Botanical Review 52: 118-156.). As florestas da borda sul-Amazônica adquirem aspecto xeromórfico e menor porte arbóreo à medida que se aproximam do clima estacional do Cerrado, por isso, são denominadas de florestas secas, estacionais ou semideciduais (Soares 1953Soares LC (1953) Limites meridionais e orientais da área de ocorrência da Floresta Amazônica em território Brasileiro. Revista Brasileira de Botânica 1: 3-178. ; Ivanauskas et al. 2004Ivanauskas MM, Monteiro R & Rodrigues RR (2004) Composição florística de trechos florestais na borda sul-amazônica. Acta Amazônica 34: 399-413. ; Marimon et al. 2014Marimon BS, Marimon-Junior BH, Feldpausch T, Oliveira-Santos C, Mews HA, Lopez-Gonzales G, Lloyd J, Franczak DD, Oliveira EA, Maracahipes L, Miguel A, Lenza E & Phillips O (2014) Disequilibrium and hyperdynamic tree turnover at the forest-cerrado transition zone in southern Amazonia. Plant Ecology & Diversity 7: 281-292.). Dentre estas, destacam-se as florestas estacionais perenifólias, caracterizadas pela dominância de espécies perenes ou sempre verdes e de maior porte arbóreo em comparação com as demais fitofisionomias florestais da transição Amazônia-Cerrado, como o cerradão e as florestas estacionais semideciduais (Ivanauskas et al. 2008Ivanauskas MM, Monteiro R & Rodrigues RR (2008) Classificação fitogeográfica das florestas do Alto Rio Xingu. Acta Amazônica 38: 387-402.).

O único estudo sobre samambaias realizado em florestas estacionais na transição Amazônia-Cerrado relata baixa riqueza de espécies (Forsthofer et al. 2013Forsthofer M, Marimon BS, Abreu MF, Oliveira-Santos C, Morandi PS & Marimon-Junior BH (2013) Monodominância arbórea e diversidade de samambaias em florestas da transição Cerrado-Floresta Amazônica, Brasil. Rodriguésia 64: 349-356.). Neste caso, a elevada sazonalidade climática na região (Alvares et al. 2013Alvares CA, Stape JL, Sentelhas PC, Moraes JLG & Sparovek G (2013) Köppen’s climate classification map for Brazil. Meteorologische Zeitschrift 22: 711-728.) e a homogeneidade do hábitat, principalmente na topografia (Ivanauskas et al. 2004Ivanauskas MM, Monteiro R & Rodrigues RR (2004) Composição florística de trechos florestais na borda sul-amazônica. Acta Amazônica 34: 399-413. ), podem explicar em parte a baixa riqueza e diversidade de espécies de samambaias nessas florestas. Em geral, a diversidade de espécies de samambaias é positivamente relacionada com o clima e com a heterogeneidade de hábitats (Zuquim et al. 2012Zuquim G, Tuomisto H, Costa FRC, Prado J, Magnusson WE, Pimentel T, Braga-Neto R & Figueiredo FOG (2012) Broad Scale distribution of ferns and lycophytes along environmental gradients in Central and Northern Amazonia, Brazil. Biotropica 44: 752-762.), isto porque a distribuição do esporófito é ligada às restrições e exigências ambientais do gametófito - fase de vida das samambaias em que ocorre a reprodução sexuada, sendo altamente dependente de umidade (Sharpe et al. 2010Sharpe JM, Mehltreter K & Walker LR (2010) Ecological importance of ferns. In: Mehltreter K, Walker LR & Sharpe JM (eds.) Fern ecology. Cambridge University Press, New York. Pp. 1-17.).

Nosso estudo é o primeiro a descrever os padrões espaciais intra e interespecíficos de espécies de samambaias em uma Floresta Estacional Perenifólia na transição Amazônia-Cerrado. Testamos as hipóteses de que: 1) as espécies estudadas se distribuem de forma agregada no espaço devido à forte especialização de hábitat e a limitação de dispersão dos esporos (Karst et al. 2005Karst J, Gilbert B & Lechowicz MJ (2005) Fern community assembly: the roles of chance and the environment at local and intermediate scales. Ecology 86: 2473-2486. ; Jones et al. 2007Jones MM, Olivas RP, Tuomisto H & Clark DB (2007) Environmental and neighbourhood effects on tree fern distributions in a Neotropical lowland rain forest. Journal of Vegetation Science 18: 13-24.; Schimit & Windisch 2007Schmitt JL & Windisch PG (2007) Estrutura populacional e desenvolvimento da fase esporofítica de Cyathea delgadii Sternb. (Cyatheaceae, Monilophyta) no sul do Brasil. Acta Botanica Brasilica 21: 731-740.), que favorecem a agregação intraespecífica em detrimento dos outros tipos de distribuição, e 2) as espécies estudadas encontram-se negativamente associadas no espaço, uma vez que os adensamentos populacionais de samambaias inibem o crescimento de outras espécies nas proximidades devido a competição por recursos (e.g., água, luz e nutrientes) (George & Bazzaz 1999George LO & Bazzaz FA (1999) The fern understory as an ecological filter: emergence and establishment of canopy-tree seedlings. Ecology 80: 833-45.; Lyon & Sharpe 1966Lyon J & Sharpe WE (1996) Hay-scented fern (Dennstaedtia punctilobula (Michx.) Moore) interference with growth of northern red oak (Quercus rubra L.) seedlings. Tree Physiology 16: 923-32.; Walker & Sharpe 2010Walker LR & Sharpe JM (2010) Ferns, disturbance and succession. In: Mehltreter K, Walker LR & Sharpe JM (eds.) Fern ecology. Cambridge University Press, New York. Pp. 177-219.).

Material e Métodos

Área de estudo

O estudo foi realizado em uma Floresta Estacional Perenifólia (10º57’29,62” S, 52º10’23,7” W; 291 m de altitude) na transição entre os Biomas Amazônia e Cerrado, no município de Porto Alegre do Norte-MT. O clima da região é do tipo Aw de Köppen, com um período seco de abril a setembro e outro chuvoso de outubro a março (Alvares et al. 2013Alvares CA, Stape JL, Sentelhas PC, Moraes JLG & Sparovek G (2013) Köppen’s climate classification map for Brazil. Meteorologische Zeitschrift 22: 711-728.). A precipitação e temperatura médias anuais são de 1.774 mm e 26 ºC, respectivamente (Hijmans et al. 2005Hijmans RJ, Cameron SE, Parra JL, Jones PG & Jarvis A (2005) Very high resolution interpolated climate surfaces for global land areas. International Journal of Climatology 25: 1965-1978.). O relevo varia de plano a suave-ondulado e o solo predominante na região é do tipo Latossolo Vermelho-Amarelo, geralmente profundo, distrófico, álico e com baixa capacidade de troca catiônica (Ivanauskas et al. 2004Ivanauskas MM, Monteiro R & Rodrigues RR (2004) Composição florística de trechos florestais na borda sul-amazônica. Acta Amazônica 34: 399-413. , 2008Ivanauskas MM, Monteiro R & Rodrigues RR (2008) Classificação fitogeográfica das florestas do Alto Rio Xingu. Acta Amazônica 38: 387-402.)

Coleta de dados

Realizamos a amostragem das samambaias no período chuvoso, em dezembro de 2015, em 25 parcelas de 20 × 20 m. Essas parcelas foram instaladas e vêm sendo monitoradas pela equipe do Laboratório de Ecologia Vegetal da Universidade do estado de Mato Grosso, por meio do PELD - Projeto Ecológico de Longa Duração (CNPq, Sítio TRAN) e pela RAINFOR - Rede Amazônica de Inventários Florestais. Em cada parcela, contabilizamos todos os indivíduos de samambaias que apresentavam porção vegetativa aparente e mensuramos as suas coordenadas métricas (X; Y) (Fig. 1). A contagem dos indivíduos nos adensamentos seguiu o método proposto por Zuquim et al. (2012)Zuquim G, Tuomisto H, Costa FRC, Prado J, Magnusson WE, Pimentel T, Braga-Neto R & Figueiredo FOG (2012) Broad Scale distribution of ferns and lycophytes along environmental gradients in Central and Northern Amazonia, Brazil. Biotropica 44: 752-762..

Figura 1
Mapa da distribuição espacial de três espécies (Adiantum incertum, Lindsaea pallida e Trichomanes pinnatum) de samambaias em uma Floresta Estacional Perenifólia da transição Amazônia-Cerrado.
Figure 1
Map of the spatial distribution of three fern species (Adiantum incertum, Lindsaea pallida and Trichomanes pinnatum) in an Evergreen Seasonal Forest in the Amazonia- Cerrado transition.

A identificação foi realizada in loco e posteriormente confirmada através de comparações com o acervo do Herbário NX (Nova Xavantina-MT) e do Herbário do Instituto de Estudos Costeiros da Universidade Federal do Pará (Bragança-PA), onde o material testemunho encontra-se depositado.

Análise de dados

Descrevemos os padrões de distribuição espacial intra e interespecíficos das espécies estudadas através da Função O’ring univariada - O11 (r) e bivariada - O12 (r), respectivamente, utilizando o software Programita (Wiegand & Moloney 2014). Essa análise calcula a densidade média de indivíduos para diferentes classes de distâncias através de círculos com largura (r) ao redor de cada ponto (X; Y). A função calcula a probabilidade de os pontos vizinhos dispersos no espaço serem abrangidos pela largura do anel, que neste caso foi de 1 m. O modelo nulo utilizado foi o de completa aleatoriedade espacial (CSR), testado através de envelopes de confiança construídos a partir dos três maiores e menores valores obtidos por 999 simulações de Monte Carlo (Wiegand et al. 2013Wiegand T, Raventos J, Mujica E, Gonzalez E & Bone A (2013) Spatio-temporal analysis of the effects of Hurricane Ivan on two contrasting epiphytic orchid species in Guanahacabibes, Cuba. Biotropica 45: 441-449.; Wiegand & Moloney 2014Wiegand T & Moloney KA (2014) A handbook of spatial point pattern analysis in ecology. Chapman and Hall/CRC Press, Boca Raton. 538p.). Portanto, para a avaliação da distribuição espacial das espécies utilizamos valores positivos e negativos de O11 (r), que indicam os padrões agregado e regular, respectivamente, e valores observados entre os limites do envelope de confiança, que predizem o padrão aleatório (Wiegand & Moloney 2014Wiegand T & Moloney KA (2014) A handbook of spatial point pattern analysis in ecology. Chapman and Hall/CRC Press, Boca Raton. 538p.). Para avaliação das relações interespecíficas utilizamos os valores de O12 (r), os quais predizem relação positiva ou negativa, enquanto os valores entre os limites do envelope de confiança indicam a falta de relação espacial (Wiegand & Moloney 2014). Para evitar a inflação do erro do tipo I e testar o ajuste do modelo (envelope de confiança) em predizer a distribuição dos indivíduos em diferentes escalas espaciais, utilizamos o teste Goodness-of-Fit (GoF) a 5% de significância (Loosmore & Ford 2006Loosmore NB & Ford ED (2006) Statistical inference using the G or K point pattern spatial statistics. Ecology 87: 1925-1931.).

Resultados

A densidade total de samambaias na área estudada foi de 92 indivíduos distribuídos entre quatro espécies e quatro famílias, Trichomanes pinnatum Hedw. - Hymenophyllaceae (56 indivíduos), Lindsaea pallida Klotzsch - Lindsaeaceae (22), Adiantum incertum Lindm. - Pteridaceae (12) e Campyloneurum phyllitidis (L.) C.Presl - Polypodiaceae (1). O padrão de distribuição espacial intraespecífico predominante entre as espécies foi o agregado (r = 1000; p = 0,001) (Fig. 2). Entretanto, T. pinnatum exibiu oscilações de regularidade entre as distâncias 31 a 47 m (Fig. 2).

Figura 2
Padrão de distribuição espacial intraespecífico descrito pela função O’ring univariada (O11) em diferentes escalas espaciais para três espécies de samambaias em uma Floresta Estacional Perenifólia da transição Amazônia Cerrado.
Figure 2
Intraspecific spatial distribution pattern described by the univariate O’ring function (O11) at different spatial scales for three fern species in an Evergreen Seasonal Forest in the Amazonia-Cerrado transition.

Quanto aos padrões espaciais interespecíficas verificamos que Trichomanes pinnatum e Adiantum incertum estiveram positivamente associadas no espaço, assim como Lindsaea pallida e A. incertum (r = 898; p < 0,05) (Fig. 3). T. pinnatum esteve negativamente relacionada com L. pallida em algumas distâncias (12, 31-34, 36-40, 42 e 49 m) (Fig. 3), porém, essas interações pontuais não foram suficientemente fortes para estabelecer associação espacial significativa entre elas (r = 898; p = 0,10; Fig. 3).

Figura 3
Relações espaciais interespecíficas descritas pela função O’ring bivariada (O12) em diferentes escalas espaciais para três espécies de samambaias em uma Floresta Estacional Perenifólia da transição Amazônia-Cerrado.
Figure 3
Interspecific spatial relations described by the bivariate O’ring function (O12) at different spatial scales for three fern species in an Evergreen Seasonal Forest in the Amazon-Cerrado transition.

Discussão

Riqueza e densidade

A baixa riqueza de espécies de samambaias observada pode ser um indicativo de que as características ambientais das florestas da transição Amazônia-Cerrado, tais como a homogeneidade topográfica e a acentuada sazonalidade climática (ca. de seis meses de seca) (Ackerly et al. 1989Ackerly DD, Thomas WW, Ferreira CAC & Pirani JR (1989) The Forest-Cerrado transition zone in Southern Amazonia: results of the 1985 Projeto Flora Amazonica Expedition to Mato Grosso. Brittonia 41: 113-128.; Ivanauskas et al. 2004Ivanauskas MM, Monteiro R & Rodrigues RR (2004) Composição florística de trechos florestais na borda sul-amazônica. Acta Amazônica 34: 399-413. ) podem influenciar na diversidade de espécies do grupo na floresta avaliada. A importância da sazonalidade climática e das variações no solo/topografia sobre a distribuição de espécies de samambaiais também foi observada por Zuquim et al. (2012)Zuquim G, Tuomisto H, Costa FRC, Prado J, Magnusson WE, Pimentel T, Braga-Neto R & Figueiredo FOG (2012) Broad Scale distribution of ferns and lycophytes along environmental gradients in Central and Northern Amazonia, Brazil. Biotropica 44: 752-762. em florestas das regiões norte e central da Amazônia. Devido às características evolutivas da maioria dos representantes do grupo, tais como folhas sensíveis (umidade e temperatura) e ineficiência no controle de perda e transporte de água (Page 2002Page C (2002) Ecological strategies in fern evolution: a neopteridological overview. Review of Palaeobotany and Palynology 119: 1-33.), as samambaias não suportam longos períodos de seca. Por isso, os maiores valores de riqueza de espécies de samambaias são geralmente descritos para ambientes com elevada umidade (e.g., fundos de vales) e heterogeneidade topográfica (Tuomisto & Poulsen 2000Tuomisto H & Poulsen AD (2000) Pteridophyte diversity and species composition in four Amazonian rain forests. Journal of Vegetation Science 11: 383-396.) ou com variações de luminosidade (Zuquim et al. 2009Zuquim G, Costa FRC, Prado J & Braga-Neto R (2009) Distribution of pteridophyte communities along environmental gradients in Central Amazonia, Brazil. Biodiversity and Conservation 18: 151-166.). Padrões semelhantes são encontrados para a vegetação arbórea em florestas da transição Amazônia-Cerrado, que exibe menor biomassa, riqueza e diversidade de espécies em comparação com as florestas das áreas centrais da Amazônia (Marimon et al. 2014Marimon BS, Marimon-Junior BH, Feldpausch T, Oliveira-Santos C, Mews HA, Lopez-Gonzales G, Lloyd J, Franczak DD, Oliveira EA, Maracahipes L, Miguel A, Lenza E & Phillips O (2014) Disequilibrium and hyperdynamic tree turnover at the forest-cerrado transition zone in southern Amazonia. Plant Ecology & Diversity 7: 281-292.).

A dominância de Trichomanes pinnatum no presente estudo demonstra a eficiência da espécie em utilizar os recursos da área, bem como sua resistência frente aos filtros ambientais locais. Essa espécie apresenta elevada plasticidade ecológica, podendo ser encontrada em diferentes tipos de florestas (Paciência & Prado 2004Paciência MLB & Prado J (2004) Efeitos de borda sobre a comunidade de pteridófitas na Mata Atlântica da região de Una, sul da Bahia, Brasil. Revista Brasileira de Botânica 27: 641-653.), solos (e.g., distróficos a eutróficos; Tuomisto & Poulsen 1996) e níveis de luminosidade (Zuquim et al. 2009Zuquim G, Costa FRC, Prado J & Braga-Neto R (2009) Distribution of pteridophyte communities along environmental gradients in Central Amazonia, Brazil. Biodiversity and Conservation 18: 151-166.). Resultados semelhantes também foram encontrados para esta espécie em florestas centrais e no oeste da Amazônia (Tuomisto & Poulsen 2000Tuomisto H & Poulsen AD (2000) Pteridophyte diversity and species composition in four Amazonian rain forests. Journal of Vegetation Science 11: 383-396.; Zuquim et al. 2014Zuquim G, Tuomisto H, Jones M, Prado J, Figueiredo FOG, Moulatlet GM, Costa FRC, Quesada CA & Emilio T (2014) Predicting environmental gradients with fern species composition in Brazilian Amazonia. Journal of Vegetation Science 25: 1-13.).

Padrão espacial intraespecífico

A agregação intraespecífica apresentada pelas três espécies estudadas confirma a nossa hipótese inicial. Este tipo de distribuição é uma tendência comum observada para espécies de samambaias em diversas florestas tropicais e subtropicais (Rodrigues et al. 2004Rodrigues ST, Almeida SS, Andrade LHC, Barros ICL & Van Den Berg ME (2004) Composição florística e abundância de pteridófitas em três ambientes da bacia do rio Guamá, Belém, Pará, Brasil. Acta Amazônica 34: 35-42.; Franz & Schmitt 2005Franz I & Schmitt JL (2005) Blechnum brasiliense Desv. (Pteridophyta, Blechnaceae): estrutura populacional e desenvolvimento da fase esporofítica. Pesquisas, Botânicas 56: 173-183.; Lehn & Resende 2008Lehn CR & Resende UM (2008) Estrutura populacional e padrão de distribuição espacial de Cyathea delgadii Sternb. (Cyatheaceae) em uma Floresta Estacional Semidecidual no Brasil Central. Revista Brasileira de Biologia 13: 188-195.; Blume et al. 2010Blume M, Rechenmacher C & Schmitt JL (2010) Padrão de distribuição espacial de samambaias no interior florestal do Parque Natural Municipal da Ronda, Rio Grande do Sul, Brasil. Pesquisas, Botânicas 61: 219-227.; Chacón-Labella et al. 2014Chacón-Labella J, Cruz M, Vicuna R, Tapia K & Escudero A (2014) Negative density dependence and environmental heterogeneity effects on tree ferns across succession in a tropical montane forest. Perspectives in Plant Ecology 16: 52-63.). A agregação intraespecífica pode ser relacionada a diferentes processos, como a limitação de dispersão dos esporos, que aumenta as chances de estabelecimento próximo à planta-mãe e determina a estrutura espacial dos indivíduos (Peck et al. 1990Peck JH, Peck CJ & Farrar DR (1990) Influences of life history attributes on formation of local and distant fern populations. American Fern Journal 80: 126-142.; Jones et al. 2007Jones MM, Olivas RP, Tuomisto H & Clark DB (2007) Environmental and neighbourhood effects on tree fern distributions in a Neotropical lowland rain forest. Journal of Vegetation Science 18: 13-24.), sendo um dos mais importantes preditores da distribuição de samambaias em escala local (Zuquim et al. 2012Zuquim G, Tuomisto H, Costa FRC, Prado J, Magnusson WE, Pimentel T, Braga-Neto R & Figueiredo FOG (2012) Broad Scale distribution of ferns and lycophytes along environmental gradients in Central and Northern Amazonia, Brazil. Biotropica 44: 752-762.). Por outro lado, a estruturação espacial dos recursos (e.g., água) também promove a agregação intraespecífica, uma vez que as samambaias tendem a ocupar locais mais úmidos devido à sensibilidade ao estresse hídrico e a necessidade de água para a reprodução na fase gametofítica (Holttum 1938Holttum RE (1938) The ecology of tropical pteridophytes. In: Veerdorn FR (eds.) Manual of pteridology. The Hague Martinus Nijhoff, Amsterdan. Pp. 420-450.; Karst et al. 2005Karst J, Gilbert B & Lechowicz MJ (2005) Fern community assembly: the roles of chance and the environment at local and intermediate scales. Ecology 86: 2473-2486. ; Barrington 2007Barrington DS (2007) Ecological and historical factors in fern biogeography. Journal of Biogeography 20: 275-279.).

Outro fator relevante e que pode estar determinando a agregação intraespecífica dessas espécies é a formação de adensamentos (Richard et al. 2000Richard M, Bernhardt T & Bell G (2000) Environmental heterogeneity and the spatial structure of fern species diversity in one hectare of old-growth forest. Ecography 23: 231-245.). Este padrão foi observado para Trichomanes pinnatum e Adiantum incertum, que possuem raque prolífera e rizoma longo-reptante, respectivamente. Estas características favorecem o estabelecimento de clones próximos uns dos outros e conduzem à agregação intraespecífica (Windisch 1996Windisch PG (1996) Pteridófitas do estado de Mato Grosso - Hymenophyllaceae. Bradea 7: 400-423.; Sharpe et al. 2010Sharpe JM, Mehltreter K & Walker LR (2010) Ecological importance of ferns. In: Mehltreter K, Walker LR & Sharpe JM (eds.) Fern ecology. Cambridge University Press, New York. Pp. 1-17.). Esta característica permite utilizar melhor os recursos espacialmente estruturados, confere vantagem competitiva frente às outras espécies e geralmente responde pela elevada densidade de samambaias no interior de florestas (Windisch 1996Windisch PG (1996) Pteridófitas do estado de Mato Grosso - Hymenophyllaceae. Bradea 7: 400-423.; Pietrobom & Barros 2002Pietrobom MR & Barros ICL (2002) Pteridófitas de um remanescente de Floresta Atlântica em São Vicente Férrer, Pernambuco, Brasil: Pteridaceae. Acta Botanica Brasilica 16: 457-479.). A reprodução vegetativa desempenha importante função nos padrões espaciais de plantas, determinando a distribuição agregada em escala local (Arévalo & Fernández-Palacios 2003Arévalo JR & Fernández-Palacios JM (2003) Spatial patterns of trees and juveniles in a laurel forest of Tenerife, Canary Islands. Plant Ecology 165: 1-10.).

Por outro lado, as oscilações regulares na distribuição espacial de Trichomanes pinnatum podem refletir a história de vida da população e variações no tamanho dos adensamentos em função da competição durante todo o período de vida dos indivíduos (Citadine-Zanette 1964), especialmente em períodos de restrição hídrica (Page 2002Page C (2002) Ecological strategies in fern evolution: a neopteridological overview. Review of Palaeobotany and Palynology 119: 1-33.). Resultados semelhantes foram observado por Chacón-Labella et al. (2014)Chacón-Labella J, Cruz M, Vicuna R, Tapia K & Escudero A (2014) Negative density dependence and environmental heterogeneity effects on tree ferns across succession in a tropical montane forest. Perspectives in Plant Ecology 16: 52-63. para Cyathea caracasana em florestas no sul do Equador. Os referidos autores apontam que essas oscilações estão relacionadas com os processos denso-dependentes que reduzem a densidade e aumentam a regularidade intraespecífica das espécies com o avanço ontogenético.

Padrões espaciais interespecíficos

A associação espacial positiva entre Lindsaea pallida e Adiantum incertum, e entre Trichomanes pinnatum e A. incertum, refuta a nossa hipótese inicial, e pode ser um indicativo de que os adensamentos de indivíduos dessas espécies não possuem capacidade de monopolizar os recursos do hábitat e impedir o estabelecimento umas das outras. Desse modo, é possível supor que essas espécies apresentam exigências ambientais comuns que facilitam a coexistência em microescala (Richard et al. 2000Richard M, Bernhardt T & Bell G (2000) Environmental heterogeneity and the spatial structure of fern species diversity in one hectare of old-growth forest. Ecography 23: 231-245.). Por outro lado, este resultado pode estar relacionado com o estresse ambiental vivenciado pelas espécies no período de seca que favorece as associações espaciais positivas (Callaway et al. 2002Callaway RM, Brooker RW, Choler P, Kikvidze Z, Lortiek CJ, Michalet R, Paolini L, Pugnaireq FI, Newingham B, Aschehoug ET, Armasq C, Kikodze D & Cook BJ (2002) Positive interactions among alpine plants increase with stress. Nature 417: 844-848.). Dessa forma, a redução da disponibilidade hídrica no solo pode estar agregando as espécies em locais mais úmidos e aumentando a congruência espacial entre elas (Greer et al. 1997Greer GK, Lloyd RM & McCarthy BC (1997) Factors influencing the distribution of pteridophytes in a southeastern Ohio hardwood forest. Journal of the Torrey Botanical Society 124: 11-21.). Contudo, as associações negativas em algumas distâncias para T. pinnatum e L. pallida demonstram a ocorrência de algum nível de competição entre elas, o que pode estar relacionado com características inerentes a cada uma das espécies ou a história de vida dessas populações na área de estudo. Resultados semelhantes foram observados por Higuchi et al. (2011)Higuchi P, Silva AC, Berg E & Pifano DS (2011) Associações espaciais entre indivíduos de diferentes espécies de Miconia spp. Ruiz & Pav. (Melastomataceae). Revista Árvore 35: 381-389. para algumas espécies de Miconia no sub-bosque de uma floresta plantada. Segundo os referidos autores, essas oscilações negativas são resultantes da competição por recursos durante o desenvolvimento e sobrevivência dessas espécies e demonstra a importância dos padrões espaciais em prever a dinâmica de populações vegetais. Por outro lado, as associações positivas observadas entre L. pallida e A. incertum, mesmo que em alguns pontos específicos no espaço, evidenciam a similaridade ecológica entre as mesmas (Karst et al. 2005Karst J, Gilbert B & Lechowicz MJ (2005) Fern community assembly: the roles of chance and the environment at local and intermediate scales. Ecology 86: 2473-2486. ).

A ausência de relações espaciais interespecíficas entre Trichomanes pinnatum e Lindsaea pallida é um indicativo de que a distribuição dessas espécies é espacialmente independente e refuta a nossa hipótese inicial. Neste caso, a ausência de associações espaciais reflete a não interferência biótica ou abiótica entre as distribuições dessas espécies (Arévalo & Fernández-Palacios 2003) e é coerente com a expectativa de neutralidade (Hubbell 2001Hubbell SP (2001) The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Princeton University Press, Princeton. 392p.). Este padrão não é comum para as samambaias devido a forte especialização de hábitats do grupo (Tuomisto et al. 2003Tuomisto H, Ruokolainen K & Yli-Halla M (2003) Dispersal, environment and floristic variation of Western Amazonian Forests. Science 299: 241-244.; Karst et al. 2005Karst J, Gilbert B & Lechowicz MJ (2005) Fern community assembly: the roles of chance and the environment at local and intermediate scales. Ecology 86: 2473-2486. ), embora modelos neutros tenham sido utilizados para explicar a distribuição de espécies tolerantes a intensas variações em um gradiente ambiental (Karst et al. 2005Karst J, Gilbert B & Lechowicz MJ (2005) Fern community assembly: the roles of chance and the environment at local and intermediate scales. Ecology 86: 2473-2486. ). Por outro lado, as variações estruturais entre essas espécies (Kramer 1995Kramer KU (1995) Lindsaea. In: Berry PE, Holst BK & Yatskievych K (eds.) Flora of the Venezuelan Guyana. Vol. 2. Pteridophytes, Spermatophytes: Acanthaceae-Araceae. Timber Press, Portland. Pp. 54-67.; Windisch 1996Windisch PG (1996) Pteridófitas do estado de Mato Grosso - Hymenophyllaceae. Bradea 7: 400-423.) podem contribuir para que elas ocorram em diferentes micro-hábitats na floresta estudada, o que também explicaria a independência espacial observada.

Nosso estudo encontrou baixa riqueza de espécies de samambaias em uma Floresta Estacional Perenifólia da transição Amazônia-Cerrado, o que pode estar relacionado com as características climáticas (sazonalidade) e com a homogeneidade topográfica (plano) da região. As espécies de samambaias analisadas mostraram padrão espacial intraespecífico agregado, demonstrando a forte influência do limite de dispersão e da estruturação espacial do ambiente sobre a distribuição do grupo. Diferentes padrões espaciais interespecíficos foram observados, o que indica que as relações entre as espécies são extremamente complexas em microescala e podem estar relacionadas ao hábitat ou à neutralidade.

Agradecimentos

À CAPES, a bolsa de estudo da primeira autora; aos projetos PELD/CNPq e FAPEMAT (Proc. CNPq 403725/2012-7 e FAPEMAT 164131/2013) e RAINFOR (Rede Amazônica de Inventários Florestais), o apoio financeiro. Ao Prof. Dr. Marcio Roberto Pietrobom (UFPA), a identificação das espécies.

Referências

  • Ackerly DD, Thomas WW, Ferreira CAC & Pirani JR (1989) The Forest-Cerrado transition zone in Southern Amazonia: results of the 1985 Projeto Flora Amazonica Expedition to Mato Grosso. Brittonia 41: 113-128.
  • Alvares CA, Stape JL, Sentelhas PC, Moraes JLG & Sparovek G (2013) Köppen’s climate classification map for Brazil. Meteorologische Zeitschrift 22: 711-728.
  • Arévalo JR & Fernández-Palacios JM (2003) Spatial patterns of trees and juveniles in a laurel forest of Tenerife, Canary Islands. Plant Ecology 165: 1-10.
  • Barrington DS (2007) Ecological and historical factors in fern biogeography. Journal of Biogeography 20: 275-279.
  • Blume M, Rechenmacher C & Schmitt JL (2010) Padrão de distribuição espacial de samambaias no interior florestal do Parque Natural Municipal da Ronda, Rio Grande do Sul, Brasil. Pesquisas, Botânicas 61: 219-227.
  • Callaway RM, Brooker RW, Choler P, Kikvidze Z, Lortiek CJ, Michalet R, Paolini L, Pugnaireq FI, Newingham B, Aschehoug ET, Armasq C, Kikodze D & Cook BJ (2002) Positive interactions among alpine plants increase with stress. Nature 417: 844-848.
  • Chacón-Labella J, Cruz M, Vicuna R, Tapia K & Escudero A (2014) Negative density dependence and environmental heterogeneity effects on tree ferns across succession in a tropical montane forest. Perspectives in Plant Ecology 16: 52-63.
  • Connell J (1971) On the role of natural enemies in preventing competitive exclusion in some marine animals and in rain forest trees. In: Boer PJ & Gradwell GR (eds.) Dynamics of populations. Centre for Agricultural Publishing and Documentation, Wageningen. Pp. 298-312.
  • Forsthofer M, Marimon BS, Abreu MF, Oliveira-Santos C, Morandi PS & Marimon-Junior BH (2013) Monodominância arbórea e diversidade de samambaias em florestas da transição Cerrado-Floresta Amazônica, Brasil. Rodriguésia 64: 349-356.
  • Franz I & Schmitt JL (2005) Blechnum brasiliense Desv. (Pteridophyta, Blechnaceae): estrutura populacional e desenvolvimento da fase esporofítica. Pesquisas, Botânicas 56: 173-183.
  • George LO & Bazzaz FA (1999) The fern understory as an ecological filter: emergence and establishment of canopy-tree seedlings. Ecology 80: 833-45.
  • Greer GK, Lloyd RM & McCarthy BC (1997) Factors influencing the distribution of pteridophytes in a southeastern Ohio hardwood forest. Journal of the Torrey Botanical Society 124: 11-21.
  • Higuchi P, Silva AC, Berg E & Pifano DS (2011) Associações espaciais entre indivíduos de diferentes espécies de Miconia spp. Ruiz & Pav. (Melastomataceae). Revista Árvore 35: 381-389.
  • Hijmans RJ, Cameron SE, Parra JL, Jones PG & Jarvis A (2005) Very high resolution interpolated climate surfaces for global land areas. International Journal of Climatology 25: 1965-1978.
  • Holttum RE (1938) The ecology of tropical pteridophytes. In: Veerdorn FR (eds.) Manual of pteridology. The Hague Martinus Nijhoff, Amsterdan. Pp. 420-450.
  • Hubbell SP (2001) The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Princeton University Press, Princeton. 392p.
  • Ivanauskas MM, Monteiro R & Rodrigues RR (2004) Composição florística de trechos florestais na borda sul-amazônica. Acta Amazônica 34: 399-413.
  • Ivanauskas MM, Monteiro R & Rodrigues RR (2008) Classificação fitogeográfica das florestas do Alto Rio Xingu. Acta Amazônica 38: 387-402.
  • Janzen DH (1970) Herbivores and the number of tree species in tropical forests. The American Naturalist 104: 501-528.
  • Jones MM, Olivas RP, Tuomisto H & Clark DB (2007) Environmental and neighbourhood effects on tree fern distributions in a Neotropical lowland rain forest. Journal of Vegetation Science 18: 13-24.
  • Karst J, Gilbert B & Lechowicz MJ (2005) Fern community assembly: the roles of chance and the environment at local and intermediate scales. Ecology 86: 2473-2486.
  • Kramer KU (1995) Lindsaea. In: Berry PE, Holst BK & Yatskievych K (eds.) Flora of the Venezuelan Guyana. Vol. 2. Pteridophytes, Spermatophytes: Acanthaceae-Araceae. Timber Press, Portland. Pp. 54-67.
  • Lehn CR & Resende UM (2008) Estrutura populacional e padrão de distribuição espacial de Cyathea delgadii Sternb. (Cyatheaceae) em uma Floresta Estacional Semidecidual no Brasil Central. Revista Brasileira de Biologia 13: 188-195.
  • Lyon J & Sharpe WE (1996) Hay-scented fern (Dennstaedtia punctilobula (Michx.) Moore) interference with growth of northern red oak (Quercus rubra L.) seedlings. Tree Physiology 16: 923-32.
  • Loosmore NB & Ford ED (2006) Statistical inference using the G or K point pattern spatial statistics. Ecology 87: 1925-1931.
  • Mallmann IT, Rocha LD & Schmitt JL (2013) Padrão de distribuição espacial de quatro espécies de samambaias em três fragmentos de mata ciliar do rio Cadeia, RS, Brasil. Revista Brasileira de Biologia 11: 139-144.
  • Marimon BS, Marimon-Junior BH, Feldpausch T, Oliveira-Santos C, Mews HA, Lopez-Gonzales G, Lloyd J, Franczak DD, Oliveira EA, Maracahipes L, Miguel A, Lenza E & Phillips O (2014) Disequilibrium and hyperdynamic tree turnover at the forest-cerrado transition zone in southern Amazonia. Plant Ecology & Diversity 7: 281-292.
  • Moran RC & Smith AR (2001) Phytogeographic relationships between Neotropical and African-Madagascar pteridophytes. Brittonia 53: 304-351.
  • Paciência MLB & Prado J (2004) Efeitos de borda sobre a comunidade de pteridófitas na Mata Atlântica da região de Una, sul da Bahia, Brasil. Revista Brasileira de Botânica 27: 641-653.
  • Page C (2002) Ecological strategies in fern evolution: a neopteridological overview. Review of Palaeobotany and Palynology 119: 1-33.
  • Peck JH, Peck CJ & Farrar DR (1990) Influences of life history attributes on formation of local and distant fern populations. American Fern Journal 80: 126-142.
  • Pietrobom MR & Barros ICL (2002) Pteridófitas de um remanescente de Floresta Atlântica em São Vicente Férrer, Pernambuco, Brasil: Pteridaceae. Acta Botanica Brasilica 16: 457-479.
  • Poulsen AD & Balslev H (1991) Abundance and cover of ground herbs in an Amazonian rain forest. Journal of Vegetation Science 2: 315-322.
  • Rechenmacher C, Schmitt JL & Budke JC (2007) Estrutura e distribuição espacial de uma população de Blechnum tabulare (Thunb.) Kuhn (Pteridophyta, Blechnaceae) em um mosaico Floresta-Campo no Sul do Brasil. Pesquisas, Botânicas 58: 177-185.
  • Richard M, Bernhardt T & Bell G (2000) Environmental heterogeneity and the spatial structure of fern species diversity in one hectare of old-growth forest. Ecography 23: 231-245.
  • Rodrigues ST, Almeida SS, Andrade LHC, Barros ICL & Van Den Berg ME (2004) Composição florística e abundância de pteridófitas em três ambientes da bacia do rio Guamá, Belém, Pará, Brasil. Acta Amazônica 34: 35-42.
  • Schmitt JL & Windisch PG (2007) Estrutura populacional e desenvolvimento da fase esporofítica de Cyathea delgadii Sternb. (Cyatheaceae, Monilophyta) no sul do Brasil. Acta Botanica Brasilica 21: 731-740.
  • Sharpe JM, Mehltreter K & Walker LR (2010) Ecological importance of ferns. In: Mehltreter K, Walker LR & Sharpe JM (eds.) Fern ecology. Cambridge University Press, New York. Pp. 1-17.
  • Slocum MG, Aide TM, Zimmerman JK & Navarro L (2004) Natural regeneration of subtropical montane forest after clearing fern thickets in the Dominican Republic. Journal of Tropical Ecology 20: 483-486.
  • Slocum MG, Aide TM, Zimmerman JK & Navarro L (2006) A strategy for restoration of montane forest in anthropogenic fern thickets in the Dominican Republic. Restoration Ecology 14: 526-536.
  • Soares LC (1953) Limites meridionais e orientais da área de ocorrência da Floresta Amazônica em território Brasileiro. Revista Brasileira de Botânica 1: 3-178.
  • Tryon RM (1972) Endemic areas geographic speciation in Tropical American ferns. Biotropica 4: 121-131.
  • Tryon RM (1986) The biogeography of species, with special reference to ferns. The Botanical Review 52: 118-156.
  • Tuomisto H, Ruokolainen K & Yli-Halla M (2003) Dispersal, environment and floristic variation of Western Amazonian Forests. Science 299: 241-244.
  • Tuomisto H & Poulsen AD (1996) Influence of edaphic specialization on pteridophyte distribution in Neotropical forests. Journal of Biogeography 232: 283-293.
  • Tuomisto H & Poulsen AD (2000) Pteridophyte diversity and species composition in four Amazonian rain forests. Journal of Vegetation Science 11: 383-396.
  • Walker LR & Sharpe JM (2010) Ferns, disturbance and succession. In: Mehltreter K, Walker LR & Sharpe JM (eds.) Fern ecology. Cambridge University Press, New York. Pp. 177-219.
  • Wiegand T & Moloney KA (2014) A handbook of spatial point pattern analysis in ecology. Chapman and Hall/CRC Press, Boca Raton. 538p.
  • Wiegand T, Raventos J, Mujica E, Gonzalez E & Bone A (2013) Spatio-temporal analysis of the effects of Hurricane Ivan on two contrasting epiphytic orchid species in Guanahacabibes, Cuba. Biotropica 45: 441-449.
  • Windisch PG (1996) Pteridófitas do estado de Mato Grosso - Hymenophyllaceae. Bradea 7: 400-423.
  • Zuquim G, Costa FRC, Prado J & Braga-Neto R (2009) Distribution of pteridophyte communities along environmental gradients in Central Amazonia, Brazil. Biodiversity and Conservation 18: 151-166.
  • Zuquim G, Tuomisto H, Costa FRC, Prado J, Magnusson WE, Pimentel T, Braga-Neto R & Figueiredo FOG (2012) Broad Scale distribution of ferns and lycophytes along environmental gradients in Central and Northern Amazonia, Brazil. Biotropica 44: 752-762.
  • Zuquim G, Tuomisto H, Jones M, Prado J, Figueiredo FOG, Moulatlet GM, Costa FRC, Quesada CA & Emilio T (2014) Predicting environmental gradients with fern species composition in Brazilian Amazonia. Journal of Vegetation Science 25: 1-13.

Editado por

Editor de área: Dr. Gustavo Carvalho

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2016
  • Aceito
    04 Dez 2017
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Rua Pacheco Leão, 915 - Jardim Botânico, 22460-030 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21)3204-2148, Fax: (55 21) 3204-2071 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rodriguesia@jbrj.gov.br