Acessibilidade / Reportar erro

Precisamos falar sobre o uso impróprio de recursos florais

We need to talk about floral larceny

Resumo

Recursos florais constituem o elemento de mediação nas interações mutualísticas entre plantas e polinizadores. Em um sistema ótimo, o investimento das flores na produção de recursos é recompensado pelo adequado transporte de pólen entre indivíduos coespecíficos, realizado por cada visitante floral. Porém visitantes podem obter recursos de diferentes modos, com diferentes implicações no processo de polinização e na integridade das flores. A literatura internacional apresenta uma série de termos e conceitos para a diversidade de comportamentos envolvidos em visitas florais impróprias, mas o uso dos termos principais está bem consolidado desde o artigo seminal de David W. Inouye de 1980. Muitos estudos em biologia da polinização no Brasil tratam adequadamente destes conceitos, porém o uso dos termos em língua portuguesa, tais como ladrão e pilhador de néctar, é inconsistente. Aqui são sugeridos termos e definições para uso impróprio de recursos florais, a partir do conceito de visitas legítimas e ilegítimas.

Palavras-chave:
comportamento de polinizadores; mutualismo; pilhagem de néctar; recurso floral; roubo de pólen

Abstract

Floral resources mediate the mutual interactions between plants and pollinators. In an optimal manner, the investment of flowers in the production of resources is rewarded by floral visitors through adequate transport of pollen among conspecific individuals. However, visitors can obtain resources in different ways, with different implications in the pollination process and floral integrity. A range of terms and concepts has been used for the diversity of behaviors involved in floral larceny, but the main terms are consolidated after the seminal paper by David W. Inouye in 1980. Many studies in pollination biology in Brazil deal with these concepts adequately, however, the use of terms in Portuguese such as nectar thief and robber are inconsistent. I here suggest definitions and terms in Portuguese for floral larceny based on the concepts of legitimate and illegitimate visits.

Key words:
pollinator behavior; mutualism; nectar thieving; floral resources; pollen robbery

"The robbed that smiles, steals something from the thief" (William Shakespeare, in Othello, A Moorish Captain)

Na maioria das angiospermas a interação entre as plantas e seus polinizadores é mediada por recursos florais, principalmente alimentares, como néctar e pólen. Mesmo em casos de polinização por engodo envolvendo ausência de recursos florais, a resposta comportamental dos animais que os leva a visitar a flor é dirigida por sinalização de existência de algum recurso. Os recursos florais são utilizados por uma enorme diversidade de animais, com uma gama de características morfológicas, fisiológicas e comportamentais. Essa diversidade também se reflete em modos distintos de exploração dos recursos. Deste modo, uma mesma flor pode ser visitada de diferentes maneiras, por exemplo, em relação à abordagem da flor pelo visitante, e nas consequências da visita, por exemplo, em relação à integridade da flor, ao transporte adequado de pólen para o estigma e à disponibilidade dos recursos e influência no comportamento de outros visitantes. Tais dimensões de utilização dos recursos florais vêm sendo explorada na literatura em biologia da polinização por longa data (e.g., Sprengel 1793Sprengel CK (1793) Das entdeckte Geheimniss der Natur im Bau und in der Befruchtung der Blumen. Friedrich Vieweg Altere, Berlin. 236p.; Darwin 1876Darwin C (1876) The effects of cross and self-fertilisation on the vegetable kingdom. Murray, London. 482p.), abarcando alguns dos exemplos mais fascinantes sobre as interações entre flores e seus visitantes (e.g., néctar tóxico para abelhas antagonistas, mas não para as polinizadoras, Barlow et al. 2017Barlow SE, Wright GA, Ma C, Barberis M, Farrell IW, Marr EC, Brankin A, Pavlik BM & Stevenson PC (2017) Distasteful nectar deters floral robbery. Current Biology 27: 2552-2558.). Além disso, constitui parcela influente dos estudos sobre a ecologia e evolução dos sistemas de polinização.

A ampla gama de possibilidades de interações entre flores e visitantes florais resultou em uma série de conceitos, definições e termos. Especificamente no caso de utilização imprópria dos recursos florais, isto é, visitas que não são eficazes em termos de sucesso na polinização e/ou que causam danos às flores, ocorreu um avanço enorme na literatura internacional em termos de clareza de conceitos e consistência terminológica a partir do trabalho seminal de David W. Inouye (1980)Inouye DW (1980) The terminology of floral larceny. Ecology 61: 1251-1253.. Tal influência é notória também entre os pesquisadores brasileiros. Por exemplo, estudos realizados no país representam ca. 15% das citações a Inouye (1980)Inouye DW (1980) The terminology of floral larceny. Ecology 61: 1251-1253. na Coleção Principal da Web of Science™ (Clarivate, acesso em 13 junho 2017). A literatura de biologia da polinização em língua portuguesa incorporou as propostas feitas por Inouye (1980)Inouye DW (1980) The terminology of floral larceny. Ecology 61: 1251-1253., porém os conceitos não estão claramente delimitados e termos específicos têm sido aplicados de forma sobreposta. Diversos artigos originais e revisões tratam de aspectos relativos à evolução dos conceitos e suas definições, bem como, às implicações de uso impróprio de recursos das flores na ecologia da polinização e na evolução floral (e.g., Inouye 1980Inouye DW (1980) The terminology of floral larceny. Ecology 61: 1251-1253.; Maloof & Inouye 2000Maloof JE & Inouye DW (2000) Are nectar robbers cheaters or mutualists? Ecology 81: 2651-2661.; Bronstein 2001Bronstein JL (2001) The exploitation of mutualisms. Ecology Letters 4: 277-287.; Irwin et al. 2010Irwin RE, Bronstein JL, Manson JS & Richardson L (2010) Nectar robbing: ecological and evolutionary perspectives. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 41: 271-292.; Bronstein et al. 2017Bronstein JL, Barker JL, Lichtenberg EM, Richardson LL & Irwin RE (2017) The behavioral ecology of nectar robbing: why be tactic constant? Current Opinion in Insect Science 21: 14-18.; Sáez et al. 2017Sáez A, Morales CL, Garibaldi LA & Aizen MA (2017) Invasive bumble bees reduce nectar availability for honey bees by robbing raspberry flower buds. Basic and Applied Ecology 19: 26-35.). Deste modo, o objetivo aqui é apresentar brevemente sugestões de definições de conceitos e termos em língua portuguesa.

O ponto de partida se dá com os conceitos de "visita legítima" e "visita ilegítima". Os termos "legítimo" e "ilegítimo" em polinização foram originalmente usados em um sentido evolutivo, para distinguir os visitantes florais que parecem ser adaptados (visitantes legítimos) ou não adaptados (ilegítimos) a certa flor (Inouye 1980Inouye DW (1980) The terminology of floral larceny. Ecology 61: 1251-1253.) (Fig. 1). A distinção entre os dois tipos de visitantes é feita pela observação de existência ou não de acoplamento morfológico entre a unidade de polinização e o visitante, bem como pela abordagem à flor durante a visita (Percival 1965Percival M (1965) Floral biology. Pergamon, New York. 243p.; Irwin et al. 2010Irwin RE, Bronstein JL, Manson JS & Richardson L (2010) Nectar robbing: ecological and evolutionary perspectives. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 41: 271-292.). Unidade de polinização é definida como a estrutura funcional para a polinização, em geral constituída pela própria flor, mas também por conjuntos de flores e outras estruturas, como brácteas e nectários extraflorais, tais como o capítulo em Asteraceae e o ciátio em Euphorbia e Dalechampia (Euphorbiaceae). Embora essas definições não tratem dos efeitos das visitas, a associação de visitas legítimas àquelas que são efetivas para a polinização, e vice-versa, é intuitiva e com grande correspondência empírica. Consequentemente, os termos têm sido amplamente aplicados dessa forma em estudos em um contexto ecológico (e.g., Fumero-Cabán & Meléndez-Ackerman 2007Fumero-Cabán JJ & Meléndez-Ackerman EJ (2007) Relative pollination effectiveness of floral visitors of Pitcairnia angustifolia (Bromeliaceae). American Journal of Botany 94: 419-424.; Hargreaves et al. 2009Hargreaves AL, Harder LD & Johnson SD (2009) Consumptive emasculation: the ecological and evolutionary consequences of pollen theft. Biological Reviews 84: 259-276.; Alves-dos-Santos et al. 2016Alves-dos-Santos I, Silva CI, Pinheiro M & Kleinert AMP (2016) Quando um visitante floral é um polinizador? Rodriguésia 67: 295-307.; Solís-Montero & Vallejo-Marín 2017Solís-Montero L & Vallejo-Marín M (2017) Does the morphological fit between flowers and pollinators affect pollen deposition? An experimental test in a buzz-pollinated species with anther dimorphism. Ecology and Evolution 7: 2706-2715.). Aqui são apresentadas definições para visitas legítimas e ilegítimas mais próximas do conceito original (Tab. 1), centrada na abordagem usada pelo visitante e assumindo-se que visitas legítimas não necessariamente acarretam na polinização (Fig. 1a-c). Do mesmo modo, a definição de visita ilegítima deixa em aberto a possibilidade de ocorrer transporte adequado de pólen (exemplos abaixo), bem como sobre ocorrer ou não dano a tecidos florais (Tab. 1, Fig. 1d-h).

Figura 1
Exemplos de diferentes tipos de visitas a flores e de comportamentos de uso impróprio de recursos florais. Visitas legítimas de Polybia sericea a Gonioanthela hilariana (a), Augochloropsis cyanea a Oxypetalum sublanatum (b), e Glossophaga soricina a Encholirium horridum (c). Notar que visitas legítimas não necessariamente acarretam em polinização, como no exemplo da visita a O. sublanatum (b), na qual não ocorreu deposição ou retirada de polínias, caracterizando pilhagem de néctar. Visitas ilegítimas de Apis mellifera (d) e Strymon megarus (e) a E. horridum, caracterizando pilhagem de pólen e néctar, respectivamente. Nestes casos, A. mellifera visitava cada antera individualmente para a coleta de pólen, sem tocar no estigma posicionado no plano central, o mesmo resultado da visita por S. megarus, que abordava a flor por sua base, apoiando as pernas na parte dorsal das pétalas e introduzindo a tromba em espaços entre os filetes em sua porção basal. Visita ilegítima de Trigona spinipes para coleta de pólen em Edmundoa lindenii (f), em que usualmente mastigam as anteras ainda fechadas para acessar o recurso, caracterizando roubo de pólen. Visitas ilegítimas de Xylocopa sp. (g) e Hesperidae sp. (h) em Salvia sellowiana, caracterizando, respectivamente, roubo primário e roubo secundário de néctar, já que a abelha danifica a corola para acessar o néctar, sendo a abertura aproveitada por outros visitantes como borboletas. Créditos das fotos: (f) Roberta L. Leal; (g,h) Izar Aximoff; demais por L. Freitas.
Figure 1
Examples of different types of visits to flowers and behaviors involved in floral larceny. Legitimate visits of Polybia sericea to Gonioanthela hilariana (a), Augochloropsis cyanea to Oxypetalum sublanatum (b), and Glossophaga soricina to Encholirium horridum (c). Note that legitimate visits do not necessarily lead to pollination, as in the example of the visit to O. sublanatum (b), in which there was no pollinia deposition or removal, characterizing nectar theft. Illegitimate visits of Apis mellifera (d) and Strymon megarus (e) to E. horridum, characterizing pollen and nectar theft, respectively. In these cases, A. mellifera visited each anther individually for the collection of pollen, without touching the stigma positioned in the central plane, the same result of the visit by S. megarus, which approached the flower at its base, supporting the legs in the dorsal part of the petals and introducing the tongue into spaces between the basal portion of filaments. Illegitimate visit by Trigona spinipes for pollen collection in Edmundoa lindenii (f), in which they usually chew closed anthers to access the resource, characterizing pollen robbery. Illegitimate visits of Xylocopa sp. (g) and Hesperidae sp. (h) in Salvia sellowiana, characterizing respectively primary and secondary robbery of nectar: the bee damages the corolla to access the nectar and the opening is used by other visitors as butterflies. Image credits: (f) Roberta L. Leal; (g,h) Izar Aximoff; others by L. Freitas.

Tabela 1
Termos e definições associados ao uso impróprio de recursos florais. Termos equivalentes em língua inglesa entre aspas.
Table 1
Terms and definitions related to floral larceny.

A partir daí, o uso impróprio de recursos florais pelos visitantes abarcaria duas dimensões, a saber:

"Obtenção do recurso floral com dano a tecidos florais";

"Obtenção do recurso floral sem dano a tecidos florais, porém sem ocasionar a polinização".

Estas duas dimensões definem os conceitos de "roubo" (i) e "pilhagem" (ii) de recursos, os quais são associados, respectivamente, aos termos "ladrão" e "pilhador", com referência ao agente da ação (i.e., visitante floral) (Tab. 1). Estes conceitos, por definição, dizem respeito a um único evento de visita floral, e por extensão, ao comportamento de certo indivíduo de visitante (q.v. Inouye 1980Inouye DW (1980) The terminology of floral larceny. Ecology 61: 1251-1253.; Irwin et al. 2010Irwin RE, Bronstein JL, Manson JS & Richardson L (2010) Nectar robbing: ecological and evolutionary perspectives. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 41: 271-292.). Uma consequência destas definições centradas em um evento de visitação à flor é que diferentes indivíduos de uma espécie podem ter papéis antagônicos, por exemplo, indivíduos polinizadores e outros pilhadores (Macior 1966Macior LW (1966) Foraging behavior of Bombus (Hymenoptera: Apidae) in relation to Aquilegia pollination. American Journal of Botany 53: 302-309.). Um mesmo indivíduo pode alternar entre os papéis, tanto em eventos separados de visita às flores da espécie em questão, como simultaneamente (Maloof & Inouye 2000Maloof JE & Inouye DW (2000) Are nectar robbers cheaters or mutualists? Ecology 81: 2651-2661., mas ver Bronstein et al. 2017Bronstein JL, Barker JL, Lichtenberg EM, Richardson LL & Irwin RE (2017) The behavioral ecology of nectar robbing: why be tactic constant? Current Opinion in Insect Science 21: 14-18.). Na prática, na maioria dos estudos os indivíduos de visitantes não recebem marcações e, portanto, não podem ser distinguidos, assim que a atribuição do papel de cada espécie no sistema é definida pela frequência de visitas em que se observam os diferentes comportamentos. Assim, é importante que o estudo indique em que escala a classificação do comportamento está sendo empregada (e.g., indivíduos na população, conjunto de indivíduos forrageando em certa espécie de planta, ou espécie de visitante em relação ao conjunto de plantas da comunidade) e quais critérios foram utilizados, por exemplo: espécies foram classificadas como pilhadoras quando sua porcentagem de visitas impróprias foi superior a certo valor. Por fim, a definição acima para o conceito de roubo de recurso não se aplica para sistemas de polinização em que os próprios tecidos florais são recursos e seu consumo envolve visitas legítimas, como por exemplo, a polinização por besouros (q.v., Bernhardt 2000Bernhardt P (2000) Convergent evolution and adaptive radiation of beetle-pollinated angiosperms. Plant Systematics and Evolution 222: 293-320.) em espécies de cicadófitas (Procheş & Johnson 2009Procheş Ş & Johnson SD (2009) Beetle pollination of the fruit-scented cones of the South African cycad Stangeria eriopus. American Journal of Botany 96: 1722-1730.) e Annonaceae (Costa et al. 2017Costa MS, Silva RJ, Paulino-Neto HF & Pereira MJB (2017) Beetle pollination and flowering rhythm of Annona coriacea Mart. (Annonaceae) in Brazilian cerrado: Behavioral features of its principal pollinators. PLoS ONE 12: e0171092.). Consequentemente, as considerações no restante do texto sobre roubo de recursos não se aplicam a estes casos.

Uma distinção adicional do comportamento de roubo de recursos se refere ao conceito de ladrão primário e secundário. Este é um conceito simples e bem estabelecido em biologia da polinização (e.g., Faegri & van der Pijl 1979Faegri K & van der Pijl L (1979) The principles of pollination ecology. 3rd ed. Pergamon, New York. 244p.), relacionado aos visitantes que causam o dano nas estruturas da flor para acessar o recurso e a outros que simplesmente se utilizam deste acesso (Tab. 1). A forma mais comum de roubo primário de néctar envolve uma abertura do perianto na porção basal de flores tubulosas, próximo ao nectário, feita por aves (perfuração com o bico) ou abelhas (mastigação ou corte com as partes bucais) (Maloof & Inouye 2000Maloof JE & Inouye DW (2000) Are nectar robbers cheaters or mutualists? Ecology 81: 2651-2661.) (Fig. 1g). Esta abertura pode ser utilizada por outros visitantes para acesso ao néctar pela mesma via, caracterizando-os como ladrões secundários (Fig. 1h). O roubo secundário em geral é feito por espécies distintas da que danificou a flor (Maloof & Inouye 2000Maloof JE & Inouye DW (2000) Are nectar robbers cheaters or mutualists? Ecology 81: 2651-2661.), mas há espécies que atuam dos dois modos nas flores de uma mesma espécie (e.g., Milet-Pinheiro & Schlindwein 2009Milet-Pinheiro P & Schlindwein C (2009) Pollination in Jacaranda rugosa (Bignoniaceae): euglossine pollinators, nectar robbers and low fruit set. Plant Biology 11: 131-141.). Já o roubo primário de pólen é feito principalmente por abelhas meliponíneas, que utilizam suas partes bucais para mastigar tanto pétalas, em flores em pré-antese, como anteras ainda fechadas (Fig. 1f), sendo que estes comportamentos podem ser combinados ou não dependendo da dinâmica da antese e do momento em que ocorrem (Inouye 1980Inouye DW (1980) The terminology of floral larceny. Ecology 61: 1251-1253.; Hargreaves et al. 2009Hargreaves AL, Harder LD & Johnson SD (2009) Consumptive emasculation: the ecological and evolutionary consequences of pollen theft. Biological Reviews 84: 259-276.). Na sequência, outros visitantes podem coletar o pólen que restou na(s) antera(s) após o roubo primário, sendo caracterizados como ladrões secundários de pólen.

Os conceitos de roubo e pilhagem de recursos se unificam na medida em que são comportamentos dos visitantes florais com impacto negativo imediato para a planta (mas q.v. discussão abaixo), porém sua diferenciação é importante por diversos motivos. Primeiro, pela própria natureza do impacto, pois o roubo de recursos envolve danos aos tecidos florais, enquanto a pilhagem se restringe à exploração do recurso floral sem a contrapartida da polinização. Tal distinção leva a consequências diversas. Os danos causados às flores por ladrões de recursos podem levar à redução da longevidade, afetar o desenvolvimento (particularmente danos na fase de botão) e a integridade das estruturas florais, incluindo anteras, estilete/estigma e óvulos, e no extremo causar o aborto da flor (Irwin et al. 2010Irwin RE, Bronstein JL, Manson JS & Richardson L (2010) Nectar robbing: ecological and evolutionary perspectives. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 41: 271-292.). Também pode proporcionar que certo visitante explore um recurso que era inacessível a ele sem a existência do dano, bem como provocar mudanças no comportamento de visita à flor por outros visitantes (Inouye 1980Inouye DW (1980) The terminology of floral larceny. Ecology 61: 1251-1253.). Como a pilhagem não danifica a estrutura da flor, essa gama de consequências não são esperadas, embora sinalização química e mudanças na disponibilidade e no padrão de distribuição dos recursos também podem influenciar o forrageamento de outros visitantes (Irwin et al. 2001Irwin RE, Brody AK & Waser NM (2001) The impact of floral larceny on individuals, populations, and communities. Oecologia 129: 161-168.). A pilhagem por definição implica na ausência de polinização. Da mesma forma, eventos de roubo de recursos na maioria das vezes são ineficazes, mas podem resultar em transferência de pólen para os estigmas (Navarro 2000Navarro L (2000) Pollination ecology of Anthyllis vulveraria subsp. Vulgaris (Fabaceae): nectar robbers as pollinators. American Journal of Botany 87: 980-985.). É intuitivo se pensar que os eventos de roubo e pilhagem de recursos têm efeito negativo no sucesso reprodutivo, tanto pelas perdas diretas com os danos às flores, incluindo aí a redução no número de grãos de pólen e de óvulos disponíveis para reprodução, quanto pela redução nos recursos florais, que indiretamente afetaria a atratividade das flores a visitantes mais efetivos. Além disso, a frequência de visitas às flores por ladrões e pilhadores de recursos pode ser superior à dos polinizadores. Entretanto, a redução na disponibilidade de recurso pode favorecer a movimentação dos polinizadores com efeitos positivos no fluxo de pólen e no sucesso reprodutivo dentro da população (Maloof & Inouye 2000Maloof JE & Inouye DW (2000) Are nectar robbers cheaters or mutualists? Ecology 81: 2651-2661.), embora efeitos negativos diretos e indiretos predominem (Burkle et al. 2007Burkle LA, Irwin RE & Newman DA (2007) Predicting the effects of nectar robbing on plant reproduction: implications of pollen limitation and plant life-history traits. American Journal of Botany 94: 1935-1943.). Portanto, os eventos de roubo e pilhagem de recursos florais não constituem interações antagônicas per si em escala populacional, podendo resultar em interações mutualistas ou comensais (Maloof & Inouye 2000Maloof JE & Inouye DW (2000) Are nectar robbers cheaters or mutualists? Ecology 81: 2651-2661.). Assim, nesta escala, a classificação do tipo de interação irá depender do balanço entre eventos impróprios de coleta de recursos e de polinização, da intensidade dos danos e das respostas fisiológicas das flores e do comportamento das demais espécies de visitantes frente às mudanças causadas pelos pilhadores e ladrões (Irwin et al. 2010Irwin RE, Bronstein JL, Manson JS & Richardson L (2010) Nectar robbing: ecological and evolutionary perspectives. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 41: 271-292.; Bronstein et al. 2017Bronstein JL, Barker JL, Lichtenberg EM, Richardson LL & Irwin RE (2017) The behavioral ecology of nectar robbing: why be tactic constant? Current Opinion in Insect Science 21: 14-18.).

As sugestões de termos feitas aqui foram guiadas por buscar aproximação aos conceitos bem estabelecidos na literatura da área, com a proposta de definições que correspondem ao uso mais frequente e evitando termos novos. Por exemplo, os termos ladrão e pilhador de néctar são os mais disseminados na literatura em língua portuguesa e seu emprego, em muitos casos, é coerente com as definições aqui sugeridas. Uma diferença em relação ao estudo de Inouye (1980)Inouye DW (1980) The terminology of floral larceny. Ecology 61: 1251-1253. é que naquele trabalho as definições foram feitas considerando o recurso floral, por exemplo, definições específicas para os termos ladrão de néctar e ladrão de pólen. Aqui as definições se aplicam indistintamente ao recurso, com a vantagem de poder aplicá-las para outros recursos florais. Isto é particularmente interessante considerando a flora tropical, na qual são esperados sistemas com visitantes que atuem, por exemplo, como pilhadores de resina ou ladrões de óleo. Assim como pontuado por Inouye em 1980, a expectativa é que se a terminologia aqui sugerida for usada de forma consistente nos trabalhos em língua portuguesa, haverá uma correspondência mais precisa com a literatura internacional na área e maior clareza sobre o que está sendo descrito, melhorando nosso entendimento sobre os sistemas estudados e as implicações ecológicas e evolutivas das distintas formas de forrageio de recursos florais.

Agradecimentos

O autor agradece aos colegas da Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador (REBIPP) as discussões inspiradoras sobre o tema; a André R. Rech, Pietro K. Maruyama e um revisor anônimo as valiosas sugestões após leitura crítica do manuscrito; a Lucas A. Kaminski a identificação de Lepidoptera; a Izar Aximoff e Roberta L. Leal a cessão de imagens; ao Cnpq a concessão de bolsa de produtividade em pesquisa - Código de Financiamento 001.

Referências

  • Alves-dos-Santos I, Silva CI, Pinheiro M & Kleinert AMP (2016) Quando um visitante floral é um polinizador? Rodriguésia 67: 295-307.
  • Barlow SE, Wright GA, Ma C, Barberis M, Farrell IW, Marr EC, Brankin A, Pavlik BM & Stevenson PC (2017) Distasteful nectar deters floral robbery. Current Biology 27: 2552-2558.
  • Bernhardt P (2000) Convergent evolution and adaptive radiation of beetle-pollinated angiosperms. Plant Systematics and Evolution 222: 293-320.
  • Bronstein JL (2001) The exploitation of mutualisms. Ecology Letters 4: 277-287.
  • Bronstein JL, Barker JL, Lichtenberg EM, Richardson LL & Irwin RE (2017) The behavioral ecology of nectar robbing: why be tactic constant? Current Opinion in Insect Science 21: 14-18.
  • Burkle LA, Irwin RE & Newman DA (2007) Predicting the effects of nectar robbing on plant reproduction: implications of pollen limitation and plant life-history traits. American Journal of Botany 94: 1935-1943.
  • Costa MS, Silva RJ, Paulino-Neto HF & Pereira MJB (2017) Beetle pollination and flowering rhythm of Annona coriacea Mart. (Annonaceae) in Brazilian cerrado: Behavioral features of its principal pollinators. PLoS ONE 12: e0171092.
  • Darwin C (1876) The effects of cross and self-fertilisation on the vegetable kingdom. Murray, London. 482p.
  • Faegri K & van der Pijl L (1979) The principles of pollination ecology. 3rd ed. Pergamon, New York. 244p.
  • Fumero-Cabán JJ & Meléndez-Ackerman EJ (2007) Relative pollination effectiveness of floral visitors of Pitcairnia angustifolia (Bromeliaceae). American Journal of Botany 94: 419-424.
  • Hargreaves AL, Harder LD & Johnson SD (2009) Consumptive emasculation: the ecological and evolutionary consequences of pollen theft. Biological Reviews 84: 259-276.
  • Inouye DW (1980) The terminology of floral larceny. Ecology 61: 1251-1253.
  • Irwin RE, Brody AK & Waser NM (2001) The impact of floral larceny on individuals, populations, and communities. Oecologia 129: 161-168.
  • Irwin RE, Bronstein JL, Manson JS & Richardson L (2010) Nectar robbing: ecological and evolutionary perspectives. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 41: 271-292.
  • Macior LW (1966) Foraging behavior of Bombus (Hymenoptera: Apidae) in relation to Aquilegia pollination. American Journal of Botany 53: 302-309.
  • Maloof JE & Inouye DW (2000) Are nectar robbers cheaters or mutualists? Ecology 81: 2651-2661.
  • Milet-Pinheiro P & Schlindwein C (2009) Pollination in Jacaranda rugosa (Bignoniaceae): euglossine pollinators, nectar robbers and low fruit set. Plant Biology 11: 131-141.
  • Navarro L (2000) Pollination ecology of Anthyllis vulveraria subsp. Vulgaris (Fabaceae): nectar robbers as pollinators. American Journal of Botany 87: 980-985.
  • Percival M (1965) Floral biology. Pergamon, New York. 243p.
  • Procheş Ş & Johnson SD (2009) Beetle pollination of the fruit-scented cones of the South African cycad Stangeria eriopus American Journal of Botany 96: 1722-1730.
  • Sáez A, Morales CL, Garibaldi LA & Aizen MA (2017) Invasive bumble bees reduce nectar availability for honey bees by robbing raspberry flower buds. Basic and Applied Ecology 19: 26-35.
  • Solís-Montero L & Vallejo-Marín M (2017) Does the morphological fit between flowers and pollinators affect pollen deposition? An experimental test in a buzz-pollinated species with anther dimorphism. Ecology and Evolution 7: 2706-2715.
  • Sprengel CK (1793) Das entdeckte Geheimniss der Natur im Bau und in der Befruchtung der Blumen. Friedrich Vieweg Altere, Berlin. 236p.

Editado por

Editor de área: Dr. André Rech

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2017
  • Aceito
    11 Set 2017
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Rua Pacheco Leão, 915 - Jardim Botânico, 22460-030 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21)3204-2148, Fax: (55 21) 3204-2071 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rodriguesia@jbrj.gov.br