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Flora das cangas da Serra dos Carajás, Pará, Brasil: Humiriaceae

Flora of the canga of the Serra dos Carajás, Pará, Brazil: Humiriaceae

Resumo

Este estudo apresenta uma descrição detalhada, ilustração e comentários morfológicos de Sacoglottis guianensis e Sacoglottis mattogrossensis, as únicas espécies de Humiriaceae registradas para as cangas da Serra dos Carajás, no estado do Pará. Sacoglottis guianensis é uma espécie de ampla distribuição na América do Sul. Por outro lado, S. mattogrossensis ocorre ao sul da Amazônia e na Mata Atlântica, estendendo-se até São Paulo. Em Carajás, ambas espécies ocorrem nas cangas e nas matas baixas na transição da canga aberta para a Floresta Ombrófila.

Palavras-chave:
Amazônia; FLONA Carajás; Florística; Sacoglottis

Abstract

This study brings detailed descriptions, illustrations and comments on the morphology of Sacoglottis guianensis and Sacoglottis mattogrossensis, the only representatives of Humiriaceae occurring in the canga of Serra dos Carajás, Pará state. Sacoglottis guianensis is widely distributed in South America while S. mattogrossensis occurs in the Southern Amazon and Atlantic Forest extending southward to São Paulo. In Carajás, both species are found in the canga and transitional areas between open canga and the rainforest.

Key words:
Amazon; FLONA Carajás; Floristics; Sacoglottis

Humiriaceae

Arbustos ou árvores. Folhas simples, alternas, coriáceas a subcoriáceas, margem crenada a levemente serrada, raramente inteira, peciolada ou raramente séssil, algumas vezes decurrente nos ramos, glândulas pontuadas próximas à margem na face abaxial. Inflorescências em panículas; brácteas pequenas, amplectantes, persistentes ou decíduas. Flores hermafroditas, actinomorfas, pentâmeras; estames monadelfos, 10 a vários; gineceu sincárpico, 5 carpelos (raramente 4, 6, ou 7); ovário ovoide ou elipsoide, placentação axilar, uni- ou biovulado, circundado por disco infraestaminal. Frutos do tipo drupa com exocarpo carnoso a fibroso e endocarpo lenhoso, muito rígido, preenchido com muitas cavidades; comumente com 1-2 (raramente 3, 4 ou 5) sementes desenvolvidas por fruto. As sementes são oblongas, geralmente aderidas ao endocarpo.

A família Humiriaceae A. Juss é representada por oito gêneros e cerca 63 espécies arbóreas e arbustivas distribuídas desde o sul do Brasil até América Central, com uma espécie endêmica da costa ocidental da África (Sacoglottis gabonensis (Baill.) Urb. - Duckesia Cuatrec. e Endopleura Cuatrec. (uma espécie cada), Humiria A.St.-Hil. (quatro spp.), Humiriastrum (Urb.) Cuatrec. (17 spp.), Hylocarpa Cuatrec. (uma espécie), Sacoglottis Mart. (10 spp.), Schistostemon (Urb.) Cuatrec. (9 spp.) e Vantanea Aubl. (20 spp.) (Cuatrecasas 1961Cuatrecasas J (1961) A taxonomic revision of the Humiriaceae. Contributions from the U.S. National Herbarium 35: 25-214.). Além de ser bem representadas na Amazônia com aproximadamente 50% das espécies e elevado número de endêmicas, as Humiriaceae também ocorrem em diversos outros ecossistemas Brasileiros como restingas, campos de altitude e Mata Atlântica (Cuatrecasas 1961; Kubitzki 2014Kubitzki K (2014) The family and genera of vascular plants. Vol. XI. Flowering Plants. Eudicots. Malpighiales. Springer, Berlin, Heidelberg. 333p.; Flora do Brasil 2020). Cinco espécies da família Humiriaceae encontram-se sob algum grau de ameaça. Humiriastrum melanocarpum (Cuatrec.) Cuatrec., Vantanea depleta McPherson e V. magdalenensis Cuatrec. são classificadas como ameaçadas enquanto Vantanea peruviana J.F.Macbr. e V. spichigeri A.H.Gentry constam na lista vermelha como vulneráveis (IUCN 2016IUCN (2016) The IUCN Red List of Threatened Species, Version 2015-4, IUCN Red List Unit, Cambridge. Disponível em <http://www.iucnredlist.org>. Acesso em 25 janeiro 2016.
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). Na Serra dos Carajás foi registrado um gênero Sacoglottis e duas espécies, S. guianensis Benth. e S. mattogrosensis Malme.

1. Sacoglottis Mart.

Sacoglottis compreende dez espécies de árvores distribuídas na região neotropical desde a Mata Atlântica do Rio de Janeiro até a Costa Rica, sendo S. gabonensis (Baill.) Urb, encontrado nas florestas tropicais da África ocidental, a única espécie de Humiriaceae que ocorre fora dos Neotrópicos (Cuatrecasas 1961Cuatrecasas J (1961) A taxonomic revision of the Humiriaceae. Contributions from the U.S. National Herbarium 35: 25-214.). As espécies de Sacoglottis são caracterizadas pelas inflorescências do tipo panícula, axilares ou subterminais, flores pentâmeras com 10 estames, sendo os opostos às sépalas maiores que os alternados. O ovário é pentalocular. Os frutos são do tipo drupa com exocarpo carnoso e endocarpo lenhoso com cavidades resiníferas. As espécies do gênero podem ser divididas em dois grupos: com brácteas persistentes e o grupo com brácteas decíduas. Nas cangas da Serra dos Carajás são registradas S. guianensis e S. mattogrossensis, ambas com brácteas persistentes.

    Chave de identificação das espécies de Sacoglottis das cangas da Serra dos Carajás
  • 1. Fruto obovado; pedicelo no fruto 0,2-1,1 mm compr.; folhas coriáceas, com nervuras imersas ou apenas levemente conspícuas na face adaxial ........................................................ 1.1. Sacoglottis guianensis

  • 1’. Fruto globoso; pedicelo no fruto 0,7-2,5 mm compr.; folhas cartáceas com nervuras proeminentes em ambas as faces foliares ....................................................................... 1.2. Sacoglottis mattogrossensis

1.1. Sacoglottis guianensis Benth., Hooker’s J. Bot. Kew Gard. Misc. 5: 103. 1853. Fig. 1a-b

Figura 1
a-b. Sacoglottis guianensis - a. folha; b. fruto. c-d. Sacoglottis mattogrossensis - c. folha; d. fruto (a. Lobato 3820; b. Seco 583; c. Trindade 357; d. Arruda 650). Ilustração: João Silveira.
Figure 1
a-b. Sacoglottis guianensis - a. leaf; b. fruit. c-d. Sacoglottis mattogrossensis - c. leaf; d. fruit (a. Lobato 3820; b. Seco 583; c. Trindade 357; d. Arruda 650). Illustration: João Silveira.

Árvore ou arbusto 2-7 m de altura. Folhas 9-12 cm compr., elípticas, glabras ou com tricomas esparsos na face abaxial, margens crenadas a inteiras, ápice acuminado ou caudado, nervuras terciárias reticuladas, inconspícuas na face adaxial; pecíolo 0,5-1 cm comrp., pubescente. Inflorescência axilar; compr.; brácteas persistentes, triangulares, pilosas com margens ciliadas. Sépalas 6-7 mm compr., ápice arredondado, pubescente; pétalas 3-5 mm compr., esverdeadas, lanceoladas, ápice agudo, glabras ou pubescentes; estames conatos da base até a metade, filetes complanados, anteras elípticas, conectivo lanceolado; ovário oblado, glabro; estigma subcapitado. Drupa elíptica a oblonga, base atenuada, ápice apiculado; pedicelo no fruto 0,2-1,1 mm compr.

Material examinado: Parauapebas [Marabá]: vegetação de canga aberta, Serra dos Carajás. Solo rupestre, 23.X.1985, fr., R. Secco & O. Cardoso 583 (MG); Platô N4, 14.I.2010, fr., L.C.B. Lobato et al. 3820 (MG).

Material adicional examinado: BRASIL. AMAZONAS: Rio Cuieiras, igarapé da Cachoeira, campina, ilhas entre campina e campinarana, XI.1986, fr., M.J. Varejão (INPA). PARÁ: Oriximiná [Porto Trombetas], fr., I.P.A. Miranda & J.F. Ramos 115 (INPA).

Devido à enorme variação morfológica da espécie, Cuatrecasas (1961)Cuatrecasas J (1961) A taxonomic revision of the Humiriaceae. Contributions from the U.S. National Herbarium 35: 25-214. reconhece três variedades e duas formas com base na pubescência das pétalas e dos ramos terminais para distingui-las. No entanto, tais categorias taxonômicas não foram consideradas neste estudo pois apenas dois espécimes com frutos imaturos e flores passadas foram examinados. Em um deles é possível observar sépalas pilosas com margens ciliadas e pétalas pubescentes. Sacoglottis guianensis é morfologiamente similar a S. cydonioides e S. matogrossensis, que apresentam frutos globosos. Saccoglottis cydonioides não ocorre na área de estudo e S. matogrossensis possui pedicelo no fruto mais longo (0,7-2,5 mm compr.) e venação reticulada proeminente em ambas as faces da lâmina foliar.

Sacoglottis guianensis é amplamente distribuída na região Amazônica em florestas de terra firme, campinas e campinaranas. Na Serra dos Carajás foi confirmada sua ocorrência em vegetação de canga, na Serra Norte: N4.

1.2. Sacoglottis mattogrossensis Malme, Arkiv. Bot. Stockh. 22A, No 7:9. 1928. Fig. 1c-d

Árvore 2-4 m de altura. Folhas 5-13 cm compr., elípticas, glabras, margens crenadas a serreadas, ápice agudo ou acuminado, nervuras terciárias reticuladas, proeminentes na face adaxial; pecíolo ca. 1 cm. compr., glabro. Inflorescência axilar, brácteas persistentes, triangulares, puberulentas com margens ciliadas. Sépalas 6-7 mm compr., ápice obtuso a arredondado, pubescente. Pétalas 3-5 mm compr., cremes, lineares, glabras; estames conatos até a metade, filetes complanados, anteras ovais, conectivo com ápice agudo; ovário ovoide a oblongo, glabro; estigma subcapitado. Drupa globosa, base atenuada, ápice arredondado, com ou sem apículo; pedicelo no fruto 0,7-2,5 mm compr.

Material examinado: Canaã dos Carajás: S11D, capão florestal, 04.VII.2010, fl., L.V. Costa 1006 (BHCB); Serra da Bocaina, campo graminoso sobre canga, 08.III.2012, fr., A.J. Arruda 650 (BHCB).

Material adicional examinado: BRASIL. AMAZONAS: Humaitá, 26.VI.1982, fr., L.O.A. Teixeira et al. 1338 (INPA). Humaitá, BR 230, Rodovia Transamazônica a 115 Km de Humaitá, reserva indígena dos Tenharim. 13.IV.1985, fr., C.A.C Ferreira et al. 5446 (INPA).

Sacoglottis mattogrossensis distingui-se de S. guianensis pelos frutos globosos, com pedicelos mais longos e nervuras proeminentes na face adaxial. Sacoglottis mattogrossensis ocorre no sul da bacia amazônica, Mata Atlântica e em áreas florestadas no domínio do Cerrado. Na Serra dos Carajás ocorre tanto em campo graminoso sobre canga quanto em capões florestais na Serra Sul: S11D e Serra da Bocaina.

  • Lista de exsicatas

    Arruda AJ 650 (1.1). Costa LV 1006 (1.1). Varejão MJ (1.1). Miranda IPA 115 (1.1) Lobato LCB 3820 (1.2). Secco R 583 (1.2) Trindade JR 357 (1.2). Teixeira LOA 1338 (1.2). Ferreira CAC 5446 (1.2)
  • Editora de área: Dra. Daniela Zappi

Agradecimentos

A primeira autora agradece ao Programa de Capacitação Institucional (MPEG/MCTI), a bolsa concedida. As autoras agradecem ao Instituto Tecnológico Vale (01205.000250/2014- 10) e CNPq (455505/2014-4), o financiamento.

Referências

  • Cuatrecasas J (1961) A taxonomic revision of the Humiriaceae. Contributions from the U.S. National Herbarium 35: 25-214.
  • Kubitzki K (2014) The family and genera of vascular plants. Vol. XI. Flowering Plants. Eudicots. Malpighiales. Springer, Berlin, Heidelberg. 333p.
  • Flora do Brasil (2020, em construção) Humiriaceae. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB129>. Acesso em 16 maio 2018
    » http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB129
  • IUCN (2016) The IUCN Red List of Threatened Species, Version 2015-4, IUCN Red List Unit, Cambridge. Disponível em <http://www.iucnredlist.org>. Acesso em 25 janeiro 2016.
    » http://www.iucnredlist.org

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2018
  • Aceito
    04 Abr 2018
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